TJCE - 0283316-76.2023.8.06.0001
1ª instância - 28ª Vara Civel da Comarca de Fortaleza
Polo Ativo
Polo Passivo
Partes
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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26/08/2025 00:00
Publicado Intimação da Sentença em 26/08/2025. Documento: 168014339
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25/08/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ Comarca de Fortaleza 28ª Vara Cível (SEJUD 1º Grau) Rua Desembargador Floriano Benevides Magalhães nº 220, Água Fria - CEP 60811690, Fone (85) 3108-0809, E-mail: [email protected] SENTENÇA Processo nº : 0283316-76.2023.8.06.0001 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Assunto: [Irregularidade no atendimento] Requerente: ANTONIO CARLOS ANDRADE ROCHA Requerido: Enel Vistos etc.
I.
RELATÓRIO Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer cumulada com Danos Morais e Materiais, ajuizada por Antonio Carlos Andrade Rocha em desfavor da Companhia Energética do Ceará - ENEL, na qual o autor postula a reparação de prejuízos que alega ter suportado em decorrência de falha na prestação de serviço de fornecimento de energia elétrica.
Em sua petição inicial, o autor Antonio Carlos Andrade Rocha, devidamente qualificado, narrou que a empresa ré, sendo concessionária responsável pelo fornecimento de energia elétrica em sua localidade, falhou na prestação de serviço essencial.
Mais precisamente, detalhou que na data de 28 de novembro de 2023, sua residência foi acometida por sucessivos picos de energia.
Após o restabelecimento do fornecimento, o demandante percebeu que sua geladeira, um bem essencial para a subsistência de sua família, não mais funcionava normalmente.
Diante da situação, o requerente prontamente contatou a central de atendimentos da ré, informando o ocorrido e buscando solução.
Foi-lhe, entretanto, oferecida uma orientação genérica para que contratasse um técnico por conta própria e, posteriormente, seria ressarcido, sem que lhe fossem fornecidas maiores informações ou qualquer documento comprobatório.
Destacou o autor que, desde o incidente, manteve contato diário com a demandada, visando resolver o problema e reaver a funcionalidade de sua geladeira, contudo, a requerida, conforme o protocolo de número 332480340 e as evidências de contato anexadas à exordial, apresentou impedimentos contínuos, permanecendo inerte.
Afirmou que, em virtude da inação da concessionária e da urgência da situação, viu-se obrigado a contratar um técnico particular, o qual, mediante laudo técnico anexo à inicial, atestou que a placa do eletrodoméstico havia sido queimada.
Sob o prisma jurídico, a parte autora invocou a aplicação das normas consumeristas, argumentando a inegável existência de uma relação de consumo entre as partes, conforme os artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor.
Nesse sentido, pleiteou a inversão do ônus da prova, com fundamento no artigo 6º, inciso VIII, do CDC, ante a sua manifesta hipossuficiência técnica e econômica em face da concessionária de energia.
Requereu a condenação da ré ao pagamento de danos materiais no importe de R$ 2.229,00 (dois mil, duzentos e vinte e nove reais), valor correspondente ao bem danificado, cuja nota fiscal foi anexada aos autos, e de danos morais na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em virtude dos transtornos, abalo emocional, desamparo e ansiedade experimentados pela falha na prestação do serviço essencial.
Adicionalmente, formulou pedido de Justiça Gratuita, em conformidade com o artigo 98 do Código de Processo Civil, e manifestou sua opção pelo Juízo 100% Digital, nos termos da Resolução 345/2020 do Conselho Nacional de Justiça.
Por meio de despacho inicial foi deferida a gratuidade judiciária em favor do promovente, com a advertência de que tal benefício não abrange as multas processuais, conforme preceituado no § 4º do artigo 98 do Código de Processo Civil.
Na mesma oportunidade, foi deferida a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6º, inciso VIII, da Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), por entender o juízo que as questões discutidas se relacionam a uma relação de consumo e pela aplicabilidade da legislação consumerista.
Determinou-se, ainda, a remessa dos autos digitais ao CEJUSC para agendamento de audiência de conciliação.
A audiência de conciliação foi realizada na data e hora designadas, conforme Termo de Audiência (ID: 117595652, página 71) juntado em 01 de abril de 2024.
As partes, Antonio Carlos Andrade Rocha, representado pelo advogado José Nicodemos Cisne Neto, e ENEL - Companhia Energética do Ceará, representada pela advogada Ana Caroline Freitas de Sousa e pela preposta Rayara Lima Silva, compareceram ao ato.
Contudo, após as discussões sobre as possibilidades de solução autocompositiva, as partes não transigiram.
A parte requerida foi, então, novamente advertida acerca do prazo de contestação, e os autos foram remetidos ao Juízo de Origem.
A Companhia Energética do Ceará - ENEL apresentou sua contestação.
Preliminarmente, no que diz respeito à sua atuação processual, a ré informou sua opção pelo Juízo 100% Digital e manifestou interesse na realização de audiência de conciliação e instrução exclusivamente por meio de videoconferência.
Quanto ao mérito, a ré aduziu a inexistência de ato ilícito e de perturbação na rede elétrica no período informado pela parte reclamante.
Argumentou que, após pesquisa em seu sistema, não foi constatada qualquer ocorrência de oscilação ou anormalidade no alimentador de energia que supre o cliente na data e local mencionados na inicial, o que, em sua visão, excluiria o nexo de causalidade e, por conseguinte, o dever de indenizar pelos supostos danos materiais.
Frisa que, caso tenha havido danos aos equipamentos do autor, tal fato não pode ser-lhe imputado, uma vez que não houve oscilação ou problema na rede elétrica em seu endereço.
Afirmou ter indeferido o requerimento administrativo formulado pelo autor, que teria sido devidamente informado.
Ainda em sua defesa de mérito, a concessionária sustentou a ausência de sua responsabilidade para além do ponto de entrega, invocando os artigos 25 e 40 da Resolução 1000/2021 da ANEEL, os quais, em sua interpretação, atribuiriam ao consumidor a responsabilidade pelas instalações elétricas internas do imóvel.
Impugnou o pedido de condenação em danos materiais, reiterando a ausência de nexo causal e a falta de comprovação suficiente dos danos alegados, afirmando que o autor não anexou documentos ou laudos técnicos capazes de atestar a origem dos danos por ato ou omissão da ENEL, e que o valor pleiteado seria superior ao que de fato foi gasto.
Em relação aos danos morais, defendeu a inexistência de nexo causal entre o fato gerador e o suposto dano moral, bem como a ausência de culpa por parte da concessionária, mencionando que o caso poderia recair sobre eventos da natureza ou força maior.
Alegou que o simples abalo psicológico sem prova efetiva de dor ou sofrimento intenso não configuraria dano moral, caracterizando-se apenas como mero aborrecimento, rechaçando a busca do autor pelo "enriquecimento sem causa".
Por fim, impugnou a inversão do ônus da prova, sustentando que tal medida não se operaria automaticamente e dependeria da comprovação da verossimilhança das alegações ou da hipossuficiência do consumidor, as quais, em sua visão, não teriam sido demonstradas. O autor apresentou réplica à contestação, refutando os argumentos da empresa ré.
Reafirmou a existência de ato ilícito por parte da concessionária, decorrente da falha na prestação do serviço de energia, que ocasionou a perda de seu eletrodoméstico essencial.
Destacou que a alegação da ré de ausência de queda de energia em seu sistema não prosperava, pois a própria ré, conforme provas já juntadas aos autos (referenciando as páginas 16/22, embora, como observado, tais documentos sejam fotos e laudos anexados pelo próprio autor), teria confirmado a instabilidade na região, e que a ré não juntou quaisquer documentos aptos a comprovar suas alegações.
Relembrou a responsabilidade objetiva das concessionárias de serviço público, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
No tocante aos danos morais, reiterou que o desamparo e a necessidade de permanência sem a geladeira configuram abalo indenizável, mencionando que a ré sequer realizou visita técnica para análise, demonstrando total irresponsabilidade.
Adicionalmente, invocou a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, argumentando que a perda de tempo útil do autor para solucionar um problema causado pela ré, através de reiteradas tentativas administrativas infrutíferas e, por fim, pela via judicial, gerou angústia e estresse, configurando dano moral passível de indenização.
Por derradeiro, insistiu na inversão do ônus da prova, afirmando que o autor levantou todas as provas ao seu alcance na inicial e que caberia à ré o mínimo de provas para desconstituir o direito do autor, o que não ocorreu.
Após a réplica, os autos foram remetidos para análise de gabinete em 19 de agosto de 2024 (ID: 117595658, página 96).
Em 19 de agosto de 2024, foi proferida decisão interlocutória (ID: 117595661, página 97), instando as partes a uma composição da lide, assinalando-lhes o prazo de 10 (dez) dias para apresentação de proposta ou termo de transação.
Na ausência de interesse em transacionar, as partes deveriam, em igual prazo, especificar as provas que porventura pretendessem produzir, motivando-as, sob pena de julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil.
Certidão de decurso de prazo (ID: 136425749) foi juntada em 19 de fevereiro de 2025, atestando que decorreu o prazo legal da intimação de ID n.º 117595660 e nada foi apresentado ou requerido pelas partes. Vieram os autos conclusos para sentença.
II.
FUNDAMENTAÇÃO II.I.
Do Julgamento Antecipado do Mérito e da Inversão do Ônus da Prova É imperioso ressaltar que o processo se encontra em condições de imediato julgamento, conforme autoriza o artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil.
As partes foram expressamente instadas a uma composição amigável ou à especificação de provas, motivando-as, sob a advertência de julgamento antecipado na hipótese de inércia.
A certidão de decurso de prazo (ID: 136425749), datada de 19 de fevereiro de 2025, comprova a ausência de manifestação das partes após a decisão que lhes concedeu a oportunidade de produção probatória, revelando-se desnecessária a dilação probatória para o deslinde da controvérsia, porquanto os elementos coligidos aos autos são suficientes para a formação do convencimento deste juízo.
A matéria debatida, embora envolva questões fáticas, pode ser adequadamente dirimida com base na documentação já apresentada e nos princípios que regem a responsabilidade civil e o direito do consumidor.
A relação jurídica estabelecida entre o autor, Antonio Carlos Andrade Rocha, e a ré, Companhia Energética do Ceará - ENEL, é inequivocamente de consumo, nos exatos termos dos artigos 2º e 3º da Lei n.º 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor.
O autor figura como destinatário final do serviço essencial de fornecimento de energia elétrica, enquanto a ré se enquadra na definição de fornecedora, desenvolvendo atividade de prestação de serviços no mercado de consumo.
Essa caracterização impõe a aplicação da responsabilidade civil objetiva, prevista no artigo 14 do CDC, segundo o qual o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
No mesmo sentido, a Constituição Federal, em seu artigo 37, § 6º, estabelece a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, como é o caso da ré, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.
A inversão do ônus da prova, medida de flexibilização processual inerente às relações de consumo, foi expressamente deferida por este juízo em despacho proferido em 11 de janeiro de 2024 (ID: 117595635, página 33), com fulcro no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
Tal inversão fundamentou-se na notória hipossuficiência técnica do consumidor em face da concessionária de energia elétrica, detentora de todas as informações e registros sobre a qualidade e a regularidade da prestação do serviço em sua rede.
A Companhia Energética do Ceará possui o controle e acesso exclusivo aos dados técnicos referentes a eventuais oscilações, picos de energia e demais anomalias em sua rede de distribuição, sendo desproporcional exigir que o consumidor prove fatos negativos ou complexos em seu âmbito de atuação.
A despeito da inversão do ônus da prova, a parte ré, em sua contestação, limitou-se a alegar a inexistência de qualquer ocorrência de perturbação na rede elétrica no local e dia informados, mencionando uma "pesquisa realizada no sistema" sem, contudo, colacionar aos autos qualquer documento comprobatório dessa pesquisa, como um relatório técnico detalhado, registros de monitoramento da rede, ou quaisquer outros elementos que efetivamente desconstituíssem as alegações do autor.
A mera alegação de "não constatação" sem a devida comprovação por meio de documentos técnicos que seriam de sua fácil obtenção e produção não atende ao encargo probatório que lhe foi imposto pela inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 373, inciso II, do Código de Processo Civil.
A ré tinha a oportunidade de demonstrar que o evento narrado não ocorreu ou que o dano não foi causado por falha em sua rede, mas falhou em produzir essa prova essencial.
Ao contrário, o autor, ainda que não lhe incumbisse primariamente a prova da falha do serviço, apresentou um laudo técnico (ID: 117595668, páginas 23-28) atestando que a placa de sua geladeira havia queimado, o que é compatível com a tese de oscilação elétrica.
Diante desse quadro, e da falta de comprovação eficaz de excludentes de responsabilidade por parte da concessionária, impõe-se a análise do mérito com base na presunção de veracidade dos fatos constitutivos do direito do autor que não foram validamente infirmados.
II.II.
Da Responsabilidade Civil da Concessionária por Falha na Prestação do Serviço A responsabilidade da concessionária de energia elétrica pelo fornecimento contínuo e adequado do serviço é basilar e intrínseca à sua atividade.
O serviço de energia elétrica é considerado essencial, e sua interrupção ou prestação deficiente, como a ocorrência de picos ou oscilações, pode gerar graves prejuízos aos usuários.
A teoria do risco da atividade, que informa a responsabilidade objetiva no direito do consumidor, impõe à concessionária os ônus decorrentes dos riscos inerentes à exploração do serviço, não podendo ela transferir ao consumidor os prejuízos causados por falhas operacionais ou da rede.
A alegação da ré de que não houve perturbação na rede elétrica na data e local informados, baseada em uma suposta "pesquisa em sistema" desprovida de qualquer materialização documental nos autos, não é suficiente para afastar a sua responsabilidade.
Diante da inversão do ônus da prova, cabia à ENEL demonstrar cabalmente que o evento danoso (picos de energia) não ocorreu ou que o dano no aparelho do autor não decorreu de sua ação ou omissão.
A mera negativa sem suporte probatório sólido, especialmente vindo de uma empresa que detém o monopólio da informação técnica sobre sua própria rede, não se sustenta frente à narrativa verossímil do consumidor e à prova do dano no aparelho.
Ademais, a tentativa da ré de limitar sua responsabilidade ao "ponto de entrega", invocando os artigos 25 e 40 da Resolução 1000/2021 da ANEEL, revela-se inapropriada para o caso em tela.
Os referidos dispositivos legais disciplinam os limites físicos da conexão e a responsabilidade do consumidor pela *manutenção* de suas instalações internas.
Não se referem, contudo, à responsabilidade da concessionária por *falhas na qualidade do fornecimento de energia*, como são os picos e oscilações, que têm origem na rede de distribuição e não nas instalações internas do consumidor.
A obrigação da concessionária é de fornecer energia elétrica com a qualidade e segurança necessárias até o ponto de consumo, e as variações de tensão que causam danos a aparelhos elétricos configuram, sim, uma falha na prestação desse serviço, independentemente da localização do dano físico dentro da unidade consumidora, desde que comprovada a origem na rede.
A própria Resolução Normativa ANEEL n.º 414/2010, mencionada pela ré em sua contestação, em seu artigo 210, parágrafo único, inciso I, é clara ao dispor que "A distribuidora responde, independente da existência de culpa, pelos danos elétricos causados a equipamentos elétricos instalados em unidades consumidoras, nos termos do art. 203.
Parágrafo único.
A distribuidora só pode eximir-se do dever de ressarcir, quando: I - comprovar a inexistência de nexo causal, nos termos do art. 205".
A ré não se desincumbiu do ônus de comprovar a inexistência do nexo causal, não apresentando qualquer evidência de que os danos na geladeira do autor não foram decorrentes de uma falha em sua rede de distribuição.
Desse modo, a responsabilidade objetiva da ENEL pela reparação dos danos causados ao consumidor resta configurada.
II.III.
Dos Danos Materiais O autor pleiteou a condenação da ré ao pagamento de R$ 2.229,00 (dois mil, duzentos e vinte e nove reais) a título de danos materiais, referentes ao valor da geladeira danificada, conforme nota fiscal e laudo técnico anexados à inicial.
A parte ré, em sua contestação, alegou que o autor não juntou documentos ou laudos técnicos que comprovassem os danos alegados e sua origem em ato/omissão da ENEL, e que o valor pleiteado seria "absurdo e superior ao que de fato fora gasto".
No entanto, a ré não apresentou qualquer contraprova ou elementos que pudessem desqualificar o laudo técnico apresentado pelo autor (ID: 117595668, páginas 23-28), que atestou a queima da placa do aparelho, nem a nota fiscal (mencionada na inicial como anexa, corroborando o valor), tampouco indicou qual seria o "valor realmente gasto", que, em tese, consideraria razoável.
A inversão do ônus da prova, já estabelecida no início do processo, impunha à ré o dever de comprovar que o dano material não existiu, que não foi causado por sua falha, ou que o valor pleiteado era excessivo.
Ao se omitir de produzir essa prova, contentando-se com alegações genéricas, a concessionária não desconstituiu o direito do autor.
A documentação apresentada pelo autor, notadamente o laudo técnico que corrobora a alegação de falha no equipamento, em conjunto com o valor pleiteado que se mostra compatível com a natureza do bem danificado, é suficiente para a demonstração do prejuízo material.
O dano material é objetivo e mensurável, correspondendo à efetiva perda patrimonial sofrida pelo consumidor.
Assim, tendo o autor demonstrado o dano e havendo a responsabilidade da concessionária, a reparação é devida.
II.IV.
Dos Danos Morais e da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor A controvérsia acerca da existência de dano moral indenizável, frequentemente debatida em casos de falha na prestação de serviços essenciais, demanda uma análise cuidadosa que transcende o mero aborrecimento cotidiano.
Embora seja verdade que nem todo dissabor ou contratempo da vida pode ser elevado à categoria de dano moral, a privação de um eletrodoméstico de uso essencial, como uma geladeira, por um período indeterminado, associada à manifesta desídia da prestadora de serviço em solucionar o problema administrativamente, excede os limites do tolerável e configura, sim, abalo passível de reparação.
A geladeira é um equipamento indispensável na vida moderna, afetando diretamente a capacidade de conservação de alimentos, a higiene e, consequentemente, a saúde e o bem-estar de uma família.
Sua ausência forçada impõe consideráveis transtornos e adaptações na rotina doméstica.
No caso em apreço, o autor narrou que, após o dano em sua geladeira, buscou insistentemente o auxílio da ré por meio de sua central de atendimento, registrando o protocolo de número 332480340 e apresentando evidências de múltiplos contatos.
Contudo, em vez de uma solução eficaz, foi-lhe oferecida uma orientação genérica para que arcasse com o conserto e só depois buscasse o ressarcimento, sem qualquer avaliação técnica prévia por parte da concessionária.
A inércia e a recusa da ré em proceder à devida verificação e reparo ou substituição do bem danificado, obrigando o consumidor a contratar um técnico particular e, posteriormente, a socorrer-se do Poder Judiciário, revelam uma flagrante desconsideração para com o usuário de um serviço essencial.
Essa conduta não apenas prolongou a situação de privação do bem, mas também impôs ao autor um desgaste emocional considerável, traduzido em cansaço, ansiedade e preocupação, conforme narrado na inicial.
A situação vivenciada pelo autor se amolda perfeitamente à Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, desenvolvida por Marcos Dessaune e amplamente acolhida pela doutrina e jurisprudência pátrias.
Essa teoria reconhece que o tempo é um bem jurídico valioso e que sua perda injusta e intolerável, imposta ao consumidor em razão da falha ou desídia do fornecedor, configura um dano autônomo.
O consumidor, ao ser obrigado a empregar seu tempo útil - que seria dedicado a atividades de descanso, lazer, trabalho ou convívio familiar - na tentativa infrutífera de solucionar um problema que não criou e que deveria ter sido solucionado pelo fornecedor, sofre um prejuízo existencial.
Esse desvio forçado de tempo e energia do indivíduo para resolver questões advindas da má prestação de um serviço, somado ao sentimento de desamparo e frustração pela ineficiência dos canais de atendimento, supera em muito o mero aborrecimento, configurando verdadeiro dano moral.
Conforme a lição de Humberto Theodoro Júnior, "Entretanto, casos há em que a conduta desidiosa do fornecedor provoca injusta perda de tempo do consumidor, para solucionar problema de vício do produto ou serviço. (...) O fornecedor, desta forma, desvia o consumidor de suas atividades para 'resolver um problema criado' exclusivamente por aquele.
Essa circunstância, por si só, configura dano indenizável no campo do dano moral, na medida em que ofende a dignidade da pessoa humana e outros princípios modernos da teoria contratual, tais como a boa-fé objetiva e a função social:(...) É de se convir que o tempo configura bem jurídico valioso, reconhecido e protegido pelo ordenamento jurídico, razão pela qual, 'a conduta que irrazoavelmente o viole produzirá uma nova espécie de dano existencial, qual seja, dano temporal' justificando a indenização.
Esse tempo perdido, destarte, quando viole um 'padrão de razoabilidade suficientemente assentado na sociedade', não pode ser enquadrado noção de mero aborrecimento ou dissabor." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Direitos do Consumidor. 9ª ed.
Editora Forense, 2017.
Versão ebook, pos. 4016).
No mesmo diapasão, Bruno Miragem ensina que "
Por outro lado, vem se admitindo crescentemente, a partir de provocação doutrinária, a concessão de indenização pelo dano decorrente do sacrifício do tempo do consumidor em razão de determinado descumprimento contratual, como ocorre em relação à necessidade de sucessivos e infrutíferos contatos com o serviço de atendimento do fornecedor, e outras providências necessárias à reclamação de vícios no produto ou na prestação de serviços." (MIRAGEM, Bruno.
Curso de Direito do Consumidor - Editora RT, 2016. versão e-book, 3.2.3.4.1).
A réplica do autor apresenta precedentes jurisprudenciais que acolhem a tese do desvio produtivo em situações análogas de falha na prestação de serviços essenciais, como o fornecimento de energia elétrica, corroborando o entendimento de que a privação do tempo útil do consumidor, em razão da ineficiência ou desídia do fornecedor, não constitui mero dissabor, mas sim um impacto negativo na vida do indivíduo que merece ser indenizado.
A persistência em não resolver a questão administrativamente, forçando o consumidor a buscar o judiciário, demonstra o desrespeito ao tempo e à dignidade da pessoa humana, impondo-lhe um fardo desnecessário e passível de compensação moral.
Para a fixação do quantum indenizatório a título de danos morais, devem ser observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ponderando-se a extensão do dano, a gravidade da conduta da ré, a capacidade econômica das partes e o caráter pedagógico e punitivo da medida, sem, contudo, ensejar enriquecimento ilícito do ofendido.
O valor não pode ser tão irrisório que não cumpra sua função reparatória e desestimule a reincidência da conduta lesiva, nem tão exorbitante que represente um enriquecimento sem causa.
Considerando os transtornos sofridos pelo autor, a privação de um bem essencial, o tempo despendido para tentar solucionar o problema na esfera administrativa e, posteriormente, judicialmente, bem como a capacidade econômica da ré, entende-se que o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) mostra-se adequado e razoável para compensar os danos morais sofridos. III.
DISPOSITIVO Diante de todo o exposto e considerando o que mais dos autos consta, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial para: Primeiramente, ratifico o deferimento do pedido de Justiça Gratuita em favor do autor, Antonio Carlos Andrade Rocha, nos termos do artigo 98 do Código de Processo Civil, observadas as ressalvas contidas no § 4º do mesmo dispositivo legal. Em seguida, rechaço as alegações da parte ré concernentes à inexistência de ato ilícito, de perturbação na rede elétrica e de nexo causal, bem como a tese de limitação de responsabilidade ao ponto de entrega, porquanto os argumentos e as provas por ela apresentadas não foram suficientes para desconstituir as pretensões autorais, especialmente considerando a inversão do ônus da prova oportunamente deferida. Julgo PROCEDENTE o pedido de condenação da COMPANHIA ENERGÉTICA DO CEARÁ - ENEL ao pagamento de indenização por danos materiais, condenando-a a pagar ao autor Antonio Carlos Andrade Rocha a quantia de R$ 2.229,00 (dois mil, duzentos e vinte e nove reais), corrigida monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) desde a data do efetivo prejuízo (28 de novembro de 2023) e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da data da citação, conforme artigos 405 e 406 do Código Civil.
Julgo PROCEDENTE o pedido de condenação da COMPANHIA ENERGÉTICA DO CEARÁ - ENEL ao pagamento de indenização por danos morais, fixando-a em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor este a ser corrigido monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) a partir da data desta sentença (arbitramento), e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês desde a data do evento danoso (28 de novembro de 2023), nos termos da Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça e do artigo 398 do Código Civil. Considerando que a sentença resolve integralmente o mérito da questão, o pedido de tutela antecipada, formulado para a troca do bem danificado, resta prejudicado, uma vez que a condenação em danos materiais já provê a reparação pecuniária do prejuízo.
Condeno a ré COMPANHIA ENERGÉTICA DO CEARÁ - ENEL ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor total da condenação, observados os critérios do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, especialmente o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Apos o transito em julgado, arquivem-se os autos com a devida baixa. Fortaleza/CE - Data da Assinatura Digital MARIA DE FÁTIMA BEZERRA FACUNDO Juíza de Direito -
25/08/2025 00:00
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 25/08/2025 Documento: 168014339
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22/08/2025 14:58
Confirmada a comunicação eletrônica
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22/08/2025 10:51
Expedida/certificada a comunicação eletrônica Documento: 168014339
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22/08/2025 10:51
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
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07/08/2025 18:51
Julgado procedente o pedido
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19/02/2025 07:33
Conclusos para despacho
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19/02/2025 07:33
Juntada de Certidão
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09/11/2024 04:18
Mov. [27] - Migração de processo do Sistema SAJ, para o Sistema PJe | Migração SAJ PJe
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04/09/2024 18:55
Mov. [26] - Despacho/Decisão disponibilizado no Diário de Justiça Eletrônico | Relacao: 0345/2024 Data da Publicacao: 05/09/2024 Numero do Diario: 3384
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03/09/2024 01:54
Mov. [25] - Encaminhado edital/relação para publicação [Obs: Anexo da movimentação em PDF na aba Documentos.]
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02/09/2024 15:51
Mov. [24] - Documento Analisado
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20/08/2024 10:33
Mov. [23] - Decisão Interlocutória de Mérito [Obs: Anexo da movimentação em PDF na aba Documentos.]
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19/08/2024 12:01
Mov. [22] - Concluso para Decisão Interlocutória
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19/08/2024 12:00
Mov. [21] - Certidão emitida | TODOS- 50235 - Certidao Remessa Analise de Gabinete (Automatica)
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24/04/2024 12:01
Mov. [20] - Petição | N Protocolo: WEB1.24.02013922-9 Tipo da Peticao: Replica Data: 24/04/2024 11:49
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22/04/2024 14:44
Mov. [19] - Concluso para Despacho
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22/04/2024 12:38
Mov. [18] - Petição | N Protocolo: WEB1.24.02007946-3 Tipo da Peticao: Contestacao Data: 22/04/2024 12:14
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01/04/2024 18:30
Mov. [17] - Remessa dos Autos a Vara de Origem - Central de Conciliação | CENTRAL CONCILIACAO - 50399 - Certidao de Devolucao
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01/04/2024 17:32
Mov. [16] - Sessão de Conciliação realizada sem êxito
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01/04/2024 14:30
Mov. [15] - Documento
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28/03/2024 16:27
Mov. [14] - Petição | N Protocolo: WEB1.24.01962301-5 Tipo da Peticao: Peticoes Intermediarias Diversas Data: 28/03/2024 16:19
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15/02/2024 12:52
Mov. [13] - Certidão emitida | PORTAL - 50235 - Certidao de remessa da intimacao para o Portal Eletronico
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15/02/2024 11:24
Mov. [12] - Expedição de Carta | PORTAL - Carta de Citacao e Intimacao pelo Portal Eletronico (NCPC)
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06/02/2024 20:05
Mov. [11] - Despacho/Decisão disponibilizado no Diário de Justiça Eletrônico | Relacao: 0042/2024 Data da Publicacao: 07/02/2024 Numero do Diario: 3242
-
05/02/2024 11:54
Mov. [10] - Encaminhado edital/relação para publicação [Obs: Anexo da movimentação em PDF na aba Documentos.]
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24/01/2024 19:35
Mov. [9] - Despacho/Decisão disponibilizado no Diário de Justiça Eletrônico | Relacao: 0021/2024 Data da Publicacao: 25/01/2024 Numero do Diario: 3233
-
23/01/2024 02:00
Mov. [8] - Encaminhado edital/relação para publicação [Obs: Anexo da movimentação em PDF na aba Documentos.]
-
22/01/2024 15:15
Mov. [7] - Documento Analisado
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18/01/2024 11:34
Mov. [6] - Expedição de Ato Ordinatório [Obs: Anexo da movimentação em PDF na aba Documentos.]
-
18/01/2024 09:48
Mov. [5] - Audiência Designada | Conciliacao Data: 01/04/2024 Hora 10:20 Local: COOPERACAO 10 Situacao: Pendente
-
11/01/2024 13:25
Mov. [4] - Remessa para o CEJUSC ou Centros de Conciliação/Mediação | [AUTOMATICO] [Area Civel] - [Conciliacao] - 12614 - Remessa para o CEJUSC
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11/01/2024 13:25
Mov. [3] - Mero expediente [Obs: Anexo da movimentação em PDF na aba Documentos.]
-
12/12/2023 12:39
Mov. [2] - Conclusão
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12/12/2023 12:39
Mov. [1] - Processo Distribuído por Sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
12/12/2023
Ultima Atualização
26/08/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Intimação da Sentença • Arquivo
Intimação da Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Interlocutória • Arquivo
Ata de Audiência (Outras) • Arquivo
Ata de Audiência (Outras) • Arquivo
Ata de Audiência (Outras) • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Despacho de Mero Expediente • Arquivo
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