TJBA - 0000294-72.2017.8.05.0218
1ª instância - Vara Criminal, Juri, de Execucoes Penais e Inf Ncia e Juventude - Ruy Barbosa
Polo Ativo
Partes
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Polo Passivo
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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17/07/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA COMARCA DE RUY BARBOSA VARA CRIMINAL, JÚRI, EXECUÇÕES PENAIS, INFÂNCIA E JUVENTUDE Processo: AÇÃO PENAL DE COMPETÊNCIA DO JÚRI n. 0000294-72.2017.8.05.0218 AUTOR: Ministério Público do Estado da Bahia REU: VALMILTON DA SILVA BARBOSA Advogado(s): NELIA TAMIRES DOS SANTOS MATOS (OAB:BA33013) SENTENÇA Vistos, etc.
Trata-se de ação penal ofertada pelo Ministério Público do Estado da Bahia em desfavor de VALMILTON DA SILVA BARBOSA, qualificado nos autos, na qual se imputa a prática de infração penal prevista no art. 121, § 2º, II, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, narrando os seguintes fatos: [...] que no dia 08 de maio de 2008, por volta das 20h00, no bar da Sra.
Anilda Bastos dos Santos, localizado na Praça Milton Cardoso, Centro de Nova Cruz, Macajuba-BA, o denunciado Valmilton da Silva Barbosa, agindo com animus necandi, desferiu quatro facadas contra a vitima Rubens Vitoria de Oliveira, não conseguindo seu intento - ceifar-lhe a vida - por circunstâncias alheias à sua vontade.
Consta dos autos que, no dia e hora dos fatos, o denunciado chegou ao bar onde a vítima se encontrava e a chamou para conversar sob uma árvore próxima ao estabelecimento.
O teor da conversa era uma compensação de débitos entre as partes, já que o denunciado exigia que a vítima lhe devolvesse um cheque no montante de R$ 800,00 (oitocentos reais) do qual aquele era emitente, sendo que Rubens só aceitava fazê-lo se Valmiton lhe pagasse uma dívida no valor de R$ 60,00 (sessenta reais).
Não havendo acordo, o acusado puxou uma faca e desferiu quatro golpes contra a vítima, um atingindo a região axilar esquerda, outro a região escapular esquerda (nas costas, próximo ao braço esquerdo), e mais dois a região do hipocôndrio esquerdo (região das costelas, abaixo do peitoral e acima da lombar), consoante positivado no Laudo Pericial encartado às fls. 09/10.
O acusado só não conseguiu consumar seu intento, porque foi empurrado por uma pessoa que o impediu de continuar esfaqueando Rubens.
Levado ao Hospital Clériston Andrade, em Feira de Santana-BA, a vítima foi internada em 09/05/2008, submeteu-se a cirurgia bem sucedida, resistiu aos ferimentos e recebeu alta em 16/05/2008, oito dias após a entrada no mencionado Nosocômio (relatório de alta hospitalar à fl. 11). [...] (do Id. 184076663) Recebida a denúncia em 28 de junho de 2017, nos termos da Decisão de Id. 184076672.
Citado (Id. 184076678), o acusado apresentou resposta à acusação no Id. 184076679, por meio de advogado integrante do Serviço de Assistência Jurídica Gratuita do Município de Macajuba/BA.
A audiência de instrução foi realizada em 5 de fevereiro de 2025, ocasião em que foram colhidos os depoimentos da vítima RUBENS VITÓRIA DE OLIVEIRA e da testemunha ANILDA BASTOS DOS SANTOS, conforme registrado no Id. 485437842.
Prejudicado o interrogatório do acusado VALMILTON DA SILVA BARBOSA, nos termos do art. 367 do Código de Processo Penal, em razão de sua ausência à audiência, considerando a certidão lavrada pelo Oficial de Justiça que atestou ter diligenciado no endereço constante dos autos para proceder à sua intimação pessoal, sem, contudo, lograr êxito, uma vez que o acusado mudou-se do local sem comunicar o novo endereço a este Juízo (Id. 484159227). Alegações finais orais do Ministério Público, pugnando pela pronúncia do acusado como incurso na sanção prevista no art. art. 121, § 2º, II, na forma do art. 14, II, ambos do Código Penal (Id. 485437842).
Alegações finais orais apresentadas pela defesa do acusado, nas quais se pleiteou a impronúncia, sob o argumento de insuficiência probatória.
Subsidiariamente, requereu-se a desclassificação do delito para lesão corporal, ao fundamento de que não restou comprovado tratar-se de crime contra a vida, bem como em razão de não constar nos autos por quanto tempo a vítima ficou impossibilitada de exercer suas atividades cotidianas, tampouco havendo registro de sequelas decorrentes das supostas lesões.
Por fim, foi requerida a absolvição do réu (Id. 485437842). É o que se relata.
Fundamento e decido.
Inicialmente, verifica-se que não há matérias preliminares ou prejudiciais ao mérito que devam ser objeto de avaliação. Sendo assim, o feito encontra-se plenamente apto para julgamento, o que, no caso dos processos que abordam a existência ou não de crimes dolosos contra a vida, compreende a avaliação acerca dos requisitos insertos no art. 413 do CPP para fins de submissão ou não da causa ao Tribunal do Júri da Comarca de Ruy Barbosa.
A - DA MATERIALIDADE DELITIVA No que se refere ao elemento da materialidade, tem-se que este se encontra devidamente comprovada nos autos.
Sobreveio o Laudo de Exame de Lesões Corporais (Id. 184076665), o qual possui correlação com a narrativa apresentada na peça de denúncia que descreve quatro cicatrizes, sendo uma na região axilar esquerda, outra na região escapular esquerda e duas na topografia do hipocôndrio esquerdo, causados por instrumento lacero cortante, uma cicatriz xifo-púbica em fase de cicatrização, resultante de uma cirurgia de laparotomia de urgência, e que em virtude das lesões a vítima teve perigo de vida, assim como o Relatório de Alta Hospitalar (Id. 184076666), descrevendo ráfia no estômago e fígado.
Por se tratar de infração penal que deixa vestígios, tem-se que a materialidade do fato encontra-se devidamente provada a partir do laudo pericial da vítima e do Relatório de Alta Hospitalar, na forma do art. 158 do CPP.
B - DA AUTORIA E SEUS INDÍCIOS Além da prova da materialidade delitiva, o art. 413 do CPP estabelece ser também requisito para a submissão da causa ao Tribunal do Júri a existência de indícios suficientes de autoria.
Trata-se de meio de prova de conteúdo menos robusto do que os demais apresentados no Código de Processo Penal, na medida em que o indício, na redação do art. 239 do CPP, possui o seguinte regramento: Art. 239.
Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias. Não se trata de exigência de prova por demais superficial, o que se constituiria como um sério risco à esfera da liberdade do Acusado, diante da garantia do sigilo das votações e do sistema do convencimento livre, sem dever de motivação por parte do Jurado, assim como não se exige uma prova irrefutável, prova essa que será ou não produzida na sessão plenária de instrução e julgamento, acaso o processo seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri.
Feito esse intróito necessário, passo a examinar o elemento da autoria.
Em juízo, a vítima RUBENS VITÓRIA DE OLIVEIRA declarou: [...] Que nessa época o acusado lhe comprou uma carne e ficou lhe devendo mais ou menos R$ 200,00 (duzentos reais); que foi até a casa de Anilda para jantar; que o acusado lhe chamou e perguntou se tirava o dinheiro num cheque de mais ou menor R$ 700,00 (setecentos reais); que na segunda depositou o cheque e na quarta-feira, recebeu o cheque de volta; que perguntou ao gerente porque o cheque da pedreira teria sido devolvido, e que foi dito que o cheque teria sido tirado da mesa do escritório da pedreira; que na sexta-feira foi na casa ade Anilda jantar e que o acusado chegou e perguntou se teria colocado o cheque e chamou para fora para conversar embaixo de uma árvore; que já foi recebendo as facadas, duas nas costas e duas em cima da costela e no peito; que foi direto para o Hospital Cleriston Andrade; que teve perfuração no pulmão e fígado; que depois disso na casa de uma escrivã colocou fogo na casa com a mulher e os filhos dentro; que depois disso nunca mais o viu ou sobe notícias do acusado; que ficou uns 8 (oito) dias hospital; que fez uma cirurgia no abdômen; que depois das facadas, pegou uma pedra para jogar e o acusado correu; que tinha um rapaz chamado netinho que lhe socorreu e levou para o hospital; que nunca tinha tido nenhum tipo de briga com o acusado; que o acusado era chamado de "Val carioquinha" porque teria roubado feijão; que o acusado era conhecido por roubar; que o acusado é uma pessoa perigosa. [...] (depoimento registrado em sistema audiovisual e sincronizado no PJe Mídias, conforme certidão de Id. 485437842) Ao ser inquirida em juízo, a testemunha ANILDA BASTOS DOS SANTOS narrou: [...] Que a vítima almoçava e jantava em sua casa; que o acusado Val tinha dado um cheque para Rubens e quando foi sacar o cheque não tinha fundo; que a vítima perguntou ao acusado se ele não tinha vergonha de dá um cheque sem fundos e que Val falou que iria em casa e voltaria; que ele voltou e chamou Rubens lá na estrada e deu as facadas; que correu para salvar porque o rapaz ia levar ele para o mato; que foram três ou quatro facadas; que as facadas atingiram a barriga e as costelas; que não se lembra quem pediu a ambulância; que a vítima passou uns quinze dias internado, que passou bastante tempo, mas não lembra mais; que após a facada o acusado ficou andando na cidade e depois sumiu. [...] (depoimento registrado em sistema audiovisual e sincronizado no PJe Mídias, conforme certidão de Id. 485437842) O acusado VALMILTON DA SILVA BARBOSA afirmou perante a Autoridade Policial o seguinte: [...] Que o interrogado no mês de maio de 2008, a data do fato não se recorda, ele encontrou com a pessoa Rubens, no bar de Anilda, onde Rubens lhe cobrou uma dívida no valor de R$ 60,00 (sessenta reais) que o interrogado estava lhe devendo; Que o interrogado falou para Rubens que ele tinha um cheque no valor de R$ 800,00 reais, com Rubens falando para ele que trocava o cheque; Que o interrogado foi até em casa pegar o cheque e entregou para Rubens, que disse que iria até o bar de seu irmão para trocar o cheque; Que quando Rubens retornou falou para o interrogado que não podia trocar, porque o valor era muito alto, e disse que iria ficar com o cheque, quando ele pagasse o valor que estava lhe devendo ele devolvia o cheque; Que o interrogado tentou dialogar com Rubens, para que ele lhe devolvesse o cheque com ele se negando; Que nesse momento Rubens se encontrava com uma faca enrolada em um pano branco, com uma faca dentro; Que Rubens ao tentar desenrolou a saca onde se encontrava a faca, o interrogado achando que Rubens iria lhe agredir com a faca, ele pegou uma faca que se encontrava em cima da mesa, e partiu pra cima de Rubens, conseguindo lhe esfaquear três vezes nas costa; Que logo após o fato o interrogado saiu do local com Rubens lhe ameaçando de morte; Que mesmo após o fato acontecido interrogado continuou na cidade e não foi procurado pela polícia; Que depois de um mês do fato. […] (Id. 184076664- fls. 7/8) Da análise do interrogatório na fase policial e dos depoimentos prestados em juízo, verifica-se a presença dos indícios de autoria necessários à pronúncia. O acusado não nega a prática do crime, apenas busca justificá-la, alegando ter agido em legítima defesa, pois a vítima estaria armada com uma faca.
O depoimento da testemunha ANILDA BASTOS DOS SANTOS também converge para os indícios de autoria, ao confirmar a versão da vítima, afirmando que era proprietária do bar onde ocorreu o crime e que o acusado chamou a vítima para conversar do lado de fora do estabelecimento e, em seguida, a esfaqueou.
Por conseguinte, existindo indícios suficientes de autoria em desfavor do acusado e não sendo caso de absolvição sumária, a conclusão é pela submissão da causa ao Tribunal do Júri, órgão constitucionalmente competente para o julgamento do mérito da matéria.
C - DA INVIABILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE LESÃO CORPORAL Sustenta a defesa técnica do acusado, em sede de alegações finais, a ausência de dolo homicida, pugnando pela desclassificação do crime de homicídio tentado para o delito de lesão corporal.
Todavia, a pretensão da defesa não encontra respaldo nos autos.
Para que fosse possível acolher a desclassificação pretendida, seria imprescindível a existência de elementos probatórios robustos que demonstrassem, de forma inequívoca, a ausência de animus necandi por parte do acusado, isto é, de que ele não teria agido com a intenção de matar a vítima, mas apenas de lhe causar lesões.
A análise detida do conjunto probatório, entretanto, revela o contrário.
Conforme colhido nos autos, há fortes indícios de que o acusado desferiu quatro golpes de faca contra a vítima, atingindo-lhe a região axilar esquerda, a região escapular (costas) e o hipocôndrio esquerdo, áreas sabidamente vulneráveis do corpo humano, que abrigam órgãos vitais, circunstância que, por si só, evidencia a alta potencialidade letal da conduta e reforça a tese de que o acusado tinha a intenção de causar a morte da vítima.
O próprio laudo pericial acostado aos autos atesta que a vítima sofreu hemorragia interna e que sua vida foi colocada em risco, além de ter sido submetida a procedimento cirúrgico de urgência, permanecendo internada por vários dias em razão da gravidade das lesões.
Ademais, os depoimentos prestados em juízo corroboram a dinâmica dos fatos tal como narrada na denúncia, destacando que o acusado, após breve diálogo com a vítima acerca de dívidas e devolução de cheque, passou imediatamente a golpeá-la com a faca, sem que houvesse qualquer agressão anterior por parte desta, ou ao menos prova convincente nesse sentido.
Não se vislumbra, portanto, nesta fase sumária do processo, prova clara e indene de dúvidas capaz de afastar o dolo de matar, justificando a pretendida desclassificação para lesão corporal.
Ao contrário, os elementos colhidos até o momento indicam de forma suficiente a existência de indícios de que o acusado agiu com animus necandi, cabendo ao Tribunal do Júri, órgão constitucionalmente competente, a análise exauriente quanto à real intenção do agente.
Destarte, à luz do princípio do in dubio pro societate, que orienta o juízo de admissibilidade da acusação nesta fase processual, não se mostra cabível a desclassificação pretendida pela defesa.
Eventual acolhimento da tese defensiva dependerá do exame aprofundado das provas em plenário, pelo Conselho de Sentença, a quem compete, em última instância, decidir se o acusado efetivamente agiu com a intenção de matar ou não.
Assim, rejeito o pleito desclassificatório, mantendo a imputação nos termos descritos na denúncia, para ser submetida à apreciação do Tribunal do Júri.
D - DA ALEGAÇÃO DE LEGITIMA DEFESA Alega o acusado, em seu interrogatório prestado perante a Autoridade Policial, que teria agido amparado pela excludente de ilicitude da legítima defesa, porquanto, segundo sua versão, a vítima estaria portando uma faca enrolada em um pano branco, circunstância que o teria levado a acreditar que seria agredido, razão pela qual antecipou-se e desferiu os golpes.
Para o reconhecimento de excludente de ilicitude nesta fase processual - o judicium accusationis - exige-se a presença de prova manifesta e incontroversa acerca da ocorrência da causa de justificação alegada, o que não se verifica no presente caso.
A alegação de que a vítima portava uma faca encontra-se isolada, lastreada unicamente nas palavras do próprio acusado, sem qualquer corroboração no acervo probatório.
Ao revés, os depoimentos colhidos em juízo, notadamente o da própria vítima Rubens Vitória de Oliveira e o da testemunha Anilda Bastos dos Santos, indicam que o réu foi quem tomou a iniciativa de chamar a vítima para fora do bar e, em seguida, sem qualquer agressão prévia, passou a golpeá-la com uma faca, atingindo-lhe as costas, a axila e o abdômen, regiões que guardam órgãos vitais, consoante posteriormente confirmado pelo exame pericial.
Em hipóteses como a presente, em que há dúvida razoável sobre a configuração da excludente de ilicitude suscitada pela defesa, a jurisprudência é firme no sentido de que compete ao Tribunal do Júri, como juiz natural da causa, apreciar o mérito da postulação defensiva, inclusive para aquilatar eventual presença de legítima defesa, não se admitindo absolvição sumária em sede de pronúncia, em homenagem ao princípio da soberania dos veredictos.
Nesse sentido, destacam-se precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que consolidaram o entendimento de que somente é cabível absolvição sumária por incidência manifesta de excludente de ilicitude quando comprovada, de forma incontroversa, a situação justificadora, o que não se observa nos autos: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
CONTRARIEDADE A PRECEITO CONSTITUCIONAL.
INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.
PRONÚNCIA.
HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO EM CONCURSO DE AGENTES.
INVOCADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 413 E 414, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, C.C.
O ART. 25 DO CP.
NÃO CONSTATAÇÃO.
INCERTEZA PELAS INSTÂNCIAS LOCAIS QUANTO À INCIDÊNCIA DA APONTADA LEGÍTIMA DEFESA PELOS AGENTES.
FUNDADA DÚVIDA.
MATERIALIDADE DELITIVA, INDÍCIOS DE AUTORIA E QUALIFICADORA A PRIORI CONSTATADOS PELAS INSTÂNCIAS INAUGURAIS.
JUÍZO DE PRELIBAÇÃO DA ACUSAÇÃO POSITIVO.
FASE DE INSTRUÇÃO PRELIMINAR.
PRESERVAÇÃO À SOBERANIA DOS VEREDICTOS E À COMPETÊNCIA DO JUÍZO NATURAL DO JÚRI POPULAR.
PRONÚNCIA FUNDAMENTADA E MANTIDA.
INVERSÃO DO JULGADO.
SÚMULA N.° 7/STJ.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
Não se afigura possível, na estreita via do recurso especial, de fundamentação e contornos vinculados, a análise de eventual ofensa a preceito constitucional, in casu, ao art. 93, inciso IX, da CF/88, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação à competência do Supremo Tribunal Federal estabelecida pelo constituinte originário no art. 102, inciso III, do referido diploma. 2. É entendimento consolidado nesta Corte que somente não será pronunciado o acusado, com mitigação ao postulado do in dubio pro societate, e até autorizada - de forma excepcional - sua absolvição sumária, quando induvidosa a ausência do animus necandi na conduta do agente; quando convencido o juiz quanto à incidência de causa descriminante prevista no art. 23 do CP; não especificadas eventuais circunstâncias qualificadoras ou inexistir comprovação da materialidade delitiva do fato denunciado, imprescindíveis ao prosseguimento da persecução criminal. 3.
A contrário senso, na hipótese em que confirmados, em juízo, a existência da materialidade delitiva qualificada, não manifestamente improcedente, e os indícios da autoria dolosa dos agentes, aquilatados pelo julgador em raso convencimento motivado, tem exortado esse Tribunal Superior que a manutenção da pronúncia é medida de rigor, sob pena de ofensa ao mister constitucional atribuído à instituição do Júri, notadamente à soberania dos veredictos, que apreciará, em Plenário, de forma exauriente, na segunda fase meritória - do judicium causae -, todas as versões e provas patrocinadas pelas partes, conforme interpretação filológica e sistemática dos arts. 413, § 1.º, 414, caput, e 415, todos do Código de Processo Penal. 4.
As instâncias ordinárias, ao sopesarem o delineamento fático e probatório, até então carreado aos autos na prelibatória fase do judicium accusationis, concluíram pela suficiência de elementos constitutivos do tipo penal capitulado no art. 121, § 2.º, inciso IV, c.c. art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, imputado aos Pronunciados, e sem certeza quanto à incidência da ventilada causa justificante da legítima defesa, contexto apto à definição da competência e ao julgamento do feito pela instituição do Júri. 5.
A desconstituição do julgado, no intuito de se excluir a ilicitude das condutas denunciadas e abrigar-se a despronúncia dos Imputados ou, ainda, o decote da qualificadora relacionada ao recurso que tornou impossível a defesa da vítima, não encontra guarida na via eleita, visto que, além de afrontar os postulados da competência popular e da soberania dos veredictos, seria necessário o revolvimento do contexto fático-probatório, providência incabível, conforme inteligência do enunciado n.º 7 da Súmula desta Corte. 6.
Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no AREsp n. 1.285.983/TO, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 18/6/2019, DJe de 1/8/2019.) Ressalta-se, ainda, que o princípio do in dubio pro societate orienta o juízo de admissibilidade nesta etapa procedimental, impondo que, havendo indícios suficientes de autoria e prova da materialidade delitiva, a causa seja submetida ao crivo do Tribunal Popular, preservando-se a competência constitucional do Júri para decidir, em definitivo, acerca da existência ou não da legítima defesa.
Dessa forma, inexistindo nos autos prova irrefutável acerca da tese defensiva, a absolvição sumária mostra-se incabível, impondo-se a submissão do feito ao Tribunal do Júri, a quem competirá, no judicium causae, examinar de maneira aprofundada as circunstâncias do caso concreto e deliberar quanto à possível excludente de ilicitude suscitada pela defesa.
E - DAS CIRCUNSTÂNCIAS QUALIFICADORAS O Ministério Público, na peça acusatória e em suas alegações finais, imputou ao acusado a prática do crime de homicídio tentado qualificado pelo motivo fútil, previsto no inciso II do § 2º do art. 121 do Código Penal, tendo em vista que a motivação para o crime residiria em uma discussão por conta de um débito de reduzido valor, originado da compra de carne e da posterior cobrança pela devolução de um cheque emitido pelo acusado.
Assim como se exige em relação ao elemento da autoria a existência de indícios suficientes, deve o Magistrado avaliar se há base mínima probatória que permita a inclusão ou não de uma dada circunstância qualificadora, não estando vinculado ao pedido formulado pelo Ministério Público na sua postulação.
De fato, os depoimentos colhidos em juízo corroboram que a causa do desentendimento foi essencialmente banal, envolvendo dívida de aproximadamente R$ 60,00 (sessenta reais) e a devolução de um cheque de R$ 800,00 (oitocentos reais).
A reação desproporcional do acusado, que diante de questão patrimonial de pequena monta partiu para desferir sucessivos golpes de faca contra a vítima, evidencia, ao menos em sede indiciária, a presença da circunstância qualificadora do motivo fútil, nos termos do art. 121, § 2º, II, do Código Penal.
Além disso, a análise detida do conjunto probatório permite reconhecer, também, indícios suficientes da incidência da qualificadora prevista no inciso IV do mesmo dispositivo legal, relativa ao emprego de recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima.
Isso porque, conforme extraído dos relatos da vítima Rubens Vitória de Oliveira e da testemunha Anilda Bastos dos Santos, o acusado atraiu a vítima para fora do bar, chamando-a para conversar sob uma árvore, ambiente mais ermo e afastado, surpreendendo-a em seguida com os golpes de faca.
A dinâmica demonstra que o acusado criou uma situação que reduziu as possibilidades de reação ou fuga da vítima, configurando o emprego de recurso que dificultou a defesa do ofendido.
Embora a denúncia não tenha incluído expressamente a qualificadora do inciso IV do § 2º do art. 121 do Código Penal, é possível o seu reconhecimento nesta fase sem necessidade de aditamento, por força do princípio da emendatio libelli, previsto no art. 383 do Código de Processo Penal.
Este dispositivo autoriza o Magistrado a modificar a classificação jurídica dos fatos narrados na denúncia, quando da prolação da decisão de pronúncia, desde que respeitados o contraditório e a ampla defesa, como se dá no presente caso, em que o acusado teve plena ciência da imputação fática e oportunidade de se manifestar sobre todos os elementos constantes nos autos.
Portanto, presentes indícios suficientes quanto à autoria, materialidade e às circunstâncias qualificadoras do delito, a pronúncia deve abranger não apenas a qualificadora do motivo fútil (art. 121, § 2º, II, CP), como também o recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, § 2º, IV, CP), reconhecendo-se a adequação jurídica dos fatos por força da emendatio libelli, cabendo ao Tribunal do Júri, juiz natural da causa, a apreciação exauriente dessas circunstâncias no julgamento de mérito.
DISPOSITIVO Ante o exposto, PRONUNCIO a pessoa de VALMILTON DA SILVA BARBOSA como incurso na sanção prevista no art. 121, § 2º, incisos II (motivo fútil) e IV (recurso que dificultou a defesa do ofendido) c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, nos termos do art. 413 do Código de Processo Penal, devendo ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri da Comarca de Ruy Barbosa, quando e se preclusa a presente decisão de pronúncia.
Não havendo recurso das partes, certifique-se a preclusão da decisão de pronúncia.
Após, intimem-se o Ministério Público e a defesa do pronunciado para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligências, na forma estabelecida pelo art. 422 do Código de Processo Penal.
Havendo recurso, certifique-se a tempestividade.
Em seguida, retornem os autos conclusos para emissão de juízo regressivo em sede de recurso em sentido estrito.
Atribuo ao presente ato força de mandado, carta ou ofício, em homenagem aos princípios da economia e celeridade processuais.
Expedientes necessários. Ruy Barbosa/BA, data da assinatura eletrônica.
JESAÍAS DA SILVA PURIDADE Juiz de Direito -
23/05/2022 11:08
Proferido despacho de mero expediente
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17/05/2022 06:53
Decorrido prazo de VALMILTON DA SILVA BARBOSA em 16/05/2022 23:59.
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17/05/2022 06:53
Decorrido prazo de NELIA TAMIRES MATOS 33 013 BA em 16/05/2022 23:59.
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17/05/2022 06:53
Decorrido prazo de RUBENS VITÓRIA DE OLIVEIRA em 16/05/2022 23:59.
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18/04/2022 14:42
Publicado Ato Ordinatório em 08/04/2022.
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18/04/2022 14:42
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 18/04/2022
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18/04/2022 08:57
Publicado Ato Ordinatório em 08/04/2022.
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18/04/2022 08:57
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 18/04/2022
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12/04/2022 14:57
Juntada de Petição de outros documentos
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07/04/2022 12:36
Conclusos para despacho
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07/04/2022 12:35
Expedição de ato ordinatório.
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07/04/2022 12:35
Disponibilizado no DJ Eletrônico em #Não preenchido#
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07/04/2022 12:34
Comunicação eletrônica
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07/04/2022 12:34
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 07/04/2022
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03/03/2022 07:11
Devolvidos os autos
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10/12/2020 17:11
REMESSA AO NÚCLEO UNIJUD - CENTRAL DIGITALIZAÇÃO
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19/09/2018 10:39
CONCLUSÃO
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19/09/2018 10:37
PETIÇÃO
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13/09/2018 08:31
DOCUMENTO
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12/09/2018 13:49
ENTREGA EM CARGAVISTA
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05/09/2018 10:48
DOCUMENTO
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05/09/2018 09:32
MANDADO
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30/08/2018 15:24
MANDADO
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30/08/2018 10:00
MANDADO
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29/08/2018 13:30
EXPEDIÇÃO DE DOCUMENTO
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23/08/2018 08:48
DOCUMENTO
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12/07/2017 08:38
DOCUMENTO
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11/07/2017 14:57
MANDADO
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11/07/2017 14:56
MANDADO
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10/07/2017 10:16
MANDADO
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10/07/2017 09:24
DENÚNCIA
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29/06/2017 11:15
CONCLUSÃO
-
12/06/2017 09:32
DISTRIBUIÇÃO
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
12/06/2017
Ultima Atualização
17/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
Despacho • Arquivo
Sentença • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Decisão • Arquivo
Despacho • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
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