TJCE - 3001797-73.2023.8.06.0013
1ª instância - 1ª Unidade de Juizado Especial Civel da Comarca de Fortaleza
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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05/11/2024 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ 1º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE FORTALEZA PROCESSO Nº 3001797-73.2023.8.06.0013 EMENTA: Direito do consumidor.
Ação de indenização por danos materiais e morais.
Pacote turístico internacional.
Desistência do consumidor.
Cobrança de multa contratual e taxa de cancelamento.
Redução da penalidade.
Devolução parcial do valor pago.
Danos morais não configurados.
Demanda parcialmente procedente.
SENTENÇA Vistos em mutirão (out. 2024).
Trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais, em que o autor, em petição inicial (id. 71528864), alega que, após o cancelamento da viagem originalmente agendada para outubro de 2021, em razão da pandemia de COVID-19, a requerida remarcou o passeio para outubro de 2022, período em que o autor não teria disponibilidade.
Ao pleitear o reembolso do pacote, foi surpreendido com a retenção de valor correspondente à multa contratual de 15%.
Alega a abusividade da multa e da taxa de cancelamento impostas pela requerida.
Desse modo, requer o reembolso integral do pacote contratado; subsidiariamente, a redução da multa para 10%, considerando não ter dado causa ao pedido de cancelamento; requer ainda a anulação da taxa de US$ 500,00 (cláusula 7.1 do contrato) referente ao cancelamento do percurso terrestre e, subsidiariamente, que a taxa seja reduzida para o percentual de 25% sobre o valor total da taxa; condenação da requerida ao pagamento de indenização por danos morais em R$ 5.000,00. Em contestação (id. 85722484), a requerida alega que o autor desistiu da viagem por motivos pessoais, e a empresa nega-se a fazer o reembolso integral por estar amparada por cláusulas contratuais que preveem multa e taxa de cancelamento.
Argumenta que agiu conforme o contrato e a legislação aplicável, não havendo falha na prestação de serviço ou prática de ato ilícito.
Por fim, requer a improcedência total da ação.
Em réplica (id. 86131827) , foram reiterados os termos da inicial. É o que importa relatar.
Decido.
O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, vez que desnecessária a produção de provas em audiência de instrução e julgamento.
Ao juiz, enquanto sujeito processual destinatário da prova, cabe a análise da conveniência e da necessidade de sua realização para o deslinde da controvérsia (art. 370, CPC).
De início, anoto que não existem dúvidas de que cuida a espécie de uma relação consumerista, estando as partes emolduradas nas figuras descritas nos arts. 2º e 3º da Lei 8.078/90, fazendo-se essencial a observância das regras dispostas no microssistema de defesa do consumidor.
O presente caso diz respeito ao cancelamento de pacote turístico por razões pessoais, incompatibilidade das férias do autor com a data da viagem.
O consumidor afirma que a reclamada negou sua solicitação de reembolso integral pela viagem não concretizada. O autor apresentou o contrato (id. 71528866) e mensagens da requerida (id. 71528869) que demonstram que a empresa condicionou o reembolso à retenção de 15% do valor total pago (R$ 18.600,00) como multa contratual, além da retenção integral da taxa de reserva do passeio terrestre, no valor de US$ 500,00.
Também ficou comprovado nos autos que o autor comunicou a desistência da viagem à requerida no dia 18 de agosto de 2022 (id. 71528864, p. 6), isto é, cerca de 2 meses antes da data prevista para o embarque do primeiro trecho.
Depreende-se do contrato firmado entre as partes que a cláusula 7.1 prevê a multa rescisória de 15% sobre o valor do pacote turístico contratado.
Além disso, a cláusula estabelece a cobrança de taxa de reserva de passeio terrestre no valor de US$ 500,00 por passageiro para cancelamentos efetuados 7 dias antes da viagem.
No caso em tela, a aplicação integral dessas penalidades resultaria em uma retenção de aproximadamente R$ 5.036,05 (15% de R$ 18.600,00, equivalente a R$ 2.791,05, somados a R$ 2.245,00, correspondentes à taxa de US$ 500 convertida para reais), o que representa cerca de 27% do valor total pago pelo consumidor. É cediço que, em contratos de adesão, especialmente nas relações de consumo, o Poder Judiciário pode intervir para moderar cláusulas que se mostrem excessivamente onerosas ao consumidor, parte hipossuficiente da relação.
Tal intervenção encontra respaldo no art. 51, IV do Código de Defesa do Consumidor, que considera nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Ademais, o art. 413 do Código Civil estabelece que "A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio".
Esse dispositivo reforça a possibilidade de intervenção judicial para equilibrar as relações contratuais.
A cobrança cumulativa de multa rescisória e taxa de reserva para transporte terrestre não se justifica, uma vez que ambas as cobranças visam compensar a mesma natureza de prejuízo.
Essa prática pode ser considerada abusiva, nos termos do art. 39, V, do CDC, que veda ao fornecedor "exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva".
Assim, com o intuito de reestabelecer o equilíbrio contratual entre as partes, evitando o enriquecimento sem causa do fornecedor e, ao mesmo tempo, compensando-o por eventuais prejuízos decorrentes do cancelamento, entendo razoável a nulidade da cláusula contratual referente à taxa de reserva terrestre, no valor de US$ 500,00.
Portanto, determino que a retenção a título de multa contratual e taxas de cancelamento seja limitada a 15% do valor total pago pelo consumidor, equivalente a R$ 2.791,05.
Esta medida visa equilibrar os interesses de ambas as partes, respeitando a autonomia da vontade expressa no contrato, mas também protegendo o consumidor contra cláusulas potencialmente abusivas, em consonância com os princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos.
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já proferiu entendimento no sentido de que "É equitativo reduzir o valor da multa aos patamares previstos na Deliberação Normativa nº 161 de 09/08/1985 da EMBRATUR, que fixa o limite de 20% do valor do contrato às desistências, condicionando a cobrança de valores superiores à efetiva prova de gastos irrecuperáveis pela agência de turismo" (STJ - REsp: 1580278 SP 2016/0021268-3, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 21/08/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/09/2018).
No mesmo sentido: RECURSO INOMINADO.
CDC.
DESISTÊNCIA DE PACOTE DE TURISMO INTERNACIONAL.
AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO, C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
HAVENDO EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL, NÃO SE AFIGURA ABUSIVA RETENÇÃO DE 20% A TÍTULO DE MULTA COMPENSATÓRIA, AINDA QUE SOMADA ÀS DESPESAS COM TAXAS DE SERVIÇOS DE TERCEIROS, NA HIPÓTESE DE CANCELAMENTO DA VIAGEM.
PRECEDENTE DO EGR.
STJ.
DANOS EXTRAPATRIMONIAIS NÃO CONFIGURADOS.
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA CONFIRMADA.
RECURSO DESPROVIDO. (TJRS, Recurso Inominado, Nº 50259865120208210019, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Luiz Augusto Guimaraes de Souza, Julgado em: 01-08-2023) No que tange ao pedido de indenização por danos morais, deve-se ressaltar que o mero inadimplemento contratual, por si só, não é suficiente para configurar dano moral indenizável.
Essa é uma posição consolidada na jurisprudência dos tribunais superiores, que exige a demonstração de consequências que extrapolem o simples descumprimento da obrigação contratual (STJ - AgInt no AREsp: 2009274 DF 2021/0339534-3, Data de Julgamento: 13/06/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/06/2022).
Na hipótese, não restou demonstrado que os fatos narrados tenham gerado consequências que ultrapassem a esfera do mero aborrecimento ou dissabor cotidiano.
O autor não logrou êxito em comprovar que a conduta da requerida tenha resultado em violação a seus direitos da personalidade.
Dessarte, o pedido de indenização por danos extrapatrimoniais deve ser julgado improcedente.
Diante do exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos formulados na inicial para: DECLARAR nula a cláusula contratual referente à taxa de reserva terrestre no valor de US$ 500,00; DETERMINAR que a retenção a título de multa contratual e taxas de cancelamento seja limitada a 15% do valor total pago pelo autor, equivalente a R$ 2.791,05; CONDENAR a requerida a restituir ao autor o valor de R$ 15.808,95, com correção monetária pelo INPC desde a data do desembolso de cada parcela, acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação, observando-se, a partir de 01/07/24, o direito intertemporal previsto no art. 5º da Lei 14.905/24, quanto à incidência da nova disciplina que o referido diploma conferiu à correção monetária e juros.
Sem condenação em custas e honorários advocatícios, em razão do disposto no art. 55, caput, da Lei 9.099/95.
Considerando que no Sistema dos Juizados Especiais Cíveis já há isenção de custas no 1º Grau; em caso de interposição de recurso com pedido de gratuidade da justiça, deve a parte recorrente apresentar, além da declaração de hipossuficiência econômica, de comprovantes de renda e das condições econômicas demonstradores da impossibilidade de custeio das custas processuais sem prejuízo para sua subsistência, inclusive, corroborado pelo Enunciado do FONAJE n. 116, sob pena de deserção recursal.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Fortaleza, data da assinatura eletrônica.
EZEQUIAS DA SILVA LEITE JUIZ DE DIREITO GAB2
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
04/11/2023
Ultima Atualização
10/12/2024
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
DECISÃO • Arquivo
INTIMAÇÃO DA SENTENÇA • Arquivo
SENTENÇA • Arquivo
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