TJPI - 0800874-73.2022.8.18.0043
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gabinete Desembargador Manoel de Sousa Dourado
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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16/07/2025 10:03
Arquivado Definitivamente
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16/07/2025 10:03
Baixa Definitiva
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16/07/2025 10:03
Remetidos os Autos (por julgamento definitivo do recurso) para a instância de origem
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14/07/2025 08:58
Transitado em Julgado em 11/07/2025
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14/07/2025 08:58
Expedição de Certidão.
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11/07/2025 08:47
Decorrido prazo de RAIMUNDA NONATA DE CARVALHO em 10/07/2025 23:59.
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11/07/2025 08:47
Decorrido prazo de BANCO PAN S.A. em 10/07/2025 23:59.
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11/07/2025 08:47
Decorrido prazo de RAIMUNDA NONATA DE CARVALHO em 10/07/2025 23:59.
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11/07/2025 08:47
Decorrido prazo de BANCO PAN S.A. em 10/07/2025 23:59.
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17/06/2025 00:04
Publicado Intimação em 17/06/2025.
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17/06/2025 00:04
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 17/06/2025
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17/06/2025 00:04
Publicado Intimação em 17/06/2025.
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17/06/2025 00:04
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 17/06/2025
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16/06/2025 00:00
Intimação
poder judiciário tribunal de justiça do estado do piauí GABINETE DO Desembargador MANOEL DE SOUSA DOURADO PROCESSO Nº: 0800874-73.2022.8.18.0043 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO(S): [Rescisão do contrato e devolução do dinheiro, Empréstimo consignado] APELANTE: RAIMUNDA NONATA DE CARVALHO APELADO: BANCO PAN S.A.
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR.
APELAÇÃO CÍVEL.
PRELIMINARES AFASTADAS.
PROCURAÇÃO COM PODERES GERAIS PARA LITIGAR.
AUSÊNCIA DE COMPROVANTE DE RESIDÊNCIA ATUALIZADO.
ALEGAÇÃO DE LITIGÂNCIA PREDATÓRIA.
INÉPCIA NÃO CONFIGURADA.
CONTRATO DE CARTÃO CONSIGNADO CELEBRADO COM PESSOA ANALFABETA.
AUSÊNCIA DE ASSINATURA A ROGO.
NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO.
SÚMULA Nº 30 DO TJPI.
COBRANÇAS INDEVIDAS.
REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
DANO MORAL CONFIGURADO.
RECURSO PROVIDO. 1.
A procuração acostada aos autos, embora genérica, contém elementos suficientes para autorizar a atuação do advogado em juízo, afastando nulidade por ausência de poderes específicos. 2.
A ausência de comprovante de residência atualizado não configura irregularidade apta a ensejar extinção do feito, especialmente diante da inexistência de má-fé ou prejuízo à parte adversa, devendo ser suprida mediante diligência do juízo. 3.
A mera existência de múltiplas demandas semelhantes patrocinadas pelo mesmo advogado não caracteriza litigância predatória, sendo imprescindível demonstração de má-fé processual ou fraude, o que não se verifica nos autos. 4.
O contrato firmado com pessoa analfabeta sem assinatura a rogo e subscrição por duas testemunhas é nulo, nos termos do art. 595 do CC, entendimento já consolidado na jurisprudência do STJ e do TJPI (Súmula nº 30). 5.
A aplicação do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras é pacífica (Súmula 297/STJ), autorizando a inversão do ônus da prova em favor do consumidor hipossuficiente (art. 6º, VIII, CDC). 6.
Reconhecida a nulidade contratual, os descontos efetuados com base em relação jurídica inexistente são indevidos.
A restituição dos valores deve ser simples até 30/03/2021 e em dobro a partir desta data, conforme decidido no EAREsp 676.608/RS. 7.
O desconto indevido de proventos previdenciários, sem contrato válido, caracteriza dano moral in re ipsa, dada a violação aos direitos da personalidade, sendo devida compensação pecuniária. 8.
O valor de R$ 1.278,98 (mil, duzentos e setenta e oito reais e noventa e oito centavos), referente a saque identificado, deve ser compensado com os valores a serem restituídos, com correção monetária e juros nos termos definidos na fundamentação. 9.
Diante da sucumbência da instituição financeira, é devida a condenação em custas e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação.
DECISÃO TERMINATIVA Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por RAIMUNDA NONATA DE CARVALHO em face da sentença (ID. 24788435) proferida no Juízo da Vara Única da Comarca de Buriti dos Lopes, no sentido de julgar improcedentes os pedidos formulados na ação declaratória de nulidade de contrato cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais.
Em suas razões recursais (ID. 24788436), a apelante defende a necessidade de reforma da sentença vergastada para que seja reconhecida a inexistência do contrato de cartão consignado RMC, bem como a condenação do banco apelado à devolução em dobro dos valores descontados indevidamente e à indenização por danos morais.
Aduz que a contratação do cartão consignado ocorreu sem sua anuência, inexistindo prova da transferência do valor contratado para sua conta bancária.
Argumenta que a sentença desconsiderou sua condição de aposentada idosa e hipossuficiente, que tem como única fonte de renda seu benefício previdenciário, além de não reconhecer a aplicação da Súmula nº 18 do TJPI.
Defende a aplicação do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor para inversão do ônus da prova.
Sustenta, ainda, que a ausência de assinatura a rogo, dada sua condição de analfabeta, invalida o negócio jurídico supostamente firmado, uma vez que não houve manifestação válida de vontade.
Assinala que o banco recorrido não demonstrou o repasse do valor contratado, o que compromete a higidez do contrato.
Com isso, pede que seja dado provimento ao recurso nos seguintes termos: "a) que julgue totalmente procedente e reconheça a inexistência do contrato objeto da demanda, bem como condenação em dobro dos valores descontados indevidamente; b) sendo julgado procedente o recurso inominado ora interposto pela recorrente, seja fixada a condenação nos ônus de sucumbência, no percentual de 20% nos termos do art. 55 da lei 9099/95; c) requer, ainda, lhe seja deferida a assistência judiciária, nos termos do art. 4º, da Lei 1.060/50, por não ter condições, no momento, de arcar com as custas do preparo e eventual sucumbência".
Em contrarrazões (ID. 24788439), o apelado defende a manutenção da sentença.
Alega preliminares quanto à irregularidade formal da procuração e suspeita de litigância predatória pelo patrono da autora, com fundamento na Resolução 159 do CNJ e julgados do STJ.
No mérito, alega que o contrato foi firmado pessoalmente pela apelante, com acompanhamento de sua filha, que inclusive assinou como testemunha.
Sustenta que os documentos comprobatórios da contratação e da disponibilização do valor contratado foram anexados aos autos, inclusive com identificação do saque por ordem de pagamento.
Argumenta ainda que não houve vício de consentimento e que o contrato atende aos requisitos do art. 104 do Código Civil.
Refuta a tese de dano moral e repetição de indébito em dobro, por ausência de má-fé e presença de engano justificável.
Pede, por fim, o não provimento do recurso. É o relatório. 1.
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE Ausente o preparo recursal, ante o deferimento do benefício da justiça gratuita em favor da parte Apelante.
Atendidos os pressupostos recursais intrínsecos (cabimento, interesse, legitimidade e inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e os pressupostos recursais extrínsecos (regularidade formal, tempestividade, e ausência de preparo, ante a concessão da justiça gratuita), RECEBO o recurso interposto. 2.
DAS PRELIMINARES A análise da procuração acostada aos autos revela que, embora não contenha todos os elementos desejáveis, há identificação da parte outorgante, do advogado constituído e autorização genérica para ajuizamento de ações, inclusive em face de instituições financeiras.
Ainda que o art. 654, §1º, do Código Civil disponha sobre a necessidade de designação e extensão dos poderes, não há exigência de especificidade absoluta quanto à descrição minuciosa da demanda proposta, especialmente quando se trata de mandatos para fins judiciais, cuja interpretação é tradicionalmente ampliativa.
Nesse contexto, e considerando que não houve impugnação formal por parte do juízo ou nulidade declarada em 1º grau, afasto a preliminar.
Ainda que seja desejável a juntada de comprovante de residência atualizado, sua ausência ou desatualização não é causa automática de extinção do feito, especialmente quando não há demonstração inequívoca de má-fé ou manipulação da competência territorial.
O art. 321, §1º, do CPC estabelece que o juiz deve intimar a parte para que supra eventual vício ou irregularidade formal, o que não foi requerido oportunamente.
Por conseguinte, afasto também essa preliminar.
A alegação de litigância predatória exige prova robusta e específica quanto à fabricação de demandas ou má-fé do patrono, não sendo suficiente a menção ao número elevado de ações propostas.
Conforme entendimento jurisprudencial consolidado, o exercício do direito constitucional de ação (art. 5º, XXXV, da CF) somente pode ser limitado diante de condutas dolosamente fraudulentas, o que não se comprova nos autos.
Portanto, afasto a alegação de litigância predatória como preliminar. 3.
MÉRITO DO RECURSO Trata-se de ação objetivando a declaração de nulidade de contrato de empréstimo, bem como indenização pelos danos morais e materiais sofridos pela parte autora/apelante, sob a alegação de desconhecimento da existência de contratação em seu benefício previdenciário.
De início, destaco que o artigo 932 do Código de Processo Civil versa sobre a competência delegada ao relator para a prática de atos processuais.
Dentre eles, existe a possibilidade de julgamento monocrático do recurso.
Dispõe o artigo 932, V do Código de Processo Civil o seguinte: Art. 932.
Incumbe ao relator: V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; Tal previsão encontra-se, ainda, constante no art. 91, VI-D, do Regimento Interno do e.
Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, senão vejamos: Art. 91.
Compete ao Relator, nos feitos que lhe forem distribuídos, além de outros deveres legais e deste Regimento: (...) VI-D - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a súmula deste Tribunal ou entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; (Incluído pelo art. 1º da Resolução nº 21, de 15/09/2016) Sobre o cerne do recurso em apreço, constato que o Tribunal de Justiça do Estado do Piauí possui a súmula nº 30 no sentido de que “a ausência de assinatura a rogo e subscrição por duas testemunhas testemunhas nos instrumentos de contrato de mútuo bancário atribuídos a pessoa analfabeta torna o negócio jurídico nulo, mesmo que seja comprovada a disponibilização do valor em conta de sua titularidade, configurando ato ilícito, gerando o dever de repará-lo, cabendo ao magistrado, no caso concreto, e de forma fundamentada, reconhecer categorias reparatórias devidas e fixar o respectivo quantum, sem prejuízo de eventual compensação”.
Diante da existência da súmula nº 30 do Tribunal de Justiça e da previsão do artigo 932, V do Código de Processo Civil, é possível o julgamento monocrático por esta relatoria.
De início, vale ressaltar que, a matéria em discussão é regida pelas normas pertinentes ao Código de Defesa do Consumidor, porquanto a instituição financeira caracteriza-se como fornecedor de serviços, razão pela qual, sua responsabilidade é objetiva, nos termos dos arts. 3º e 14, da supracitada legislação, como veremos a seguir: Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (…) Art. 14.
O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. §1º.
O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; §2º.
Omissis; §3º.
O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Além disso, esta questão já foi sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça: Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Diante da incidência da norma consumerista à hipótese em apreço, é cabível a aplicação da regra constante do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor no tocante ao ônus probatório. É que, como cediço, o instituto da inversão do ônus da prova confere ao consumidor a oportunidade de ver direito subjetivo público apreciado, facilitando a sua atuação em juízo.
Nesse sentido: Art. 6º.
São direitos básicos do consumidor: [...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
Primeiramente, importante destacar que o caso versa a respeito de contrato firmado com analfabeto.
Não restam dúvidas de que essas pessoas são capazes para os atos da vida civil.
Entretanto, para a prática de determinados atos, deve-se observar formalidades legais a fim de que aqueles tenham validade.
O artigo 595 do Código Civil preceitua o seguinte: Art. 595.
No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.
Embora inserido na parte do Código Civil que trata especificamente do contrato de prestação de serviço, esta regra é aplicável a todo e qualquer negócio jurídico, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça. .
DIREITO CIVIL.
RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C PEDIDOS DE RESTITUIÇÃO DE VALORES E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS.
CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FIRMADO POR IDOSO INDÍGENA ANALFABETO.
VALIDADE.
REQUISITO DE FORMA.
ASSINATURA DO INSTRUMENTO CONTRATUAL A ROGO POR TERCEIRO, NA PRESENÇA DE DUAS TESTEMUNHAS.
ART. 595 DO CC/02.
PROCURADOR PÚBLICO.
DESNECESSIDADE. […] 7.
Embora o referido dispositivo legal se refira ao contrato de prestação de serviços, deve ser dada à norma nele contida o máximo alcance e amplitude, de modo a abranger todos os contratos escritos firmados com quem não saiba ler ou escrever, a fim de compensar, em algum grau, a hipervulnerabilidade desse grupo social. […] (REsp 1907394/MT, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/05/2021, DJe 10/05/2021).
Nesse contexto, analisando o conjunto probatório dos autos, verifica-se que o Banco/Apelado acostou aos autos o instrumento contratual (id. 24788417), no entanto, ao analisar os autos, verifica-se que o contrato apresentado não contém assinatura a rogo, constando apenas a impressão digital da parte autora e a assinatura de duas testemunhas.
Nula, portanto, a relação contratual.
A exigência de cumprimento dos requisitos de validade do negócio jurídico supracitado tem a função de garantir que os idosos analfabetos tenham verdadeiramente conhecimento do que está contratando, manifestando sua vontade de maneira livre e consciente. É neste sentido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FIRMADO COM ANALFABETO. 1.
VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015.
FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE.
ENUNCIADO N. 284/STF. 2. ÔNUS DA PROVA.
QUESTÃO ADSTRITA À PROVA DA DISPONIBILIZAÇÃO FINANCEIRA.
APRECIAÇÃO EXPRESSA PELO TRIBUNAL LOCAL.
REEXAME DE FATOS E PROVAS.
INVIABILIDADE. 3.
VALIDADE DE CONTRATO FIRMADO COM CONSUMIDOR IMPOSSIBILITADO DE LER E ESCREVER.
ASSINATURA A ROGO, NA PRESENÇA DE DUAS TESTEMUNHAS, OU POR PROCURADOR PÚBLICO.
EXPRESSÃO DO LIVRE CONSENTIMENTO.
ACESSO AO CONTEÚDO DAS CLÁUSULAS E CONDIÇÕES CONTRATADAS. 4.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. 1. […] 2. […] 3.
A liberdade de contratar é assegurada ao analfabeto, bem como àquele que se encontre impossibilitado de ler e escrever. 4.
Em regra, a forma de contratação, no direito brasileiro, é livre, não se exigindo a forma escrita para contratos de alienação de bens móveis, salvo quando expressamente exigido por lei. 5.
O contrato de mútuo, do qual o contrato de empréstimo consignado é espécie, se perfaz mediante a efetiva transmissão da propriedade da coisa emprestada. 6.
Ainda que se configure, em regra, contrato de fornecimento de produto, a instrumentação do empréstimo consignado na forma escrita faz prova das condições e obrigações impostas ao consumidor para o adimplemento contratual, em especial porque, nessa modalidade de crédito, a restituição da coisa emprestada se faz mediante o débito de parcelas diretamente do salário ou benefício previdenciário devido ao consumidor contratante pela entidade pagadora, a qual é responsável pelo repasse à instituição credora (art. 3º, III, da Lei n. 10.820/2003). 7.
A adoção da forma escrita, com redação clara, objetiva e adequada, é fundamental para demonstração da efetiva observância, pela instituição financeira, do dever de informação, imprescindíveis à livre escolha e tomada de decisões por parte dos clientes e usuários (art. 1º da Resolução CMN n. 3.694/2009). 8.
Nas hipóteses em que o consumidor está impossibilitado de ler ou escrever, acentua-se a hipossuficiência natural do mercado de consumo, inviabilizando o efetivo acesso e conhecimento às cláusulas e obrigações pactuadas por escrito, de modo que a atuação de terceiro (a rogo ou por procuração pública) passa a ser fundamental para manifestação inequívoca do consentimento. 9.
A incidência do art. 595 do CC/2002, na medida em que materializa o acesso à informação imprescindível ao exercício da liberdade de contratar por aqueles impossibilitados de ler e escrever, deve ter aplicação estendida a todos os contratos em que se adote a forma escrita, ainda que esta não seja exigida por lei. 10.
A aposição de digital não se confunde, tampouco substitui a assinatura a rogo, de modo que sua inclusão em contrato escrito somente faz prova da identidade do contratante e da sua reconhecida impossibilidade de assinar. 11.
Reconhecida pelas instâncias ordinárias a existência de assinatura a rogo no caso concreto, a alteração do acórdão recorrido dependeria de reexame de fatos e provas, inadmissível nesta estreita via recursal. 12.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. (REsp 1868099/CE, Rel.
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020).
Como exposto acima, o Superior Tribunal de Justiça em recente julgado entendeu que é válida a contratação de empréstimo consignado por analfabeto mediante a assinatura a rogo a qual, por sua vez, não se confunde, tampouco poderá ser substituída pela mera aposição de digital ao contrato escrito.
A digital do analfabeto no contrato escrito somente faz prova da identidade do contratante e da sua reconhecida impossibilidade de assinar.
No entanto, não prova que ele foi informado adequadamente a respeito das cláusulas do contrato.
Sendo o contrato nulo, em decorrência do vício citado, a cobrança é indevida, sendo imperiosa a repetição do indébito.
Quanto à repetição de indébito, é necessário observar o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do EAREsp n. 676.608/RS, que definiu que a devolução em dobro prevista no artigo 42, parágrafo único, do CDC, depende apenas da violação à boa-fé objetiva, sendo desnecessária a comprovação de má-fé.
Todavia, os efeitos dessa decisão foram modulados para incidir apenas em relação às cobranças realizadas após 30/03/2021.
Logo, em relação aos descontos indevidos anteriores ao marco temporal referido, é necessário o exame do elemento volitivo do fornecedor.
Contudo, não restou comprovada má-fé da parte ré no caso em tela, razão pela qual a repetição do indébito deve ocorrer na forma simples até 30/03/2021.
Por outro lado, eventuais descontos efetivados após a data acima mencionada, porque posteriores à data designada na modulação dos efeitos do acórdão supramencionado, deverão ser devolvidos em dobro.
A atualização dos valores a serem restituídos se dará com correção monetária a partir do desembolso e incidência de juros de mora a partir da citação.
Destaca-se que a correção monetária e os juros de mora terão incidência nos termos do art. 389 e do art. 406, ambos do Código Civil, com a observância das alterações efetivadas pela Lei nº 14.905/2024, da seguinte forma: 1.
Até o dia 29/08/2024 (dia anterior à entrada em vigor da Lei nº 14.905/2024), a correção monetária será feita com base na Tabela Prática do E.
Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (Provimento nº 06/2009) e os juros de mora serão de 1,0% ao mês; 2.
A partir do dia 30/08/2024 (início da vigência da Lei nº 14.905/2024), o índice a ser utilizado, observando-se a Tabela Prática do E.
Tribunal de Justiça do Estado do Piauí para fins de cálculo, será: a) a taxa SELIC, deduzido o IPCA-IBGE, enquanto incidir apenas juros de mora; b) a taxa SELIC, quando incidir conjuntamente correção monetária e juros de mora. (caso o valor obtido seja negativo, os juros serão considerados como “zero”).
No que tange aos prejuízos imateriais alegados, o desconto indevido pode gerar danos morais, bastando para isso que o consumidor seja submetido a um constrangimento ilegal, como a cobrança de valores atinentes a um contrato nulo.
Deve ficar evidenciado, ainda, que isso repercutiu psicologicamente no bem-estar do consumidor, de forma a não ficar caracterizado o mero aborrecimento.
Isto reconhecido, como é o caso dos autos, em que a empresa ré agiu com desídia ao retirar quantias da conta do acionante, impõe-se o estabelecimento de uma compensação financeira, a título de danos morais, observado a motivação reparadora.
Ademais, na hipótese dos autos, é certo que o dever de indenizar resulta da própria conduta lesiva evidenciada, independendo de prova dos abalos psíquicos causados, pois, em casos tais, o dano é “in re ipsa”, isto é, decorre diretamente da ofensa, por comprovação do ilícito, que ficou sobejamente demonstrado nos autos.
O próprio STJ firmou entendimento no sentido de que “a concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato de violação (damnum in re ipsa).
Verificado o evento danoso surge a necessidade de reparação, não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa)” (STJ – 4ª T. – REL CESAR ASFOR ROCHA – RT 746/183).
A respeito da temática, colaciono aos autos os seguintes julgados dos Tribunais Pátrios: RECURSOS DE APELAÇÃO – DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CUMULADA COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS – DESCONTOS INDEVIDOS NOS PROVENTOS DE APOSENTADORIA – AUSÊNCIA DE PROVAS DO REPASSE DO DINHEIRO – DANO MORAL IN RE IPSA – VALOR MANTIDO 01.
São indevidos descontos no benefício previdenciário quando o banco não demonstra a contração regular do empréstimo, o depósito ou a transferência eletrônica do valor do mútuo para conta de titularidade da parte autora. 02.
O dano moral é in re ipsa, uma vez que decorre do próprio desconto.
O valor fixado a título de compensação pelos danos morais é mantido quando observados, na sentença, os aspectos objetivos e subjetivos da demanda, em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Recursos não providos. (grifos acrescidos) (TJ-MS - AC: 08021345720198120012 MS 0802134-57.2019.8.12.0012, Relator: Des.
Vilson Bertelli, Data de Julgamento: 27/07/2020, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 30/07/2020) APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
DESCONTOS NOS PROVENTOS DE APOSENTADORIA.
NEGLIGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.
DANO MORAL IN RE IPSA.
DEVER DE INDENIZAR.
QUANTUM INDENIZATÓRIO RAZOÁVEL.
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1.
O desconto na aposentadoria do consumidor, sem contrato válido a amparar, caracteriza dano moral in re ipsa, ou seja, presumido, decorrente da própria existência do ato, não exigindo a prova do prejuízo. 2.
O valor fixado, no montante de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como indenização por danos morais, atende à razoabilidade e à proporcionalidade, além de ser condizente com as peculiaridades do caso.
Ademais, a quantia fixada está de acordo com os parâmetros desta Corte de Justiça. 3.Recurso conhecido e não provido.
ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 4ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer e negar provimento ao recurso, tudo em conformidade com o voto do e.
Relator.
Fortaleza, 12 de novembro de 2019 FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS Relator. (grifos acrescidos) (TJ-CE - APL: 00007836920178060190 CE 0000783-69.2017.8.06.0190, Relator: RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS, Data de Julgamento: 12/11/2019, 4ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 12/11/2019).
Por estas razões, com esteio na prova dos autos, entendo ser devida a reparação por danos morais, em função das ações lesivas praticadas pela instituição financeira demandada.
Segundo Flávio Tartuce (Manual de Direito Civil volume único, página 871, ano 2021, editora método), com base na doutrina e jurisprudência, na fixação da indenização por danos morais, o magistrado deve agir com equidade, analisando a extensão do dano, as condições socioeconômicas e culturais dos envolvidos, as condições psicológicas das partes e o grau de culpa do agente, terceiro ou vítima.
Tais critérios podem ser retirados dos arts. 944 e 945 do Código Civil, bem como do entendimento dominante do Superior Tribunal de Justiça.
Pacífico também o entendimento a respeito do caráter dúplice (compensatório/pedagógico) da indenização por danos morais, devendo o julgador, quando da sua fixação, se guiar pelas circunstâncias do caso concreto e pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de modo que seu valor não seja excessivo a ponto de gerar enriquecimento ilícito do ofendido, tampouco irrisório para estimular a prática danosa, sob pena de desvirtuamento da natureza do instituto do dano moral.
Com base nestas balizas, e considerando a proporcionalidade e razoabilidade aplicável ao caso, entendo que o quantum indenizatório deve ser arbitrado na quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a título de danos morais, observando-se o caráter compensatório e repressivo da medida, acrescida de correção monetária a partir desta data pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, do CC, alterado pela Lei 14.905/2024) e acrescido de juros (1% ao mês até 29.08.2024, e taxa legal Selic a partir de 30.08.2024) a partir da citação, observando-se o disposto no art. 406, § 1º, do CC.
Por fim, considerando que restou comprovado nos autos a disponibilização da quantia de R$ 1.278,98 (mil, duzentos e setenta e oito reais e noventa e oito centavos) referente ao telesaque realizado (id. 24788418 - pág. 6) pela parte Apelante, entendo que referido valor deve ser compensado com o valor da condenação e devidamente atualizado desde o depósito, observando-se o seguinte marco temporal: (i) Até 29/08/2024: correção monetária pelo INPC e juros de mora de 1% ao mês; (ii) A partir de 30/08/2024: correção monetária pelo IPCA e juros de mora pela taxa SELIC, deduzido o IPCA. 3 – DISPOSITIVO Ante o exposto, conheço do recurso, para, no mérito, dar-lhe provimento, com fundamento no art. 932, V, “a” do CPC, a fim de julgar parcialmente procedente o pedido inicial, para: a) Declarar a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado firmado entre a parte autora e o Banco PAN S.A., ante a ausência de assinatura a rogo no instrumento contratual; b) Determinar que a restituição dos valores indevidamente descontados se dê na forma simples até 30/03/2021 e, quanto aos valores descontados posteriormente a essa data, a devolução ocorra em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, observado o entendimento firmado no EAREsp 676.608/RS, com atualização monetária e juros de mora conforme delineado na fundamentação supra; c) Condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 2.000,00 (dois mil reais), valor que deverá ser corrigido monetariamente e acrescido de juros legais, consoante os parâmetros fixados na fundamentação retro; d) Determinar a compensação do valor de R$ 1.278,98 (mil, duzentos e setenta e oito reais e noventa e oito centavos), efetivamente recebido pela parte autora, com os montantes devidos em razão da condenação, observando-se a atualização monetária desde a data do depósito, nos moldes estabelecidos na fundamentação. e) inverto o ônus da sucumbência para condenar a parte ré/Apelada ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, em favor do patrono da parte Apelante, na forma do art. 85, do CPC.
Intimem-se as partes.
Transcorrendo in albis o prazo recursal, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição.
Teresina, datado e assinado digitalmente.
Desembargador MANOEL DE SOUSA DOURADO Relator -
13/06/2025 08:53
Expedição de Outros documentos.
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13/06/2025 08:53
Expedição de Outros documentos.
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04/06/2025 17:14
Conhecido o recurso de RAIMUNDA NONATA DE CARVALHO - CPF: *87.***.*54-34 (APELANTE) e provido
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06/05/2025 08:40
Recebidos os autos
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06/05/2025 08:40
Conclusos para Conferência Inicial
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06/05/2025 08:40
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
06/05/2025
Ultima Atualização
04/06/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
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