TJPI - 0800097-90.2025.8.18.0073
1ª instância - 2ª Vara de Sao Raimundo Nonato
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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29/07/2025 08:48
Publicado Sentença em 29/07/2025.
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29/07/2025 08:48
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 29/07/2025
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28/07/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PIAUÍ 2ª Vara da Comarca de São Raimundo Nonato DA COMARCA DE SãO RAIMUNDO NONATO Praça Francisco Antonio da Silva, Centro, SãO RAIMUNDO NONATO - PI - CEP: 64770-959 PROCESSO Nº: 0800097-90.2025.8.18.0073 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO(S): [Empréstimo consignado] AUTOR: RAIMUNDA DE SANTANA SILVA REU: BANCO PAN S.A SENTENÇA I – RELATÓRIO Trata-se de Ação Declaratória de Nulidade Contratual c/c Indenização por Danos Morais e Repetição do Indébito ajuizada por RAIMUNDA DE SANTANA SILVA em face do BANCO PAN S.A.
A autora sustenta não ter contratado, de forma consciente, cartão de crédito consignado, acreditando tratar-se de empréstimo com parcelas fixas, e alega prática abusiva e onerosidade excessiva.
Requer a nulidade do contrato, cessação de descontos, restituição em dobro e indenização por danos morais.
O réu, citado, apresentou contestação com preliminares de decadência, prescrição, ausência de interesse de agir, e conexão com outras demandas similares.
No mérito, defendeu a regularidade do contrato e a ciência da autora quanto ao produto contratado, impugnando os pedidos de repetição em dobro e danos morais.
Em despachos prévios, este Juízo determinou a emenda da inicial e o comparecimento da autora, que confirmou a contratação.
Foram deferidos os benefícios da justiça gratuita e a inversão do ônus da prova.
Apresentada réplica, a autora reiterou seus pedidos e o patrono refutou a alegação de litigância predatória, invocando o Tema 1.198 do STJ. É o relatório.
II.
FUNDAMENTAÇÃO II.1.
Das preliminares e prejudiciais de mérito De início, impende afastar as objeções preliminares suscitadas pelo réu.
No que tange à alegada falta de interesse de agir da parte autora por ausência de prévio esgotamento da via administrativa, a pretensão não encontra amparo no ordenamento jurídico pátrio.
O postulado da inafastabilidade da jurisdição, consagrado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, assegura que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Desta feita, a busca pela via administrativa, embora louvável e desejável para a solução consensual de conflitos e a otimização dos recursos judiciários, não constitui, via de regra, condição de procedibilidade da ação.
A resistência à pretensão autoral, manifestada na própria contestação, é suficiente para configurar o interesse de agir.
Quanto à decadência e prescrição suscitadas pela instituição financeira, faz-se imperiosa uma detida análise à luz do microssistema consumerista.
O réu invoca os prazos prescricionais e decadenciais previstos no Código Civil (art. 178 e art. 206, §3º, V).
Contudo, a relação jurídica subjacente à lide é inegavelmente de consumo, atraindo, por conseguinte, a incidência do Código de Defesa do Consumidor.
A pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço, como é o caso de alegada nulidade de contrato bancário e indenização por danos daí decorrentes, prescreve em cinco anos, conforme expressamente dispõe o art. 27 do Código de Defesa do Consumidor.
Formalizado o contrato em 29/04/2020 e ajuizada a ação em 16/01/2025, o lapso temporal não superou o quinquênio legal.
Assim, rejeito as prejudiciais de mérito de decadência e prescrição.
No que concerne à conexão de causas, embora a existência de múltiplas demandas semelhantes entre as partes seja um fato processual relevante, o requerimento de julgamento simultâneo já foi implicitamente atendido pelo juízo, que reconheceu a multiplicidade de ações, cabendo-lhe atuar para evitar decisões conflitantes, conforme o art. 55, §3º, do CPC.
A questão da litigância de má-fé, que o réu associa à multiplicidade de ações, será abordada em tópico próprio.
II.2.
Do mérito da demanda II.2.1.
Da relação de consumo e da inversão do ônus da prova A relação jurídica estabelecida entre a parte autora e o Banco Pan S.A. é, indubitavelmente, de consumo, enquadrando-se as partes nos conceitos de consumidor e fornecedor de serviços, respectivamente, nos termos dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor.
Em tal contexto, a responsabilidade do fornecedor de serviços é objetiva, prescindindo de comprovação de culpa, e a inversão do ônus da prova em favor do consumidor é medida que se impõe, desde que verificada a verossimilhança das alegações ou a hipossuficiência do consumidor, conforme o artigo 6º, inciso VIII, do CDC.
O deferimento da inversão do ônus da prova, operado em momento processual oportuno, impôs ao réu o dever de demonstrar a regularidade da contratação e a efetiva disponibilização do crédito e suas condições.
II.2.2.
Da validade da contratação: cartão de crédito consignado vs. empréstimo consignado O cerne da controvérsia reside na alegação da parte autora de que não contratou conscientemente o cartão de crédito consignado, sendo induzida a erro ao acreditar que se tratava de um empréstimo consignado.
Para desconstituir tal afirmação, o réu carreou aos autos o contrato de cartão consignado nº 735782117, formalizado em 29/04/2020, o qual foi devidamente assinado pela parte autora.
Adicionalmente, o réu apresentou o "Termo de Consentimento Esclarecido do Cartão de Crédito Consignado", assinado pela autora, como prova de que esta tinha conhecimento do produto e suas condições.
Vale assinalar que a abusividade e nulidade de contratos de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) quando há ausência dos deveres de informação, transparência e boa-fé, e quando o consumidor não tinha a intenção de obter crédito nesta modalidade, sendo-lhe imposto negócio jurídico prejudicial com taxas de juros superiores ao empréstimo consignado padrão, gerando dívida infindável.
A Súmula 532 do Superior Tribunal de Justiça reforça que constitui prática comercial abusiva o envio de cartão de crédito sem prévia e expressa solicitação do consumidor, configurando ato ilícito indenizável.
Contudo, a aplicação de tal entendimento pressupõe a ausência de prévia e expressa solicitação e, crucialmente, o não uso do produto.
No caso em tela, as provas documentais produzidas pelo réu infirmam categoricamente a alegação autoral de não utilização do cartão.
O réu demonstrou que a parte autora optou pelo saque do valor de R$ 1.388,97 (trezentos oitenta e oito reais e noventa e sete centavos), correspondente a 37,67% do limite do cartão de crédito consignado.
Além disso, o réu comprovou que a parte autora não realizou o pagamento total do saldo devedor da fatura, o que gerou o parcelamento do saldo remanescente em prestações fixas.
Tais fatos, não negados especificamente pela parte autora em sua réplica com contraprova idônea, descaracterizam a tese de "não uso" do cartão.
A utilização efetiva do crédito disponibilizado, por meio de saque, e a existência de pagamentos parciais que resultam em encargos e parcelamentos, demonstram que a parte autora teve acesso e usufruiu da quantia contratada.
Tal comportamento é incompatível com a alegação de desconhecimento ou de que o cartão nunca foi utilizado.
Diferentemente dos casos em que o consumidor recebe o cartão e o valor do saque sem qualquer conhecimento ou utilização, o presente cenário factual aponta para a ciência e o uso do serviço.
Desta feita, a cobrança dos encargos e a manutenção do contrato, no presente contexto fático-probatório, revelam-se legítimas, porquanto amparadas na utilização do crédito pela parte autora.
A alegada "dívida impagável", conforme demonstrado pelo réu, decorre da opção da parte autora de não quitar integralmente as faturas, sujeitando-se aos encargos do crédito rotativo e, posteriormente, ao parcelamento do saldo devedor.
II.2.3.
Da alegação de "amostra grátis" e enriquecimento sem causa A parte autora requereu que o valor recebido fosse considerado "amostra grátis", nos termos do art. 39, III, do CDC, afastando-se qualquer obrigação de devolução ou compensação.
Este Juízo, contudo, não pode chancelar tal pleito.
O depósito de valores decorrente de uma contratação, ainda que posteriormente questionada, não se confunde com o instituto da amostra grátis, que se refere a produtos de diminuto ou nenhum valor comercial distribuídos gratuitamente para dar a conhecer sua natureza.
Afastada a tese de vício de consentimento e comprovado o efetivo uso do valor creditado, considerar tal quantia como "amostra grátis" implicaria em flagrante enriquecimento sem causa da parte autora, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, nos termos dos artigos 876 e 884 do Código Civil.
O princípio da boa-fé objetiva (arts. 113, 187 e 422 do CC, e 4º, III, do CDC) que rege as relações contratuais e processuais, exige condutas pautadas pela lealdade e probidade.
A apropriação de um valor vultoso e a posterior tentativa de anular o contrato sem propor a restituição do montante recebido consubstancia um comportamento contraditório (venire contra factum proprium) que não pode ser admitido.
Se o contrato fosse anulado, as partes deveriam ser restituídas ao status quo ante, com a devolução dos valores.
II.2.4.
Da repetição do indébito e dos danos morais Reconhecida a validade da contratação do cartão de crédito consignado e o uso do crédito pela parte autora, os descontos efetuados no benefício previdenciário da autora são, por consectário lógico, legítimos.
Não havendo cobrança indevida, descaracteriza-se a hipótese do art. 42, parágrafo único, do CDC, que exige o "pagamento em excesso" e a ausência de engano justificável para a repetição em dobro.
A comprovação do recebimento e uso dos valores pela autora afasta a tese de má-fé da instituição financeira, requisito essencial para a condenação à devolução em dobro.
No que concerne ao pleito de indenização por danos morais, sua procedência demandaria a comprovação de um ato ilícito praticado pelo réu, de um dano efetivo à esfera imaterial da autora e de um nexo de causalidade entre ambos.
No caso concreto, o Banco Pan S.A. demonstrou ter agido em conformidade com as normas aplicáveis e as condições pactuadas, comprovando a validade da contratação e o repasse dos valores, bem como o uso destes pela parte autora.
A alegação de "transtornos", desacompanhada de prova de efetiva violação a direitos da personalidade que extrapole os limites do cotidiano, não configura dano moral indenizável.
Não evidenciada a ilicitude na conduta do réu, nem o prejuízo extrapatrimonial alegado, não há que se falar em dever de indenizar.
II.2.5.
Da litigância de má-fé O réu formulou pedido de condenação da parte autora por litigância de má-fé, bem como fez imputações de conduta antiética ao advogado da parte autora, Pedro Ribeiro Mendes.
Por sua vez, o patrono da autora retaliou as acusações, imputando má-fé ao réu e seu procurador, e requerendo a condenação destes.
Embora este Juízo tenha notado indícios de demandas massificadas com a probabilidade de abuso no exercício do direito de ação, o exame da litigância de má-fé exige cautela e a demonstração inequívoca do dolo da parte em tumultuar o processo ou obter vantagem indevida, nos termos do art. 80 do CPC.
A mera improcedência do pedido não configura, por si só, má-fé processual.
No caso em apreço, embora a parte autora tenha apresentado alegações que se mostraram inconsistentes diante das provas produzidas pelo réu, especialmente no tocante ao "não uso" do cartão após a comprovação de saque, não vislumbro, neste momento, elementos suficientes para imputar-lhe, com a certeza necessária, a intenção dolosa de alterar a verdade dos fatos ou de usar o processo para fim ilegal, de modo a ensejar a aplicação das penalidades por litigância de má-fé.
A contradição nas alegações, por si só, não é bastante para configurar o dolo de má-fé, que exige prova robusta.
Similarmente, no que tange às acusações mútuas entre os patronos das partes, embora o réu tenha levantado questões sobre a multiplicidade de ações patrocinadas pelo advogado da autora, e este, por sua vez, tenha rebatido as acusações, a valoração da conduta profissional escapa, em princípio, à esfera de decisão desta Instância singular, sem prejuízo de eventuais comunicações aos órgãos de classe para as providências cabíveis, se houver elementos concretos que as justifiquem.
As imputações recíprocas de má-fé não encontraram respaldo suficiente no acervo probatório para justificar a condenação de qualquer das partes, ou seus procuradores, nesse momento processual.
III.
DISPOSITIVO Por todo o exposto, e em estrita observância aos princípios da legalidade, da boa-fé objetiva e da busca pela verdade real dos fatos, com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS formulados na Petição Inicial por RAIMUNDA DE SANTANA SILVA em desfavor de BANCO PAN S.A.
Em razão da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil.
Contudo, fica tal verba suspensa em sua exigibilidade, em virtude da justiça gratuita que lhe foi concedida, conforme o art. 98, §3º, do CPC.
Havendo recurso, intime-se o apelado para contrarrazões e, após, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com as cautelas de estilo.
Publique-se.
Registre-se.
Intime-se.
São Raimundo Nonato-PI, data conforme assinatura digital.
DANIEL SAULO RAMOS DULTRA JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO 2ª Vara da Comarca de São Raimundo Nonato/PI -
25/07/2025 12:38
Expedição de Outros documentos.
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25/07/2025 12:38
Expedição de Outros documentos.
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25/07/2025 12:38
Julgado improcedente o pedido
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07/05/2025 12:22
Conclusos para julgamento
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07/05/2025 12:22
Expedição de Certidão.
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05/05/2025 23:51
Juntada de Petição de petição
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28/04/2025 10:40
Juntada de Petição de petição
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28/03/2025 08:15
Expedição de Outros documentos.
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28/03/2025 08:12
Expedição de Certidão.
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07/03/2025 10:12
Expedição de Outros documentos.
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19/02/2025 17:42
Expedição de Outros documentos.
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19/02/2025 17:42
Proferido despacho de mero expediente
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17/02/2025 13:57
Conclusos para despacho
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17/02/2025 13:57
Expedição de Certidão.
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17/02/2025 13:56
Expedição de Certidão.
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23/01/2025 10:42
Expedição de Outros documentos.
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22/01/2025 12:44
Proferido despacho de mero expediente
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17/01/2025 08:05
Conclusos para despacho
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17/01/2025 08:05
Expedição de Certidão.
-
17/01/2025 08:05
Expedição de Certidão.
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16/01/2025 23:08
Juntada de Petição de certidão de distribuição anterior
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16/01/2025 17:34
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
16/01/2025
Ultima Atualização
29/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
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