TJES - 5011908-40.2024.8.08.0030
1ª instância - 2ª Vara Civel - Linhares
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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29/07/2025 00:00
Intimação
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5011908-40.2024.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: CARLOS RIBEIRO REQUERIDO: BANCO PAN S.A.
Advogados do(a) REQUERENTE: ALTAMIRO RIBEIRO DE MOURA - ES24089, CENY SILVA ESPINDULA - ES23212 Advogado do(a) REQUERIDO: ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO - PE23255 SENTENÇA
I - RELATÓRIO CARLOS RIBEIRO propôs a presente ação de procedimento comum cível (ID 50310206), com pedido de tutela de urgência, em face de BANCO PAN S.A., alegando que, ao procurar a instituição financeira para contratar um empréstimo consignado, foi surpreendido com a liberação de um cartão de crédito consignado (RMC), sem que houvesse consentimento livre e esclarecido.
Sustentou que os descontos em seu contracheque ocorreram indevidamente, em virtude de cobrança do valor mínimo da fatura do referido cartão, em aparente “dívida eterna”, tendo ajuizado a demanda com o objetivo de declarar a inexistência da relação contratual, obter repetição de indébito em dobro e a condenação por danos morais, tudo com base na violação do dever de informação, publicidade enganosa, prática abusiva e existência de vício de consentimento (IDs 50310206 e 50310239).
Com a petição inicial, foram juntados diversos documentos: procurações e substabelecimento (IDs 50310211 e 50310214), declaração de hipossuficiência e documentos comprobatórios de renda e endereço (IDs 50310217 a 50310228), reclamação e resposta do PROCON (IDs 50310232 e 50310234), contrato e extratos bancários relacionados à operação questionada (IDs 50310239 a 50310248), além de demonstrativos do BACEN (IDs 50310241 e 50310244).
Por decisão lançada sob ID 50866480, foi indeferido o pedido de tutela de urgência requerido pela parte autora, e determinada a citação do réu para contestar a demanda.
Posteriormente, foi certificada a conferência inicial (ID 50312181) e juntado aviso de recebimento (ID 53445607), comprovando a efetiva citação da parte requerida.
Em resposta, o BANCO PAN S.A. apresentou contestação (ID 54857211), acompanhada de diversos documentos, entre eles: o contrato firmado (ID 54857213), faturas (ID 54857214), TEDs que evidenciam a liberação dos valores (IDs 54857215 e 54857216), regulamento do cartão consignado e demais instrumentos contratuais (IDs 54857218 a 54857223).
O réu sustentou a regularidade da contratação, a inexistência de vício, a entrega dos valores ao autor e o exercício da função típica do cartão de crédito.
Requereu a total improcedência dos pedidos.
A parte autora apresentou réplica (ID 71697375), reafirmando os argumentos exordiais e impugnando os documentos trazidos com a contestação.
Sustentou que houve vício de consentimento, ausência de informação sobre valores, forma de amortização, e que não utilizou o cartão na função compras.
Invocou a teoria do desvio produtivo do consumidor e requereu a repetição de indébito, com base no recente entendimento do STJ (EAREsp 676608), além de citar jurisprudência do IRDR/MG (Tema 73).
Na sequência, foi proferida decisão de saneamento (ID 72787182), que delimitou o objeto da demanda, enfrentou todas as preliminares e fixou os pontos controvertidos da lide.
Rejeitou as impugnações à gratuidade de justiça, ao interesse de agir, à inépcia da inicial, à validade da procuração e à alegação de litispendência por suposta conexão com o processo nº 5010690-74.2024.8.08.0030.
Reconheceu a distinção entre os contratos RMC e RCC, afastando a tríplice identidade necessária para a caracterização de litispendência, conforme já decidido também nos embargos de declaração.
Na referida decisão saneadora, o juízo reconheceu a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica e determinou a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC, por verificar a hipossuficiência técnica do consumidor e a verossimilhança das alegações.
Determinou ainda a intimação das partes para que indicassem as provas que pretendiam produzir, justificando sua pertinência.
Em atendimento ao despacho, a parte autora se manifestou por meio da petição registrada sob ID 73041763, reiterando que a prova da controvérsia deveria se basear exclusivamente em prova documental, requerendo o julgamento antecipado da lide, reforçando o pedido de inversão do ônus probatório.
A parte ré também apresentou manifestação (ID 73201158), igualmente requerendo o julgamento antecipado, por considerar que os autos estão instruídos com todos os documentos necessários à formação do convencimento judicial. É o que havia a relatar.
Passo a decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO Verifico que a matéria em discussão é essencialmente de direito e de fato suficientemente provado nos autos, nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil.
Ambas as partes manifestaram-se expressamente pela desnecessidade de produção de outras provas (IDs 73041763 e 73201158), afirmando que a controvérsia pode ser solucionada com base na documentação já acostada.
A instrução probatória encontra-se, portanto, completa e madura para julgamento, inexistindo necessidade de dilação probatória ou de produção de provas técnicas, periciais ou orais.
Dessa forma, mostra-se cabível o julgamento antecipado da lide, observando-se os princípios da celeridade processual, economia processual e efetividade da tutela jurisdicional.
A controvérsia submetida à apreciação judicial cinge-se à verificação da regularidade da contratação de um cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC) entre as partes, BANCO PAN S.A. e CARLOS RIBEIRO, sob a alegação do autor de que a contratação ocorreu com vício de consentimento, ausência de informação adequada e prática abusiva, configurando, em tese, hipótese de nulidade contratual, de repetição de indébito e de indenização por danos morais.
No âmago, a demanda impõe a análise da validade da manifestação de vontade do consumidor, da transparência contratual e da boa-fé objetiva, especialmente no contexto de contratação de produtos bancários complexos, como o cartão RMC, que combina a lógica do crédito rotativo com desconto direto em folha de pagamento.
Conforme exposto nos autos, o autor afirma que buscava um empréstimo consignado tradicional, mas que foi surpreendido pela contratação de um cartão de crédito consignado, sem que houvesse ciência prévia sobre as condições do negócio jurídico celebrado (ID 50310206).
Sustenta que acreditava estar realizando o pagamento de parcelas fixas, quando, na realidade, o valor descontado em sua folha de pagamento referia-se ao pagamento mínimo da fatura, gerando encargos rotativos e, por conseguinte, um ciclo de refinanciamento contínuo e cumulativo da dívida — fenômeno popularmente denominado “dívida eterna”.
Na contestação, o BANCO PAN (ID 54857211) alegou que a contratação foi lícita, com assinatura regular do termo de adesão, comprovação da TED com a liberação dos valores e faturas emitidas regularmente.
Assevera que o autor teve plena ciência da operação realizada e utilizou o produto contratado.
Contudo, ao compulsar os documentos constantes dos autos, especialmente o contrato juntado (ID 54857213) e as faturas correspondentes (ID 54857214), constata-se que não há qualquer comprovação de que o consumidor tenha recebido cópia contratual no ato da contratação, tampouco foram apresentadas evidências de que tenha sido devidamente esclarecido acerca das características do cartão RMC, suas distinções frente ao empréstimo consignado, ou dos efeitos financeiros decorrentes do pagamento parcial da fatura — elementos essenciais à formação válida do consentimento.
Além disso, verifica-se que o autor jamais utilizou o cartão na função “compra a crédito”, conforme descrito na réplica (ID 71697375), sendo o único uso registrado a transferência do valor contratado por TED, o que reforça a tese de que o produto financeiro foi utilizado unicamente como forma de empréstimo pessoal e não como instrumento típico de cartão de crédito.
Essa constatação corrobora o argumento de que houve desvio de finalidade do contrato, utilizado para mascarar uma operação de empréstimo sob a aparência de cartão, com cobrança de encargos próprios do crédito rotativo, prática que tem sido amplamente rechaçada pelos tribunais.
A decisão saneadora (ID 72787182) corretamente identificou os pontos controvertidos da demanda, especialmente: (i) o vício de consentimento; (ii) a eventual violação ao dever de informação e transparência; (iii) a legalidade dos encargos cobrados; (iv) a configuração de dano moral indenizável; e (v) a possibilidade de repetição de indébito.
No tocante à repartição do ônus da prova, o Juízo deferiu a inversão em favor do consumidor (ID 72787182), com fundamento no art. 6º, VIII, do CDC, por restar evidenciada tanto a hipossuficiência técnica do autor quanto a verossimilhança de suas alegações.
Apesar disso, o réu não logrou êxito em comprovar que informou previamente e de forma clara ao consumidor as condições do contrato, como taxas de juros aplicadas, forma de quitação integral da dívida, consequências do pagamento mínimo ou existência de amortização negativa.
Importa destacar que o contrato sequer especifica elementos básicos exigidos pelo art. 52 do CDC, como o valor total da dívida, número de parcelas ou periodicidade, o que compromete gravemente a validade da contratação.
Tal omissão afronta, ainda, o disposto no art. 6º, III, do CDC, que garante ao consumidor o direito à informação clara, precisa e adequada sobre os produtos e serviços contratados.
Nesse contexto, verifica-se a ocorrência de vício de consentimento, por erro substancial, nos termos dos arts. 138 e 139, II, do Código Civil, bem como nulidade de cláusulas abusivas que colocam o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, IV, CDC).
No caso em apreço, a configuração do dano moral se impõe de forma clara e objetiva, independentemente da demonstração de prejuízo concreto, uma vez que os descontos indevidos sobre proventos de natureza alimentar constituem lesão à esfera extrapatrimonial do consumidor por si só, nos termos da orientação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça.
Trata-se de dano moral in re ipsa, cuja existência decorre diretamente da ilicitude da conduta da instituição financeira, conforme reiteradamente reconhecido pela jurisprudência.
A conduta do réu — ao celebrar contrato em desacordo com a real vontade do consumidor, promovendo descontos mensais sem informação clara e precisa, e mantendo vínculo jurídico fundado em vício de consentimento — viola os princípios da boa-fé objetiva, dignidade da pessoa humana e proteção do consumidor hipossuficiente, submetendo o autor a abalo psicológico, angústia, frustração e insegurança quanto à origem e legitimidade dos descontos realizados.
A falha na prestação do serviço bancário, neste contexto, caracteriza-se como fortuito interno, cuja responsabilidade é objetiva, nos termos da Súmula 479 do STJ, inclusive quando ausente prova da contratação, conforme assentado no EREsp nº 1.413.542/RS.
Quanto ao quantum indenizatório, deve-se observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em consideração a gravidade da conduta, o caráter punitivo-pedagógico da indenização e a situação pessoal do ofendido.
O autor, pessoa física em situação de hipossuficiência declarada nos autos, teve comprometida parte de sua renda com descontos indevidos, arcando com ônus que não deu causa e sendo compelido a ingressar em juízo para ver reconhecido seu direito.
Diante dessas circunstâncias, entendo como adequado e proporcional o arbitramento do dano moral em R$ 3.000,00 (três mil reais), valor que encontra amparo direto na jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo, conforme precedente da 3ª Câmara Cível no julgamento da Apelação Cível nº 5006891-51.2022.8.08.0011, no qual se reconheceu que: "O desconto indevido sobre benefício previdenciário de caráter alimentar constitui dano moral in re ipsa, sendo irrelevante a demonstração de prejuízo concreto.
O valor arbitrado a título de danos morais (R$ 3.000,00) revela-se proporcional, considerando as circunstâncias do caso, em conformidade com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade." Aplicando os mesmos fundamentos e parâmetros aqui, impõe-se reconhecer e fixar a indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00.
No que tange à repetição de indébito, o entendimento jurisprudencial pacificado é no sentido de que, para fins do parágrafo único do art. 42 do CDC, a devolução em dobro é cabível independentemente de má-fé, bastando a cobrança indevida em violação à boa-fé objetiva (EAREsp 676608).
No presente caso, estão presentes os requisitos legais, pois os descontos foram realizados com base em relação contratual vícia e não esclarecida, em ofensa ao dever de transparência.
Assim, estão presentes todos os elementos fáticos e jurídicos que autorizam a declaração de nulidade da contratação, a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados, e a indenização por danos morais, como medida reparadora e pedagógica.
No que se refere aos valores que, conforme documentação constante nos autos, tenham sido efetivamente creditados em conta bancária de titularidade da parte autora, cumpre destacar que, ainda que o contrato tenha sido declarado nulo por ausência de consentimento válido, subsiste o direito do réu à compensação dos montantes efetivamente disponibilizados e eventualmente utilizados pela autora, sob pena de enriquecimento sem causa, o que é vedado pelo artigo 884 do Código Civil.
A nulidade do contrato não exonera a parte beneficiada da obrigação de restituir aquilo que recebeu sem causa legítima, especialmente quando demonstrado que houve ingresso patrimonial decorrente do vínculo questionado.
Assim, na fase de liquidação de sentença, deverá ser apurado o valor total dos descontos indevidos realizados em folha de pagamento e, sobre esse montante, operada a compensação com os valores comprovadamente repassados à autora e por ela utilizados.
Essa providência assegura o equilíbrio patrimonial entre as partes, respeitando a função reparadora da indenização e impedindo que dela decorra enriquecimento indevido.
Em suma: (a) houve erro substancial na contratação e ausência de consentimento válido; (b) a parte ré não se desincumbiu do ônus de demonstrar a regularidade contratual; (c) a relação contratual está eivada de nulidades, sendo cabível a restituição em dobro e reparação moral.
III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por CARLOS RIBEIRO em face de BANCO PAN S.A, para: a) DECLARAR a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC) vinculado ao contrato nº 785774040, por vício de consentimento e prática abusiva; b) CONDENAR o réu à restituição, em dobro, dos valores indevidamente descontados do benefício previdenciário da autora, com base no artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, montante que deverá ser apurado em liquidação de sentença, com correção monetária pelo IPCA desde a data de cada desconto indevido e juros legais de mora (SELIC deduzida do IPCA) a partir da data da citação; c) CONDENAR o réu ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), com incidência de juros desde a citação, observando a Taxa Selic, da qual deverá ser subtraído o IPCA, até a data do arbitramento (sentença), nos termos da Súmula 362 do STJ, sendo que a partir dessa data aplica-se exclusivamente a SELIC.
Determino que, na apuração dos valores a serem restituídos em dobro à parte autora, sejam compensados os valores efetivamente utilizados por esta, conforme se apurar na fase de liquidação do julgado, vedando-se enriquecimento sem causa.
A parte ré, como sucumbente principal, arcará com as custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor total da condenação, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
Considerando que o autor litiga sob o amparo da gratuidade de justiça (ID 50310217), a exigibilidade das verbas de sucumbência ficará suspensa, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC, até que se verifique alteração da situação financeira do beneficiário que permita o cumprimento da obrigação.
Ficam as partes advertidas de que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses do artigo 1.022 do CPC, ou com caráter meramente infringente, poderá ensejar multa de até 2% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 1.026, § 2º, do mesmo diploma legal.
Após o trânsito em julgado, certifique-se, proceda-se à liquidação e arquivem-se os autos com as cautelas legais.
Publique-se.
Registre-se.
Intime-se.
Cumpra-se.
Linhares/ES, data registrada no sistema.
EMÍLIA COUTINHO LOURENÇO Juíza de Direito -
28/07/2025 13:42
Expedição de Intimação Diário.
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27/07/2025 22:25
Julgado procedente em parte do pedido de CARLOS RIBEIRO - CPF: *05.***.*25-42 (REQUERENTE).
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24/07/2025 04:50
Juntada de Certidão
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24/07/2025 04:50
Decorrido prazo de BANCO PAN S.A. em 22/07/2025 23:59.
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24/07/2025 04:50
Decorrido prazo de CARLOS RIBEIRO em 22/07/2025 23:59.
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19/07/2025 04:04
Juntada de Certidão
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19/07/2025 04:04
Decorrido prazo de BANCO PAN S.A. em 18/07/2025 23:59.
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18/07/2025 09:13
Conclusos para julgamento
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17/07/2025 00:43
Juntada de Petição de Petição (outras)
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15/07/2025 14:41
Juntada de Petição de Petição (outras)
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15/07/2025 00:00
Intimação
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5011908-40.2024.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: CARLOS RIBEIRO Advogados do(a) REQUERENTE: ALTAMIRO RIBEIRO DE MOURA - ES24089, CENY SILVA ESPINDULA - ES23212 REQUERIDO: BANCO PAN S.A.
Advogado do(a) REQUERIDO: ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO - PE23255 DECISÃO DE SANEAMENTO Vistos, etc.
I.
Breve Resumo da Demanda: Trata-se de ação de Procedimento Comum Cível ajuizada por CARLOS RIBEIRO (Requerente) em desfavor de BANCO PAN S.A. (Requerido), com valor da causa em R$ 11.551,00.
O Requerente busca a nulidade de contrato, repetição de indébito e indenização por danos morais, com pedido de antecipação de tutela.
Alega ter procurado o Banco Pan para contratar empréstimo consignado, mas que lhe foi concedido, sem sua anuência, um cartão de crédito consignado.
Sustenta que foi vítima de publicidade enganosa, que o banco não cumpriu o dever de informação, e que o contrato de cartão de crédito consignado não continha informações essenciais como valor da parcela mensal, quantidade ou periodicidade de parcelas e soma total a pagar, em violação ao Código de Defesa do Consumidor.
Afirma que acreditava estar realizando o pagamento de parcelas fixas, mas os descontos limitavam-se ao pagamento mínimo do cartão, gerando refinanciamento e uma "dívida eterna".
Alega vício de consentimento.
O Requerido, por sua vez, contesta as alegações, afirmando a legitimidade da contratação e o cumprimento do dever de informação, argumentando que o contrato foi devidamente assinado pelo Requerente, que tinha plena consciência do produto contratado .
Alega que o Requerente utilizou o valor liberado em sua conta e usufruiu das funcionalidades do cartão .
Sustenta a legalidade da capitalização mensal de juros e das taxas praticadas .
Por fim, aduz a inexistência dos requisitos para a condenação por danos morais .
II.
Enfrentamento de Preliminares, Prejudiciais e Impugnações: II.1.
Impugnação à Justiça Gratuita: O Requerido impugnou o benefício da justiça gratuita deferida ao Requerente, sustentando que a justiça gratuita deve ser deferida somente a pessoas com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, alegando que tais características não estão presentes nos autos.
Ocorre que a parte ré não logrou êxito em comprovar qualquer condição ou alteração da situação econômica da parte autora.
A gratuidade de justiça foi concedida na distribuição do feito.
O simples fato de ter advogado particular não afasta a presunção de hipossuficiência .
Rejeito a preliminar de impugnação à justiça gratuita.
II.2.
Falta de Interesse de Agir: O Requerido alegou falta de interesse de agir, argumentando que o Requerente não buscou solução da problemática nas vias administrativas.
Entretanto, o Requerente comprovou a provocação da demanda pela via administrativa, conforme resposta enviada pelo PROCON municipal anexa (ID 45784659).
O interesse de agir se configura na necessidade da parte vir a Juízo e na utilidade do provimento jurisdicional, o que está presente no caso.
Rejeito a preliminar de falta de interesse de agir.
II.3.
Inépcia da Inicial: O Requerido arguiu a inépcia da inicial por petição genérica e ausência de juntada de documentos necessários.
Todavia, verifica-se nos autos o contrato de saque do cartão realizado pela parte autora (ID. 48553659), as faturas geradas e o extrato de pagamento com os descontos (ID. 48553671).
Assim, há elementos suficientes para a compreensão da demanda.
Rejeito a preliminar de inépcia da inicial.
II.4.
Necessidade de Renovação da Procuração da Parte Autora: O Requerido sustentou que a procuração apresentada pela parte autora não é específica e outorga poderes genéricos.
Contudo, a procuração foi outorgada com poderes ao patrono e sem data de validade, sendo considerada válida.
Rejeito a impugnação quanto à procuração.
II.5.
Alegação de Conexão e Litigância de Má-fé: O Requerido alegou a existência de conexão com o processo nº 5010690-74.2024.8.08.0030, que tramita na 1ª Vara Cível, em razão de possuírem as mesmas partes, causa de pedir e pedido, caracterizando litigância de má-fé.
Ocorre que, conforme decidido em sede de embargos de declaração (ID 71407962), o presente processo (nº 5011908-40.2024.8.08.0030) é referente ao contrato nº 785774040 (Cartão de Crédito RMC).
Por outro lado, o processo que tramita na 1ª Vara Cível (nº 5010690-74.2024.8.08.0030) é referente ao contrato nº 785773492 (Cartão de Crédito RCC).
A distinção entre RCC (Reserva de Cartão de Crédito) e RMC (Reserva de Margem para Cartão) indica modalidades contratuais diversas, ainda que ambas sejam de cartão de crédito consignado.
Apesar das partes serem as mesmas, os contratos objeto das demandas são distintos, o que afasta a identidade da causa de pedir e do pedido, não configurando a tríplice identidade exigida para caracterização da litispendência .
Portanto, por não haver litispendência, não há que se falar em litigância de má-fé por ajuizamento de ações idênticas.
Rejeito a preliminar de conexão e a alegação de litigância de má-fé.
III.
Fixação dos Pontos Controvertidos: Considerando as alegações das partes, fixo os seguintes pontos controvertidos: Se houve vício de consentimento na contratação do cartão de crédito consignado por parte do Requerente, que alega ter a intenção de contratar um empréstimo consignado.
Se o contrato de cartão de crédito consignado, tal como celebrado e operado, implicou em violação ao dever de informação e transparência, configurando prática abusiva e desvantagem excessiva ao consumidor.
A legalidade da cobrança de juros e encargos, bem como a ocorrência de amortização negativa ou dívida eterna.
A configuração do dano moral indenizável e a aplicação da teoria do desvio produtivo do consumidor.
A aplicabilidade da repetição do indébito em dobro.
IV.
Distribuição do Ônus da Prova: Aplica-se ao presente caso o Código de Defesa do Consumidor (CDC), dada a natureza da relação jurídica estabelecida entre as partes (consumo).
Conforme preceitua o artigo 6º, inciso VIII, do CDC, é direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente.
No caso em tela, a hipossuficiência técnica do consumidor frente à instituição financeira é evidente, dada a complexidade dos contratos bancários e a assimetria de informações.
Além disso, as alegações do Requerente sobre o vício de consentimento e a falta de clareza nas informações do contrato se mostram verossímeis diante da dinâmica dos fatos narrados e da vasta jurisprudência sobre o tema de empréstimos consignados e cartão RMC/RCC.
Deste modo, com fulcro no art. 6º, VIII, do CDC, inverto o ônus da prova para atribuir ao BANCO PAN S.A. o encargo de comprovar: Que o Requerente foi devidamente informado sobre as características do contrato de cartão de crédito consignado, incluindo as diferenças em relação ao empréstimo consignado, as taxas de juros, o valor das parcelas, a quantidade de parcelas para quitação do valor sacado, e as formas de liquidação antecipada do débito.
A regularidade dos descontos realizados, demonstrando a correta amortização da dívida e a inexistência de capitalização de juros ou qualquer outra prática que gere a "dívida eterna".
A inexistência de qualquer vício de consentimento na contratação, bem como a ausência de fraude.
A inexistência de dano moral decorrente da conduta da instituição financeira.
V.
Intimação para Indicação de Provas: Intimem-se as partes para que, no prazo de 5 (cinco) dias, indiquem as provas que pretendem produzir, justificando a relevância e a pertinência de cada uma delas para o deslinde da controvérsia.
Linhares/ES, data registrada no sistema.
EMÍLIA COUTINHO LOURENÇO Juíza de Direito -
14/07/2025 12:32
Expedição de Intimação Diário.
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14/07/2025 09:51
Proferida Decisão Saneadora
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02/07/2025 08:26
Conclusos para decisão
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01/07/2025 09:59
Expedição de Certidão.
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29/06/2025 00:17
Publicado Sentença em 27/06/2025.
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29/06/2025 00:17
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 26/06/2025
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26/06/2025 14:08
Juntada de Petição de réplica
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26/06/2025 00:00
Intimação
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5011908-40.2024.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: CARLOS RIBEIRO REQUERIDO: BANCO PAN S.A.
Advogados do(a) REQUERENTE: ALTAMIRO RIBEIRO DE MOURA - ES24089, CENY SILVA ESPINDULA - ES23212 Advogado do(a) REQUERIDO: ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO - PE23255 SENTENÇA CARLOS RIBEIRO opôs embargos de declaração com efeitos modificativos contra a sentença que extinguiu o processo por reconhecimento de litispendência com o processo nº 5010690-74.2024.8.08.0030, alegando contradição na decisão e ausência de litispendência entre os processos.
O BANCO PAN S/A apresentou contrarrazões sustentando a inadequação da via eleita e o caráter protelatório dos embargos (ID 67980704). É O RELATÓRIO.
DECIDO.
Os embargos de declaração têm cabimento quando há obscuridade, contradição, omissão ou erro material na decisão, conforme o artigo 1.022 do CPC.
No presente caso, o embargante aponta contradição na sentença, afirmando para tanto que os processos tratam de contratos distintos, o que merece análise cuidadosa.
Examinando detidamente os autos, verifico que o presente processo (nº 5011908-40.2024.8.08.0030) é referente ao contrato nº 785774040 (Cartão de Crédito RMC).
Por outro lado, o processo que tramita na 1ª Vara Cível desta comarca (nº 5010690-74.2024.8.08.0030) é referente ao contrato nº 785773492 (Cartão de Crédito RCC), sendo portanto objetos distintos, apesar de formalizados na mesma data com a mesma instituição bancária.
A diferenciação entre RCC (Reserva de Cartão de Crédito) e RMC (Reserva de Margem para Cartão) indica modalidades contratuais diversas, ainda que ambas sejam de cartão de crédito consignado.
Esta distinção é fundamental para a configuração da litispendência, que pressupõe identidade de partes, causa de pedir e pedido (tríplice identidade).
Embora as partes sejam as mesmas, os contratos objeto das demandas são distintos, conforme comprovado documentalmente.
Na verdade, a contratação de 2 contratos distintos é inclusive mencionada pela própria requerida em suas contestações apresentadas em ambos os processos.
Portanto, verifica-se que a sentença embargada incorreu em equívoco ao reconhecer litispendência sem considerar a distinção entre os contratos objeto das demandas.
Tal erro material deve ser corrigido nos termos do artigo 1.022, III, do CPC, ante a ausência de análise adequada dos elementos diferenciadores dos contratos.
A correção do equívoco é medida que se impõe para garantir a adequada prestação jurisdicional e evitar a negativa de acesso à justiça.
Assim, acolho os embargos de declaração com efeitos modificativos para anular a sentença anterior e reconhecer a inexistência de litispendência entre os processos, determinando o prosseguimento regular do feito para análise do mérito da demanda, uma vez que se trata de contratos distintos que não configuram a tríplice identidade exigida para caracterização da litispendência.
DISPOSITIVO Ante o exposto, ACOLHO os embargos de declaração com efeitos modificativos para corrigir erro material e anular a sentença anterior, ante a ausência de litispendência entre os processos nº 5011908-40.2024.8.08.0030 e nº 5010690-74.2024.8.08.0030, uma vez que tratam de contratos distintos (785774040 e 785773492, respectivamente).
DETERMINO o prosseguimento regular do feito para análise do mérito da demanda.
Considerando que houve apresentação de contestação pela parte requerida ao ID 54857211, intime-se a parte requerente para apresentar réplica no prazo legal.
Ficam as partes advertidas, desde logo, de que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com postulação meramente infringente lhes sujeitará à imposição da multa prevista no art. 1.026, § 2º, do CPC.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Linhares/ES, data registrada no sistema.
Juiz(a) de Direito -
25/06/2025 10:25
Expedição de Intimação Diário.
-
24/06/2025 18:56
Embargos de Declaração Acolhidos
-
13/05/2025 14:08
Conclusos para decisão
-
12/05/2025 16:00
Expedição de Certidão.
-
11/05/2025 04:22
Decorrido prazo de BANCO PAN S.A. em 08/05/2025 23:59.
-
01/05/2025 00:16
Publicado Intimação - Diário em 29/04/2025.
-
01/05/2025 00:16
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 25/04/2025
-
30/04/2025 16:01
Juntada de Petição de contrarrazões
-
25/04/2025 00:00
Intimação
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5011908-40.2024.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: CARLOS RIBEIRO REQUERIDO: BANCO PAN S.A.
Advogados do(a) REQUERENTE: ALTAMIRO RIBEIRO DE MOURA - ES24089, CENY SILVA ESPINDULA - ES23212 Advogado do(a) REQUERIDO: ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO - PE23255 INTIMAÇÃO DIÁRIO Intimo a parte REQUERIDA para ciência dos Embargos de Declaração ID 55185771 e, querendo, apresentar contrarrazões no prazo legal.
LINHARES/ES, 24/04/2025 DIRETOR DE SECRETARIA / ANALISTA JUDICIÁRIO -
24/04/2025 09:36
Expedição de Intimação - Diário.
-
23/01/2025 17:22
Expedição de Certidão.
-
20/12/2024 12:28
Decorrido prazo de BANCO PAN S.A. em 17/12/2024 23:59.
-
11/12/2024 15:32
Juntada de Certidão
-
27/11/2024 10:33
Decorrido prazo de BANCO PAN S.A. em 26/11/2024 23:59.
-
25/11/2024 12:44
Juntada de Petição de embargos de declaração
-
22/11/2024 13:23
Expedida/certificada a intimação eletrônica
-
18/11/2024 18:32
Juntada de Petição de contestação
-
12/11/2024 21:13
Extinto o processo por Perempção, litispendência ou coisa julgada
-
12/11/2024 13:10
Conclusos para julgamento
-
25/10/2024 17:08
Juntada de Aviso de Recebimento
-
22/10/2024 04:54
Decorrido prazo de CARLOS RIBEIRO em 21/10/2024 23:59.
-
18/09/2024 14:44
Expedição de ofício.
-
18/09/2024 14:44
Expedida/certificada a intimação eletrônica
-
17/09/2024 20:26
Concedida a Assistência Judiciária Gratuita a CARLOS RIBEIRO - CPF: *05.***.*25-42 (REQUERENTE).
-
17/09/2024 20:26
Não Concedida a Medida Liminar a CARLOS RIBEIRO - CPF: *05.***.*25-42 (REQUERENTE).
-
16/09/2024 17:00
Conclusos para decisão
-
10/09/2024 13:08
Expedição de Certidão.
-
09/09/2024 14:10
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
09/09/2024
Ultima Atualização
29/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
Sentença • Arquivo
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Petição (outras) • Arquivo
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