TJPB - 0800847-06.2021.8.15.0271
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Marcio Murilo da Cunha Ramos
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Passivo
Partes
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
05/09/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA GABINETE 03 - DES.
MÁRCIO MURILO DA CUNHA RAMOS ACÓRDÃO Processo nº: 0800847-06.2021.8.15.0271 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL Juízo de origem: COMARCA DE PICUÍ Relator: Desembargador Márcio Murilo da Cunha Ramos APELANTE: TABATA RAYSA PALMEIRA DE SOUZA APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DA PARAIBA - PGJ APELAÇÃO CRIMINAL APROPRIAÇÃO INDÉBITA (ART. 168, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL) VALORES PÚBLICOS DESTINADOS A TRATAMENTO DE SAÚDE.
DESVIO DE FINALIDADE.
CONDENAÇÃO.
IRRESIGNAÇÃO.
PLEITO ABSOLUTÓRIO.
DESCABIMENTO.
MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS.
DOLO EVIDENCIADO.
MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO.
RECURSO DESPROVIDO. - Deve ser refutado pleito absolutório em relação à condenação da ré pela prática do crime previsto no art. 168 do Código Penal, uma vez que restou demonstrado que esta se apropriou de valores públicos que lhe foram repassados, mediante sequestro judicial, para a aquisição de suplemento alimentar e materiais específicos destinados ao tratamento de saúde de sua filha, utilizando-os, entretanto, para finalidades diversas. - A tese defensiva de ausência de dolo não encontra amparo no acervo probatório, que comprova de forma irrefutável a ciência da apelante acerca da destinação vinculada dos valores e sua deliberada inobservância das orientações ministeriais e judiciais.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos acima identificados.
ACORDA a Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, por unanimidade, em negar provimento ao apelo, nos termos do voto do relator, integrando a decisão a certidão de julgamento constante dos autos.
RELATÓRIO Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por Tabata Raysa Palmeira de Souza contra a sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Picuí/PB, que a condenou como incursa nas penas do art. 168, caput, do código penal, impondo-lhe a pena de 01 (um) ano e 01 (um) mês de reclusão, a ser cumprida no regime aberto, acrescido de 12 (doze) dias-multa.
Em seguida, substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito (ID 32165189) Narra a peça vestibular: “Infere-se do inquérito policial incluso que Tábata Rayssa Palmeira de Souza, com vontade livre e consciente, apropriou-se de coisa alheia móvel de que tinha posse.
Conforme infere-se nos autos, a denunciada é genitora de Maria Esperança Rodrigues de Souza, que necessitava fazer uso de leite especial, equipos e frascos de sondas.
Acontece que, ante a negativa do município de Picuí e do Estado da Paraíba, o Ministério Público foi provocado para intervir no caso e protocolar uma ACP de obrigação de fazer com tutela antecipada de urgência em desfavor do Estado de Paraíba.
Deferida a liminar e liberação de alvará judicial no valor de R$ 16.246,00 (dezesseis mil reais, duzentos e quarenta e seis centavos), a acusada apresentou apenas três cupons fiscais, que totalizaram R$ 533,66 (quinhentos e trinta e três reais e sessenta e seis centavos), não comparecendo mais a este órgão ministerial para prestar conta da quantia faltante.
Saliente-se que, todas as pessoas que comparecem a esta Promotoria de Justiça com a finalidade de propositura de demanda judicial ante a omissão do Estado ou do Município, no fornecimento de medicamentos, exames ou procedimentos cirúrgicos, são orientadas a comprovarem o uso do dinheiro por meio de comprovantes, fato é que a increpada ainda juntou os primeiros cupons fiscais, não fazendo o mesmo com o restante do valor recebido.
Diante do exposto, a denunciada TÁBATA RAYSSA PALMEIRA DE SOUZA, encontra-se incurso na pena do art. 168, § 1º, II do Código Penal, (…).” Após os trâmites legais, com observância ao contraditório, o Juízo a quo proferiu sentença condenatória, julgando parcialmente procedente a pretensão punitiva, nos termos do dispositivo abaixo: “Posto isto e por tudo mais que consta dos autos, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado para, com fulcro no art. 387 do Código de Processo Penal, condenar a acusada TABATA RAYSA PALMEIRA DE SOUZA, dando-o como incurso nas penas do art. 168 do Código Penal.” (ID 32165189 - Pág. 05) Em suas razões recursais, a defesa, em apertada síntese, requer a absolvição da ré, sob o argumento de que não restou demonstrado o dolo, o que configuraria hipótese de indevida responsabilização objetiva (ID 36149382).
O representante ministerial, em sede de contrarrazões, rebate os argumentos defensivos e pugna pela manutenção do decisum recorrido (ID 36149384).
A Procuradoria de Justiça, em parecer da lavra do insigne Dr. Álvaro Gadelha Campos – Procurador de Justiça –, manifestou-se pelo desprovimento do apelo (ID 36326259). É o relatório.
VOTO.
O cerne da questão litigiosa do recurso gira em torno de pedido de absolvição formulado pela defesa do sentenciado, em que enfatiza a ausência de dolo da ré.
Contudo, a despeito dos argumentos do recorrente, verifico que a decisão vergastada não merece ser modificada, porquanto devidamente comprovadas a materialidade e autoria do crime descrito no art. 168 do Código Penal, restando demonstrado o dolo da agente.
A propósito, a fim de evitar desnecessária tautologia, reporto-me à sentença, que assim se pronunciou ao enfrentar a matéria (ID 32165189 - Pág. 03/05): “O crime de apropriação indébita pressupõe que o agente se aproprie da coisa alheia, que lhe foi entregue de forma lícita e, neste contexto, a consumação da apropriação ocorre quando o sujeito passa a agir como dono da coisa, sem que o seja.
No caso dos autos, imputa-se à acusada a conduta de ter utilizado parte do dinheiro liberado em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Pública, com outra finalidade diversa daquela a que se destinava, qual seja, a compra de leite especial, equipamentos e sondas para a alimentação de sua filha.
Compaginando-se o inquérito policial que instrui os autos, verifica-se que a decisão liminar prolatada na Ação Civil Pública nº 0800469-21.2019.8.15.0271 determinou que o Estado da Paraíba fornecesse à filha da acusada " MARIA ESPERANÇA RODRIGUES DE SOUZA o suplemento alimentar FORTINI EM PÓ (15 latas de 400g/mês) e o material necessário à administração do suplemento, ou seja, 186 FRASCOS DE SONDA e 186 equipos por mês " (44427011 - Pág. 18/21).
Além disso, consta da referida decisão que, "como forma de garantir o efeito prático da tutela de urgência deferida, determino o bloqueio de R$ 16.246,00 das contas do Estado da Paraíba, a fim de garantir à aquisição do suplemento e materiais solicitados diretamente pelo paciente".
Portanto, o dinheiro entregue à acusada tinha por finalidade a aquisição do suplemento alimentar acima referido e de equipamentos necessários à sua ministração.
Nesse contexto, a acusada detinha licitamente quantia em dinheiro pertecente ao Estado da Paraíba apenas para a aquisição do suplemento alimentar e dos equipamentos pleiteados na Ação Civil Pública acima mencionada.
Analisemos agora o interrogatório da ré em Juízo: TABATA RAYSA PALMEIRA DE SOUZA (interrogatório da ré): Eu, mãe de Maria Esperança, a gente recebeu o dinheiro para uso exclusivo de comprar o leite, tendo em vista que a criança, a necessidade da criança, e a gente não tinha ainda o bendito Loas, que é chamado, e como aqui em Picuí é uma cidade muito quente, e a gente não tinha recurso nenhum, eu utilizei o dinheiro, tendo em vista, para fazer um quarto, adaptar um quarto para poder estar trazendo minha filha para casa, o que foi o acontecido. (E sua filha morava onde?) No tempo minha filha estava no hospital, doutor. (Mas sua filha sempre viveu no hospital?) Tem seis meses só que ela completamente saiu do hospital.
Não, senhor, ela ia e voltava, ia e voltava, tendo em vista que ela tem uma síndrome rara, ela tem o síndrome de West, síndrome Lenox-Gastaut, e ela é autista, e tendo em vista de muitas complicações, é uma criança que tem várias doenças convulsivas, então ela vivia mais hospitalizada do que em casa.
Morava em Picuí. (E essa casa era de quem?) Não, a casa não é minha, o quarto que estou dizendo assim são os equipamentos, entendeu? Materiais para o consumo, entendeu, doutor? (Sim, então a senhora não fez um quarto de alvenaria, a senhora equipou um espaço.
E que equipamentos foram esses?) Fralda, cama, hospital, aqui a cama foi conhecida para a gente, a gente teve que reformar, tivemos que comprar oxímetro, aspirador… (E por que a senhora não procurou o Ministério para apresentar essas notas que tinham correlação com a menor?) Porque a gente não sabia, eu não sabia. (A senhora achava que o dinheiro era com qual finalidade?) Para a minha filha. (Mas para comprar o quê?) Quando me passaram, a gente deu entrada para comprar o leite. (E por que quando a senhora foi chamada no Ministério Público não apresentou as notas relacionadas a esses outros objetos?) Porque as notas que...
Quando eu fui para o Ministério Público, as notas que me disseram, elas queriam notas de leite, não queriam notas desses outros materiais.
Então, eu só estava a par da situação quando eu fui chamada na delegacia. (Certo, me diga uma coisa, a senhora de algum momento se apropriou desse dinheiro para dar outra destinação que não ao tratamento da sua filha?) Não, senhor doutor, sabe por quê? Até porque ela recebe um salário mínimo, o salário mínimo dela não dá para uma rodada. (Certo, me diga uma coisa, a senhora ainda tem essas notas fiscais desses objetos que foram comprados?) Não, senhor.
Isso foi em 2017 para 2018. (A senhora quer trazer mais algum esclarecimento com relação a essa imputação criminal que lhe faz de que a senhora se apropriou esse dinheiro e deu destinação diversa?) Não, até porque eu não tenho, doutor.
O que a gente tinha, a gente foi levado. (A sua filha ainda é viva?) Sim, senhor, com certeza. (Por mais que a senhora alegue aqui que só pediu a nota dos leites, a senhora chegou em algum momento a apresentar essas outras notas fiscais para o Ministério Público, para a Delegacia de Polícia, ou seja, para qualquer outra autoridade competente?) Levei algumas que a gente tinha em casa, né? Inclusive uma nota aqui no tempo.
A gente tinha pedido fornecimento do leite que era que vinha de São Paulo, né? E assim, eles não disseram para mim assim, não, por mais que tenha isso, a gente quer as notas que foram compradas do leite, porque o leite, o papel foi fornecido para comprar leite, não para comprar outras coisas. (Os cupons fiscais que a senhora apresentou são apenas três, que somam R$ 533,00.
E esses outros R$ 16 mil foram destinados para quê?) Para compra de materiais em insumos para fornecer o quarto de Maria. (O que a senhora comprou? A senhora falou que ganhou uma maca e teve que reformar.
A senhora gastou quanto?) Uma cama não, uma maca não, uma cama, né? Fizemos grades para a cama, compramos oxímetro, aspirador, que são coisas que não são baratas.
O oxímetro no tempo, cada um foi R$ 220,00, né? O aspirador no tempo, que no tempo, eu acho que foi R$ 630,00 por aí.
Hambú, que eu não lembro qual foi o preço, o Hambú, que é algo que faz na intercorrência dela.
Medicações, que no tempo, a gente não tinha conseguido dar entrada ainda pelo Ministério Público, Ministério Público não, o CDMEX.
Muitas coisas, doutor, para me poder dar uma qualidade de vida, que inclusive até deixei umas fotos, né? Eu sempre colocava as fotos.
Eu só quero até o senhor que comigo não foi gastado, não. (Eu quero saber o que mais foi comprado, o que a senhora comprou?) Fralda, que acho que tem até nas fotos aí, fralda, leite, insumos, sondas, gases, pomadas.
Tem pomadas de Maria que é R $ 100,00.
Fiz viagem, porque no tempo a gente precisava para ir para Fortaleza, muito antes do TFD liberar as passagens de avião dela.
Exames, foi com muita finalidade.
No tempo, Maria era mais doente no começo do que agora, porque a gente agora tem um conhecimento mais sobre a saúde, no começo a gente não tinha, entendeu? Então a gente tinha que ter muito recurso para dar uma qualidade de vida melhor para ela. (….
Isso, é uma ação criminal também, que tem contra a senhora, e a senhora inclusive já foi citada, intimada para a audiência, nesse outro processo) Eu acho que foi no tempo que Maria estava internada que mandaram pedir uma declaração para o hospital. (Quantas vezes a senhora procurou o Ministério Público para que fosse citada com a ação, em benefício da Maria?) Duas vezes. (Tábata, a solicitação desse valor foi em 2018, né? Que tu falou, se não me engano.
Foi 2017 ou foi 2018?) Doutor.
Foi assim que eu descobri que Maria era um bebê especial. (Ela sempre ficou acamada?) Sempre ficou acamada, desde os 13 meses e 27 dias, desde a primeira crise convulsiva, ela já ficou acamada. (Quem foi que passou para vocês esse tipo de leite?) No tempo, o nutricionista, porque ela faz o de uma sonda na barriga e ela não podia comer, ela não come pela boca, ela come o JTT na barriga.
Então não pode comer comida normal.
Feijão, arroz, macarrão, essas coisas, ela não come.
Ela só come esse leite.
Pela sonda.
E hoje também nem é esse.
E hoje nem é esse leite, já é outro. (Na época, cada lata de leite dela dava para quantos dias?) Três dias. (Você lembra o valor dessa lata de leite?) Eu ainda lembro, doutor, que se fosse da pequena, eu não sei se era R $ 120,00 ou se fosse da grande, era R $ 180,00 e pouco, uma coisa assim, era R $ 150,00 e pouco.
Que hoje ela está bem mais cara. (Você lembra mais ou menos quanta lata de leite você comprou?) Na caixa que eu mandei trazer de São Paulo, vinha 15.
Em torno das grandes que eu comprei, eu não lembro se eu comprei 10, eu fui 12 latas.
Na primeira vez.
E fora as outras caixas de leite, porque é sempre assim.
Tem muitas mães que recebem leite e não estão usando.
E repassava e a gente comprava num preço mais em conta. (Você me falou que comprou uma na promoção do pessoal, exatamente desse pessoal.
Você lembra mais ou menos quantas foram?) Ah, sempre foram muitas. Às vezes é 12, 15 latas. (No total, você acredita, embora você não tenha feito os cálculos, com o leite, você gastou em torno de quanto? Com Maria Vitória?) Com Maria Esperança.
Eu não lembro.
Não, porque no tempo a gente não tinha benefício nenhum.
E a gente só tinha isso mesmo. (Para deixar claro, você usou algum valor desse em uso próprio, para você?) Nunca.
Se eu tivesse usado, a gente não estaria passando o que a gente passa hoje, não.
Nunca, nunca jamais faria isso.
Até porque nem o dinheiro dela mesmo, não dá.
Nunca.
A gente está falando aqui da minha filha.
Nunca, jamais.” Conforme interrogatório da ré acima transcrito, a mesma confessa que utilizou o dinheiro de propriedade do Estado da Paraíba para o custeio de outras despesas diversas da finalidade par ao qual o valor foi-lhe entregue.
Ressalte-se que tal quantia em dinheiro não pertencia à acusada, mas, ao Estado da Paraíba, uma vez que foi retirado das contas deste por meio de sequestro judicial e, por conseguinte, repassado à acusada apenas para viabilizar o resultado prático equivalente ao fornecimento, por parte do referido ente público, do suplemento alimentar e dos equipamentos à filha da acusada.
Dessa forma, ao desviar-se da finalidade para a qual o dinheiro foi-lhe entregue, a acusada apropriou-se do mesmo de forma ilícita do valor de que tinha a posse, incorrendo na conduta típica prevista no art. 168 do Código Penal.
Dessa forma, restaram comprovadas a materialidade e autoria delitivas do crime previsto no art. 168 do Código Penal em relação à acusada.
Por outro lado, entendo que a ré não se qualifica em nenhuma das hipóteses previstas no inciso II do § 1º do art. 168, posto que a vítima da apropriação, no caso sob análise, foi o Estado da Paraíba.
Assim sendo, a vítima não se enquadra na qualidade de tutora ou curadora da vítima, que, no caso dos autos, como já salientado, é o Estado da Paraíba, muito menos praticou o delito na condição de síndica, liquidatária, inventariante, testamenteira ou depositário judicial.
Saliente-se que o depósito judicial, a par das formalidade legais para a sua configuração, pressupõe que o depositário guarde o bem para posterior devolução, o que não se enquadra na hipótese ventilada nos autos.
Por tais razões, não restou configurada a causa de aumento de pena prevista no inciso II do § 1º do art. 168 do Código Penal.
Portanto, deve a ré ser condenada nas penas do art. 168, caput, do Código Penal.” Extrai-se do caderno processual, a materialidade do crime de apropriação indébita, a qual restou devidamente comprovada de forma irrefutável.
Conforme os autos, o montante de R$ 16.246,00 (dezesseis mil, duzentos e quarenta e seis centavos) foi judicialmente bloqueado das contas do Estado da Paraíba com uma destinação específica e inegociável, qual seja, a aquisição de suplemento alimentar (FORTINI EM PÓ) e de materiais indispensáveis à sua administração, como frascos de sonda e equipos, para atender às necessidades urgentes de saúde da filha da Apelante, Maria Esperança Rodrigues de Souza.
Verifica-se, pois, que a posse desses valores pela Apelante era qualificada e vinculada à finalidade específica, a qual foi desvirtuada por conta de conduta comissiva da agente.
A autoria, por sua vez, é inconteste e foi robustecida pela confissão da própria apelante em Juízo.
Em seu interrogatório, a Apelante admitiu explicitamente que, apesar de ter recebido o dinheiro para a compra de leite e materiais específicos para sua filha, utilizou parte significativa do valor para outras despesas.
Em seu interrogatório a ré declarou: "Eu, mãe de Maria Esperança, a gente recebeu o dinheiro para uso exclusivo de comprar o leite... eu utilizei o dinheiro, tendo em vista, para fazer um quarto, adaptar um quarto para poder estar trazendo minha filha para casa...
Os equipamentos foram fraldas, cama hospitalar... tivemos que comprar oxímetro, aspirador, medicações...
Fiz viagem, porque no tempo a gente precisava para ir para Fortaleza...".
Tal declaração, em meu sentir, revela que a apelante tinha plena consciência da destinação original do dinheiro ("para uso exclusivo de comprar o leite") e, não obstante, deliberadamente deu-lhe finalidade diversa.
Sabe-se que o crime de apropriação indébita (art. 168 do Código Penal) caracteriza-se pela conduta de apropriar-se de coisa alheia móvel, de que se tem a posse ou a detenção.
O elemento subjetivo do tipo penal, o dolo, manifesta-se no animus rem sibi habendi, que é a vontade de se assenhorar da coisa, passando a agir como se fosse seu proprietário, invertendo o título da posse.
Não se exige um fim ulterior específico, mas a clara intenção de dispor da coisa como se dono fosse.
No presente caso, a apelante, ao destinar o dinheiro para a reforma de um cômodo, compra de equipamentos não previstos na decisão judicial e custeio de viagens, demonstrou inequivocamente esse animus, rompendo a confiança que lhe foi depositada pelo sistema de justiça e pelo erário público.
A defesa tenta desqualificar o dolo, alegando "falha na organização" e a ausência de costume de emissão de notas fiscais em cidades pequenas. [ID 32165169, Pág. 2 (Pág. 131 do doc)].
Contudo, o contexto probatório demonstra que a apelante foi "constantemente orientada a utilizar o valor sequestrado das contas do Estado da Paraíba única e exclusivamente para o tratamento médico que sua filha necessitava" e que houve "extensiva orientação para que a requerida guardasse as notas fiscais e as apresentasse para a comprovação dos gastos".
A apresentação de apenas R$ 533,66 em cupons fiscais, de um total de R$ 16.246,00, não pode ser simplesmente atribuída à desorganização ou à informalidade comercial de uma cidade interiorana.
Pelo contrário, a vasta discrepância entre o valor recebido e o valor comprovado, somada à confissão da destinação diversa, aponta para uma conduta dolosa de apropriação, independentemente da motivação subjacente.
Com efeito, o argumento de que o dinheiro foi, ainda assim, revertido em prol da filha não descaracteriza o delito.
Embora a intenção de beneficiar a própria filha possa ser considerada um "motivo do crime", ela não afasta a tipicidade da apropriação indébita.
O valor pertencia ao Estado da Paraíba e tinha uma finalidade rigidamente definida por decisão judicial.
A Apelante não tinha liberdade para dispor desses recursos de forma discricionária, ainda que acreditasse estar agindo para o bem de sua descendente.
Acerca do tema, destaco a posição da jurisprudência: DIREITO PENAL.
APELAÇÃO CRIMINAL.
RECURSO DA DEFESA.
APROPRIAÇÃO INDÉBITA QUALIFICADA.
SEQUESTRO DE VERBA PÚBLICA.
DESCUMPRIMENTO DE FINALIDADE JUDICIAL.
DOSIMETRIA.
CAUSA DE AUMENTO.
DECOTE.
IMPOSSIBILIDADE.
RECURSO DESPROVIDO.
I.
CASO EM EXAME 1.
Apelação criminal interposta contra sentença que condenou o réu por apropriação indébita de verba pública destinada a procedimento cirúrgico, delito tipificado no artigo 168, § 1º, inciso II, do Código Penal.
A pena imposta foi de 1 ano e 4 meses de reclusão, em regime aberto, com substituição por duas penas restritivas de direitos, além de 12 dias-multa.
A defesa pleiteia a absolvição, alegando inexistência de materialidade delitiva e inaplicabilidade da causa de aumento, uma vez que o valor não teria sido utilizado na cirurgia por falta de condições financeiras do réu, mas sim para suprir suas necessidades básicas.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.
Há duas questões em discussão: (i) verificar se a apropriação dos valores públicos sequestrados para custeio de tratamento cirúrgico configura o crime de apropriação indébita; (ii) examinar a pertinência da aplicação da causa de aumento relativa à qualidade de depositário judicial do réu.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 3.
A prova documental e oral evidencia que o réu apropriou-se dos valores públicos destinados, por ordem judicial, exclusivamente ao custeio de procedimento médico, desviando-os para arcar com suas despesas pessoais. 4.
O sequestro e transferência dos valores para conta do réu, determinado por ordem judicial, não alteram a titularidade dos recursos, tampouco configuram transferência de domínio, uma vez que permanecem na posse indireta do ente público, destinando-se apenas ao cumprimento de obrigação judicial específica. 5.
Inviável o afastamento da causa de aumento prevista no artigo 168, § 1º, inciso II, do Código Penal, se a condição de depositário judicial é inequívoca, uma vez que o réu detinha a posse dos valores para finalidade vinculada, sob determinação expressa de prestação de contas do uso exclusivo para a cirurgia. 6.
A situação de necessidade financeira apontada pela defesa, não constitui causa de exclusão de ilicitude ou culpabilidade para o crime de apropriação indébita, pois o uso dos valores fora da ordem judicial caracteriza o dolo. 7.
A dosimetria da pena está adequada, com fixação da pena-base conforme a gravidade específica do crime e correta aplicação da causa de aumento pela qualidade de depositário judicial.
IV.
DISPOSITIVO 8.
Recurso desprovido.
Dispositivos relevantes citados: artigos 44, § 2º, e 168, §1º, inciso II, do Código Penal; artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal. (Acórdão 1957095, 0740071-96.2021.8.07.0001, Relator(a): ESDRAS NEVES, 1ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 19/12/2024, publicado no DJe: 24/01/2025.) Come feito, a conduta da acusada, consistente em desviar valores públicos de sua destinação originária, ainda que com o suposto intuito subjetivo de atender causa que reputasse justa em favor de sua filha, amolda-se perfeitamente ao tipo penal em questão.
Dessa forma, diante do conjunto probatório robusto e harmônico produzido nos autos, que comprova de maneira inconteste a materialidade e a autoria delitiva, impõe-se a manutenção do édito condenatório, inexistindo margem para absolvição.
Em relação à dosimetria da pena, verifica-se que inexistiu irresignação recursal pelo apelante, destacando-se, outrossim, que a decisão combatida obedeceu ao princípio da individualização da pena, insculpido no art. 5º, XLVI, da Carta Magna, bem como os arts. 59 e 68 do Código Penal, tendo fixado a pena no patamar mínimo vigente à época dos fatos, não restando evidenciada a presença de ilegalidade flagrante capaz de justificar a modificação de ofício da reprimenda.
Ante o exposto, em harmonia com o parecer ministerial, nego provimento ao recurso. É como voto.
Des.
Márcio Murilo da Cunha Ramos Relator -
14/08/2025 00:04
Publicado Intimação de Pauta em 14/08/2025.
-
14/08/2025 00:04
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 13/08/2025
-
13/08/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário Tribunal de Justiça da Paraíba Fica Vossa Excelência Intimado(a) da 26ª SESSÃO VIRTUAL 25/08/2025 a 01/09/2025, da Câmara Criminal, a realizar-se de 25 de Agosto de 2025, às 14h00 , até 01 de Setembro de 2025. -
12/08/2025 14:15
Expedição de Outros documentos.
-
12/08/2025 14:15
Expedição de Outros documentos.
-
12/08/2025 14:12
Inclusão do processo para julgamento eletrônico de mérito
-
01/08/2025 11:19
Pedido de inclusão em pauta virtual
-
31/07/2025 20:37
Conclusos para despacho
-
31/07/2025 20:37
Proferido despacho de mero expediente
-
31/07/2025 14:45
Conclusos para despacho
-
30/07/2025 12:28
Juntada de Petição de parecer
-
25/07/2025 06:49
Expedição de Outros documentos.
-
25/07/2025 00:02
Proferido despacho de mero expediente
-
22/07/2025 09:22
Conclusos para despacho
-
22/07/2025 09:19
Recebidos os autos
-
22/07/2025 09:19
Juntada de razões de apelação criminal
-
10/03/2025 11:57
Remetidos os Autos (em diligência) para o Juízo de Origem
-
07/03/2025 14:06
Proferido despacho de mero expediente
-
06/03/2025 09:21
Conclusos para despacho
-
06/03/2025 09:20
Juntada de Certidão
-
30/01/2025 00:43
Decorrido prazo de TABATA RAYSA PALMEIRA DE SOUZA em 29/01/2025 23:59.
-
30/01/2025 00:10
Decorrido prazo de TABATA RAYSA PALMEIRA DE SOUZA em 29/01/2025 23:59.
-
19/12/2024 14:38
Expedição de Outros documentos.
-
17/12/2024 21:06
Proferido despacho de mero expediente
-
17/12/2024 17:40
Conclusos para despacho
-
17/12/2024 17:40
Juntada de Certidão
-
17/12/2024 13:56
Recebidos os autos
-
17/12/2024 13:56
Autos incluídos no Juízo 100% Digital
-
17/12/2024 13:56
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
17/12/2024
Ultima Atualização
05/09/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DECISÃO • Arquivo
DECISÃO • Arquivo
SENTENÇA • Arquivo
SENTENÇA • Arquivo
DECISÃO • Arquivo
DECISÃO • Arquivo
DECISÃO • Arquivo
DECISÃO • Arquivo
ATO ORDINATÓRIO • Arquivo
ATO ORDINATÓRIO • Arquivo
Informações relacionadas
Processo nº 0828217-18.2015.8.15.2001
Antonio Pereira do Nascimento
Companhia Usina Sao Joao
Advogado: Antonio William Fernandes Junior
1ª instância - TJPB
Ajuizamento: 17/08/2023 09:30
Processo nº 0800426-18.2024.8.15.0301
Ministerio Publico do Estado da Paraiba
Marceildo Oliveira Silva
Advogado: Mariana Junqueira Alves
1ª instância - TJPB
Ajuizamento: 03/12/2024 21:46
Processo nº 0097344-81.2012.8.15.2001
Jaqueline Barbosa
Estado da Paraiba
Advogado: Roberto Kennedy Pereira de Aguiar
1ª instância - TJPB
Ajuizamento: 06/01/2025 23:42
Processo nº 0097344-81.2012.8.15.2001
Jaqueline Barbosa
A Uniao Superintendencia de Imprensa e E...
Advogado: Roberto Kennedy Pereira de Aguiar
2ª instância - TJPB
Ajuizamento: 17/02/2025 14:59
Processo nº 0800847-06.2021.8.15.0271
Ministerio Publico do Estado da Paraiba
Tabata Raysa Palmeira de Souza
Advogado: Bismarck de Lima Dantas
1ª instância - TJPB
Ajuizamento: 12/06/2021 12:04