TJPI - 0801216-79.2021.8.18.0056
1ª instância - Vara Unica de Itaueira
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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30/07/2025 00:00
Intimação
poder judiciário tribunal de justiça do estado do piauí GABINETE DO Desembargador MANOEL DE SOUSA DOURADO PROCESSO Nº: 0801216-79.2021.8.18.0056 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO(S): [Empréstimo consignado] APELANTE: MARIA FERREIRA DOS SANTOS APELADO: BANCO BRADESCO S.A.
REPRESENTANTE: BANCO BRADESCO S.A E AS EMPRESAS DE SEU CONGLOMERADO DECISÃO TERMINATIVA EMENTA DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR.
APELAÇÃO CÍVEL.
CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO.
PARTE AUTORA ANALFABETA.
AUSÊNCIA DE ASSINATURA A ROGO E SUBSCRIÇÃO POR DUAS TESTEMUNHAS.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 30 DO TJPI.
NULIDADE DO CONTRATO.
INEXISTÊNCIA DE PROVA DE DISPONIBILIZAÇÃO DOS VALORES.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 18 DO TJPI.
RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO.
DANOS MORAIS.
CONDENAÇÃO.
RECURSO PROVIDO.
RELATÓRIO Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por MARIA FERREIRA DOS SANTOS em face da SENTENÇA (ID. 25857956) proferida no Juízo da Vara Única da Comarca de Itaueira – PI, no sentido de julgar improcedentes os pedidos de declaração de inexistência de débito, repetição do indébito e indenização por danos morais formulados em razão de contrato de empréstimo consignado.
Em suas razões recursais, a apelante defende a necessidade de reforma da sentença vergastada para que seja reconhecida a nulidade do contrato bancário impugnado, determinando-se a repetição do indébito, bem como a condenação do apelado ao pagamento de indenização por danos morais.
Aduz, inicialmente, ser hipossuficiente, razão pela qual pleiteia a concessão dos benefícios da justiça gratuita, com fulcro no art. 98 do CPC, art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal e na Lei nº 1.060/50.
Sustenta, no mérito, que o contrato de empréstimo pessoal apresentado pelo banco recorrido não atende aos requisitos legais de validade, por ter sido firmado por analfabeta sem a devida observância da forma exigida em lei, o que impõe a sua nulidade nos termos dos arts. 104, III, e 166, IV, ambos do Código Civil.
Argumenta, ademais, que não houve prova de transferência dos valores contratados para a conta de sua titularidade, razão pela qual deve ser reconhecida a inexistência da dívida, com a repetição do indébito, conforme a Súmula 18 do TJ-PI.
Requer, ainda, o reconhecimento do dano moral sofrido, decorrente dos descontos indevidos, com fundamento nos arts. 5º, V e X, da Constituição Federal, art. 6º, VI, do CDC e arts. 186 e 927 do Código Civil.
Com isso, pede que seja dado provimento ao recurso nos seguintes termos: “requer-se a declaração de nulidade do contrato de empréstimo bancário, a condenação do apelado à restituição dos valores descontados indevidamente e ao pagamento de indenização por danos morais”.
Em contrarrazões, o apelado sustenta, em preliminar, a inexistência de comprovação da hipossuficiência econômica da apelante, o que inviabilizaria o deferimento da gratuidade da justiça.
No mérito, defende a regularidade da contratação, ressaltando que os documentos acostados aos autos demonstram a existência do contrato e a efetiva liberação do crédito em favor da autora, cuja anuência se extrai da ausência de devolução do valor e da inércia prolongada.
Afirma que não houve comprovação de vício ou fraude, tampouco de dano moral ou material, pugnando pela manutenção da sentença. É o relatório. 1.
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE A parte autora/apelante comprovou sua condição de hipossuficiência, recebendo apenas um benefício previdenciário no valor de um salário mínimo.
Dessa forma, mantenho o benefício da justiça gratuita em seu favor.
Atendidos os pressupostos recursais intrínsecos (cabimento, interesse, legitimidade e inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e os pressupostos recursais extrínsecos (regularidade formal, tempestividade, e ausência de preparo, ante a concessão da justiça gratuita), RECEBO o recurso interposto.
Sem preliminares a serem apreciadas, passo a análise do mérito. 2.
PRELIMINARES A exigência de requerimento administrativo prévio como condição para o ajuizamento de ação judicial não encontra amparo geral no ordenamento jurídico brasileiro, salvo quando expressamente previsto em lei, conforme assentado pelo STF em sede de repercussão geral (RE 631.240/MG, Rel.
Min.
Gilmar Mendes), ressalvadas hipóteses excepcionais em que a norma legal impõe o requerimento como pressuposto específico.
Nesse sentido, afasto a preliminar arguida. 3.
MÉRITO DO RECURSO Trata-se de ação objetivando a declaração de nulidade de contrato de empréstimo, bem como indenização pelos danos morais e materiais sofridos pela parte autora/apelante, sob a alegação de desconhecimento da existência de contratação em seu benefício previdenciário.
De início, destaco que o artigo 932 do Código de Processo Civil versa sobre a competência delegada ao relator para a prática de atos processuais.
Dentre eles, existe a possibilidade de julgamento monocrático do recurso.
Dispõe o artigo 932, V do Código de Processo Civil o seguinte: Art. 932.
Incumbe ao relator: V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; Tal previsão encontra-se, ainda, constante no art. 91, VI-D, do Regimento Interno do e.
Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, senão vejamos: Art. 91.
Compete ao Relator, nos feitos que lhe forem distribuídos, além de outros deveres legais e deste Regimento: (...) VI - D - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a súmula deste Tribunal ou entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; (Incluído pelo art. 1º da Resolução nº 21, de 15/09/2016).
Sobre o cerne do recurso em apreço, constato que o Tribunal de Justiça do Estado do Piauí possui a súmula nº 18 no sentido de que “ausência de transferência do valor do contrato para conta bancária de titularidade do mutuário enseja a declaração de nulidade da avença e seus consectários legais e pode ser comprovada pela juntada aos autos de documentos idôneos, voluntariamente pelas partes ou por determinação do magistrado nos termos do artigo 6º do Código de Processo Civil”.
Adicionalmente, a Súmula 30 do TJPI estabelece que: A ausência de assinatura a rogo e subscrição por duas testemunhas nos instrumento de contrato de mútuo bancário atribuídos a pessoa analfabeta torna o negócio jurídico nulo, mesmo que seja comprovada a disponibilização do valor em conta de sua titularidade, configurando ato ilícito, gerando o dever de repará-lo, cabendo ao magistrado ou magistrada, no caso concreto, e de forma fundamentada, reconhecer categorias reparatórias devidas e fixar o respectivo quantum, sem prejuízo de eventual compensação.
Diante da existência das súmulas nº 18 e 30 do Tribunal de Justiça e da previsão do artigo 932, V do Código de Processo Civil, é possível o julgamento monocrático por esta relatoria.
De início, vale ressaltar que, a matéria em discussão é regida pelas normas pertinentes ao Código de Defesa do Consumidor, porquanto a instituição financeira caracteriza-se como fornecedor de serviços, razão pela qual, sua responsabilidade é objetiva, nos termos dos arts. 3º e 14, da supracitada legislação, como veremos a seguir: Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (…) Art. 14.
O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Além disso, esta questão já foi sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça: Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Diante da incidência da norma consumerista à hipótese em apreço, é cabível a aplicação da regra constante do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor no tocante ao ônus probatório. É que, como cediço, o instituto da inversão do ônus da prova confere ao consumidor a oportunidade de ver direito subjetivo público apreciado, facilitando a sua atuação em juízo.
Nesse sentido: Art. 6º.
São direitos básicos do consumidor: [...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. É importante destacar que o caso versa a respeito de contrato firmado com analfabeto.
Não restam dúvidas de que essas pessoas são capazes para os atos da vida civil.
Entretanto, para a prática de determinados atos, deve-se observar formalidades legais a fim de que aqueles tenham validade.
O artigo 595 do Código Civil preceitua o seguinte: Art. 595.
No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.
Embora inserido na parte do Código Civil que trata especificamente do contrato de prestação de serviço, esta regra é aplicável a todo e qualquer negócio jurídico, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
DIREITO CIVIL.
RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C PEDIDOS DE RESTITUIÇÃO DE VALORES E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS.
CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FIRMADO POR IDOSO INDÍGENA ANALFABETO.
VALIDADE.
REQUISITO DE FORMA.
ASSINATURA DO INSTRUMENTO CONTRATUAL A ROGO POR TERCEIRO, NA PRESENÇA DE DUAS TESTEMUNHAS.
ART. 595 DO CC/02.
PROCURADOR PÚBLICO.
DESNECESSIDADE. […] 7.
Embora o referido dispositivo legal se refira ao contrato de prestação de serviços, deve ser dada à norma nele contida o máximo alcance e amplitude, de modo a abranger todos os contratos escritos firmados com quem não saiba ler ou escrever, a fim de compensar, em algum grau, a hipervulnerabilidade desse grupo social. […] (REsp 1907394/MT, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/05/2021, DJe 10/05/2021).
Nesse contexto, analisando o conjunto probatório dos autos, verifica-se que o Banco/Apelado acostou aos autos os instrumento contratual (id. 25857937), entretanto, não se observa a manifestação de vontade da parte Autora/Apelante, pois, consta apenas a impressão digital e a assinatura das duas testemunhas, sem assinatura a rogo, ou seja, não houve cumprimento dos requisitos legais exigidos para a contratação, conforme dispõe o art. 595 do Código Civil.
Nula, portanto, a relação contratual.
A exigência de cumprimento dos requisitos de validade do negócio jurídico supracitado tem a função de garantir que os idosos analfabetos tenham verdadeiramente conhecimento do que está contratando, manifestando sua vontade de maneira livre e consciente. É neste sentido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FIRMADO COM ANALFABETO. 1.
VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015.
FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE.
ENUNCIADO N. 284/STF. 2. ÔNUS DA PROVA.
QUESTÃO ADSTRITA À PROVA DA DISPONIBILIZAÇÃO FINANCEIRA.
APRECIAÇÃO EXPRESSA PELO TRIBUNAL LOCAL.
REEXAME DE FATOS E PROVAS.
INVIABILIDADE. 3.
VALIDADE DE CONTRATO FIRMADO COM CONSUMIDOR IMPOSSIBILITADO DE LER E ESCREVER.
ASSINATURA A ROGO, NA PRESENÇA DE DUAS TESTEMUNHAS, OU POR PROCURADOR PÚBLICO.
EXPRESSÃO DO LIVRE CONSENTIMENTO.
ACESSO AO CONTEÚDO DAS CLÁUSULAS E CONDIÇÕES CONTRATADAS. 4.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. 1. […] 2. […] 3.
A liberdade de contratar é assegurada ao analfabeto, bem como àquele que se encontre impossibilitado de ler e escrever. 4.
Em regra, a forma de contratação, no direito brasileiro, é livre, não se exigindo a forma escrita para contratos de alienação de bens móveis, salvo quando expressamente exigido por lei. 5.
O contrato de mútuo, do qual o contrato de empréstimo consignado é espécie, se perfaz mediante a efetiva transmissão da propriedade da coisa emprestada. 6.
Ainda que se configure, em regra, contrato de fornecimento de produto, a instrumentação do empréstimo consignado na forma escrita faz prova das condições e obrigações impostas ao consumidor para o adimplemento contratual, em especial porque, nessa modalidade de crédito, a restituição da coisa emprestada se faz mediante o débito de parcelas diretamente do salário ou benefício previdenciário devido ao consumidor contratante pela entidade pagadora, a qual é responsável pelo repasse à instituição credora (art. 3º, III, da Lei n. 10.820/2003). 7.
A adoção da forma escrita, com redação clara, objetiva e adequada, é fundamental para demonstração da efetiva observância, pela instituição financeira, do dever de informação, imprescindíveis à livre escolha e tomada de decisões por parte dos clientes e usuários (art. 1º da Resolução CMN n. 3.694/2009). 8.
Nas hipóteses em que o consumidor está impossibilitado de ler ou escrever, acentua-se a hipossuficiência natural do mercado de consumo, inviabilizando o efetivo acesso e conhecimento às cláusulas e obrigações pactuadas por escrito, de modo que a atuação de terceiro (a rogo ou por procuração pública) passa a ser fundamental para manifestação inequívoca do consentimento. 9.
A incidência do art. 595 do CC/2002, na medida em que materializa o acesso à informação imprescindível ao exercício da liberdade de contratar por aqueles impossibilitados de ler e escrever, deve ter aplicação estendida a todos os contratos em que se adote a forma escrita, ainda que esta não seja exigida por lei. 10.
A aposição de digital não se confunde, tampouco substitui a assinatura a rogo, de modo que sua inclusão em contrato escrito somente faz prova da identidade do contratante e da sua reconhecida impossibilidade de assinar. 11.
Reconhecida pelas instâncias ordinárias a existência de assinatura a rogo no caso concreto, a alteração do acórdão recorrido dependeria de reexame de fatos e provas, inadmissível nesta estreita via recursal. 12.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. (REsp 1868099/CE, Rel.
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020).
Como exposto acima, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que é válida a contratação de empréstimo consignado por analfabeto mediante a assinatura a rogo a qual, por sua vez, não se confunde, tampouco poderá ser substituída pela mera aposição de digital ao contrato escrito.
A digital do analfabeto no contrato escrito somente faz prova da identidade do contratante e da sua reconhecida impossibilidade de assinar.
No entanto, não prova que ele foi informado adequadamente a respeito das cláusulas do contrato.
Ressalte-se ainda que além de não ter apresentado prova da contratação regular, a parte ré/apelante deixou de apresentar comprovante de depósito do valor correspondente ao empréstimo, afrontando o que dispõe a súmula nº 18 do TJPI.
Assim, resta evidente a falha na prestação de serviço, ante a ausência de contrato válido nos autos, o que caracteriza conduta ilícita da parte ré, na forma do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.
A Corte Superior editou a súmula n° 479, in litteris: As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.
Em relação à repetição do indébito, por ocasião do julgamento dos embargos de divergência em agravo em recurso especial EAREsp n.676.608/RS, de relatoria do Ministro OG FERNANDES, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça foi reformulado de modo reconhecer o direito à restituição em dobro do indébito por cobrança de valores referentes a serviços não contratados, por ser conduta contrária à boa-fé objetiva; porém, com a modulação dos efeitos do julgado para cobranças realizadas a partir da data da publicação do acórdão, em 30 de março de 2021.
Confira-se o paradigma do STJ: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
CIVIL.
PROCESSUAL CIVIL.
TELEFONIA FIXA.
COBRANÇA INDEVIDA.
AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO DE TARIFAS. 1) RESTITUIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO (PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 42 DO CDC).
DESINFLUÊNCIA DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO DO FORNECEDOR QUE REALIZOU A COBRANÇA INDEVIDA.
DOBRA CABÍVEL QUANDO A REFERIDA COBRANÇA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA. 2) APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL DO CÓDIGO CIVIL (ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL).
APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 412/STJ. 3) MODULAÇÃO PARCIAL DOS EFEITOS DA DECISÃO.
CONHECIMENTO E PROVIMENTO INTEGRAL DO RECURSO. (...) Fixação das seguintes teses.
Primeira tese: A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva.
Segunda tese: A ação de repetição de indébito por cobrança de valores referentes a serviços não contratados promovida por empresa de telefonia deve seguir a norma geral do prazo prescricional decenal, consoante previsto no artigo 205 do Código Civil, a exemplo do que decidido e sumulado no que diz respeito ao lapso prescricional para repetição de tarifas de água e esgoto (Súmula 412/STJ).
Modulação dos efeitos: Modulam-se os efeitos da presente decisão - somente com relação à primeira tese - para que o entendimento aqui fixado quanto à restituição em dobro do indébito seja aplicado apenas a partir da publicação do presente acórdão.
A modulação incide unicamente em relação às cobranças indevidas em contratos de consumo que não envolvam prestação de serviços públicos pelo Estado ou por concessionárias, as quais apenas serão atingidas pelo novo entendimento quando pagas após a data da publicação do acórdão. (EAREsp 676.608/RS, Rel.
Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe 30/03/2021).
Grifei Dessa forma, amparada no entendimento esposado pelo STJ e na modulação dos efeitos fixada no acórdão paradigma, a repetição do indébito deverá ser de forma simples, porém, haverá incidência de parcelas em dobro em relação aos descontos eventualmente realizados nos proventos da consumidora após 30/03/2021.
No que tange aos prejuízos imateriais alegados, o desconto indevido pode gerar danos morais, bastando para isso que o consumidor seja submetido a um constrangimento ilegal, como a cobrança de valores atinentes a um contrato nulo.
Deve ficar evidenciado, ainda, que isso repercutiu psicologicamente no bem-estar do consumidor, de forma a não ficar caracterizado o mero aborrecimento.
Isto reconhecido, como é o caso dos autos, em que a empresa ré agiu com desídia ao retirar quantias da conta do acionante, impõe-se o estabelecimento de uma compensação financeira, a título de danos morais, observado a motivação reparadora.
Ademais, na hipótese dos autos, é certo que o dever de indenizar resulta da própria conduta lesiva evidenciada, independendo de prova dos abalos psíquicos causados, pois, em casos tais, o dano é “in re ipsa”, isto é, decorre diretamente da ofensa, por comprovação do ilícito, que ficou sobejamente demonstrado nos autos.
Por estas razões, com esteio na prova dos autos, entendo ser devida a reparação por danos morais, em função das ações lesivas praticadas pela instituição financeira demandada.
Pacífico o entendimento a respeito do caráter dúplice (compensatório/pedagógico) da indenização por danos morais, devendo o julgador, quando da sua fixação, se guiar pelas circunstâncias do caso concreto e pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de modo que seu valor não seja excessivo a ponto de gerar enriquecimento ilícito do ofendido, tampouco irrisório para estimular a prática danosa, sob pena de desvirtuamento da natureza do instituto do dano moral.
Com base nestas balizas, e considerando a proporcionalidade e razoabilidade aplicável ao caso, tenho como suficiente para compensar o prejuízo imaterial suportado pela autora/apelada, o montante de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a título de danos morais, observando-se o caráter compensatório e repressivo da medida. 4.
DISPOSITIVO Ante o exposto, conheço do recurso, para, no mérito, dar-lhe provimento, com fundamento no art. 932, V, “a” do CPC, a fim de julgar parcialmente procedente o pedido inicial, para: a) declarar a nulidade dos contratos de empréstimos questionados nos autos; b) Condenar o banco demandado na restituição do indébito, de maneira simples dos valores indevidamente descontados antes de 30-03-2021 e em dobro a partir de então e até a efetiva cessação dos descontos, nos moldes do entendimento firmado no EAREsp 676.608/RS.
Sobre esses valores, incidem juros de 1% a.m. e correção monetária pelo INPC desta a data do efetivo prejuízo, isto é, desde cada desconto indevido, até a data de 27/08/2024.
A partir de 28/08/2024 (início dos efeitos da Lei 14.905/2024), os juros ficam na forma do artigo 406, § 1º e 2º, e a e correção monetária nos termos do artigo 389, parágrafo único, ambos do Código Civil; c) condenar o banco réu ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$ 2.000,00 (dois mil reais) em favor do autor, por se mostrar suficiente, razoável e proporcional à reparação do dano extrapatrimonial sofrido, com incidência de juros de mora de 1% ao mês, partir do evento danoso e de correção monetária, desde a data do arbitramento, nos termos, respectivamente, das Súmula 54 e 362, do STJ.
No que versa aos índices a serem aplicados, nos termos dos arts. 389, p. único, e 406, § 1º, ambos do CC, adota-se o IPCA para correção monetária e Taxa Selic - deduzido o IPCA - para os juros moratórios. d) inverto o ônus da sucumbência para condenar a parte ré/Apelada ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios de 15% (dez por cento) sobre o valor da condenação, em favor do patrono da parte Apelante, na forma do art. 85, do CPC.
Intimem-se as partes.
Transcorrendo in albis o prazo recursal, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição.
Teresina, datado e assinado digitalmente.
Desembargador MANOEL DE SOUSA DOURADO -
17/06/2025 14:35
Remetidos os Autos (em grau de recurso) para à Instância Superior
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17/06/2025 14:34
Expedição de Certidão.
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17/06/2025 13:00
Expedição de Outros documentos.
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17/06/2025 13:00
Proferido despacho de mero expediente
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12/06/2025 20:34
Conclusos para despacho
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12/06/2025 20:34
Expedição de Certidão.
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12/06/2025 20:34
Expedição de Certidão.
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12/06/2025 18:10
Juntada de Petição de contrarrazões da apelação
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23/05/2025 17:53
Expedição de Outros documentos.
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23/05/2025 17:50
Expedição de Certidão.
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19/05/2025 13:47
Juntada de Petição de apelação
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16/05/2025 03:35
Decorrido prazo de BANCO BRADESCO S.A. em 15/05/2025 23:59.
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16/05/2025 03:35
Decorrido prazo de BANCO BRADESCO S.A. em 15/05/2025 23:59.
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24/04/2025 00:06
Publicado Intimação em 22/04/2025.
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24/04/2025 00:06
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 24/04/2025
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16/04/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PIAUÍ Vara Única da Comarca de Itaueira DA COMARCA DE ITAUEIRA Rua Ludgero de França Teixeira, 766, Centro, ITAUEIRA - PI - CEP: 64820-000 PROCESSO Nº: 0801216-79.2021.8.18.0056 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO(S): [Empréstimo consignado] AUTOR: MARIA FERREIRA DOS SANTOS REU: BANCO BRADESCO S.A.
SENTENÇA Vistos etc.
Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito proposta por MARIA FERREIRA DOS SANTOS, qualificada nos autos, através de advogado constituído, em face do BANCO BRADESCO S.A, pelos motivos expostos na inicial.
Alega, em resumo, que não foi parte consensual no contrato de empréstimo consignado n. 0123343357073, no valor de R$ 1.830,00 (mil oitocentos e trinta reais), o que teria gerado descontos indevidos em seu benefício previdenciário.
Requer a declaração da inexistência contratual e indenizações.
Com a inicial vieram documentos.
O feito voltou a tramitar nesta unidade jurisdicional após anulação pelo Tribunal de Justiça da sentença que havia reconhecido a ocorrência de prescrição.
Citado, o demandado apresentou contestação alegando, em síntese, a regularidade da contratação, conforme documentação comprobatória que acompanhou defesa (Id 60044351).
A parte autora apresentou réplica (Id 61664840).
Vieram-me os autos conclusos. É o relatório.
Fundamento e decido.
O feito desenvolveu-se de forma regular, tendo sido assegurado o contraditório e a ampla defesa, sem registro de nulidades a sanar.
Oportuno o julgamento do processo no estado em que se encontra, sendo desnecessária maior dilação probatória, eis que e o acervo probatório é suficiente para o deslinde do feito, nos termos do art. 355, I do CPC.
De início, considerando que se aplica ao caso o prazo prescricional de 05 (cinco) anos previsto no art. 27 do CDC, pois se trata de relação de consumo, não reconheço a ocorrência de prescrição da pretensão da parte autora.
Assim, superada a preliminar suscitada passo a análise do mérito.
Em síntese, afirma a parte autora que o réu descontara valores de seu benefício previdenciário relativos a parcelas de suposto empréstimo com nulidade de contratação, pelo que pede a declaração da nulidade do contrato, a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente e indenização pelos danos morais.
A responsabilidade civil extracontratual (aquiliana) decorre de conduta humana que, em desconformidade com o sistema jurídico (art. 186 do CC), provoca um dano ao direito de outrem.
Para que se conclua pela existência da obrigação de reparar o dano sofrido por alguém, é necessário averiguar a ocorrência do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o prejuízo, ou seja, o vínculo de consequência existente entre a conduta tida como ilícita (causa) e o dano (efeito).
Ademais, de regra, para que o ato seja tido por ilícito e gere direito a reparação, é necessária a prova da culpa (lato sensu).
Apenas em casos previstos em lei admite-se a responsabilidade civil objetiva, tornando-se desnecessária a demonstração da culpa do autor do fato, conforme ocorre nas violações de direito do consumidor ocasionadas pelo fornecedor, em típica relação de consumo (art. 927, Parágrafo único do Código Civil c/c art. 14 da Lei n. 8.078/90).
No caso em tela, as relações entre a parte autora e o banco réu devem ser reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo que descabe alusão e discussão sobre culpa do demandado, sendo apenas necessário provar a conduta, o dano e o nexo de causalidade.
Em causas como a debatida, tenho que incumbe à parte demandada a prova da existência do legítimo contrato que justifique os descontos no valor do benefício previdenciário, mormente em face da inversão do ônus da prova imposta pela hipossuficiência do demandante (art. 6º, VIII, da Lei n. 8.078/90).
Ademais, deve-se aplicar o princípio da carga dinâmica das provas para atribuir à parte demandada o ônus de demonstrar a existência dos fatos que lhe aproveitam.
Ora, deixar ao consumidor o ônus de provar a inexistência de contrato é exigir que se prove fato negativo, somente possível através de elementos indiretos e de efetivação onerosa e complexa, portanto, inviável.
Lado outro, caberia à parte demandada a prova da legítima contratação com a demandante, apresentando o instrumento do contrato e documentos correlatos.
Observe-se que, para tentar comprovar a licitude da operação questionada, o banco demandado apresentou, além da contestação, cópia de Cédula de Crédito Bancário (ID 60044353), emitida em nome da parte autora, além de indicação de remessa do crédito em seu favor (ID 68675537).
Ademais, deixou a parte autora de juntar qualquer elemento probatório de que não teria recebido efetivamente o valor do contrato, o que poderia eventualmente fazer, com a apresentação de seus extratos bancários do mês em fora efetuado a liberação do crédito.
Nota-se que o contrato questionado encontra-se subscrito por duas testemunhas.
Logo, a intervenção de pessoa de sua confiança, capaz de certificar o conteúdo das cláusulas contratuais e assinar em seu nome atenua, ainda que em parte, a hipossuficiência informacional, viabilizando ao contratante o acesso e conhecimento as obrigações pactuadas por escrito.
Considero que não há razão para reconhecer a invalidade do contrato entre as partes, ainda que não tenham sido observadas maiores formalidades na lavratura do instrumento respectivo.
De fato, em se tratando de contrato escrito, necessário é o lançamento da assinatura do emitente ou, na impossibilidade, de alguém a rogo, não suprindo a sua simples impressão digital.
Entretanto, não se pode desconsiderar a realidade social em que se vive, quando pessoas, privadas que foram do ensino básico, sem sequer saber assinar o próprio nome, costumam apor sua impressão digital em documentos relativos a negócios jurídicos, tendo aquele ato para si como confirmação do negócio entabulado.
Sabe-se que é comum na realidade local uso dessa forma de confirmação de vontade, através da aposição da impressão digital, que margeia os estreitos limites do direito positivo.
Assim, no caso, entendo que é inviável considerar-se desde logo nulo o contrato.
Registre-se, em primeiro lugar, que o fato de o contratante ser idoso, por si só, não desnatura a validade da contratação.
Com efeito, salvo prova em contrário de que a senilidade estaria privando a pessoa do pleno gozo das faculdades mentais, os idosos são plenamente capazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, não sendo cabível, sem sério motivo comprovado, considera-los absoluta ou relativamente incapazes de administrar a própria vida e seus bens, na forma dos artigos 3º e 4º do Código Civil.
Ao contrário, o reconhecimento da validade da manifestação de vontade da pessoa idosa é fator necessário à preservação da sua dignidade humana, ressalvada, entretanto, a prova de algum vício no consentimento.
Do mesmo modo, o analfabetismo não é, por si só, causa de reconhecimento de incapacidade civil.
De fato, mesmo privada do ensino básico que assegure o uso funcional da linguagem escrita, a pessoa pode contratar livremente, devendo ser reconhecida e aceita sua manifestação de vontade, expressa por outros meios.
Assim, ao passo em que a pessoa não alfabetizada pode ser parte em relações jurídicas negociais, tendo direito de contratar e ser contratado, também deve ser responsável pelos seus atos e arcar com as obrigações deles decorrentes.
No ponto, deve-se destacar entendimento firmado no âmbito do Fórum dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Piauí – FOJEPI, no sentido de não serem a senilidade e o analfabetismo causas necessárias de incapacidade para firmar contrato, desde que observados os requisitos de validade do negócio jurídico, nos termos do art. 104 do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor.
Veja-se o teor do Enunciado n. 20: ENUNCIADO 20 - O analfabetismo e a senilidade, por si só, não são causas de invalidade do negócio jurídico, sendo possível que o analfabeto e o idoso contraiam obrigações, atendidos os requisitos previstos no art. 104 do Código Civil e, a depender do caso, do Código de Defesa do Consumidor. (II FOJEPI, Luís Correia – PI, out/2015).
Considere-se ainda que a validade do contrato celebrado por analfabeto não depende de procuração pública, conforme entendimento no Superior Tribunal de Justiça, fixado no REsp: 1954424.
RECURSO ESPECIAL.
PROCESSUAL CIVIL.
DIREITO CIVIL.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA.
RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO.
CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO.
IDOSO E ANALFABETO.
VULNERABILIDADE.
REQUISITO DE FORMA.
ASSINATURA DO INSTRUMENTO CONTRATUAL A ROGO POR TERCEIRO.
PRESENÇA DE DUAS TESTEMUNHAS.
ART. 595 DO CC/02.
ESCRITURA PÚBLICA.
NECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL. 1.
Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2.
Os analfabetos podem contratar, porquanto plenamente capazes para exercer os atos da vida civil, mas expressam sua vontade de forma distinta. 3.
A validade do contrato firmado por pessoa que não saiba ler ou escrever não depende de instrumento público, salvo previsão legal nesse sentido. 4.
O contrato escrito firmado pela pessoa analfabeta observa a formalidade prevista no art. 595 do CC/02, que prevê a assinatura do instrumento contratual a rogo por terceiro, com a firma de duas testemunhas. 5.
Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1954424 PE 2021/0120873-7, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 07/12/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/12/2021) Princípio do direito contratual adotado no sistema jurídico brasileiro, o consensualismo importa no reconhecimento de que o contrato nasce do acordo de vontades, não se exigindo qualquer formalidade específica, salvo se expressamente prevista em lei. É justamente a autonomia da vontade que possibilita às pessoas capazes firmarem negócios jurídicos a partir do consenso, podendo ser a forma de manifestação dessa vontade, como regra, livremente estabelecida.
Nesse sentido, veja-se o disposto no art. 107 do Código Civil: Art. 107.
A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
Em alguns casos específicos, para preservação da segurança jurídica, a lei estabelece determinadas formas como essenciais à validade do negócio entabulado pelas partes, como se dá, por exemplo, no trato de direitos reais imobiliários que superem o valor de trinta salários mínimos (art. 108, Código Civil).
Quando a forma do negócio jurídico é estabelecida em lei como requisito de validade, considera a doutrina que ela seria da substância do ato (ad solemnitatem ou ad substantiam), sendo essencial para que o acordo de vontades produza efeito.
Do contrário, como é a regra, diz-se que a forma destina-se penas a facilitar a prova do ato (ad probationem tantum).
Nesse sentido é que o sistema jurídico estabelece que a invalidade da forma (instrumental), por si só, não induz a invalidade do negócio, que se pode provar por outros meios.
Veja-se o teor do art. 183 do Código Civil: Art. 183.
A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio.
Sobre o princípio do consensualismo no direito brasileiro e os requisitos formais dos negócios jurídicos, vejam-se as palavras de Carlos Roberto Gonçalves, em seu livro Direito Civil Brasileiro : contratos e atos unilaterais, vol. 03, 13ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2016, p. 38: O terceiro requisito de validade do negócio jurídico é a forma (forma dat esse rei, ou seja, a forma dá ser às coisas), que é o meio de revelação da vontade.
Deve ser a prescrita ou não defesa em lei.
Há dois sistemas no que tange à forma como requisito de validade do negócio jurídico: o consensualismo, da liberdade da forma, e o formalismo ou da forma obrigatória.
O direito romano e o alemão eram, inicialmente, formalistas.
Posteriormente, por influência do cristianismo e sobe as necessidades do intenso movimento comercial da Idade Média, passaram do formalismo conservador ao princípio da liberdade da forma.
No direito brasileiro a forma é, em regra, livre.
As partes podem celebrar o contrato por escrito, público ou particular, ou verbalmente, a não ser nos casos em que a lei, para dar maior segurança e seriedade ao negócio, exija a forma escrita, pública ou particular.
O consensualismo, portanto, é a regra, e o formalismo a exceção.
No que concerne à formalização de operação financeira com autorização de desconto de parcelas em benefício previdenciário, observe-se que deve reger a matéria a Instrução Normativa INSS/PRES nº 28, de 2008, do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, editada com fundamento no art. 6º da Lei n. 10.820/2003, a qual estabelece a necessidade de instrumento devidamente firmado pelas partes com apresentação de documentos pessoais.
Veja-se parte do texto da instrução normativa em referência: Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria, pensão por morte do RGPS, da Renda Mensal Vitalícia prevista na Lei nº 6.179, de 1974 , do BPC, de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 1993 , e de benefícios que tenham como requisito para sua concessão a preexistência do BPC de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 1993 , poderão autorizar os descontos no respectivo benefício, dos valores referentes ao pagamento de crédito consignado, concedidos por instituições consignatárias acordantes, desde que: (Redação do caput dada pela Instrução Normativa INSS Nº 136 DE 11/08/2022).
I - o crédito consignado seja realizado com instituição consignatária que tenha celebrado ACT com o INSS e contrato com a Dataprev, para esse fim; (Redação do inciso dada pela Instrução Normativa INSS Nº 134 DE 22/06/2022).
II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio; e III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência.
Observe que a autorização para desconto das parcelas diretamente no benefício do aposentado ou pensionista deve ser dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico, vedando o ato normativo a autorização por telefone ou gravação de voz.
Note-se que a intenção do normativo é permitir maior segurança na verificação da autorização, que deve ser expressa.
No caso em análise, a parte demandada apresentou contrato escrito, onde contra suposta impressão digital da demandante acompanhada da assinatura de duas testemunhas.
Do mesmo modo, houve a disponibilização do crédito decorrente da operação financeira em favor da parte requerente.
Assim, a existência de eventual falha formal no instrumento, por si só, não tem o condão de invalidar o negócio jurídico, que pode ser demonstrado por outros meios.
Considere-se que a vontade das partes deve ser respeitada, presumindo-se a boa-fé nas contratações.
Um dos princípios mais importantes das relações privadas, mormente no âmbito do Direito do Consumidor, é o da boa-fé objetiva, o qual impõe deveres de lealdade e preservação da confiança.
Todavia, tal princípio não vincula apenas os fornecedores, mas, ao contrário, estabelece uma via de mão dupla nas relações jurídicas, também impondo sérios deveres ao consumidor.
Nesse sentido, vejam-se as palavras de Fábio Schwartz, em seu livro Direito do Consumidor, - Niterói, RJ: Impetus, 2013, p. 60/61: O aludido princípio vem encartado no inciso III do art. 4º do CDC, passando a funcionar como paradigma em todas as relações de consumo.
Revela um modelo de conduta social a ser observado por todos, pautado, como ensina Cláudia Lima Marques, por uma atuação refletida, pensando no parceiro contratual, respeitando seus legítimos interesses e razoáveis expectativas, agindo com lealdade, evitando abusos, obstruções, lesões ou vantagens excessivas.
Enfim, cooperando para que o objetivo do contrato seja atingido pelas partes.
Larenz, por sua vez, pontifica que ‘o princípio da boa-fé significa que cada um deve guardar fidelidade com a palavra dada e não frustrar a confiança ou abusar dela (...)’.
Diga-se que o princípio analisado se revela como verdadeira ‘via de mão dupla’, não se admitindo, por exemplo, que o consumidor, ao argumento de ser parte mais fraca na relação, obtenha vantagens indevidas, obrando fora dos padrões da lealdade, impingidos pela boa-fé objetiva.
Tendo havido a formalização do negócio jurídico, cabe à parte que se diz prejudicada evidenciar o eventual vício no seu consentimento, o que não se presume e nem resta comprovado nos autos.
Note-se que o contrato perdura por bastante tempo, sendo questionável a demora da parte autora em voltar-se contra os descontos em seu benefício previdenciário.
Ainda que eventualmente a parte autora pudesse questionar a forma do instrumento contratual, não se pode negar que a sua inação por longo período tem o condão de criar a legítima expectativa na parte demandada da aceitação e concordância com a forma estabelecida no instrumento.
De fato, como corolário da boa-fé objetiva, a doutrina fala no instituto da supressio, a qual é limitadora da ação das partes que seja eventualmente contraditória, violando a expectativa da estabilidade e da continuidade da relação contratual.
O fato de não ter havido alteração no valor das prestações ao longo do tempo e de a parte autora ter recebido a contraprestação contratada, aliado à inexistência de violação das regras materiais estabelecidas para o contrato, mormente quanto ao número máximo de parcelas e à taxa de juros, afastam a presunção de lesão ao direito do consumidor.
Cabe assim à parte autora a prova do vício do consentimento, o que não ocorreu nestes autos, sendo a forma da exteriorização da vontade meramente instrumental.
Dessa forma, entendo que não há razão para reconhecer como procedentes aos pleitos iniciais da parte autora, eis que restou provado que houve de fato a formação bilateral de um contrato com a parte demandada, com seu consentimento.
Pelo exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo improcedentes os pedidos deduzidos na inicial.
Sem custas.
Condeno a parte autora em honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da demanda, cuja exigibilidade fica suspensa na forma do art. 98, § 3º, do CPC.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com a devida baixa.
ITAUEIRA-PI, 15 de abril de 2025.
MÁRIO SOARES DE ALENCAR Juiz(a) de Direito da Vara Única da Comarca de Itaueira -
15/04/2025 10:36
Expedição de Outros documentos.
-
15/04/2025 10:36
Expedição de Outros documentos.
-
15/04/2025 10:36
Julgado improcedente o pedido
-
01/01/2025 08:55
Conclusos para despacho
-
01/01/2025 08:55
Expedição de Certidão.
-
01/01/2025 08:55
Juntada de Certidão
-
22/12/2024 14:02
Juntada de Petição de manifestação
-
11/12/2024 03:06
Decorrido prazo de BANCO BRADESCO S.A. em 10/12/2024 23:59.
-
14/11/2024 16:36
Expedição de Outros documentos.
-
14/11/2024 16:36
Proferido despacho de mero expediente
-
11/10/2024 07:58
Juntada de Certidão
-
13/08/2024 03:26
Decorrido prazo de NEWTON LOPES DA SILVA NETO em 12/08/2024 23:59.
-
13/08/2024 03:26
Decorrido prazo de NEWTON LOPES DA SILVA NETO em 12/08/2024 23:59.
-
10/08/2024 16:21
Conclusos para despacho
-
10/08/2024 16:21
Expedição de Certidão.
-
10/08/2024 16:20
Juntada de Certidão
-
09/08/2024 13:27
Juntada de Petição de petição
-
25/07/2024 03:18
Decorrido prazo de NEWTON LOPES DA SILVA NETO em 24/07/2024 23:59.
-
16/07/2024 03:13
Decorrido prazo de LARISSA SENTO SE ROSSI em 15/07/2024 23:59.
-
11/07/2024 19:56
Expedição de Outros documentos.
-
11/07/2024 19:42
Expedição de Outros documentos.
-
11/07/2024 19:33
Juntada de Certidão
-
11/07/2024 19:25
Juntada de Certidão
-
11/07/2024 11:36
Juntada de Petição de manifestação
-
09/07/2024 10:49
Juntada de Petição de contestação
-
23/06/2024 16:56
Expedição de Outros documentos.
-
23/06/2024 16:56
Expedição de Outros documentos.
-
17/06/2024 16:06
Expedição de Outros documentos.
-
17/06/2024 16:06
Não Concedida a Antecipação de tutela
-
17/06/2024 16:06
Concedida a Assistência Judiciária Gratuita a MARIA FERREIRA DOS SANTOS - CPF: *72.***.*38-91 (AUTOR).
-
14/08/2023 15:57
Conclusos para despacho
-
14/08/2023 15:57
Expedição de Certidão.
-
14/08/2023 15:57
Expedição de Certidão.
-
07/08/2023 11:24
Recebidos os autos
-
07/08/2023 11:24
Juntada de Petição de decisão
-
22/08/2022 04:57
Remetidos os Autos (em grau de recurso) para à Instância Superior
-
22/08/2022 04:56
Expedição de Certidão.
-
22/08/2022 04:55
Expedição de .
-
21/08/2022 22:58
Juntada de Petição de petição
-
02/08/2022 00:28
Decorrido prazo de NEWTON LOPES DA SILVA NETO em 01/08/2022 23:59.
-
01/08/2022 09:46
Expedição de Outros documentos.
-
01/08/2022 09:41
Expedição de .
-
01/08/2022 09:17
Juntada de Petição de petição
-
30/07/2022 07:47
Decorrido prazo de LARISSA SENTO SE ROSSI em 25/07/2022 23:59.
-
01/07/2022 17:08
Expedição de Outros documentos.
-
01/07/2022 17:08
Expedição de Outros documentos.
-
01/07/2022 17:08
Expedição de Outros documentos.
-
01/07/2022 09:59
Declarada decadência ou prescrição
-
04/11/2021 06:15
Juntada de Certidão
-
21/10/2021 08:56
Conclusos para despacho
-
21/10/2021 08:55
Juntada de Certidão
-
20/10/2021 16:09
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
20/10/2021
Ultima Atualização
30/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
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