TJDFT - 0739569-24.2025.8.07.0000
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gabinete do Exmo. Sr. Juiz de Direito Substituto de Segundo Grau Fabricio Fontoura Bezerra
Polo Ativo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
18/09/2025 00:00
Intimação
D E C I S Ã O Cuida-se de agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo interposto pelo réu, BRB BANCO DE BRASILIA S.A., para reformar decisão que deferiu tutela de urgência e determinou a cessação de descontos na conta bancária da parte autora referentes a contratos de empréstimo, em razão do cancelamento de autorização de desconto automático em conta, nos termos da Resolução n. 4.790/2020 do BACEN.
Transcrevo a decisão agravada: “Altere-se a classe judicial para procedimento comum cível.
Defiro gratuidade de justiça à autora em razão da condição de superendividamento.
Anote-se.
Recebo a emenda.
Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C TUTELA DE URGÊNCIA ajuizada por JULIANE ENEAS LIRA, em face de BANCO DE BRASÍLIA S.A. – BRB.
Alega, em síntese, que: a) recebe remuneração bruta de R$ 7.324,85, mas sofre descontos elevados em folha referentes a empréstimos consignados, o que reduz seu salário líquido para R$ 2.733,93; b) além desses descontos, o banco requerido realiza débitos automáticos em conta corrente relativos a empréstimos pessoais, consumindo a totalidade dos valores restantes e a deixando sem recursos para subsistência; c) em razão disso, requereu administrativamente, em 03/07/2025, a suspensão dos débitos vinculados a contratos específicos de crédito pessoal público, mas não obteve resposta do banco no prazo concedido; d) a conduta omissiva do réu viola o artigo 6º da Resolução n.º 4.790/2020 do Banco Central do Brasil, que garante ao titular da conta o direito de cancelar a autorização de débitos, bem como afronta a Resolução CMN nº 3.695/2009, que proíbe débitos sem prévia autorização do cliente e estabelece a eficácia imediata do pedido de cancelamento; e) a jurisprudência do TJDFT e do STJ reconhece a licitude do cancelamento de autorizações para débito em conta corrente, ressaltando que isso não exime o consumidor das consequências do inadimplemento, mas impede a retenção unilateral de verbas alimentares; f) trata-se de relação de consumo, sujeita ao Código de Defesa do Consumidor, sendo cabível a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 14, §3º e artigo 6º, inciso VIII, do CDC; g) estão presentes os requisitos legais para concessão de tutela de urgência, pois há perigo de dano irreparável diante da privação de recursos básicos para subsistência, além da probabilidade do direito ser amparada por normas regulamentares e jurisprudência consolidada.
Ao final, requereu a concessão de tutela de urgência para suspender os descontos em conta corrente vinculados aos contratos de empréstimo indicados, a apresentação dos contratos pelo banco réu, a inversão do ônus da prova e a procedência do pedido para tornar definitiva a suspensão dos débitos mencionados.
Verifico que a pretensão se amolda ao conceito de tutela de urgência, sendo uma das modalidades da tutela provisória prevista no artigo 294 e seguintes do Código de Processo Civil.
As tutelas provisórias (de urgência e de evidência), vieram sedimentar a teoria das tutelas diferenciadas, que rompeu com o modelo neutro e único de processo ordinário de cognição plena.
São provisórias porque as possibilidades de cognição do processo ainda não se esgotaram, o que apenas ocorrerá no provimento definitivo.
Os requisitos da tutela de urgência estão previstos no artigo 300 do CPC, sendo eles: probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
Compulsando os autos verifico que os fundamentos apresentados pela parte autora são parcialmente relevantes e idôneos, permitindo-se vislumbrar alta probabilidade do direito e o perigo de dano.
O documento juntado em ID n. 242705419 comprova que a autora solicitou junto ao BRB o cancelamento da autorização para realização dos descontos em sua conta bancária, mas o pedido não foi integralmente atendido, conforme negativa de ID n. 243016617.
A autorização para realização de débitos em conta corrente tem caráter precário, podendo ser revogada a qualquer momento, conforme previsto na Resolução BACEN n. 4.790/2020, que ‘dispõe sobre procedimentos para autorização e cancelamento de autorização de débitos em conta de depósitos e em conta-salário.’ Referida Resolução, ao mesmo tempo em que estabeleceu que a realização de débitos nas contas correntes depende de autorização de seu titular (art. 3º), assegurou aos correntistas o direito de cancelar, a qualquer momento, a referida autorização (art. 6º).
Assim é que, nos termos do aludido regramento, afigura-se possível ao correntista promover, a qualquer momento, o cancelamento da autorização conferida à instituição financeira de realizar débitos em contas de pagamento.
Aliás, justamente invocando tal possibilidade é que, no julgamento dos REsp 1863973/SP, 1877113/SP e 1872441/SP, submetidos à sistemática dos recursos repetitivos, o STJ firmou a tese (Tema 1085) de que “são lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei nº 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento”.
Assinalou-se que “o ajuste quanto à forma de pagamento inserto no contrato de mútuo bancário comum, no qual se estabelece o desconto automático em conta-corrente, não decorre de imposição legal (como se dá com o desconto consignado em folha de pagamento), mas sim da livre manifestação de vontade das partes contratantes, passível, inclusive, de revogação, a qualquer tempo, pelo correntista/mutuário”. (REsp 1872441/SP, Rel.
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/03/2022, DJe 15/03/2022).
Ou seja, o STJ rechaçou a aplicação analógica do limite legal dos descontos consignados (30% ou 35% da remuneração, conforme o caso) aos descontos realizados em conta corrente ou salário justamente porque, em relação a estes, existe a possibilidade de revogação da autorização, enquanto que, naqueles, a irrevogabilidade decorre de previsão legal e da própria natureza da operação. É, assim, direito potestativo do correntista revogar, a qualquer momento, a autorização outrora conferida à instituição financeira para realização de descontos em sua conta.
Presente, nesse cenário, a probabilidade do direito alegado.
Já o perigo de dano decorre do fato de que os descontos chegam a consumir totalidade da remuneração da parte autora, prejudicando o seu sustento.
Por fim, em atenção ao § 3º do artigo 300 do CPC que fixa o requisito negativo, verifico que os efeitos da medida de urgência não são irreversíveis, sendo possível restituir as partes ao status quo ante caso proferida uma sentença de improcedência do pedido da parte, porque os descontos poderão ser restabelecidos e cobradas as dívidas.
Gizadas estas considerações e desnecessárias outras tantas, DEFIRO PARCIALMENTE a liminar requerida para determinar ao réu que se abstenha de efetuar novos descontos na conta bancária da parte autora referente aos contratos de n. 0216900000; 0215122011; 0215052242; 0214572935; 0211540706; e 021143999, no prazo de 5 dias, sob pena de multa equivalente ao triplo de cada desconto indevido.
Indefiro,
por outro lado, o pedido de inibição de descontos concernente aos cartões de crédito, eis que o pedido foi atendido administrativamente pela parte ré, conforme ID n. 242738228.
Deixo de designar audiência de conciliação, nos termos do art. 334 do CPC, porque não há quadro de conciliadores nesta Vara incumbidos de implementar a audiência de conciliação prevista no CPC.
Infelizmente este juízo não suportaria uma pauta de audiência de conciliação para todos os processos de conhecimento, sendo preciso ter em mente que o art. 4° do CPC estabelece que ‘as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa’.
A fim de alcançar a duração razoável do processo, o artigo 139, VI do CPC permite a flexibilização procedimental, com a adequação do procedimento. É possível determinar a realização da audiência de conciliação a qualquer momento do procedimento (CPC, 139, V), apenas nos casos em que as parte realmente tenham disposição para transigir.
A postergação da conciliação ou da mediação não acarretará nulidade, já que não se vislumbra prejuízo para as partes (CPC, 282, § 1° e 283, parágrafo único).
Finalmente, a autorização expressa para a não realização do ato ‘quando não se admitir a autocomposição’ (CPC, 334, § 4°, II) deve ser interpretada extensivamente, incluindo os casos em que a autocomposição é bastante improvável.
E isto cabe ao Juiz verificar no caso concreto.
Segundo a sistemática do CPC, não será aberto prazo para especificação de provas, tendo o autor a oportunidade de indicar suas provas na inicial e na réplica, e o réu na contestação.
Após a réplica o processo seguirá para decisão saneadora.
Confiro à decisão força de mandado de citação/intimação e, portanto, basta seu encaminhamento via sistema PJe para o réu, pois devidamente cadastrado.” Em suas razões, o agravante defende que não estão presentes os pressupostos necessários à concessão da tutela de urgência, aduzindo que seu deferimento constitui incentivo à inadimplência.
Argumenta que a parte autora não demonstrou nenhum vício de vontade na contratação dos empréstimos e na autorização dos descontos em conta.
Sustenta que não se admite que uma resolução contrarie a disposição de lei, sob pena de violar a hierarquia das normas, e alega, por fim, que a pretensão da autora ofende os princípios da pacta sunt servanda e da boa-fé contratual.
Requer liminarmente seja atribuído o efeito suspensivo ao recurso.
Preparo recolhido. É o relatório.
DECIDO.
O recurso é cabível, uma vez que interposto para reformar decisão que versa sobre tutela provisória (art. 1.015, I, do CPC).
Não sendo o caso de aplicação do art. 932, incisos III e IV, passo a análise do pedido liminar, na forma do art. 1.019, inc.
I, do CPC.
O cerne do recurso é verificar se estão presentes os requisitos necessários à concessão da tutela de urgência requerida pela autora, a qual pretende a suspensão de descontos em sua conta bancária, em razão do cancelamento da autorização de débito.
Como é cediço, a concessão da tutela de urgência requer a demonstração de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano, ou o risco ao resultado útil do processo.
O fundamento principal da decisão agravada é que a Resolução n. 4.790/2020 do BACEN, que dispõe sobre procedimentos para autorização e cancelamento de autorização de débitos em conta de depósitos e em conta-salário, assegurou aos correntistas o direito de cancelar, a qualquer momento, a referida autorização (art. 6º).
Inicialmente, deve ser assinalado que, de fato, há diversos contratos de empréstimo firmados em nome da agravada (ID 242705421 dos autos de origem), os quais, segundo a agravante, foram firmados de forma regular, sem vícios.
O c.
STJ firmou entendimento de que “São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento” (Tema 1085/STJ).
Por sua vez, o cancelamento de autorização de débitos em conta de depósito ou em conta-salário é regulamentado pela Resolução n. 4.790/2020 do Banco Central.
No que diz respeito ao cancelamento das autorizações de débitos referentes ao pagamento de operações de crédito, o parágrafo único do art. 9º da referida norma autoriza o cancelamento da autorização de débito caso o cliente não reconheça o consentimento: “Art. 9º O cancelamento da autorização de débitos referente a operações de que trata o art. 4º deve ser solicitado pelo titular por meio da instituição destinatária, observado o disposto no caput do art. 6º.
Parágrafo único.
O cancelamento de que trata o caput pode ser realizado na instituição depositária, caso o cliente declare que não reconhece a autorização.” No caso, a agravada na origem não questiona sua anuência aos descontos automáticos, apenas sustenta que o cancelamento pode se dar a qualquer momento por livre opção do correntista, o que não pode prevalecer, pois o contrato faz lei entre as partes e as obrigações contratuais devem ser honradas em prestígio à segurança das relações jurídicas.
Nesse sentido: “APELAÇÃO.
AÇÃO DE CONHECIMENTO.
EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS.
AUTORIZAÇÃO DE DÉBITO EM CONTA CORRENTE.
REVOGAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE.
RESOLUÇÃO BACEN 4.790/2020.
NÃO APLICAÇÃO. 1.
A Resolução BACEN 4.790/2020 permite o cancelamento de autorização somente em caso de não reconhecimento da autorização, como em caso de ausência de previsão contratual, por exemplo.
Precedente. 2.
Diante da previsão contratual expressa acerca da possibilidade de débito das parcelas diretamente em conta corrente, não há possibilidade de cancelamento da autorização. 3.
Ante a proibição do venire contra factum proprium, não pode o devedor, depois de contratar e receber o crédito integralmente em sua conta, requerer alteração contratual com o cancelamento da autorização de débito em conta que fora livremente pactuada anteriormente. 4.
As relações contratuais devem ser regidas para além do próprio contrato (pacta sunt servanda), pelo interesse público e para preservar a segurança jurídica das relações negociais. 5.
Mitigar a higidez de atos jurídicos praticados segundo o exercício da autonomia da vontade de pessoas plenamente capazes, por meio de decisões judiciais, sem ressalvas, frustrando e desconstituindo expectativas legítimas, constituiria uma violação expressa ao Estado de Direito. 6.
Recurso conhecido e provido.” (Acórdão 1681682, 07034229820228070001, Relator: DIAULAS COSTA RIBEIRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 28/3/2023, publicado no PJe: 4/4/2023.
Pág.: Sem Página Cadastrada.)” Assim, está evidenciada a probabilidade do provimento do recurso, assim como o perigo de dano decorrente da inadimplência dos contratos.
Ante o exposto, DEFIRO o pedido liminar para suspender os efeitos da decisão agravada, até a apreciação do recurso pelo Colegiado.
Intime-se a agravada, para, querendo, oferecer resposta, na forma do art. 1.019, inc.
II, do CPC.
Comunique-se ao Juízo prolator da decisão.
Intimem-se.
Desembargador FABRÍCIO FONTOURA BEZERRA Relator -
16/09/2025 08:57
Remetidos os Autos (outros motivos) para Distribuição
-
16/09/2025 08:57
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
16/09/2025
Ultima Atualização
18/09/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Agravo • Arquivo
Informações relacionadas
Processo nº 0706678-11.2025.8.07.0012
Valdeina Pereira Silva
Chriscon Clinica Odontologica LTDA
Advogado: Lis Carvalho Costa
1ª instância - TJDFT
Ajuizamento: 10/09/2025 11:00
Processo nº 0713661-35.2025.8.07.0009
Cremilda Marques de Lucena
Too Seguros S.A.
Advogado: Cristiano Pacheco de Araujo
1ª instância - TJDFT
Ajuizamento: 20/08/2025 17:20
Processo nº 0710032-53.2025.8.07.0009
Dpo Comercio de Album de Formatura LTDA
Lucielle Eugenia Pereira da Silva
Advogado: Bruna Guilherme Campos Bersan
1ª instância - TJDFT
Ajuizamento: 25/06/2025 18:55
Processo nº 0703946-90.2025.8.07.0001
Maai Servicos de Arquitetura LTDA - ME
Chubb Seguros Brasil S.A.
Advogado: Maria Carolina Feitosa de Albuquerque Ta...
1ª instância - TJDFT
Ajuizamento: 27/01/2025 17:38
Processo nº 0739407-29.2025.8.07.0000
Porto Seguro - Seguro Saude S/A
Rony Henrique da Silva
Advogado: Luiz Felipe Conde
2ª instância - TJDFT
Ajuizamento: 15/09/2025 15:05