TJES - 0000280-97.2022.8.08.0002
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gab. Desemb. Helimar Pinto
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Passivo
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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05/09/2025 17:56
Juntada de Petição de Petição (outras)
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03/09/2025 21:57
Juntada de Petição de Petição (outras)
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03/09/2025 15:21
Publicado Acórdão em 03/09/2025.
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03/09/2025 15:21
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 02/09/2025
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02/09/2025 00:00
Intimação
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO PROCESSO Nº 0000280-97.2022.8.08.0002 APELAÇÃO CRIMINAL (417) APELANTE: MARLENE DE AZEVEDO GOMES APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO RELATOR(A): ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ EMENTA ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ ACÓRDÃO Decisão: À unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Órgão julgador vencedor: Gabinete Des.
HELIMAR PINTO Composição de julgamento: Gabinete Des.
HELIMAR PINTO - HELIMAR PINTO - Relator / Gabinete Des.
UBIRATAN ALMEIDA AZEVEDO - UBIRATAN ALMEIDA AZEVEDO - Revisor / Gabinete Des.
MARCOS VALLS FEU ROSA - MARCOS VALLS FEU ROSA - Vogal VOTO REVISOR Gabinete Des.
UBIRATAN ALMEIDA AZEVEDO - UBIRATAN ALMEIDA AZEVEDO (Revisor) Acompanhar VOTOS VOGAIS Gabinete Des.
MARCOS VALLS FEU ROSA - MARCOS VALLS FEU ROSA (Vogal) Acompanhar ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ RELATÓRIO _______________________________________________________________________________________________________________________________________________ NOTAS TAQUIGRÁFICAS ________________________________________________________________________________________________________________________________________________ VOTO VENCEDOR ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO - TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª Câmara Criminal Gabinete do Des.
Helimar Pinto APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000280-97.2022.8.08.0002 APELANTE: MARLENE DE AZEVEDO GOMES Advogados do(a) APELANTE: ELAINE GONCALVES SOBREIRA - ES25310-A, MARCIA DUTRA MACHADO COELHO - ES13977-A APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO VOTO Conforme relatado, trata-se de recurso de Apelação Criminal interposto por MARLENE DE AZEVEDO GOMES em face da r.
Sentença (ID 10194852), proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal de Alegre/ES, por meio da qual a apelante fora condenada pela prática dos crimes previstos nos artigos 168, caput, e 330, ambos do Código Penal, à pena de 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão, 15 (quinze) dias de detenção e 30 (trinta) dias-multa, substituída por duas penas restritivas de direitos.
Nas razões recursais (ID 13191043), a apelante sustenta, em síntese: (a) a inexistência de provas suficientes para a condenação pelo crime de apropriação indébita, defendendo que não detinha posse do cartão de benefício da vítima e que eventuais valores por ela administrados foram destinados, exclusivamente, à aquisição de mantimentos, a pedido do pai da vítima; (b) a ausência de dolo quanto ao crime de desobediência, argumentando que a vítima, Ana Maria Júlio, não estava sob sua guarda, mas residia em imóvel locado; (c) que sua conduta se deu por solidariedade e não por interesse patrimonial, tendo buscado, sem êxito, apoio dos órgãos públicos para o acolhimento da vítima; (d) por fim, pugna pela absolvição, nos termos do artigo 386, incisos I e VII, do Código de Processo Penal, ou, subsidiariamente, pela redução da pena ao mínimo legal.
Em contrarrazões (ID 13191044), o Ministério Público pugna pelo desprovimento do recurso, sustentando, em suma: (a) a robustez do conjunto probatório, que demonstra a posse do cartão de benefício por parte da ré e a situação de abandono em que se encontrava a vítima; (b) que restou configurada a prática dos crimes de apropriação indébita e desobediência, na medida em que a recorrente descumpriu decisão judicial que a proibia de abrigar pessoas sem autorização dos órgãos competentes e, ainda, apropriou-se de valores destinados à vítima, sem prestar-lhe a devida assistência; (c) pugna, ao final, pelo conhecimento e desprovimento do recurso, com a manutenção integral da sentença.
No mesmo sentido, o Parecer ministerial (ID 13377692).
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo à análise do mérito.
Consta da denúncia que, em janeiro de 2021, na Cidade de Alegre/ES, tomou-se conhecimento de que a apelante desobedeceu decisão judicial proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0002184-65.2016.8.08.0002, que lhe vedava a prática de abrigamento de idosos ou deficientes, sem a autorização dos órgãos competentes.
Apesar da proibição, Marlene teria mantido a incapaz Ana Maria Júlio sob sua responsabilidade, em imóvel de sua propriedade, localizado na Rua Benedito Teixeira Leão.
Ainda segundo a exordial acusatória, a apelante se apropriou do cartão de benefício previdenciário da vítima, deixando-a em condições insalubres, sem prover alimentação adequada, cuidados com a higiene pessoal ou limpeza da residência.
Extrai-se dos autos que inquérito policial foi instaurado por requisição do Ministério Público, a partir de relato “anônimo” recebido na Promotoria de Justiça de Alegre, no sentido de que “Marleninha” seria responsável pelos cuidados da incapaz Ana Maria Júlio, diagnosticada com esquizofrenia, a qual teria sido retirada do anterior estabelecimento da denunciada, porém, passou a viver em condições insalubres, sem cuidado da limpeza da residência, sem alimentação, permanecendo sozinha, mesmo sem ter condições para tanto.
Relata-se, ainda, que “Marleninha” é responsável por gerir o salário de “Aninha”, com indícios de que desvia os valores e não os emprega nos cuidados da incapaz.
O inquérito foi instruído com o “Relatório Psicossocial” elaborado pela equipe técnica do CREAS em 20/01/2022 (parte 01, fls. 16/17), merecendo destaque os seguintes trechos: “Marlene relatou que ha cerca de 8 anos, o genitor de Ana Maria, o .Sr.
Pedro Filho Gentil, pediu para que ela cuidasse de sua filha onde desde então ela presta os cuidados necessários a Ana Maria como: alimentação, remédios, moradia, e que nos últimos meses, Ana Maria teria tido surtos mais frequentes, pegando lixo nas ruas e levado para dentro de sua residência. (…) No dia 29/12/2021, a Equipe do CREAS realizou visita domiciliar a Sra.
Ana Maria (…) encontramos com Ana Maria, abordamos a mesma que estava cheia de sacolas de lixo em suas mãos, nos relatou que mora sozinha e que quem fica com seu pagamento é a "Marleninha” neste dia estava sem gás em casa ha uma semana.
Orientamos Ana Maria a não pegar mais lixo pois, isso poderia ser prejudicial a sua saúde.
Durante conversa, foi observado pela Equipe que a mesma se encontrava desorientada e possui um discurso muito confuso, onde repetidamente alega que precisa "desfazer as coisas que as pessoas jogam fora" tentando justificar o motivo pelo qual cata os lixos.
A Equipe observou que aparentemente a mesma possui um comprometimento mental no qual poderia justificar tais tipos de comportamento.
No dia 30/12/2021 a Sra.
Marlene compareceu novamente ao CREAS relatando que não quer que Ana Maria fique mais em sua casa, que já fez tudo que podia para ajudar a mesma, a Equipe Técnica questionou Marlene se ela possui curatela ou procuração de Ana Maria, Marlene relatou que quem possui curatela de Ana Maria é o seu genitor o Sr.
Pedro Filho Gentil, que no momento não está residindo mais no Município de Alegre, informou que ele reside no Rio do Janeiro (…) Orientamos a Sra.
Marlene a procurar a família de Ana Maria, ela relatou que entrou em contato com a irmã do Ana, Sra.
Clemides, "que falou que o pai está com ela no Rio de Janeiro e que era para ela se virar com Ana Maria". (sic).
A Sra.
Marlene nos passou o contato telefônico das irmãs de Ana Maria, (...)a mesma respondeu que seu pai está com ela no Rio do Janeiro e que ele tem a tutela de Ana Maria, porém, devido à idade e os problemas de saúde quo possui não tem condições de cuidar de Ana Maria, para que procurássemos a Sra.
Marlene, pois, ela que cuida de Ana Maria. (…) Diante dos fatos descritos, conforme informações colhidas de vizinhos, das irmãs e da Sra.
Marlene, foi constatado por esta Equipe, através de conversas com Ana Maria Júlio, que a mesma cata objetos do lixo e leva para dentro de sua residência, situação frequente, gerando assim urna preocupação com a saúde da Sra.
Ana Maria e as demais pessoas que moram próximas e convivem com a mesma.
Segundo relatos, Sra.
Ana fica grande parte do tempo na rua revirando lixo e em condições precárias de higiene.
Nota-se também que, durante o discurso de Aria, queixas são frequentes em relação a Sra Marlene, referente a questão financeira, sendo esta responsável em receber seu beneficio.
Marlene alega que a valor do beneficio é usado para medicamentos e alimentação de Ana Maria, e que segundo ela, precisa "inteirar" para complementar a despesa da usuária.
Marlene não possui nenhum documento que comprove ser responsável por Ana Maria. (…) Diante do exposto, observa-se que diante dos contatos e visitas realizadas nenhum familiar se disponibilizaria em cuidar da Sra Ana Maria Julio. (...)” Juntado às fls. 29/30, um “Relatório de Visita Domiciliar” elaborado pelo CAPSI (Centro de Atenção Psicossocial) de Alegre, nos seguintes termos: “(…) Usuária é atendida no CAPS desde 24/09/2008, com histórico pregresso de várias internações psiquiátricas por parte de seus familiares.
Em 2016 com a desmantelamento da “casa da Marleninha” pelo MPA, equipe do CAPS ficou incumbida de transferir os usuários com transtorno mental para ABDM (...). À época o Serviço Social fez várias mediações com a Sr.
Pedro Gentil, pai da usuária e sua irmã Vanuza, que expressaram suas limitações pessoais e sociofamiliares em acolher a usuária junto ao núcleo familiar.
Genitor orientado a procurar o MPA e a contrapor seus argumentos Junto ao Promotor de Justiça.
No die 08/12/2016, AS Luciana Fonte Boa, Enfermeiro do CAPS à época Jefferson Moraes e coordenadora do CAPS à época Rosane Santos, estiveram no residência da Sra Marlene Azevedo, para cumprimento do mandado judicial de retirada dos usuários e usuárias e condução a ABDM, quando foram impedidos pelo Sr.
Pedro Gentil, que as informou que não permitiria a transferência da mesma, a época orientamos ao mesmo formalizar recusa junto ao MPA.
Ministério Público informado à época e emitido laudo com parecer técnico para a acolhida da usuária em RT, devido a inexistência de vínculos familiares.
No dia 28/12/21, usuária compareceu ao CAPS para atendimento médico com Psiquiatra Dr Raphael Teixeira Xavier, acompanhada da Sra.
Marlene e segundo relato da mesma, nos disse não ser responsável pela paciente, que não possui a curatela.
Nos relatou também que a família da paciente não tem o desejo de assumir a responsabilidade.
Segundo relato do médico em seu prontuário, a mesma apresenta ideação delirante, comportamento compulsivo, acumuladora de lixo, agitada, juízo crítico prejudicado, desorientada e com quadro de esquizofrenia paranoide e a mesmo indicou internação.
Segundo informações dos vizinhos, a Sra.
Marlene Azevedo é a responsável pela gestão da vida diária e pelos cuidados da paciente; todavia, são os próprios vizinhos que vêm assistindo a usuária com alimentos, por se sentirem sensibilizados diante da situação de negligência vivenciada por ela.
Em 04/01/2022, a Sra.
Marlene compareceu ao CAPS para cobrar resultados referentes à paciente.
Foi-lhe esclarecido que a visita domiciliar já havia sido realizada.
A Sra.
Marlene informou que a usuária sempre foi catadora de materiais recicláveis e que pretendia entregá-la aos familiares, solicitando que algum profissional do CAPS a acompanhasse.
Foi orientada de que o procedimento não poderia ser executado da forma pretendida e de que deveria procurar a Assistência Social; não obstante, afirmou desejar vender o imóvel em que a paciente reside.
A usuária permanece, até o presente momento, morando sozinha.
Em 07/01/2022, a Sra.
Marlene foi novamente atendida, desta vez acompanhada do prefeito em exercício, Sr.
Silvani, quando voltaram a demandar do CAPS uma solução para o caso.
Foi-lhes explicado, de forma clara, que já haviam sido realizadas visitas domiciliares e atendimento por psiquiatra do CAPS, o qual solicitou tratamento intensivo em instituição de longa permanência, medida que está sendo providenciada pela gerência do setor e que demanda tempo para obtenção de vaga.
A Sra.
Marlene relatou que a paciente estaria ingerindo lixo e acumulando resíduos com odor fétido.
A técnica de enfermagem comunicou o fato ao Secretário de Saúde, que autorizou nova visita, realizada em conjunto com a agente comunitária de saúde da área, Sra.
Valquíria.
Constatou-se, nessa visita, que a residência apresenta telhado danificado e infiltração de água; entretanto, os resíduos encontravam-se lavados, empilhados e organizados.
A paciente afirmou que não faz uso de medicação.
Em conversa com os vizinhos, verificou-se que são eles que a alimentam e recebem doações de alimentos para ela.
Constatou-se, ainda, que a usuária mantém, no momento, um relacionamento reduzido com a Sra.
Marlene.
Posteriormente, em contato com o prefeito, fomos informados de que a paciente foi internada no CAPAAC.(…)”.
Consoante cópia da Sentença proferida na ACP Nº 0002184-65.2016.8.08.0002 (fls. 31/32), fora interditado “definitivamente, o denominado “Lar da Marleninha”, ocasião em que PROÍBO a Requerida MARLENE DE AZEVEDO GOMES, vulgo “Marleninha”, pessoalmente ou por interposta pessoa, natural ou jurídica, que proceda, promova, realize ou permita qualquer ato ou atividade relativa ao abrigamento de idosos e/ou deficientes sem a prévia e regular autorização dos órgãos administrativos competentes, excetuando tal obrigação apenas em relação à pessoa de Ariston Galacha da Silva, de quem a ré detém a curatela definitiva”.
Ocorre que, além disso, também fora determinado “aos requeridos MUNICÍPIO DE ALEGRE-ES e ESTADO DO ESPÍRITO SANTO que, solidariamente, observado o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados de forma contínua, e sob pena de multa diária, que arbitro em R$ 1.000,00 (mil reais), procedam à transferência dos idosos e deficientes provisoriamente abrigados na Associação Beneficente Dias Melhores (ABDM), neste Município, egressos do abrigo clandestino mantido pela primeira ré, de acordo com o perfil de cada um”, situação que, aparentemente, não fora cumprida em relação à egressa Ana Maria Julio.
Feitas tais considerações, prossigo com a apreciação das pretensões defensivas. 1.
Do crime de desobediência — art. 330 do Código Penal A defesa sustenta que o édito condenatório não pode ser mantido, alegando a ausência de dolo quanto ao crime de desobediência, argumentando que a vítima, Ana Maria Júlio, não estava sob sua guarda, mas residia em imóvel locado, sendo que sua conduta se deu por solidariedade e não por interesse patrimonial, tendo buscado, sem êxito, apoio dos órgãos públicos para o acolhimento da vítima.
De acordo com a redação do art. 330, do Código Penal, pratica o crime de desobediência quem “desobedecer a ordem legal de funcionário público”.
A suposta materialidade do crime de desobediência se ancora na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0002184-65.2016.8.08.0002, a qual proibiu a apelante de praticar qualquer ato relativo ao abrigamento de idosos e/ou deficientes sem a autorização dos órgãos administrativos competentes.
Contudo, ao compulsar os autos, não restou cabalmente demonstrado que a conduta da apelante se amolda ao núcleo do tipo penal em exame.
Isso porque as provas não revelam se houve, por parte da ré, vontade livre e consciente de descumprir tal determinação, mas sim conduta motivada por circunstâncias de caráter humanitário, social e emergencial.
Evidenciado que os fatos verificados em relação a Ana Maria Julio originaram-se de um pedido direto do genitor da vítima, o qual se recusou a retirá-la da residência que pertencia a Marlene, quando realizada a interdição, bem como mudou-se para o Rio de Janeiro sem levar a filha, portadora de deficiência mental e que estava sob sua tutela legal.
Com efeito, não se verifica nos autos que a apelante tenha reativado qualquer estrutura assemelhada ao abrigo anteriormente interditado, tampouco que tenha acolhido múltiplas pessoas ou desempenhado atividades típicas de uma instituição de acolhimento, nem que estivesse explorando a situação da vítima, com fins assistenciais irregulares ou econômicos.
Nesses termos, destaco trecho do Relatório Psicossocial do CREAS, de 20/01/2022, conforme consta: “Marlene relatou que há cerca de 8 anos, o genitor de Ana Maria, Sr.
Pedro Filho Gentil, pediu para que ela cuidasse de sua filha, onde desde então ela presta os cuidados necessários a Ana Maria, como: alimentação, remédios e moradia (...).” A atuação da apelante, portanto, emerge em um contexto de evidente ausência de suporte familiar e omissão do próprio poder público, inclusive descumpridor da mesma sentença judicial que impôs ao Município e ao Estado a obrigação de providenciar acolhimento institucional, em prazo de 180 dias para todos os egressos, o que, conforme se observa dos autos, não foi garantido em relação a Ana Maria.
Aliás, depreende-se das visitas realizadas pelo CREAS e CAPS, que a apelante buscava, inclusive, solucionar a situação de Ana Maria, levando-a a consultas médicas e pedindo ajuda do poder público, como revela o trecho do relatório de 30/12/2021: “A Sra.
Marlene compareceu novamente ao CREAS relatando que não quer que Ana Maria fique mais em sua casa, que já fez tudo que podia para ajudar (...).” Não se pode conceber, nesse cenário, que tal conduta, ainda que irregular sob o aspecto administrativo ou civil, represente a tipicidade penal da desobediência, que exige dolo específico e não comporta interpretação extensiva em prejuízo da ré.
Ademais, as provas convergem no sentido de que a vítima, Ana Maria Júlio, residia sozinha em uma kitnet pertencente à apelante, desde o ano de 2014, alugado pelo genitor de Ana Maria para fins de residência.
Nesses termos, declarou o informante José de Oliveira Barbosa, ao afirmar que: “Que tem conhecimento que Marlene e o marido alugam casas; que já foi contratado para prestar serviço para alunos que moravam lá anteriormente abrigados, e que posteriormente o pai da vítima, denominado Pedro, iria morar lá com Ana Maria; que trabalhou com a acusada; que Marlene ajudou Ana Maria por motivo de saúde; que nunca ouviu falar que Marlene recebia pela ajuda que oferecia.” Igualmente, a testemunha João Paulo Gazone ratificou a natureza da relação locatícia: “Que conhece a Sra.
Marlene há mais de 10 anos, que é locatário da acusada, que chegou a conhecer a vítima, pois eram vizinhos em 2017; que tinha conhecimento que Ana Maria tinha distúrbios mentais; que Ana Maria era inquilina da Sra.
Marlene e do marido.” Esses elementos revelam evidências de que a relação existente era de locação residencial, não se caracterizando atividade típica de abrigamento (assistência integral, hospedagem formal, serviços continuados).
Ressalte-se que, para configuração do crime de desobediência, exige-se que a ordem seja direta, pessoal, clara e objetiva, e que haja inequívoca recusa consciente e voluntária em cumpri-la, o que não se observa aqui, mas sim uma tentativa reiterada de se desvencilhar de uma responsabilidade que lhe foi socialmente imposta pela ausência do Estado e da própria família.
Portanto, o próprio contexto de abandono da vítima pelos familiares e pelo Poder Público, somado às tentativas da apelante de obter auxílio dos órgãos públicos, como relatado por várias testemunhas, fragiliza a tese de que sua conduta tenha se dado em oposição consciente à ordem judicial, motivo pelo qual afasta-se o elemento subjetivo do tipo, cumprindo-se absolver a apelante, nos termos do art. 386, inc.
III, do Código de Processo Penal. 2.
Do crime de apropriação indébita — art. 168, caput, do Código Penal Em suas razões, aduz a inexistência de provas suficientes para a condenação pelo crime de apropriação indébita, defendendo que não detinha posse do cartão de benefício da vítima e que eventuais valores por ela administrados foram destinados, exclusivamente, à aquisição de mantimentos, a pedido do pai da vítima.
Após detida análise das provas, também não se vislumbra a robustez necessária para sustentar um decreto condenatório.
O tipo penal de apropriação indébita prevê a conduta de “apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção”, de modo que exige, como elemento subjetivo, o dolo específico de se apropriar da coisa alheia móvel.
Nesse sentido, a Corte Superior de Justiça já decidiu que “para a configuração da apropriação indébita, é necessário que o agente tenha se apossado ou tomado como sua coisa que pertence a outra pessoa.
O elemento subjetivo é o dolo, a vontade específica de pretender apossar-se de coisa pertencente a outra pessoa.
A consumação ocorre quando há a inversão da posse, demonstrada pelo ato de dispor da coisa ou pela negativa em devolvê-la. […]” (REsp n. 1.961.290/RS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 7/11/2023, DJe de 16/11/2023.) Nos autos, não há elementos objetivos robustos que comprovem que a recorrente tenha assumido a posse ou detenção do cartão-benefício da vítima com ânimo definitivo de assenhoramento ou que tenha se apropriado, efetivamente, dos valores do benefício da vítima.
Com efeito, ainda que a prova colhida evidencie a posse do cartão do benefício da vítima pela ré, como confessado por ela às assistentes sociais, perante a autoridade policial e em declaração prestada ao Ministério Público, também restou demonstrado que o próprio pai da vítima entregou-lhe o cartão do benefício previdenciário, antes de se mudar para o Rio de Janeiro, pedindo que o administrasse, pois Ana Maria não teria condições de gerir seus recursos devido às limitações mentais.
Ademais, a depoente afirma que utilizava os valores estritamente para pagar contas e comprar alimentos para Ana Maria, sendo que as despesas que assumia superavam o valor do benefício recebido.
Aponta, também, que acompanhava a vítima às consultas médicas até que, em razão do agravamento do quadro psiquiátrico, Ana Maria passou a rejeitar qualquer tipo de ajuda, chegando a agredi-la fisicamente.
Destarte, a posse do cartão de benefício decorre de entrega voluntária do pai da vítima, não de apropriação clandestina ou ardilosa.
Além disso, o Ministério Público não se desincumbiu do ônus de provar, de forma robusta, o suposto desvio ou apropriação dos valores.
Ora, nenhum extrato bancário, movimentação financeira ou perícia contábil foi juntado aos autos nesse sentido.
Inclusive, não houve manifestação direta da vítima Ana Maria Júlio, tampouco de seu pai, quanto a qualquer queixa de desvio patrimonial ou prejuízo.
Ao contrário, há elementos que indicam que parte dos recursos era destinada à subsistência da vítima, ainda que em condições precárias.
A recorrente comprovou que buscava, reiteradamente, auxílio dos órgãos públicos para atendimento da vítima, sem sucesso, e que a manutenção da relação tinha caráter assistencial, não patrimonialista.
De outro lado, embora as testemunhas do CREAS e do CAPS indiquem problemas de ordem social (condições insalubres, acúmulo de lixo), não há correlação direta entre essas condições e a prática do crime de apropriação indébita.
As condições insalubres em que se encontrava a vítima, embora lamentáveis, não podem ser diretamente associadas à conduta dolosa de apropriação por parte da apelante dos valores do benefício social, sendo, ao contrário, condizentes com o quadro psiquiátrico da vítima (diagnóstico de esquizofrenia e acúmulo compulsivo), como destacou a própria testemunha Cristiane Campo Vieira, ao afirmar que: “Que Ana Maria, por ter esquizofrenia, não se atentava para higiene pessoal; que tinha o hábito de acumular lixo dentro de casa.” Corroborando esse contexto, a psicóloga Lívia Ferreira Silva, embora tenha confirmado que a apelante alegava administrar os recursos da vítima, também afirmou que: “Não tem conhecimento de quem era o responsável legalmente pela vítima.” Diante da insuficiência de provas acerca do elemento subjetivo (dolo de assenhoramento definitivo) e da destinação ilícita dos recursos, e considerando as circunstâncias peculiares do caso, impõe-se a aplicação do princípio do in dubio pro reo, para ABSOLVER a apelante quanto ao crime de apropriação indébita, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
Arrimado em tais considerações, CONHEÇO do Apelo e LHE DOU PROVIMENTO, para, reformando a sentença objurgada, ABSOLVER MARLENE DE AZEVEDO GOMES das imputações que lhe foram atribuídas nos presentes autos, quanto aos crimes previstos nos artigos 168, caput, e 330, ambos do Código Penal, com fundamento no artigo 386, incisos III e VII, do Código de Processo Penal. É como voto. _________________________________________________________________________________________________________________________________ VOTOS ESCRITOS (EXCETO VOTO VENCEDOR) -
01/09/2025 18:28
Expedição de Intimação - Diário.
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01/09/2025 18:28
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
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17/08/2025 00:00
Decorrido prazo de MARLENE DE AZEVEDO GOMES em 14/08/2025 23:59.
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15/08/2025 00:08
Publicado Decisão em 06/08/2025.
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15/08/2025 00:08
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 05/08/2025
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08/08/2025 13:44
Expedição de Certidão.
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07/08/2025 14:24
Conhecido o recurso de MARLENE DE AZEVEDO GOMES - CPF: *54.***.*00-00 (APELANTE) e provido
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06/08/2025 16:35
Juntada de Certidão - julgamento
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06/08/2025 16:33
Deliberado em Sessão - Julgado - Mérito
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04/08/2025 17:14
Expedição de Intimação - Diário.
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01/08/2025 17:36
Processo devolvido à Secretaria
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01/08/2025 17:36
Proferidas outras decisões não especificadas
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31/07/2025 17:42
Conclusos para despacho a HELIMAR PINTO
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31/07/2025 17:14
Juntada de Petição de pedido de providências
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28/07/2025 13:17
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 28/07/2025
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25/07/2025 14:51
Inclusão em pauta para julgamento de mérito
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11/07/2025 18:10
Processo devolvido à Secretaria
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11/07/2025 18:10
Pedido de inclusão em pauta
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11/07/2025 18:10
Proferido despacho de mero expediente
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11/07/2025 16:22
Proferido despacho de mero expediente
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08/07/2025 14:37
Retirado de pauta
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08/07/2025 14:37
Retirado pedido de inclusão em pauta
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07/07/2025 15:38
Conclusos para decisão a HELIMAR PINTO
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04/07/2025 19:57
Juntada de Petição de pedido de providências
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04/07/2025 13:56
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 03/07/2025
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04/07/2025 13:55
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 03/07/2025
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04/07/2025 13:53
Desentranhado o documento
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04/07/2025 13:53
Cancelada a movimentação processual
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02/07/2025 17:59
Inclusão em pauta para julgamento de mérito
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29/05/2025 16:27
Processo devolvido à Secretaria
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29/05/2025 16:27
Pedido de inclusão em pauta
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29/05/2025 16:27
Proferido despacho de mero expediente
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27/05/2025 10:10
Proferido despacho de mero expediente
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05/05/2025 13:42
Conclusos para julgamento a HELIMAR PINTO
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30/04/2025 14:54
Juntada de Petição de Petição (outras)
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29/04/2025 16:45
Expedida/certificada a intimação eletrônica
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29/04/2025 13:31
Expedição de Certidão.
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24/04/2025 13:47
Processo devolvido à Secretaria
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24/04/2025 13:47
Proferido despacho de mero expediente
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16/04/2025 19:02
Conclusos para julgamento a HELIMAR PINTO
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16/04/2025 17:51
Juntada de Petição de Petição (outras)
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15/04/2025 15:52
Expedida/certificada a intimação eletrônica
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15/04/2025 13:37
Recebidos os autos
-
15/04/2025 13:37
Juntada de Petição de certidão
-
10/10/2024 15:05
Remetidos os Autos (em diligência) para Instância de Origem
-
09/10/2024 16:25
Processo devolvido à Secretaria
-
09/10/2024 16:25
Proferido despacho de mero expediente
-
08/10/2024 18:38
Conclusos para julgamento a HELIMAR PINTO
-
08/10/2024 12:57
Juntada de Petição de Petição (outras)
-
07/10/2024 14:12
Expedida/certificada a intimação eletrônica
-
02/10/2024 16:06
Processo devolvido à Secretaria
-
02/10/2024 16:06
Proferido despacho de mero expediente
-
01/10/2024 17:33
Recebidos os autos
-
01/10/2024 17:33
Conclusos para despacho a HELIMAR PINTO
-
01/10/2024 17:33
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
01/10/2024
Ultima Atualização
05/09/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Acórdão • Arquivo
Acórdão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Despacho - revisor • Arquivo
Relatório • Arquivo
Decisão • Arquivo
Despacho - revisor • Arquivo
Relatório • Arquivo
Despacho • Arquivo
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Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
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