TJBA - 8002042-81.2024.8.05.0145
1ª instância - V dos Feitos de Rel de Cons Civ e Comerciais
Polo Ativo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
28/07/2025 22:33
Publicado Sentença em 21/07/2025.
-
28/07/2025 22:33
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 18/07/2025
-
17/07/2025 13:21
Baixa Definitiva
-
17/07/2025 13:21
Arquivado Definitivamente
-
17/07/2025 13:21
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
-
17/07/2025 13:21
Expedição de Certidão.
-
17/07/2025 13:18
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
-
10/06/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE JOÃO DOURADO Processo: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL n. 8002042-81.2024.8.05.0145 Órgão Julgador: 1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE JOÃO DOURADO AUTOR: RAIMUNDA PEREIRA NUNES Advogado(s): LEAZEJ HERIC SANTOS ARAUJO (OAB:BA49029) REU: CONAFER CONFEDERACAO NACIONAL DOS AGRICULTORES FAMILIARES E EMPREEND.FAMI.RURAIS DO BRASIL Advogado(s): SENTENÇA Vistos etc...
Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE RELAÇÃO CONTRATUAL c/c REPETIÇÃO DE INDÉBITO, TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ajuizada por RAIMUNDA PEREIRA NUNES em face de CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS AGRICULTORES FAMILIARES E EMPREENDEDORES FAMILIARES RURAIS DO BRASIL - CONAFER.
Narra a parte autora que é titular dos benefícios de aposentadoria e pensão junto ao INSS, respectivamente sob os números 1456529444 e 1914473164, e que identificou descontos indevidos em seu benefício em favor da requerida, a título de contribuição, que tiveram início em junho de 2022.
Alega nunca ter contratado os serviços da ré, tampouco autorizado tais descontos.
Relata que os descontos mensais ocorreram nos seguintes valores: entre junho/2022 e dezembro/2022, no valor de R$ 24,24; entre janeiro/2023 e abril/2023, no valor de R$ 26,04; entre maio/2023 e junho/2023, no valor de R$ 26,40; entre julho/2023 e dezembro/2023, no valor de R$ 36,96; e entre janeiro/2024 e agosto/2024, no valor de R$ 39,53.
Afirma que esses descontos foram efetuados tanto no benefício de aposentadoria quanto no de pensão.
A autora alega que os descontos indevidos totalizam o montante de R$ 1.729,28, correspondendo a R$ 864,64 em cada benefício.
Requer, assim, a declaração de nulidade da contratação, a restituição em dobro dos valores descontados, totalizando R$ 3.458,56, além de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00.
Em sede de tutela provisória de urgência, pleiteou a suspensão dos descontos, pedido este que foi indeferido por este juízo em decisão datada de 10/09/2024, por não vislumbrar, naquele momento, os requisitos necessários para sua concessão.
Realizada audiência de conciliação em 03/10/2024, esta restou infrutífera.
Na oportunidade, a parte autora reiterou os termos da inicial e pugnou pela decretação da revelia da requerida, visto que não apresentou contestação escrita, requerendo o julgamento antecipado da lide.
A parte requerida, por sua vez, apresentou oralmente sua defesa na audiência, alegando que: (i) não se trata de relação de consumo, uma vez que é uma organização sindical sem fins lucrativos; (ii) não há justificativa para inversão do ônus da prova; (iii) existe "AUTORIZAÇÃO DE DESCONTO" que legitimaria a cobrança; (iv) não houve má-fé que justifique a devolução em dobro; (v) inexiste dano moral a ser indenizado, dado que o valor descontado mensalmente era ínfimo; (vi) a autora busca enriquecimento ilícito.
Ao final, solicitou prazo para juntada dos documentos de representação.
Vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório.
Decido.
Da Aplicabilidade do CDC e da Inversão do Ônus da Prova Inicialmente, cumpre analisar a relação jurídica estabelecida entre as partes e a aplicabilidade ou não do Código de Defesa do Consumidor.
O artigo 2º do CDC define consumidor como "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final", enquanto o artigo 3º conceitua fornecedor como "toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".
No presente caso, muito embora a requerida alegue não ser uma relação de consumo por se tratar de uma organização sindical sem fins lucrativos, verifica-se que os descontos em tela caracterizam uma prestação de serviço ou, ao menos, uma relação contratual.
A parte autora, em tese, teria contratado os serviços associativos da requerida e autorizado os descontos em seu benefício previdenciário.
Além disso, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem ampliado o conceito de relação de consumo para abranger também as entidades associativas, cooperativas e sindicais, quando estas fornecem serviços aos seus associados mediante contraprestação financeira.
Neste sentido: "CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.
RELAÇÃO DE CONSUMO.
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. [...] 1.
A jurisprudência deste Tribunal já se manifestou pela aplicação das normas do CDC às entidades associativas quando prestam serviços remunerados aos seus associados." (STJ - REsp 1195642/RJ) Ademais, consoante dispõe o art. 6º, VIII, do CDC, é direito básico do consumidor "a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências".
No caso em tela, verifica-se que as alegações da autora são verossímeis, tendo apresentado extratos bancários comprovando os descontos realizados pela requerida em seu benefício, bem como declarado que jamais contratou os serviços ou autorizou tais descontos.
Ademais, a autora é pessoa idosa, aposentada, hipossuficiente técnica e economicamente frente à requerida.
Portanto, reconheço a aplicabilidade do CDC ao caso em análise e, por conseguinte, inverto o ônus da prova em favor da parte autora, cabendo à requerida comprovar a existência de contrato válido e a legitimidade dos descontos efetuados no benefício previdenciário da autora.
Da Revelia Embora a parte autora tenha pleiteado a decretação da revelia da requerida por não ter apresentado contestação escrita, entendo que tal pedido não merece acolhimento no presente caso.
Isso porque, conforme se extrai da ata de audiência de conciliação, a requerida compareceu ao ato e apresentou oralmente sua defesa, refutando as alegações da inicial e expondo sua versão dos fatos, o que é admitido no procedimento dos Juizados Especiais, conforme prevê o art. 30 da Lei 9.099/95: "A contestação, que será oral ou escrita, conterá toda matéria de defesa, exceto arguição de suspeição ou impedimento do Juiz, que se processará na forma da legislação em vigor." Destaca-se que o procedimento dos Juizados Especiais é regido pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, conforme dispõe o art. 2º da Lei 9.099/95.
Assim, a apresentação oral da contestação em audiência é plenamente válida.
Nesse sentido: "RECURSO INOMINADO.
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.
CONTESTAÇÃO ORAL.
ADMISSIBILIDADE.
PRINCÍPIOS DA INFORMALIDADE E ORALIDADE.
REVELIA AFASTADA [...]. 1.
No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis é plenamente admissível a apresentação de contestação oral, em atendimento aos princípios da informalidade e da oralidade que regem o procedimento." (TJRS - Recurso Cível Nº *10.***.*23-81) Portanto, afasto a alegação de revelia e passo à análise do mérito.
Do Mérito A controvérsia central da demanda consiste em verificar a existência ou não de contrato válido entre as partes que autorizasse os descontos realizados nos benefícios previdenciários da autora em favor da requerida.
Diante da inversão do ônus da prova, cabia à requerida comprovar a existência de contrato válido ou autorização legítima para os descontos.
Contudo, muito embora tenha mencionado em sua defesa oral a existência de uma "AUTORIZAÇÃO DE DESCONTO", não trouxe aos autos tal documento, tampouco juntou qualquer outro elemento probatório que demonstrasse a relação jurídica com a autora.
O prazo solicitado pela requerida para juntada de documentos de representação não justifica a ausência de apresentação da autorização de desconto que alega possuir, principalmente considerando que a ação foi proposta em setembro de 2024 e a audiência ocorreu em outubro do mesmo ano, tendo a requerida tempo hábil para reunir a documentação necessária à sua defesa.
Ressalte-se que, de acordo com o art. 373, II, do CPC, é ônus do réu a comprovação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
No caso, cabia à requerida comprovar a existência de autorização válida para os descontos, o que não ocorreu.
Destaca-se, ainda, que a prática de realizar descontos em benefícios previdenciários sem autorização expressa do beneficiário configura prática abusiva, vedada pelo art. 39, IV, do CDC, que estabelece: "É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços." Nesse sentido, a jurisprudência é pacífica: "PROCESSUAL CIVIL.
ADMINISTRATIVO.
RESPONSABILIDADE CIVIL.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. [...] 1.
A realização de descontos em benefício previdenciário, sem autorização prévia do beneficiário, configura prática abusiva, ensejando a declaração de nulidade do negócio jurídico e a devolução dos valores indevidamente descontados, bem como indenização por danos morais." (STJ - AgRg no REsp 1310223/RS) Portanto, diante da ausência de prova da existência de contrato válido ou autorização para os descontos, bem como considerando os princípios da boa-fé objetiva e da transparência que devem reger as relações contratuais, concluo pela nulidade da relação contratual discutida nos autos e pela ilegalidade dos descontos efetuados.
Da Repetição do Indébito Quanto ao pedido de restituição em dobro dos valores descontados indevidamente, o art. 42, parágrafo único, do CDC estabelece: "O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável." No caso em tela, considerando que não restou demonstrada a existência de relação contratual válida, os descontos realizados foram indevidos.
Ademais, não há nos autos elementos que indiquem a ocorrência de engano justificável por parte da requerida, sobretudo considerando que os descontos perduraram por mais de dois anos, o que evidencia a continuidade da conduta.
Nesse sentido, é o entendimento jurisprudencial: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. [...] 1. É cabível a restituição em dobro dos valores indevidamente cobrados quando não demonstrada a existência de engano justificável por parte do credor." (STJ - AgInt no AREsp 1459041/SP) Portanto, defiro o pedido de repetição de indébito em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC, totalizando R$ 3.458,56 (três mil, quatrocentos e cinquenta e oito reais e cinquenta e seis centavos).
Dos Danos Morais No que concerne ao pedido de indenização por danos morais, o art. 5º, X, da Constituição Federal estabelece que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação." No caso em análise, entendo que os descontos indevidos nos benefícios previdenciários da autora, por si só, são capazes de gerar dano moral indenizável, uma vez que: 1) A autora é pessoa idosa, com 70 anos de idade, aposentada, portanto, em situação de vulnerabilidade; 2) Os descontos foram realizados em benefícios previdenciários, que possuem natureza alimentar; 3) Os descontos perduraram por mais de dois anos, de junho/2022 a agosto/2024; 4) A autora não manteve qualquer relação contratual com a requerida, configurando violação à sua autonomia e dignidade.
Nesse sentido, a jurisprudência tem se consolidado: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. [...] 1.
A jurisprudência desta Corte é no sentido de que os descontos indevidos em benefício previdenciário configuram dano moral in re ipsa, dispensando-se a comprovação de prejuízo concreto." (STJ - AgInt no AREsp 1611794/RS) "APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. [...] 2.
Os descontos indevidos em benefício previdenciário de caráter alimentar causam abalo anímico indenizável, mormente quando o beneficiário é pessoa idosa." (TJ-BA - Apelação 0500318-31.2020.8.05.0001) Quanto ao quantum indenizatório, este deve atender à dupla finalidade da reparação civil: compensar a vítima e desestimular o ofensor.
Para tanto, devem-se considerar as condições pessoais da vítima, a capacidade econômica do ofensor, a intensidade do sofrimento, a repercussão da ofensa e as circunstâncias fáticas do caso concreto.
No caso em tela, considerando que a autora é pessoa idosa, que os descontos foram realizados em benefícios previdenciários de caráter alimentar, que a conduta da requerida perdurou por mais de dois anos e que o valor total dos descontos ultrapassou R$ 1.700,00, entendo razoável e proporcional fixar a indenização por danos morais em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
O valor ora fixado atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, mostrando-se adequado às peculiaridades do caso concreto, evitando o enriquecimento sem causa da autora, mas garantindo a função punitiva-pedagógica da indenização.
Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para: 1) DECLARAR a nulidade da relação contratual discutida nos autos, determinando que a requerida se abstenha definitivamente de realizar novos descontos nos benefícios previdenciários da autora; 2) CONDENAR a requerida ao pagamento da quantia de R$ 3.458,56 (três mil, quatrocentos e cinquenta e oito reais e cinquenta e seis centavos), a título de repetição de indébito em dobro, com correção monetária pelo INPC a partir de cada desconto indevido e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação; 3) CONDENAR a requerida ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com correção monetária pelo INPC a partir da data desta sentença (Súmula 362 do STJ) e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação.
Em consequência, extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Sem condenação ao pagamento de custas e honorários advocatícios, conforme regra ínsita no artigo 55 da Lei nº 9.099/1995.
Defiro a gratuidade da Justiça à parte autora.
Havendo recurso tempestivo e acompanhado das custas devidas (para a parte não beneficiada com a gratuidade de justiça), independentemente de intimação (art. 42, § 2º, da Lei n. 9.099/1995), recebo-o, desde já, no efeito devolutivo, intimando-se a parte recorrida para contrarrazões, no prazo de 10 (dez) dias.
Após, remetam-se à Turma Recursal do Sistema dos Juizados Especiais.
Verificado o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
João Dourado - Ba, data da assinatura no sistema. MARIANA MENDES PEREIRA Juíza de Direito -
09/06/2025 14:12
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
-
09/06/2025 14:12
Homologada a Transação
-
03/06/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE JOÃO DOURADO Processo: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL n. 8002042-81.2024.8.05.0145 Órgão Julgador: 1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE JOÃO DOURADO AUTOR: RAIMUNDA PEREIRA NUNES Advogado(s): LEAZEJ HERIC SANTOS ARAUJO (OAB:BA49029) REU: CONAFER CONFEDERACAO NACIONAL DOS AGRICULTORES FAMILIARES E EMPREEND.FAMI.RURAIS DO BRASIL Advogado(s): SENTENÇA Vistos etc...
Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE RELAÇÃO CONTRATUAL c/c REPETIÇÃO DE INDÉBITO, TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ajuizada por RAIMUNDA PEREIRA NUNES em face de CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS AGRICULTORES FAMILIARES E EMPREENDEDORES FAMILIARES RURAIS DO BRASIL - CONAFER.
Narra a parte autora que é titular dos benefícios de aposentadoria e pensão junto ao INSS, respectivamente sob os números 1456529444 e 1914473164, e que identificou descontos indevidos em seu benefício em favor da requerida, a título de contribuição, que tiveram início em junho de 2022.
Alega nunca ter contratado os serviços da ré, tampouco autorizado tais descontos.
Relata que os descontos mensais ocorreram nos seguintes valores: entre junho/2022 e dezembro/2022, no valor de R$ 24,24; entre janeiro/2023 e abril/2023, no valor de R$ 26,04; entre maio/2023 e junho/2023, no valor de R$ 26,40; entre julho/2023 e dezembro/2023, no valor de R$ 36,96; e entre janeiro/2024 e agosto/2024, no valor de R$ 39,53.
Afirma que esses descontos foram efetuados tanto no benefício de aposentadoria quanto no de pensão.
A autora alega que os descontos indevidos totalizam o montante de R$ 1.729,28, correspondendo a R$ 864,64 em cada benefício.
Requer, assim, a declaração de nulidade da contratação, a restituição em dobro dos valores descontados, totalizando R$ 3.458,56, além de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00.
Em sede de tutela provisória de urgência, pleiteou a suspensão dos descontos, pedido este que foi indeferido por este juízo em decisão datada de 10/09/2024, por não vislumbrar, naquele momento, os requisitos necessários para sua concessão.
Realizada audiência de conciliação em 03/10/2024, esta restou infrutífera.
Na oportunidade, a parte autora reiterou os termos da inicial e pugnou pela decretação da revelia da requerida, visto que não apresentou contestação escrita, requerendo o julgamento antecipado da lide.
A parte requerida, por sua vez, apresentou oralmente sua defesa na audiência, alegando que: (i) não se trata de relação de consumo, uma vez que é uma organização sindical sem fins lucrativos; (ii) não há justificativa para inversão do ônus da prova; (iii) existe "AUTORIZAÇÃO DE DESCONTO" que legitimaria a cobrança; (iv) não houve má-fé que justifique a devolução em dobro; (v) inexiste dano moral a ser indenizado, dado que o valor descontado mensalmente era ínfimo; (vi) a autora busca enriquecimento ilícito.
Ao final, solicitou prazo para juntada dos documentos de representação.
Vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório.
Decido.
Da Aplicabilidade do CDC e da Inversão do Ônus da Prova Inicialmente, cumpre analisar a relação jurídica estabelecida entre as partes e a aplicabilidade ou não do Código de Defesa do Consumidor.
O artigo 2º do CDC define consumidor como "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final", enquanto o artigo 3º conceitua fornecedor como "toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".
No presente caso, muito embora a requerida alegue não ser uma relação de consumo por se tratar de uma organização sindical sem fins lucrativos, verifica-se que os descontos em tela caracterizam uma prestação de serviço ou, ao menos, uma relação contratual.
A parte autora, em tese, teria contratado os serviços associativos da requerida e autorizado os descontos em seu benefício previdenciário.
Além disso, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem ampliado o conceito de relação de consumo para abranger também as entidades associativas, cooperativas e sindicais, quando estas fornecem serviços aos seus associados mediante contraprestação financeira.
Neste sentido: "CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.
RELAÇÃO DE CONSUMO.
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. [...] 1.
A jurisprudência deste Tribunal já se manifestou pela aplicação das normas do CDC às entidades associativas quando prestam serviços remunerados aos seus associados." (STJ - REsp 1195642/RJ) Ademais, consoante dispõe o art. 6º, VIII, do CDC, é direito básico do consumidor "a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências".
No caso em tela, verifica-se que as alegações da autora são verossímeis, tendo apresentado extratos bancários comprovando os descontos realizados pela requerida em seu benefício, bem como declarado que jamais contratou os serviços ou autorizou tais descontos.
Ademais, a autora é pessoa idosa, aposentada, hipossuficiente técnica e economicamente frente à requerida.
Portanto, reconheço a aplicabilidade do CDC ao caso em análise e, por conseguinte, inverto o ônus da prova em favor da parte autora, cabendo à requerida comprovar a existência de contrato válido e a legitimidade dos descontos efetuados no benefício previdenciário da autora.
Da Revelia Embora a parte autora tenha pleiteado a decretação da revelia da requerida por não ter apresentado contestação escrita, entendo que tal pedido não merece acolhimento no presente caso.
Isso porque, conforme se extrai da ata de audiência de conciliação, a requerida compareceu ao ato e apresentou oralmente sua defesa, refutando as alegações da inicial e expondo sua versão dos fatos, o que é admitido no procedimento dos Juizados Especiais, conforme prevê o art. 30 da Lei 9.099/95: "A contestação, que será oral ou escrita, conterá toda matéria de defesa, exceto arguição de suspeição ou impedimento do Juiz, que se processará na forma da legislação em vigor." Destaca-se que o procedimento dos Juizados Especiais é regido pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, conforme dispõe o art. 2º da Lei 9.099/95.
Assim, a apresentação oral da contestação em audiência é plenamente válida.
Nesse sentido: "RECURSO INOMINADO.
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.
CONTESTAÇÃO ORAL.
ADMISSIBILIDADE.
PRINCÍPIOS DA INFORMALIDADE E ORALIDADE.
REVELIA AFASTADA [...]. 1.
No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis é plenamente admissível a apresentação de contestação oral, em atendimento aos princípios da informalidade e da oralidade que regem o procedimento." (TJRS - Recurso Cível Nº *10.***.*23-81) Portanto, afasto a alegação de revelia e passo à análise do mérito.
Do Mérito A controvérsia central da demanda consiste em verificar a existência ou não de contrato válido entre as partes que autorizasse os descontos realizados nos benefícios previdenciários da autora em favor da requerida.
Diante da inversão do ônus da prova, cabia à requerida comprovar a existência de contrato válido ou autorização legítima para os descontos.
Contudo, muito embora tenha mencionado em sua defesa oral a existência de uma "AUTORIZAÇÃO DE DESCONTO", não trouxe aos autos tal documento, tampouco juntou qualquer outro elemento probatório que demonstrasse a relação jurídica com a autora.
O prazo solicitado pela requerida para juntada de documentos de representação não justifica a ausência de apresentação da autorização de desconto que alega possuir, principalmente considerando que a ação foi proposta em setembro de 2024 e a audiência ocorreu em outubro do mesmo ano, tendo a requerida tempo hábil para reunir a documentação necessária à sua defesa.
Ressalte-se que, de acordo com o art. 373, II, do CPC, é ônus do réu a comprovação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
No caso, cabia à requerida comprovar a existência de autorização válida para os descontos, o que não ocorreu.
Destaca-se, ainda, que a prática de realizar descontos em benefícios previdenciários sem autorização expressa do beneficiário configura prática abusiva, vedada pelo art. 39, IV, do CDC, que estabelece: "É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços." Nesse sentido, a jurisprudência é pacífica: "PROCESSUAL CIVIL.
ADMINISTRATIVO.
RESPONSABILIDADE CIVIL.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. [...] 1.
A realização de descontos em benefício previdenciário, sem autorização prévia do beneficiário, configura prática abusiva, ensejando a declaração de nulidade do negócio jurídico e a devolução dos valores indevidamente descontados, bem como indenização por danos morais." (STJ - AgRg no REsp 1310223/RS) Portanto, diante da ausência de prova da existência de contrato válido ou autorização para os descontos, bem como considerando os princípios da boa-fé objetiva e da transparência que devem reger as relações contratuais, concluo pela nulidade da relação contratual discutida nos autos e pela ilegalidade dos descontos efetuados.
Da Repetição do Indébito Quanto ao pedido de restituição em dobro dos valores descontados indevidamente, o art. 42, parágrafo único, do CDC estabelece: "O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável." No caso em tela, considerando que não restou demonstrada a existência de relação contratual válida, os descontos realizados foram indevidos.
Ademais, não há nos autos elementos que indiquem a ocorrência de engano justificável por parte da requerida, sobretudo considerando que os descontos perduraram por mais de dois anos, o que evidencia a continuidade da conduta.
Nesse sentido, é o entendimento jurisprudencial: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. [...] 1. É cabível a restituição em dobro dos valores indevidamente cobrados quando não demonstrada a existência de engano justificável por parte do credor." (STJ - AgInt no AREsp 1459041/SP) Portanto, defiro o pedido de repetição de indébito em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC, totalizando R$ 3.458,56 (três mil, quatrocentos e cinquenta e oito reais e cinquenta e seis centavos).
Dos Danos Morais No que concerne ao pedido de indenização por danos morais, o art. 5º, X, da Constituição Federal estabelece que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação." No caso em análise, entendo que os descontos indevidos nos benefícios previdenciários da autora, por si só, são capazes de gerar dano moral indenizável, uma vez que: 1) A autora é pessoa idosa, com 70 anos de idade, aposentada, portanto, em situação de vulnerabilidade; 2) Os descontos foram realizados em benefícios previdenciários, que possuem natureza alimentar; 3) Os descontos perduraram por mais de dois anos, de junho/2022 a agosto/2024; 4) A autora não manteve qualquer relação contratual com a requerida, configurando violação à sua autonomia e dignidade.
Nesse sentido, a jurisprudência tem se consolidado: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. [...] 1.
A jurisprudência desta Corte é no sentido de que os descontos indevidos em benefício previdenciário configuram dano moral in re ipsa, dispensando-se a comprovação de prejuízo concreto." (STJ - AgInt no AREsp 1611794/RS) "APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. [...] 2.
Os descontos indevidos em benefício previdenciário de caráter alimentar causam abalo anímico indenizável, mormente quando o beneficiário é pessoa idosa." (TJ-BA - Apelação 0500318-31.2020.8.05.0001) Quanto ao quantum indenizatório, este deve atender à dupla finalidade da reparação civil: compensar a vítima e desestimular o ofensor.
Para tanto, devem-se considerar as condições pessoais da vítima, a capacidade econômica do ofensor, a intensidade do sofrimento, a repercussão da ofensa e as circunstâncias fáticas do caso concreto.
No caso em tela, considerando que a autora é pessoa idosa, que os descontos foram realizados em benefícios previdenciários de caráter alimentar, que a conduta da requerida perdurou por mais de dois anos e que o valor total dos descontos ultrapassou R$ 1.700,00, entendo razoável e proporcional fixar a indenização por danos morais em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
O valor ora fixado atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, mostrando-se adequado às peculiaridades do caso concreto, evitando o enriquecimento sem causa da autora, mas garantindo a função punitiva-pedagógica da indenização.
Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para: 1) DECLARAR a nulidade da relação contratual discutida nos autos, determinando que a requerida se abstenha definitivamente de realizar novos descontos nos benefícios previdenciários da autora; 2) CONDENAR a requerida ao pagamento da quantia de R$ 3.458,56 (três mil, quatrocentos e cinquenta e oito reais e cinquenta e seis centavos), a título de repetição de indébito em dobro, com correção monetária pelo INPC a partir de cada desconto indevido e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação; 3) CONDENAR a requerida ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com correção monetária pelo INPC a partir da data desta sentença (Súmula 362 do STJ) e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação.
Em consequência, extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Sem condenação ao pagamento de custas e honorários advocatícios, conforme regra ínsita no artigo 55 da Lei nº 9.099/1995.
Defiro a gratuidade da Justiça à parte autora.
Havendo recurso tempestivo e acompanhado das custas devidas (para a parte não beneficiada com a gratuidade de justiça), independentemente de intimação (art. 42, § 2º, da Lei n. 9.099/1995), recebo-o, desde já, no efeito devolutivo, intimando-se a parte recorrida para contrarrazões, no prazo de 10 (dez) dias.
Após, remetam-se à Turma Recursal do Sistema dos Juizados Especiais.
Verificado o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
João Dourado - Ba, data da assinatura no sistema. MARIANA MENDES PEREIRA Juíza de Direito -
02/06/2025 08:40
Conclusos para julgamento
-
02/06/2025 08:39
Disponibilizado no DJ Eletrônico em #Não preenchido# Documento: 486786169
-
02/06/2025 08:39
Expedição de Certidão.
-
22/04/2025 15:54
Juntada de Petição de pedido de homologação de acordo
-
20/02/2025 12:47
Expedição de citação.
-
20/02/2025 12:47
Julgado procedente em parte o pedido
-
05/02/2025 12:20
Conclusos para julgamento
-
03/10/2024 11:28
Audiência Conciliação realizada conduzida por 03/10/2024 09:20 em/para 1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE JOÃO DOURADO, #Não preenchido#.
-
02/10/2024 13:16
Juntada de aviso de recebimento
-
30/09/2024 22:54
Publicado Intimação em 23/09/2024.
-
30/09/2024 22:54
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 16/09/2024
-
13/09/2024 09:43
Juntada de Certidão
-
13/09/2024 09:42
Expedição de citação.
-
13/09/2024 09:39
Audiência Conciliação designada conduzida por 03/10/2024 09:20 em/para 1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE JOÃO DOURADO, #Não preenchido#.
-
10/09/2024 09:33
Não Concedida a Medida Liminar
-
05/09/2024 12:46
Autos incluídos no Juízo 100% Digital
-
05/09/2024 12:46
Conclusos para decisão
-
05/09/2024 12:40
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
05/09/2024
Ultima Atualização
10/06/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Informações relacionadas
Processo nº 8000139-50.2025.8.05.0056
Banco Bradesco SA
Mauricelia Ramos da Silva
Advogado: Wanderley Romano Donadel
1ª instância - TJBA
Ajuizamento: 03/02/2025 22:38
Processo nº 8003253-32.2019.8.05.0080
Fagno Oliveira Duarte
Seguradora Lider dos Consorcios do Segur...
Advogado: Gledsianny Maximo de Oliveira
2ª instância - TJBA
Ajuizamento: 26/06/2023 16:09
Processo nº 8003253-32.2019.8.05.0080
Fagno Oliveira Duarte
Porto Seguro Companhia de Seguros Gerais
Advogado: Rodrigo Ayres Martins de Oliveira
1ª instância - TJBA
Ajuizamento: 13/05/2019 11:16
Processo nº 8000674-08.2023.8.05.0166
Devanir Jose Dias Lopes
Banco Safra SA
Advogado: Jailson Matos de Sousa Filho
1ª instância - TJBA
Ajuizamento: 16/08/2023 09:35
Processo nº 8000674-08.2023.8.05.0166
Devanir Jose Dias Lopes
Banco Safra SA
Advogado: Jailson Matos de Sousa Filho
2ª instância - TJBA
Ajuizamento: 14/04/2025 14:27