TJCE - 0200958-44.2024.8.06.0090
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gades - Everardo Lucena Segundo
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Passivo
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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29/08/2025 00:00
Publicado Intimação em 29/08/2025. Documento: 26711248
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28/08/2025 00:00
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 28/08/2025 Documento: 26711248
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28/08/2025 00:00
Intimação
Estado do Ceará Poder Judiciário Tribunal de Justiça Gabinete do Desembargador Everardo Lucena Segundo Processo: 0200958-44.2024.8.06.0090 Classe: Apelação Cível (198) Assunto: Fiança (9592) Apelante: Marcos Venâncio Lima Apelado: Marcos Sérgio Bento Gomes Apelação cível nº 0200958-44.2024.8.06.0090 Relator: Des.
Everardo Lucena Segundo Ementa.
Direito processual civil.
Apelação cível.
Extinção do processo sem resolução do mérito.
Interesse processual.
Multa por ato atentatório à dignidade da justiça.
Representação válida por advogado com poderes para transigir.
Requisitos não preenchidos.
Recurso provido.
I.
Caso em exame 1.
Apelação cível interposta por Marcos Venâncio Lima contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Icó/CE, que extinguiu, sem resolução de mérito, ação de regresso ajuizada contra Marcos Sérgio Bento Gomes, cumulada com pedido de indenização por danos morais.
A sentença entendeu caracterizada a ausência de interesse processual, com fundamento no art. 485, VI, do CPC, em razão da inércia do autor após intimação para manifestação quanto à frustração da citação do réu, além de ter aplicado multa de 2% (dois por cento) do valor da causa por ausência injustificada à audiência de conciliação.
No recurso, o autor sustentou que a representação por advogado com poderes para transigir supri a ausência pessoal e que a omissão pontual não implica desinteresse processual.
II.
Questão em discussão 2.
Há duas questões em discussão: (i) definir se é válida a extinção do processo com fundamento na ausência de interesse processual, diante da inércia do autor após a não localização do réu para citação; (ii) estabelecer se é legítima a imposição de multa por ato atentatório à dignidade da justiça em razão da ausência do autor à audiência de conciliação, ainda que este tenha sido representado por procurador com poderes expressos para transigir.
III.
Razões de decidir 3.
A extinção do processo por ausência de interesse processual exige a demonstração de que a parte autora carece de necessidade ou utilidade da tutela jurisdicional, o que não se verifica na hipótese.
A petição inicial apresentou pedido e causa de pedir fundamentados, com comprovação do pagamento de R$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais) a título de quitação da dívida originalmente contraída pelo réu, além de pedido de reparação por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 4.
A inércia atribuída ao autor refere-se à sua ausência de manifestação após intimação para se pronunciar acerca da frustração da citação do réu.
Contudo, tal omissão isolada não é suficiente para concluir pela ausência superveniente de interesse processual, especialmente quando a demanda ostenta elementos aptos à instrução e prosseguimento, e a parte encontra-se sob o amparo da gratuidade da justiça. 5.
O CPC, em seu art. 334, § 8º, prevê multa de até 2% (dois por cento) do valor da causa quando a parte, injustificadamente, não comparece à audiência de conciliação.
No entanto, para sua incidência, exige-se a verificação do elemento subjetivo da conduta, consubstanciado em dolo ou culpa grave, conforme entendimento reiterado do Superior Tribunal de Justiça. 6.
No caso concreto, embora o autor não tenha comparecido pessoalmente à audiência, esta ocorreu com a presença de seu advogado regularmente constituído e investido de poderes para transigir, conforme consta nos autos.
A finalidade do ato conciliatório foi, portanto, atendida, não havendo que se falar em atitude atentatória à dignidade da justiça. 7.
A ausência de comportamento deliberadamente procrastinatório, a inexistência de prejuízo à outra parte, e a regular representação por procurador, afastam a incidência da sanção prevista no art. 334, § 8º, do CPC.
Assim, a multa aplicada deve ser revogada. 8.
A anulação da sentença implica a necessidade de retorno dos autos à origem para regular instrução e apreciação do mérito da demanda, notadamente quanto ao direito de regresso do fiador, que se sub-rogou no crédito após pagar débito alheio, nos termos dos arts. 346, III, 349 e 832 do Código Civil.
IV.
Dispositivo e teses 9.
Recurso provido. 10.
Teses de julgamento. 10.1.
A extinção do processo com base na ausência de interesse processual não se justifica quando a demanda apresenta pedido e causa de pedir válidos, e a parte autora permanece inerte de forma pontual, especialmente se amparada pela gratuidade da justiça. 10.2.
A multa prevista no art. 334, § 8º, do CPC não é cabível quando a parte se faz representar por procurador com poderes para transigir, ausente qualquer elemento indicativo de conduta dolosa ou de desrespeito à atividade jurisdicional. ________ Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 6º, 85, §§ 2º e 11; 334, § 8º; 373, I; 485, VI; CC, arts. 346, III, 349 e 832.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 1.353.853/PR, Rel.
Min.
Raul Araújo, T4, j. 26.02.2019, DJe 16.04.2019; STJ, AREsp 1.430.062/PR, Rel.
Min.
Herman Benjamin, T2, j. 19.09.2019, DJe 11.10.2019; STJ, EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp 1.923.870/RJ, Rel.
Min.
Marco Aurélio Bellizze, T3, j. 14.02.2022, DJe 21.02.2022.
Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do relator, o qual passa a integrar este aresto.
Fortaleza, data indicada no sistema.
Desembargador Everardo Lucena Segundo Relator (assinado digitalmente) Estado do Ceará Poder Judiciário Tribunal de Justiça Gabinete do Desembargador Everardo Lucena Segundo Processo: 0200958-44.2024.8.06.0090 Classe: Apelação Cível (198) Assunto: Fiança (9592) Apelante: Marcos Venâncio Lima Apelado: Marcos Sérgio Bento Gomes Relatório Apelação cível interposta por Marcos Venâncio Lima contra a sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Icó/CE, nos autos da ação de regresso de fiador contra devedor cumulada com indenização por danos morais, ajuizada em face de Marcos Sérgio Bento Gomes. Ao examinar os autos, o magistrado de origem entendeu configurada a ausência de interesse processual da parte autora.
Em razão da sua inércia após intimação judicial e da ausência injustificada, mesmo representada por advogado regularmente constituído, concluiu que não se evidenciava impulso processual necessário à continuidade do feito.
Diante disso, proferiu a seguinte decisão: "Ante o exposto, julgo extinto o presente processo sem resolução do mérito, por falta de interesse processual da parte autora, com fulcro no art. 485, VI, do CPC.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais, cuja exigibilidade resta suspensa em razão do deferimento da gratuidade da justiça.
Aplico à parte autora multa por ato atentatório à dignidade da justiça, em virtude de sua ausência injustificada à audiência de conciliação, no valor de 2% (dois por cento) do valor da causa, conforme art. 334, § 8º, do CPC" Em sede recursal, o apelante sustenta que a extinção do processo e a multa aplicada são ilegítimas e desproporcionais. Argumenta que sua ausência à audiência de conciliação foi suprida pela presença do advogado constituído, munido de poderes para transigir, conforme comprovação nos autos. Ressalta que a inércia apontada decorre de mera omissão pontual e não configura desinteresse processual, devendo, portanto, ser afastada.
Impugna ainda a penalidade pecuniária, asseverando que o art. 334, § 8º, exige demonstração de conduta dolosa ou atentatória à dignidade da justiça, o que não se verificou no caso concreto. É o relatório.
Voto I.
Admissibilidade recursal Atestado o cumprimento dos requisitos de admissibilidade, tanto os inerentes à própria existência e viabilidade da apelação, quanto os ligados à regularidade formal, o conhecimento do recurso se impõe, viabilizando a análise das razões recursais.
II.
Do contexto fático e do objeto recursal A controvérsia teve origem em obrigação firmada por meio de nota de crédito rural nº 40/01717-6, no valor de R$ 8.909,20 (oito mil, novecentos e nove reais e vinte centavos), com vencimento fixado em 18 de outubro de 2016.
O contrato foi celebrado exclusivamente entre o requerido, na qualidade de tomador do crédito rural, e a instituição financeira credora, tendo o autor figurado como fiador da operação.
Segundo narra a inicial, apenas em meados de 2023 o autor teria tomado ciência de que a referida obrigação permanecia inadimplida, ao tentar formalizar um CNPJ e verificar, nesse contexto, a existência da pendência financeira atrelada à nota de crédito.
Buscou então, extrajudicialmente, que o devedor promovesse o pagamento, mas, diante da resistência e silêncio do requerido, acabou compelido a quitar o débito no valor de R$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais), em acordo com o credor originário, utilizando, para tanto, conta bancária de titularidade de seu genitor, José Ferreira Lima.
O pagamento foi efetuado em 10 de junho de 2022, e está devidamente comprovado nos autos.
Em razão do desembolso e da inércia do devedor, o autor postulou a restituição integral da quantia adimplida, acrescida de correção monetária pelo INPC desde a data do pagamento e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação, com fundamento nos arts. 346, III, 349 e 832 do Código Civil, invocando seu direito à sub-rogação legal.
Requereu, ainda, indenização por danos morais, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sustentando que a inadimplência do réu e os efeitos negativos do apontamento da dívida sobre suas atividades profissionais lhe causaram intenso abalo psicológico, gerando desequilíbrio financeiro e angústia.
Regularmente distribuída a demanda, foi concedido à parte autora o benefício da justiça gratuita, nos termos da decisão de ID 112561586.
Determinou-se, ainda, a citação do requerido para audiência de conciliação.
No entanto, conforme certificado pelo oficial de justiça (ID 112561593), a citação não foi efetivada, tendo a audiência sido realizada sem a presença de quaisquer das partes, como consta no termo de ID 126043356.
Posteriormente, por meio do despacho de ID 126909268, a parte autora foi intimada para se manifestar acerca da ausência de citação do réu, sob pena de extinção do processo.
Apesar da advertência expressa, permaneceu silente no prazo legal.
Ao examinar os autos, o magistrado de origem entendeu configurada a ausência de interesse processual da parte autora.
Em razão da sua inércia após intimação judicial e da ausência injustificada na audiência de conciliação, mesmo representada por advogado regularmente constituído, concluiu que não se evidenciava impulso processual necessário à continuidade do feito.
Nos termos em que proposta, a matéria devolvida ao Tribunal diz respeito à legalidade da extinção do feito com base na ausência de interesse processual, à validade da representação por procurador na audiência de conciliação e à adequação da multa aplicada à luz do art. 334, § 8º, do CPC, especialmente quanto à exigência do dolo ou culpa grave para sua configuração.
O exame recursal limitar-se-á, portanto, a tais questões.
IV.
Das questões em discussão Delimita-se, portanto, como objetos recursais específicos: (i) a validade da extinção do processo com base em ausência de interesse processual; (ii) a legalidade da multa imposta por ausência à audiência conciliatória; sendo a matéria subjacente à demanda o direito de regresso do fiador que quitou dívida alheia e postula reembolso e reparação moral.
IV.
Das razões de decidir IV.1 Da aplicação do código de defesa do consumidor as pessoas físicas e jurídicas.
Da teoria finalista mitigada ou aprofundada O debate acerca da incidência do Código de Defesa do Consumidor na relação contratual firmada entre as partes demanda, inicialmente, a análise da natureza jurídica da relação. Conforme orientação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, a aplicação das normas consumeristas às pessoas jurídicas é admitida quando estas se encontram em posição de vulnerabilidade técnica, econômica ou informacional em relação ao fornecedor, conforme preceitua a teoria finalista mitigada.
Durante o julgamento do REsp 1.162.649 do STJ, Salomão explicou que a expressão "destinatário final" contida no art. 2º, caput, do CDC deve ser interpretada de forma a proteger o consumidor diante de sua reconhecida vulnerabilidade no mercado de consumo (CDC, art., 4º, I), e complementou: "Assim, considera-se consumidor aquele que retira o produto do mercado e o utiliza em proveito próprio.
Sob esse enfoque, como regra, não se pode considerar destinatário final para efeito da lei protetiva aquele que, de alguma forma, adquire o produto ou serviço com intuito profissional, com a finalidade de integrá-lo no processo de produção, transformação ou comercialização".
Por exemplo, caso a relação jurídica originária tenha tido como escopo a obtenção de capital de giro, natureza que sugere, à primeira vista, um vínculo eminentemente empresarial (CDC, arts. 2º, 3º, 4º, I), é necessário perquirir se, na hipótese concreta, uma das partes é vulnerável na relação pode ser considerada consumidor por equiparação (CDC, art. 17), dada a eventual e suposta posição de desvantagem frente à instituição financeira (STJ, REsp 1.370.139).
No ponto, a ministra Nancy Andrighi, relatora do REsp 1.370.139, destacou que o art. 17 do CDC prevê a figura do consumidor por equiparação (bystander), sujeitando à proteção do código consumerista aqueles que, embora não tenham participado diretamente da relação de consumo, sejam vítimas de algum evento danoso decorrente dessa relação.
Esta matéria, inclusive, apresenta precedentes julgados do STJ que consolidam os entendimentos existentes na corte sobre a definição do consumidor por equiparação e, por consequência, sobre a aplicabilidade das normas do CDC. Ademais, houve entendimento firmado pela Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.574.784, que, por unanimidade, considerou correta a equiparação de uma vítima de acidente a consumidor, nos termos do art.17 do CDC.
O dispositivo legal prevê que se equiparam aos consumidores "todas as vítimas do evento"; Significa dizer quer, sem entrar em pormenores, que o CDC estende o conceito de consumidor àqueles que, mesmo não tendo sido consumidores diretos, acabam por sofrer as consequências do acidente de consumo, sendo também chamados de bystanders.
Nesse sentido, na hipótese em que se vislumbra a demonstração satisfatória da alegada vulnerabilidade técnica ou econômica que justificasse o reconhecimento dessa condição. Por exemplo, a simples qualificação como microempresa ou a alegação genérica de dificuldades financeiras não são, por si, suficientes para caracterizar a vulnerabilidade exigida para a mitigação do conceito de consumidor.
Com efeito, ausentes elementos concretos que atestem a vulnerabilidade (instituto de direito material) ou a hipossuficiência (figura jurídica de direito processual) do consumidor ("destinatário final") perante o fornecedor, não se revela possível o enquadramento da relação contratual sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, tampouco a inversão do ônus da prova com base no art. 6º, inciso VIII, do referido diploma legal.
IV.1.1 Da aplicação do código de defesa do consumidor e da "teoria finalista" ("open legis"), conquanto, para o superior tribunal de justiça, "mitigada" ou "aprofundada" ("open juris") A controvérsia acerca da incidência do Código de Defesa do Consumidor à presente relação contratual exige análise meticulosa da posição jurídica e da função socioeconômica da contratação. Conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, o conceito de consumidor deve ser interpretado consoante o critério da teoria finalista, segundo a qual consumidor é aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final (CDC, art. 2º).
Entretanto, em casos excepcionais, admite-se a mitigação dessa teoria - fenômeno doutrinariamente conhecido como teoria finalista aprofundada ou mitigada - quando a pessoa jurídica, embora figure como contratante de um serviço ou produto, revele-se objetivamente vulnerável na relação, seja do ponto de vista técnico, econômico ou informacional. Esta excepcionalidade, todavia, não se presume, diferente da situação padrão ou regra geral da teoria finalista, uma vez que exige prova robusta e inequívoca da hipossuficiência, conceito do direito processual, apta a evidenciar o desequilíbrio concreto na relação, qualidade ou estado do que é, ou se encontra, em posição de desvantagem técnica, jurídica, informacional, econômica, etc.
Ou, em adendo, seria tecnicamente mais adequado empregar aqui o conceito jurídico de vulnerabilidade, instituto de direito material que, embora guarde semelhanças com a hipossuficiência - esta de natureza processual -, possui distinções relevantes.
A vulnerabilidade, conforme o art. 4º, § 1º, do CDC, é presumida relativamente em favor da pessoa física na condição de destinatária final.
Essa presunção, contudo, torna-se nebulosa quando aplicada a determinadas pessoas jurídicas, uma vez que se afasta a presunção legal ("ope legis") de vulnerabilidade, porém ainda possível de modo "ope judicis" (teoria finalista mitigada).
Nesses casos, exige-se a comprovação da condição de vulnerabilidade ("ope judicis"), nos termos do art. 373, I e II, do CPC.
Tanto a vulnerabilidade quanto à hipossuficiência - aplicáveis a pessoas físicas ou jurídicas - demandam demonstração pela parte interessada, de forma a justificar a adequação das normas e princípios de ambos os institutos ao caso concreto.
Nesse ponto, porém, em outras palavras, cabe recordar que o Superior Tribunal de Justiça, em reiteradas decisões, tem afirmado que a legislação brasileira permite que pessoas jurídicas - assim como acontece com as pessoas físicas - sejam consideradas consumidoras. É o que diz o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, ao prever - adotando a chamada teoria finalista - que "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".
Segundo explicou a ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp 2.020.811, o Superior Tribunal de Justiça adota a teoria finalista mitigada - ou aprofundada - para a definição de consumidor.
Significa dizer, em ilação ou parafraseando-a, que o conceito abrange também o comprador que, embora não seja o destinatário final do produto ou serviço (no sentido de encerrar a cadeia de produção), se enquadre em condição de vulnerabilidade capaz de causar desequilíbrio na relação econômica.
Assim, o sistema protetivo do CDC pode ser aplicado no caso de quem, mesmo adquirindo produtos ou serviços para o desenvolvimento de sua atividade empresarial, apresente hipossuficiência técnica ou fática diante do fornecedor. A dificuldade surge na hora de reconhecer a vulnerabilidade: enquanto para o consumidor pessoa física ela é presumida, no caso da pessoa jurídica é necessário comprovar essa condição especial que autoriza a aplicação das regras protetivas do CDC - avaliação que, conforme a jurisprudência do tribunal, deve ser feita de acordo com o caso concreto.
Na hipótese dos autos, não há dúvida da caracterização da relação de consumo pela teoria finalista - "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" -, a contratação de serviços bancários é regida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, conforme estabelecido nos arts. 2º, 3º e 17, bem como pela Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça.
A aplicação do CDC às instituições financeiras impõe-lhes o dever de oferecer serviços de qualidade no mercado de consumo, garantindo segurança e proteção à integridade psicofísica e patrimonial dos consumidores.
A responsabilidade das instituições bancárias é objetiva, abrangendo danos decorrentes de fraudes ou delitos cometidos por terceiros (STJ, Súmula nº 479). Caso a instituição financeira não consiga demonstrar a regularidade de transações bancárias contestadas, será responsável pelos danos, conforme disposto no art. 14 do CDC.
Assim, ao proteger o consumidor contra práticas abusivas, também se preserva o equilíbrio nas relações de consumo, fortalecendo a segurança jurídica no mercado financeiro, bem como a confiança do público no sistema bancário.
V.2.
Ponto a ponto das questões em discussão respondidos Passo à análise dos fundamentos que alicerçam a manutenção da sentença recorrida, confrontando, ponto a ponto, as insurgências recursais formuladas pelo autor, especialmente no que toca: (i) à validade da extinção do feito por ausência de interesse processual; e (ii) à legalidade da multa imposta em razão da ausência do autor à audiência de conciliação. Cumpre, ainda, contextualizar que a ação versa sobre o exercício do direito de regresso por fiador que quitou dívida de terceiro, com pretensão cumulada de indenização por dano moral.
V.2.1.
Da validade da extinção do processo por ausência de interesse processual Com efeito, o juiz de origem extinguiu o feito sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, VI, do Código de Processo Civil (CPC), ante a constatação de ausência injustificada da parte autora à audiência de conciliação, não obstante regularmente intimada para tanto.
A ausência de manifestação posterior, mesmo após expressa intimação judicial para se pronunciar sobre a certidão negativa de citação do réu, reforçou a inércia processual e a falta de impulso ao regular andamento da demanda.
O interesse processual é aferido pela utilidade da tutela jurisdicional pretendida, aliada à necessidade e adequação da via eleita.
Sua ausência se revela não apenas quando há inadequação formal da ação, mas também quando a parte deixa de dar seguimento ao processo, frustrando sua finalidade precípua.
No caso em tela, embora o patrono da parte autora tenha comparecido à audiência, como argumentado na apelação, isso não supre a omissão quanto ao dever de impulsionar o feito após a frustração da citação do réu, quando foi oportunizada a manifestação sobre a certidão do oficial de justiça.
A jurisprudência tem reiteradamente afirmado que, nessas circunstâncias, a ausência de diligência mínima por parte da autora em promover o regular prosseguimento do feito - especialmente após expressa intimação com cominação legal - evidencia a perda superveniente do interesse processual, autorizando a extinção sem resolução do mérito, nos moldes do art. 485, VI, do CPC.
Portanto, a decisão atacada revela-se acertada, pois a omissão da parte, mesmo advertida, comprometeu o andamento do processo e configurou manifesta inércia processual.
V.2.2.
Da legalidade da multa por ausência à audiência de conciliação Em segundo plano, o recurso insurge-se contra a imposição da multa prevista no art. 334, § 8º, do CPC, aplicada em razão da ausência do autor à audiência de conciliação, mesmo diante da presença de seu procurador munido de poderes expressos para transigir.
Sobre esse aspecto, é verdade que o art. 334, § 8º, do CPC estabelece a possibilidade de multa por ato atentatório à dignidade da justiça quando a parte não comparece injustificadamente à audiência de conciliação.
Contudo, a aplicação dessa penalidade não prescinde da aferição do elemento subjetivo da conduta, exigindo-se a demonstração de dolo ou culpa grave da parte, e não mera ausência material ao ato.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme ao exigir essa valoração: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL.
INÉRCIA DIANTE DE ORDEM JUDICIAL.
ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA.
NÃO CONFIGURAÇÃO.
AGRAVO PROVIDO.
Para aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da Justiça, há necessidade de verificação do elemento subjetivo, consistente no dolo ou culpa grave do devedor, que deve ter sido reconhecido pelas instâncias ordinárias . 2. É insuficiente, para tanto, a mera inércia ou silêncio da parte executada no descumprimento de uma primeira intimação judicial relativa à indicação de endereços de terceiros, coproprietários de imóvel penhorado.
Essa conduta omissiva não caracteriza a resistência injustificada, de que trata a norma aplicada ( CPC/2015, art. 774, IV). 3.
Agravo interno provido para conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial, a fim de afastar a incidência da multa por ato atentatório à dignidade da Justiça, prevista no art. 774, IV, do CPC/2015. (STJ - AgInt no AREsp: 1353853 PR 2018/0220810-4, Relator.: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 26/02/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/04/2019).
No caso concreto, além de inexistir comportamento protelatório ou de má-fé, houve efetiva representação por advogado legalmente constituído, com poderes expressos para transigir. O comparecimento do patrono, portanto, satisfez o propósito do ato conciliatório, inexistindo razão fática ou jurídica para a imposição da penalidade.
Ademais, a parte autora encontra-se amparada pela gratuidade da justiça, o que recomenda cautela ainda maior na imposição de sanções de natureza pecuniária. A ausência de conduta dolosa ou reprovável, somada à presença do procurador, evidencia que não se configurou qualquer atentado à dignidade da justiça, mas tão somente uma situação processual que demandava análise proporcional e razoável do julgador.
Dessa forma, à luz dos princípios do devido processo legal e da cooperação processual (CPC, art. 6º), não há espaço para manter a extinção do processo por ausência de interesse processual, tampouco subsiste fundamento para a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça, em razão da ausência pessoal do autor à audiência de conciliação, quando havia representação regular por seu advogado.
Logo, o processo deve ser retomado, com regular prosseguimento e apreciação do mérito, dada a plausibilidade jurídica da pretensão de regresso exercida por quem quitou obrigação alheia, amparada nos arts. 346, III, 349 e 832 do Código Civil.
Diante dessas razões, a apelação merece provimento para reformar integralmente a sentença, afastando-se a extinção do feito e revogando-se a multa imposta, envolvendo-se os autos à origem para regular processamento da demanda.
V.
Honorários sucumbenciais A anulação da sentença recorrida afasta, por completo, qualquer possibilidade de majoração dos honorários advocatícios em sede recursal.
Isso porque a fixação da verba sucumbencial pressupõe um pronunciamento jurisdicional válido que tenha previamente delimitado a distribuição dos ônus da sucumbência, o que, no caso concreto, restará superado com a cassação do julgado.
O art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, que trata da majoração dos honorários em grau recursal, exige, como requisito essencial, que tenha havido condenação anterior na instância de origem.
Na hipótese em análise, a decisão recorrida será desconstituída, o que implica o afastamento automático de qualquer discussão acerca da ampliação da verba honorária neste momento processual.
O Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento consolidado nesse sentido: "O art. 85, § 11, do CPC/2015, ao prescrever que 'o tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal', estabeleceu uma condição para que ocorra a condenação em honorários recursais, que é justamente a condenação prévia pela instância inferior em honorários sucumbenciais.
In casu, o Tribunal de origem decretou a nulidade da sentença e, por consequência, da condenação em honorários, razão pela qual são indevidos os honorários recursais" (STJ - AREsp: 1430062 PR 2019/0010081-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 19/09/2019, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/10/2019). "Fixados os honorários recursais no primeiro ato decisório, não cabe novo arbitramento nas demais decisões que derivarem de recursos subsequentes, apenas consectários do principal, tais como agravo interno e embargos de declaração" (STJ - EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp: 1923870 RJ 2021/0211418-4, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 14/02/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/02/2022).
Dessa forma, reconhecida a nulidade da sentença, a questão dos honorários advocatícios deverá ser relegada para o momento oportuno, quando o juízo de origem proferir nova decisão, devidamente instruída e fundamentada.
Somente então será possível definir a repartição dos encargos sucumbenciais e, se for o caso, a eventual majoração da verba honorária em grau recursal, sempre em observância ao desfecho final da demanda.
Dispositivo Diante do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para anular a sentença recorrida, atestando o interesse processual (CPC, art. 485, VI), afastando a multa por ato atentatório da justiça e determinando o retorno dos autos ao juízo de origem, a fim de que o processo seja regularmente instruído e apreciado, com o devido julgamento do mérito.
Com a cassação da decisão, fica prejudicada a fixação ou a majoração de honorários recursais, os quais deverão ser oportunamente arbitrados pelo juízo de primeiro grau, por ocasião da nova sentença, a teor do art. 85, caput, do Código de Processo Civil, em conformidade com o desfecho final da demanda e com as diretrizes dos §§ 2º e 11 do mesmo dispositivo legal. É como voto.
Fortaleza, data indicada no sistema.
Desembargador Everardo Lucena Segundo Relator (assinado digitalmente) LF -
27/08/2025 11:43
Expedida/certificada a comunicação eletrôinica Documento: 26711248
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06/08/2025 18:10
Conhecido o recurso de MARCOS VENANCIO LIMA - CPF: *52.***.*54-07 (APELANTE) e provido
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06/08/2025 13:32
Juntada de Petição de certidão de julgamento
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06/08/2025 13:18
Deliberado em Sessão - Julgado - Mérito
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28/07/2025 00:00
Publicado Intimação de Pauta em 28/07/2025. Documento: 25695708
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25/07/2025 00:00
Intimação
ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª Câmara de Direito PrivadoINTIMAÇÃO DE PAUTA DE SESSÃO DE JULGAMENTOData da Sessão: 06/08/2025Horário: 09:00:00 Intimamos as partes do processo 0200958-44.2024.8.06.0090 para sessão de julgamento que está agendada para Data/Horário citados acima.
Solicitação para sustentação oral através do e-mail da secretaria até as 18h do dia útil anterior ao dia da sessão. E-mail: [email protected] -
25/07/2025 00:00
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 25/07/2025 Documento: 25695708
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24/07/2025 15:06
Expedida/certificada a comunicação eletrôinica Documento: 25695708
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24/07/2025 14:55
Inclusão em pauta para julgamento de mérito
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24/07/2025 10:59
Pedido de inclusão em pauta
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21/07/2025 21:37
Conclusos para despacho
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11/02/2025 14:33
Conclusos para julgamento
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11/02/2025 11:45
Recebidos os autos
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11/02/2025 11:45
Conclusos para despacho
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11/02/2025 11:45
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
11/02/2025
Ultima Atualização
28/08/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
ACÓRDÃO SEGUNDO GRAU • Arquivo
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