TJPI - 0803795-26.2022.8.18.0036
1ª instância - 2ª Vara da Comarca de Altos
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Polo Ativo
Movimentações
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23/06/2025 00:00
Intimação
poder judiciário tribunal de justiça do estado do piauí GABINETE DO Desembargador RICARDO GENTIL EULÁLIO DANTAS PROCESSO Nº: 0803795-26.2022.8.18.0036 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO(S): [Empréstimo consignado] APELANTE: MARIA AGUIDA FERREIRA DA SILVA APELADO: BANCO AGIPLAN S.A.
DECISÃO TERMINATIVA Apelação do consumidor provida, com declaração de nulidade do contrato de empréstimo objeto da lide, diante da ausência de contrato firmado entre as partes e também de comprovação da transferência dos valores ao consumidor, com a condenação do banco para restituição em dobro dos valores indevidamente descontados, além do pagamento de indenização por danos morais.
I.
RELATÓRIO Trata-se de recurso de APELAÇÃO CÍVEL interposto por MARIA AGUIDA FERREIDA DA SILVA em face da sentença, proferida pelo juiz da 2ª Vara da Comarca de Altos-PI, que julgou improcedentes os pedidos de declaração de nulidade contratual e de indenização formulados por ele em face do BANCO AGIPLAN S.A., ora apelado.
Em suas razões (ID n. 21888851), o apelante requer a procedência da ação de origem, pois a instituição financeira sequer apresentou qualquer comprovante quanto a celebração do contrato e quanto a transferência dos seus valores, merecendo ser aplicada a súmula 18 do TJ PI.
Devidamente intimado, o banco apresentou contrarrazões, aduzindo que inexiste dever indenizatório da casa bancária, devendo a sentença ser mantida.
Sem manifestação do Ministério Público Superior diante da ausência de interesse público que justifique sua intervenção. É o relato do necessário.
Passo a decidir.
II.
FUNDAMENTAÇÃO II.A.
DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS Conheço do recurso de apelação interposto, tendo em vista o cumprimento de seus requisitos de admissibilidade.
II.B.
DO MÉRITO II.B.1.
DAS NORMAS APLICÁVEIS AO CASO Cumpre pôr em relevo que à situação em apreço aplica-se o Código de Defesa do Consumidor.
Os partícipes da relação processual têm suas situações amoldadas às definições jurídicas de consumidor e fornecedor, previstas, respectivamente, nos artigos 2º e 3º do CDC.
Ressalte-se, neste passo, que a aplicação do CDC às instituições financeiras reflete-se na Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça.
Como consequência, incidem normas específicas, atributivas de matiz diferenciada às normas de direito comum.
Com efeito, especificamente no ambiente contratual, derroga-se a ideia da existência de uma abstrata paridade de forças entre pactuantes que acreditadamente autodirigem suas vontades e passa-se a considerar as subjetividades dos contratantes, especificidades e desigualdades.
Trata-se de disciplina especial que é toda sedimentada no reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor em face do fornecedor, e que encontra eco nos arts. 4º, I, e 39, IV, ambos do CDC.
Devidamente reconhecidas as premissas da incidência das normas de proteção do consumidor, bem como da vulnerabilidade como fundamento de sua aplicação, passa-se ao exame da controvérsia central deste recurso, qual seja, se existe contrato de empréstimo regularmente firmado entre os litigantes.
O art. 932 do CPC prevê a possibilidade do relator proferir decisão monocrática para proceder ao julgamento do recurso nas seguintes hipóteses: Art. 932.
Incumbe ao relator: [...] IV - negar provimento a recurso que for contrário a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; [...] No presente caso, a matéria se encontra sumulada no Tribunal de Justiça do Piauí, nos seguintes termos: SÚMULA 18 – A ausência de transferência do valor do contrato para conta bancária de titularidade do mutuário enseja a declaração de nulidade da avença e seus consectários legais e pode ser comprovada pela juntada aos autos de documentos idôneos, voluntariamente pelas partes ou por determinação do magistrado nos termos do artigo 6º do Código de Processo Civil.
Assim, passo a apreciar o mérito dos recursos, nos termos do art. 932, V, “a”, do CPC.
II.B.2.
DA INVALIDADE DA CONTRATAÇÃO: AUSÊNCIA DE COMPROVANTE DE TRANSFERÊNCIA DOS VALORES E AUSÊNCIA DE CONTRATO Em análise dos autos, verifica-se que a parte autora conseguiu demonstrar documentalmente a incidência de descontos de parcelas de empréstimos, de responsabilidade do banco réu, desincumbindo-se do ônus de comprovar minimamente os fatos constitutivos do seu direito.
Diante de tal contexto, ao banco réu cabia, por imposição do art. 373, II, do CPC, a demonstração de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte autora.
Competia ao banco demandado a demonstração da existência/regularidade do contrato, bem ainda a comprovação de que o valor do empréstimo foi transferido à parte autora.
Entretanto, de tal ônus não se desincumbiu a contento, pois não houve comprovação da existência do contrato de empréstimo objeto da lide, tampouco demonstração de que o valor do contrato em debate fora disponibilizado em favor da parte autora.
O banco réu sequer apresentou defesa, logo não juntou aos autos documento referente ao contrato impugnado nesta demanda.
Também não juntou a TED ou outro documento válido/idôneo que comprove a transferência do valor do contrato à parte autora.
Com efeito, não há nos autos comprovação da existência da relação contratual questionada pelo requerente, haja vista que a instituição financeira não trouxe aos autos instrumento contratual apto a subsidiar suas alegações.
O banco, através de seu sistema de segurança e trâmites administrativos, tem ou deveria ter condições de demonstrar, de maneira inequívoca, a existência e regularidade da contratação que ensejou as transações apontadas na inicial, o que não restou comprovado. É cediço que, nos contratos eletrônicos não há instrumento contratual físico, contudo, mesmo nesses casos, a instituição deve guardar um extrato da operação bancária, a fim de provar a integridade e a autenticidade da contratação.
Acrescente-se que o Código Civil, em seu artigo 586, define o mútuo como o empréstimo de coisas fungíveis, sendo que o mutuário se obriga a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Para a configuração do mútuo, portanto, é indispensável a tradição do bem, ou seja, a transferência da posse da coisa do mutuante para o mutuário.
Nesse sentido, a comprovação do pagamento assume papel fundamental, pois serve como prova da efetiva entrega do capital, elemento que aperfeiçoa o contrato de mútuo.
Ocorre que, conforme se depreende dos autos, a instituição financeira requerida não se desincumbiu desse ônus, deixando de apresentar o comprovante de pagamento que demonstrasse a entrega do valor mutuado.
Diante dessa omissão, impõe-se reconhecer a nulidade do contrato de mútuo, por ausência de prova de sua perfectibilidade, bem ainda pela inexistência de comprovação do vínculo contratual entre as partes, o que torna aplicável a súmula 18 deste TJPI.
Ademais, pelo documento juntado pela parte autora no id 21888830, verifica- se que o contrato foi iniciado, havendo presunção de que houve efetivamente descontos contra a autora, contudo, a parte ré/recorrida não apresentou documento capaz de afastar tal presunção.
I.3- DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO A informação imprecisa do modo de realização do negócio jurídico, reforça a conclusão de que os descontos na conta da parte consumidora foram realizados à míngua de lastro jurídico, impondo-lhe uma arbitrária redução, fato gerador de angústia e sofrimento, mormente por se tratar de aposentada que percebe parca remuneração, absolutamente incondizente, como é cediço, com o mínimo necessário para uma existência digna.
Demonstrada a ilegitimidade dos descontos, decotes oriundos da conduta negligente do banco, e dada a inexistência de engano justificável para tal atuação, cabível é a restituição em dobro, restando evidenciada a má-fé da instituição financeira.
Assim estabelece o art. 42 do CDC, doravante transcrito: Art. 42.
Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único.
O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Isto posto, sendo nulo o contrato celebrado, entendo ser devida a repetição do indébito, com incidência da dobra legal.
Outrossim, não há que se falar em dever de compensação em favor do banco, uma vez que esse não juntou comprovante que demonstre a transferência de valores para o consumidor.
I.4- DOS DANOS MORAIS Diante da responsabilidade objetiva dos fornecedores de mercadorias ou serviços (CDC, art. 14, caput), no âmbito das relações de consumo, comprovados a conduta, o nexo de causalidade e o dano, cabível será a compensação dos danos morais sofridos pela vítima de um evento de consumo.
Eis o texto expresso do art. 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor: Art. 14.
O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Prosseguindo, consoante o § 1°, do mesmo dispositivo, o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais, o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi fornecido.
No caso em testilha, o fornecimento de um serviço, no mercado de consumo, acarretou um dano ao requerente, por não ter observado, a instituição, os padrões mínimos de segurança que dela se poderia legitimamente esperar, quando da contratação com determinado consumidor.
Em decorrência de fato imputável à casa bancária, a parte autora passou a ver descontadas em sua conta parcelas mensais e sucessivas, referentes a contrato celebrado em situação revestida de patente ilicitude, em descompasso com as disposições legais e com a boa-fé objetiva, que deve sempre orientar o comportamento dos convenentes, inclusive durante a fase pré-contratual.
De mais a mais, não há falar, aqui, de exclusão do nexo de causalidade, nos termos do art. 14, §3°, do Código de Defesa do Consumidor, posto estar patente a existência de defeito na prestação do serviço, não havendo, no caso em deslinde, a comprovação de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.
Em sendo assim, o dano moral, que advém do comportamento indevido do apelado, impõe o arbitramento de valor indenizatório justo e adequado ao caso, sendo a quantia R$ 3.000,00 (três mil reais) apropriada à espécie, em observância aos princípios da razoabilidade e da vedação ao enriquecimento sem causa.
CONCLUSÃO Ante o exposto, conheço a Apelação interposta, para, no mérito, DAR-LHE PROVIMENTO, e, por consequência, reformar a sentença para: a) Declarar a nulidade do contrato impugnado; b) Condenar o BANCO a restituir em dobro os valores indevidamente descontados do benefício previdenciário do apelante, com observância da prescrição das parcelas que antecedem a 05 (cinco) anos do ajuizamento da ação; b.1) Quanto à incidência de juros de mora e correção monetária, diante da inexistência do contrato, trata-se o caso dos autos de responsabilidade extracontratual e, portanto, a devolução em dobro das parcelas debitadas indevidamente na aposentadoria devem ser acrescidas de juros legais pela taxa Selic, deduzido o IPCA (art. 406 c/c art. 389, parágrafo único, do CC), contados a partir do evento danoso (art. 398 do CC e Súmula 54 do STJ), ou seja, data do desconto da primeira parcela, e correção monetária, pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, do CC), contada da data do efetivo prejuízo, ou seja, da data de cada desconto indevidamente efetuado (Súmula 43 do STJ). c) Condenar o BANCO em danos morais, cujo importe fixo em R$ 3.000,00 (três mil reais); c.1) Os danos morais serão acrescidos de juros legais pela taxa Selic, deduzido o IPCA (art. 406 c/c art. 389, parágrafo único, do CC), a partir do evento danoso (art. 398 do CC e Súmula 54 do STJ), ou seja, data do desconto da primeira parcela, e correção monetária, pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, do CC), contada a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ). d) Por fim, condeno o banco apelante ao pagamento de custas e honorários advocatícios que arbitro em 10% sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do art. 85 §§ 1° e 2°, do Código de Processo Civil.
Intimem-se as partes.
Após o transcurso do prazo recursal, certifique-se o trânsito em julgado, com baixa na distribuição e arquivamento dos autos.
Teresina-PI, data registrada no sistema.
Desembargador RICARDO GENTIL EULÁLIO DANTAS Relator -
10/12/2024 14:43
Remetidos os Autos (em grau de recurso) para à Instância Superior
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10/12/2024 14:42
Expedição de Certidão.
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10/12/2024 14:41
Expedição de Certidão.
-
10/12/2024 14:41
Expedição de Certidão.
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29/08/2024 03:08
Decorrido prazo de BANCO AGIPLAN S.A. em 28/08/2024 23:59.
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28/08/2024 11:01
Juntada de Petição de contrarrazões da apelação
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06/08/2024 13:47
Expedição de Outros documentos.
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06/08/2024 13:47
Ato ordinatório praticado
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06/08/2024 13:46
Expedição de Certidão.
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12/06/2024 03:56
Decorrido prazo de BANCO AGIPLAN S.A. em 11/06/2024 23:59.
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24/05/2024 10:20
Juntada de Petição de apelação
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16/05/2024 22:51
Expedição de Outros documentos.
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16/05/2024 22:51
Julgado improcedente o pedido
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07/02/2024 08:24
Conclusos para julgamento
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07/02/2024 08:24
Expedição de Certidão.
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07/02/2024 08:24
Expedição de Certidão.
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19/11/2023 04:21
Decorrido prazo de BANCO AGIPLAN S.A. em 09/11/2023 23:59.
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10/11/2023 06:39
Decorrido prazo de MARIA AGUIDA FERREIRA DA SILVA em 09/11/2023 23:59.
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10/10/2023 14:22
Expedição de Outros documentos.
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10/10/2023 14:22
Decretada a revelia
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12/07/2023 09:50
Conclusos para julgamento
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12/07/2023 09:50
Expedição de Certidão.
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28/04/2023 00:52
Decorrido prazo de MARIA AGUIDA FERREIRA DA SILVA em 27/04/2023 23:59.
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28/03/2023 10:45
Juntada de Petição de manifestação
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23/03/2023 14:07
Expedição de Outros documentos.
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23/03/2023 14:06
Ato ordinatório praticado
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23/03/2023 14:05
Decorrido prazo de BANCO AGIPLAN S.A. em 14/03/2023 23:59.
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16/02/2023 07:20
Juntada de Petição de entregue (ecarta)
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03/02/2023 12:48
Expedição de Aviso de recebimento (AR).
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03/02/2023 12:47
Expedição de Certidão.
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23/09/2022 15:24
Expedição de Outros documentos.
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23/09/2022 15:24
Outras Decisões
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19/09/2022 13:02
Conclusos para despacho
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19/09/2022 12:56
Expedição de Certidão.
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19/09/2022 11:45
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
19/09/2022
Ultima Atualização
23/06/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Ato Ordinatório • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Decisão • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Decisão • Arquivo
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