TJPI - 0854541-71.2022.8.18.0140
1ª instância - 10ª Vara Civel de Teresina
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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08/07/2025 06:43
Decorrido prazo de LINDALVA OLIVEIRA SOARES em 03/07/2025 23:59.
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08/07/2025 06:43
Decorrido prazo de BANCO BMG SA em 03/07/2025 23:59.
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03/07/2025 15:50
Juntada de Petição de manifestação
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16/06/2025 17:17
Juntada de Petição de petição
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10/06/2025 01:35
Publicado Intimação em 10/06/2025.
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10/06/2025 01:35
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 10/06/2025
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10/06/2025 01:35
Publicado Intimação em 10/06/2025.
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10/06/2025 01:35
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 10/06/2025
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09/06/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PIAUÍ 10ª Vara Cível da Comarca de Teresina DA COMARCA DE TERESINA Praça Edgard Nogueira, s/n, Fórum Cível e Criminal, 4º Andar, Cabral, TERESINA - PI - CEP: 64000-830 PROCESSO Nº: 0854541-71.2022.8.18.0140 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO(S): [Cartão de Crédito, Práticas Abusivas] AUTOR: LINDALVA OLIVEIRA SOARES REU: BANCO BMG SA SENTENÇA Nº 0732/2025 1.
RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E PEDIDO DE DANOS MORAIS C/C PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA ajuizada por LINDALVA OLIVEIRA SOARES em face de BANCO BMG S.A., partes devidamente qualificadas nos autos.
A parte autora narra que, necessitando de recursos financeiros, buscou junto à instituição financeira ré a contratação de um empréstimo consignado, modalidade com a qual já possuía familiaridade.
Alega que, acreditando ter contratado tal serviço, foi surpreendida ao constatar, após anos de descontos mensais em seu benefício previdenciário, que a dívida parecia não ter fim.
Acrescenta que, ao investigar, descobriu que, em vez de um empréstimo consignado tradicional, o banco teria operacionalizado um contrato de cartão de crédito consignado, com constituição de Reserva de Margem Consignável (RMC), sem o seu pleno conhecimento ou consentimento esclarecido sobre a real natureza e as condições do produto.
Sustenta que nunca utilizou o cartão de crédito para compras e que os descontos efetuados em seu benefício seriam indevidos e abusivos, caracterizando uma dívida infinita.
Alega ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor ao caso em tela e que o demandado cometeu ato ilícito ao efetuar descontos indevidos em sua remuneração, restando configuradas a prática abusiva, vantagem manifestamente excessiva e violação aos princípios da informação e boa-fé.
Pleiteia, em sede de tutela de urgência, a suspensão imediata dos descontos.
No mérito, requer: a declaração de nulidade do contrato de cartão de crédito consignado; a condenação do réu à repetição do indébito, em dobro, dos valores descontados indevidamente nos últimos cinco anos; e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais.
Pugna, ainda, pela inversão do ônus da prova e a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça, sob o fundamento de que não possui condições de arcar com as custas processuais sem prejuízo próprio e de sua família.
Instruiu a inicial com documentos (ID 34834140-34834648).
Deferiu-se a gratuidade da justiça e determinou-se a citação do demandado (ID 34841241).
Devidamente citado, o Banco BMG S.A. apresentou contestação (ID 36119604), arguindo, preliminarmente, a inépcia da inicial por ausência de prova mínima dos fatos constitutivos do direito da autora e por irregularidade no comprovante de residência.
Como prejudicial de mérito, suscita a ocorrência de prescrição e decadência.
No mérito propriamente dito, defende a regularidade da contratação do cartão de crédito consignado, afirmando que a autora anuiu expressamente com os termos pactuados, inclusive com a autorização para desconto em folha do pagamento mínimo da fatura, e que teria realizado saque no valor liberado utilizando o limite do cartão.
Detalha o funcionamento do produto, sustentando sua legalidade e a ciência da autora quanto às suas características.
Impugna os pedidos de indenização por danos materiais e morais, bem como o pleito de repetição do indébito, requerendo a total improcedência dos pedidos formulados na inicial.
Juntou documentos (ID 36119606-36119628).
A parte autora apresentou réplica à contestação (ID 37638871), rechaçando as preliminares e prejudiciais de mérito arguidas, e reiterando os termos e pedidos da petição inicial, com ênfase na alegação de vício de consentimento e descumprimento do dever de informação por parte da instituição financeira.
Proferiu-se sentença (ID 37646900), que julgou improcedentes os pedidos autorais, reconhecendo a decadência do direito de anular o negócio jurídico.
Em sede recursal, o Egrégio Tribunal de Justiça do Piauí deu provimento à apelação interposta pela parte autora para anular a sentença de primeiro grau, afastando a prejudicial de decadência e determinando o retorno dos autos à origem para regular processamento e julgamento do mérito (ID 52897472).
Retornados os autos a este juízo, proferiu-se decisão de saneamento (ID 59676226), na qual foram rejeitadas as preliminares de inépcia da inicial, reafirmada a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, porém sem inversão do ônus da prova quanto ao vício de consentimento, e indeferido o pedido de tutela de urgência.
Foram fixados os pontos controvertidos e determinada a intimação das partes para produzir prova documental.
A parte autora, em manifestação (ID 69568592), reitera os argumentos da inicial e da réplica, pugnando pela procedência dos pedidos.
A parte ré (ID 70463867) informou não ter interesse na produção de novas provas documentais, mas reitera a prova documental já juntada aos autos e requer o depoimento pessoal da autora. É o relatório.
Decido. 2.
FUNDAMENTAÇÃO O feito comporta julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil, uma vez que a matéria controvertida é predominantemente de direito e os fatos relevantes já se encontram suficientemente comprovados pelos documentos acostados aos autos, sendo desnecessária a produção de outras provas. 2.1.
DAS QUESTÕES PROCESSUAIS PENDENTES 2.1.1.
DA PRESCRIÇÃO A parte ré arguiu a prescrição da pretensão autoral.
O Egrégio Tribunal de Justiça do Piauí, ao anular a sentença anterior que havia reconhecido a decadência, já delineou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso e o prazo prescricional quinquenal para a pretensão de reparação de danos (art. 27 do CDC).
Tratando-se de descontos mensais em benefício previdenciário, a relação jurídica é de trato sucessivo, de modo que a lesão ao direito da autora, caso existente, renova-se a cada desconto efetuado.
Conforme entendimento consolidado, inclusive citado no Acórdão de ID 52897472, o termo inicial para a contagem do prazo prescricional da pretensão de restituição de cada parcela indevidamente descontada é a data do respectivo pagamento/desconto.
A presente ação foi ajuizada em 02 de dezembro de 2022.
Aplicando-se o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27 do CDC, encontram-se prescritas as pretensões de restituição das parcelas descontadas anteriormente a 02 de dezembro de 2017.
Dessa forma, acolho parcialmente a prejudicial de prescrição para declarar prescrita a pretensão de restituição dos valores descontados do benefício previdenciário da autora, a título de RMC vinculada ao contrato em discussão, no período anterior a 02 de dezembro de 2017. 2.2.
DO MÉRITO A controvérsia central da presente demanda reside em verificar a validade do contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes, especificamente no que tange à regularidade da manifestação de vontade da autora e ao cumprimento do dever de informação por parte da instituição financeira ré. 2.2.1.
PONDERAÇÕES ACERCA DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO MARGEM CONSIGNÁVEL A relação jurídica estabelecida no contrato celebrado entre as partes consiste na disponibilização de cartão de crédito à parte demandante com autorização de desconto em folha de pagamento do valor mínimo da fatura mensal.
Da análise dos autos, extrai-se que o Cartão de Crédito Consignado se assemelha aos cartões de crédito convencionais, sendo um meio eletrônico de pagamento que permite ao seu portador, no limite do crédito pré-aprovado que lhe é concedido, adquirir bens ou serviços, pelo preço à vista ou financiado, permitindo, ainda, a contratação de crédito pessoal, bem como a realização de saques em terminais de autoatendimento credenciados.
Dessa forma, conclui-se que o contrato firmado entre os litigantes teve como objetivo a disponibilização de um cartão de crédito para a parte demandante em que se permitiu a contratação de crédito pessoal por meio de saques, o qual é incluído nas faturas mensais do cartão de crédito, permitindo que o mínimo da fatura seja descontado mensalmente do contracheque da parte autora.
Ainda nessa quadra, a modalidade contratual em análise possui expresso permissivo legal constante da Lei 10.820/03, a qual dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento, prevendo o seguinte acerca da matéria: Art. 6o Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. [...] § 5o Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Portanto, o cartão de crédito com margem consignável não revela empréstimo propriamente dito, mas apenas permite que sejam realizados saques por meio do aludido cartão de crédito, cujo valor será exigido integralmente na fatura do mês seguinte, permitindo que o valor correspondente ao mínimo dessa fatura seja debitado da remuneração do consumidor.
Ressalte-se que tal modalidade de contratação, como qualquer outra, deve ser devidamente esclarecida ao consumidor, em observância ao direito básico de informação adequada e clara, consoante dispõe o inciso III do art. 6° do Código de Defesa do Consumidor, o que se configura ainda como um dos princípios da Política Nacional de Relações de Consumo, nos termos do inciso IV do art. 4° do CDC. 2.2.2.
DO CONTRATO CELEBRADO ENTRE AS PARTES Nesse passo, analisando o negócio firmado, intitulado “TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO BANCO BMG E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO”, extrai-se a existência de cláusula contratual prevendo a possibilidade de desconto mensal na remuneração da parte suplicante em favor do banco suplicado, correspondente ao mínimo mensal da fatura do cartão de crédito até a liquidação do saldo devedor (ID 36119606).
Ocorre que, conquanto a parte suplicada tenha juntado aos autos o referido “TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO BANCO BMG E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO” com cláusula de autorização para desconto em folha de pagamento, não pode passar despercebido que não fora realizada nenhuma compra com o referido cartão de crédito, havendo apenas o lançamento de saque na fatura relativo ao crédito concedido e os encargos deles decorrentes (ID 36119608).
De tais documentos, extrai-se a efetiva materialização de saque com o cartão de crédito, cuja cobrança se deu de forma integral na fatura do mês seguinte, permitindo que apenas o valor mínimo desse faturamento fosse descontado da remuneração da parte requerente, o que teve como efeito a incidência de encargos contratuais nas faturas subsequentes (juros de mora e multa), a considerar que o pagamento mensal não ultrapassa a quantia mínima de cada fatura.
Reafirmo que não há nenhuma ilegalidade na contratação de crédito por tal modalidade, porém, o que se vê do presente caso é que a oferta de crédito não se deu com o exato esclarecimento dos reais termos da contratação e da espécie de crédito concedido, ou seja, apesar de existir cláusula contratual nesse sentido, não foi esclarecido à parte autora que a contratação consistiu em um cartão de crédito em que se possibilita a realização de saques, cujo numerário é integralmente incluído na fatura subsequente.
Aliás, o que se extrai dos autos é que não se trata de mera ausência de informações sobre os termos contratuais, mas efetiva transmissão de dados e informações equivocadas em relação à real natureza da contratação.
Nesse sentido, são vários os elementos constantes dos autos dos quais é possível extrair tal conclusão, qual seja, de que a parte autora foi levada a erro ao contratar um cartão de crédito com margem consignável, tendo-lhe sido ofertado um empréstimo consignado com tarifas mais baixas.
Primeiramente, o valor objeto do cartão de crédito com margem consignável foi disponibilizado à parte suplicante por meio de transferência bancária, forma habitualmente praticada no mercado em relação à concessão de empréstimo nas mais variadas modalidades (ID 36119609).
Em segundo plano, apesar da integralidade do valor incidir, de uma só vez, na fatura do mês subsequente à disponibilização do crédito concedido, a amortização do saldo devedor se deu por meio de descontos mensais no contracheque do(a) consumidor(a), levando-o(a) a crer tratar-se de descontos de parcelas relativas ao empréstimo consignado que acreditava ter contratado, quando, na verdade, representava apenas o desconto relativo ao mínimo da fatura do cartão de crédito.
Por fim, veja-se que durante todo o período em que foram realizados os descontos mensais no contracheque da parte demandante, não houve nenhuma compra por meio do referido cartão de crédito, consoante se vê das faturas juntadas sob o ID 36119608, não havendo nem mesmo comprovação de entrega e desbloqueio desse cartão, ou de envio das respectivas faturas ao consumidor.
Diante dessas circunstâncias, é seguro afirmar que a conduta do suplicado levaria a erro qualquer pessoa de pouca experiência no mercado bancário, especialmente em se tratando de modalidade contratual pouco usual no Estado do Piauí, em que, geralmente, o cumprimento de contratos de empréstimos se dá exatamente do mesmo modo em que são feitas as amortizações do cartão de crédito com margem consignável, ou seja, com descontos mensais no contracheque do contratante. 2.2.3.
DO VÍCIO DE CONSENTIMENTO E DAS VIOLAÇÕES AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Nesse sentido, resta demonstrado vício de consentimento consistente em erro substancial quanto à natureza do negócio e ao objeto principal da declaração, nos termos do inciso I do art. 139 do Código Civil.
No ponto, ao contratar o cartão de crédito com margem consignável, a parte autora foi levada a acreditar que havia contratado um empréstimo consignado, com natureza diversa do negócio efetivamente materializado, pois o primeiro revela concessão de crédito por meio de saque em cartão de crédito, ao passo que o segundo um efetivo empréstimo, com parcelas fixas descontadas do contracheque do consumidor, evidenciando, do mesmo modo, erro quanto ao objeto principal da declaração de vontade.
Ainda nessa quadra, há graves violações às normas do Código de Defesa do Consumidor. É que, ao ofertar o negócio ora impugnado à parte demandante, o suplicado não procedeu ao dever de informação, o qual, além de consistir um dever anexo ao princípio da boa – fé objetiva, revela-se como um importante instrumento da Política Nacional de Relações de Consumo, conforme abaixo transcrito no inciso IV do art. 4° do Código de Defesa do Consumidor: Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (…) IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; Ainda nesse campo, a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços possui natureza de direito básico consumidor, consoante elencado no inciso III do art. 6° do CDC, infra assinalado: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (…) III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; A importância do direito à informação é tamanha, que sua previsão decorre em todo o código consumerista, configurando-se como princípio da Política Nacional de Relações de Consumo (CDC, art. 4°, inciso IV), direito básico do consumidor (CDC, art. 6°, inciso III), sendo referenciado nas normas relativas à oferta e publicidade (CDC, arts. 30, 36 e ss.), cuja inobservância indica prática abusiva (CDC, art.
VII), podendo implicar ainda, em sanções administrativas aplicadas por órgãos de fiscalização (CDC, art. 55, § 1°), dentre várias outras previsões.
No ponto, não se pode admitir como de cartão de crédito com margem consignável – RMC uma contratação que foi oferecida como se empréstimo consignado fosse, o que é demonstrado, sobretudo, diante da inexistência de compras realizadas por meio do cartão de crédito vinculado ao nome da parte requerente.
Ora, as regras de experiências comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece (CPC, art. 375) indicam que não é prática comum, especialmente no Estado do Piauí, a aquisição de um cartão de crédito única e exclusivamente para realização de saques, os quais certamente serão exigidos de forma integral na fatura do mês subsequente à disponibilização da quantia solicitada.
Esclarecendo, não se está a afirmar que ninguém possa utilizar o seu cartão de crédito para realização de saques (operação, como já explicitado, regular), o que gera estranheza é a celebração de um contrato de aquisição de cartão de crédito e sua utilização apenas para realização de saque no início no relacionamento, sem utilização posterior em nenhuma oportunidade.
Tal situação (ausência de compras no cartão), aliada à forma de contratação e pagamento, modo de disponibilização da quantia e indicação de juros ínfimos no contrato deixam evidente a efetiva ocorrência de erro substancial, além de configurar vantagem manifestamente excessiva e onerosa (CDC, art. 39, inciso V c/c o inciso III do § 1° do art. 51 do mesmo diploma normativo), pois, sob a promessa de aplicação de juros menores, a instituição financeira impôs à parte suplicante a contratação de cartão de crédito, em que os juros são, como cediço, os mais excessivos do mercado, bem maiores do que um empréstimo consignado comum.
Registre-se que a hipótese dos autos evidencia situação diversa dos vários precedentes processados e julgados nesta 10ª Vara Cível em que não ficaram demonstrados o erro substancial e nem violações às normas consumeristas, pois em tais casos houve comprovação de que o cartão de crédito disponibilizado foi desbloqueado e utilizado na realização de compras, afastando a tese de desconhecimento acerca da contratação do cartão, o que não ocorreu na presente lide.
Dessa forma, vislumbro que a parte requerente foi levada a erro ao contratar o cartão de crédito com margem consignável, devendo tal negócio jurídico ser anulado, nos termos do art. 139 e inciso II do art. 171, ambos do Código Civil. 2.2.4.
DA CONVERSÃO DO CONTRATO E DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO Diante da abusividade decorrente da falha no dever de informação e da onerosidade excessiva imposta à consumidora vulnerável, a jurisprudência tem admitido, em casos semelhantes, a conversão do contrato de cartão de crédito consignado em contrato de empréstimo consignado, aplicando-se as taxas de juros médias de mercado para esta última modalidade à época da contratação.
Essa solução se mostra equilibrada, pois não desconsidera o fato de que a autora efetivamente se beneficiou do valor do saque inicial, mas,
por outro lado, coíbe a prática abusiva do banco, readequando o contrato aos termos que seriam esperados por um consumidor em situação de vulnerabilidade que busca crédito consignado.
Assim, o contrato objeto da lide deve ser convertido em empréstimo consignado, tomando-se como valor mutuado o montante do saque inicial comprovadamente recebido pela autora (R$ 1.065,00).
Sobre esse valor, deverão incidir juros remuneratórios à taxa média de mercado para operações de crédito consignado para beneficiários do INSS, vigente à época da efetiva disponibilização do crédito (dezembro de 2015, data do TED), a ser apurada em fase de liquidação de sentença, conforme dados divulgados pelo Banco Central do Brasil.
O saldo devedor deverá ser recalculado, abatendo-se os valores mensalmente descontados do benefício da autora a título de RMC, observada a prescrição das parcelas anteriores a 02 de dezembro de 2017.
Após a apuração do montante devido com a aplicação do juros supracitados, entendo razoável o parcelamento do valor remanescente, se houver, em 24 prestações mensais, iguais e sucessivas até o atingimento do débito vincendo, que já devem considerar a taxa de juros citada, sem nova incidência e sem capitalização mensal dos juros, em razão da ausência de pactuação expressa (súmula 539 do STJ).
Eventual saldo credor apurado em favor da parte autora, após a devida compensação, deverá ser a ela restituído de forma simples, acrescido de correção monetária, mediante a aplicação do indexador IPCA-E/IBGE, e juros moratórios, correspondentes à taxa Selic, a partir da citação, observando que o IPCA-E deixa de ser aplicado como indexador de correção monetária a contar da incidência da Selic, a qual engloba juros e correção monetária.
Não se vislumbra, no caso, má-fé da instituição financeira a ensejar a repetição em dobro, uma vez que os descontos ocorreram com base em contrato formalmente existente, ainda que ora reconhecida sua abusividade e determinada sua conversão. 2.2.5 DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS Sobre esse tema, o Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que a falha na prestação de serviços bancários gera o denominado dano moral in re ipsa, que surge independentemente de prova cabal do abalo psicológico experimentado pela parte, presumindo-se pela força dos próprios fatos.
Nesse sentido, é o entendimento da jurisprudência pátria: RECURSO DE APELAÇÃO – DECLARATÓRIA E INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO CONTRATUAL E DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – BANCO – EMPRÉSTIMO E SERVIÇOS NÃO AUTORIZADOS – CONTRATAÇÃO FRAUDULENTA – INSCRIÇÃO INDEVIDA NO ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – APLICABILIDADE DA NORMA CONSUMERISTA – FRAUDE PRATICADA POR TERCEIRO – DÍVIDA INEXISTENTE – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – SÚMULA Nº 479 DO STJ – DANO MORAL IN RE IPSA – QUANTUM INDENIZATÓRIO – ARBITRADO DENTRO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – RECURSO DESPROVIDO.
A indenização pelo dano moral deve ser arbitrada de acordo com a capacidade financeira do ofensor e a extensão da ofensa suportada pela vítima, observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Sagrou-se no âmbito da doutrina e da jurisprudência nacional o entendimento de que o quantum indenizatório deve ser justo a ponto de alcançar seu caráter punitivo e proporcionar satisfação ao correspondente prejuízo moral sofrido pelo ofendido.
Não há que se falar em modificação do fixado a título de dano moral quando arbitrados dentro dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. (Ap 150858/2016, DESA.
NILZA MARIA PÔSSAS DE CARVALHO, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Julgado em 14/02/2017, Publicado no DJE 21/02/2017).
Reconhecida a obrigação de indenizar, surge a árdua tarefa de avaliação pecuniária do dano moral, em face da inexistência de dispositivos legais que estabeleçam critérios objetivos.
A doutrina e a jurisprudência, a fim de guiar o julgador, estabeleceram uma série de circunstâncias a serem observadas quando da avaliação do quantum devido, dentre os quais a natureza compensatória e sancionatória da indenização, considerando ainda as condições financeiras de cada parte.
Em relação ao caráter compensatório, o valor da indenização deve suprimir, ainda que de forma imperfeita, a dor, angústia e sofrimento suportados.
Atendendo à sua função sancionatória, deve servir como reprimenda, a fim de que, por meio de sanção patrimonial, sirva como desestímulo à prática com igual desídia no futuro.
E, considerando as condições financeiras de cada parte, deve-se evitar o enriquecimento ilícito.
Assim, considerando a grande reprovação do fato em debate, entendo que a quantia de R$ 3.000,00 mostra-se no âmbito da razoabilidade, sendo suficiente para configurar sanção patrimonial à empresa ré, além de promover reparação equitativa para o abalo moral sofrido sem, contudo, implicar enriquecimento ilícito da autora. 2.2.6.
DA TUTELA DE URGÊNCIA Considerando o reconhecimento da abusividade e a determinação de conversão do contrato, bem como a verossimilhança das alegações e o perigo de dano decorrente da continuidade dos descontos nos moldes atuais, concedo a tutela de urgência para determinar que o banco réu cesse os descontos referentes à contratação do cartão de crédito com RMC no benefício previdenciário da autora, ou, alternativamente, caso ainda haja saldo devedor após o recálculo determinado nesta sentença, limite os descontos ao valor da parcela apurada para o empréstimo consignado, até a sua efetiva quitação, sob pena de multa diária a ser fixada em caso de descumprimento. 3.
DISPOSITIVO Em face do exposto, com base na fundamentação supra e nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo PROCEDENTES EM PARTE os pedidos da autora LINDALVA OLIVEIRA SOARES para: 3.1.
Acolher parcialmente a prejudicial de mérito referente à prescrição, declarando prescrita a pretensão de restituição das parcelas descontadas do benefício previdenciário da autora LINDALVA OLIVEIRA SOARES, a título de RMC vinculada ao contrato objeto da lide, no período anterior a 02 de dezembro de 2017. 3.2.
Declarar a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado com Reserva de Margem Consignável (RMC) objeto da lide, nos moldes em que foi pactuado entre as partes. 3.3.
Determinar a conversão do referido contrato em empréstimo consignado, considerando como valor mutuado o montante do saque inicial comprovadamente recebido pela autora (R$ 1.065,00), sobre o qual deverão incidir juros remuneratórios à taxa média de mercado para operações de crédito consignado para beneficiários do INSS, vigente à época da efetiva disponibilização do crédito (dezembro de 2015), sem capitalização mensal de juros, em razão da ausência de pactuação expressa (súmula 539 do STJ), a ser apurada em fase de liquidação de sentença, conforme dados divulgados pelo Banco Central do Brasil. 3.4.
Condenar o réu BANCO BMG S.A. a recalcular o saldo devedor, conforme os parâmetros definidos no item anterior, abatendo os valores mensalmente descontados do benefício previdenciário da autora a título de RMC, observada a prescrição das parcelas anteriores a 02 de dezembro de 2017. 3.4.1.
Após apuração do montante devido com a aplicação dos juros nos termos do item “3.3” acima, dividir o débito remanescente, se houver, em 24 prestações mensais, em valores iguais e sucessivos até o atingimento do referido débito remanescente, que já deve considerar a taxa de juros citada, sem nova incidência. 3.4.2.
Eventual saldo credor apurado em favor da autora, após a devida compensação, deverá ser a ela restituído de forma simples, acrescido de correção monetária, mediante a aplicação do indexador IPCA-E/IBGE, e juros moratórios, correspondentes à taxa Selic, a partir da citação, observando que o IPCA-E deixa de ser aplicado como indexador de correção monetária a contar da incidência da Selic, a qual engloba juros e correção monetária. 3.5.
Condenar o réu BANCO BMG S.A. ao pagamento de indenização por danos morais em favor da autora LINDALVA OLIVEIRA SOARES, no valor de R$ 3.000,00, devendo incidir correção monetária, mediante a aplicação do indexador IPCA-E/IBGE, a partir do arbitramento, ou seja, data da prolação desta sentença, e juros moratórios, correspondentes à taxa Selic, a partir da citação, observando que o IPCA-E deixa de ser aplicado como indexador de correção monetária a contar da incidência da Selic, a qual engloba juros e correção monetária. 3.6.
Conceder a tutela de urgência para determinar que o réu BANCO BMG S.A. cesse imediatamente os descontos referentes à Reserva de Margem Consignável (RMC) no benefício previdenciário da autora, ou, caso ainda exista saldo devedor após o recálculo determinado nesta sentença, limite os descontos ao valor da parcela que seria devida no empréstimo consignado recalculado, até a sua efetiva quitação, sob pena de multa diária de R$ 100,00, limitada a 20 dias (R$ 2.000,00), em caso de descumprimento.
Oficie-se à fonte pagadora para cumprimento, se necessário.
Tendo em vista que a parte autora sucumbiu em parte mínima do pedido, condeno a parte ré ao pagamento de custas e despesas processuais, calculadas sobre o valor da causa, bem como de honorários advocatícios de 10% do valor da condenação, nos termos dos §2º do art. 85 do CPC c/c o art. 86, parágrafo único, do mesmo diploma normativo.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
TERESINA-PI, datado(a) eletronicamente.
Juiz(a) de Direito da 10ª Vara Cível da Comarca de Teresina -
06/06/2025 13:32
Expedição de Outros documentos.
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06/06/2025 13:32
Expedição de Outros documentos.
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02/06/2025 11:49
Expedição de Outros documentos.
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02/06/2025 11:49
Julgado procedente em parte do pedido
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24/02/2025 06:18
Conclusos para decisão
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24/02/2025 06:18
Expedição de Certidão.
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24/02/2025 06:18
Juntada de Certidão
-
07/02/2025 18:35
Juntada de Petição de petição
-
30/01/2025 03:05
Decorrido prazo de BANCO BMG SA em 29/01/2025 23:59.
-
23/01/2025 11:41
Juntada de Petição de manifestação
-
27/12/2024 14:58
Juntada de Petição de petição
-
06/12/2024 07:37
Expedição de Outros documentos.
-
30/10/2024 10:30
Expedição de Outros documentos.
-
30/10/2024 10:30
Decisão de Saneamento e de Organização do Processo
-
05/03/2024 12:03
Conclusos para despacho
-
05/03/2024 12:03
Expedição de Certidão.
-
05/03/2024 12:02
Expedição de Certidão.
-
19/02/2024 08:31
Recebidos os autos
-
19/02/2024 08:31
Juntada de Petição de decisão
-
12/07/2023 17:25
Remetidos os Autos (em grau de recurso) para à Instância Superior
-
12/07/2023 17:25
Expedição de Certidão.
-
12/07/2023 17:24
Expedição de Certidão.
-
05/07/2023 01:15
Decorrido prazo de BANCO BMG SA em 04/07/2023 23:59.
-
30/06/2023 19:15
Juntada de Petição de petição
-
13/06/2023 08:48
Expedição de Outros documentos.
-
13/06/2023 08:47
Ato ordinatório praticado
-
13/06/2023 08:45
Expedição de Certidão.
-
05/06/2023 20:54
Juntada de Petição de petição
-
27/05/2023 01:17
Decorrido prazo de BANCO BMG SA em 26/05/2023 23:59.
-
04/05/2023 13:07
Expedição de Outros documentos.
-
28/04/2023 10:51
Expedição de Outros documentos.
-
28/04/2023 10:51
Declarada decadência ou prescrição
-
15/03/2023 20:03
Juntada de Petição de manifestação
-
03/03/2023 08:51
Conclusos para julgamento
-
02/03/2023 20:35
Juntada de Petição de petição
-
11/02/2023 03:12
Decorrido prazo de BANCO BMG SA em 10/02/2023 23:59.
-
25/01/2023 14:39
Expedição de Outros documentos.
-
25/01/2023 14:38
Ato ordinatório praticado
-
25/01/2023 14:37
Expedição de Certidão.
-
02/01/2023 06:17
Juntada de Petição de entregue (ecarta)
-
19/12/2022 13:28
Expedição de Aviso de recebimento (AR).
-
19/12/2022 13:27
Expedição de Aviso de recebimento (AR).
-
19/12/2022 13:27
Expedição de Certidão.
-
06/12/2022 13:27
Outras Decisões
-
06/12/2022 09:41
Juntada de Petição de certidão
-
02/12/2022 09:25
Conclusos para decisão
-
02/12/2022 09:25
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
02/12/2022
Ultima Atualização
08/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
Sentença • Arquivo
Decisão • Arquivo
ACÓRDÃO SEGUNDO GRAU • Arquivo
Decisão • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Sentença • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Decisão • Arquivo
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