TJRJ - 0806569-12.2025.8.19.0031
1ª instância - Marica 2 Vara Civel
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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22/09/2025 13:52
Juntada de Petição de outros anexos
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12/09/2025 14:41
Juntada de Petição de petição
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11/09/2025 13:46
Juntada de Petição de contestação
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09/09/2025 15:48
Juntada de Petição de petição
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20/08/2025 14:01
Juntada de Petição de ciência
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18/08/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Comarca de Maricá 2ª Vara Cível da Comarca de Maricá Rua Jovino Duarte de Oliveira, S/N, Centro, MARICÁ - RJ - CEP: 24901-130 DECISÃO Processo: 0806569-12.2025.8.19.0031 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: HUGO LEONARDO DA SILVA BATISTA RÉU: NOTRE DAME INTERMEDICA SAUDE S.A.
Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR E À SAÚDE.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA.
PLANO DE SAÚDE.
CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) E TDAH.
TERAPIAS MULTIDISCIPLINARES PRESCRITAS COM URGÊNCIA.
NEGATIVA INDIRETA DE COBERTURA AO INDICAR CLÍNICA DISTANTE DO DOMICÍLIO.
EXISTÊNCIA DE CLÍNICA PRÓXIMA.
PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 300 DO CPC.
TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA.
I.
CASO EM EXAME 1.Ação de Obrigação de Fazer ajuizada por genitor em favor de filho menor, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (CID-10: F84.0) e TDAH (CID-10: F90.0), visando à autorização e custeio integral de terapias multidisciplinares prescritas por médica assistente, a serem realizadas em clínica próxima à residência e escola do menor, diante da negativa indireta de cobertura pelo plano de saúde ao indicar clínica distante.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.Há três questões em discussão: (i) definir se a negativa do plano de saúde em indicar clínica próxima ao domicílio configura recusa indevida de cobertura; (ii) estabelecer se estão presentes os requisitos do art. 300 do CPC para concessão da tutela de urgência; (iii) determinar se a obrigação de custeio é reversível em caso de improcedência da demanda.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 3.O diagnóstico de TEA e TDAH, atestado em laudos médicos atualizados, demonstra a imprescindibilidade das terapias prescritas, sendo a intervenção precoce e intensiva determinante para o desenvolvimento da criança. 4.A operadora, ao indicar clínicas situadas a mais de 20 km da residência, cria obstáculo intransponível ao tratamento, configurando negativa indireta de cobertura, vedada pelo CDC e pela Lei nº 9.656/98. 5.A Resolução Normativa nº 539/2022 da ANS assegura cobertura obrigatória para todos os métodos terapêuticos prescritos pelo médico assistente para pacientes com TEA, sem limitação de sessões. 6.O TJ-RJ e o STJ consolidaram jurisprudência no sentido de que a negativa de cobertura ou a imposição de clínicas distantes viola o direito à saúde, sendo abusiva a restrição contratual que inviabiliza o tratamento adequado. 7.O perigo de demora é evidente, pois a ausência ou atraso das terapias pode gerar prejuízos irreversíveis ao desenvolvimento neuropsicomotor da criança, agravando sua condição clínica e comprometendo sua autonomia futura. 8.A irreversibilidade da medida não se caracteriza, já que o custeio das terapias possui natureza patrimonial, sendo passível de ressarcimento em caso de improcedência, ao passo que os danos à saúde da criança seriam irreparáveis. 9.A medida é proporcional e necessária, assegurando o direito fundamental à saúde da criança com deficiência, conforme Constituição Federal, ECA e Estatuto da Pessoa com Deficiência.
IV.
DISPOSITIVO E TESE 10.Pedido de tutela de urgência deferido.
Tese de julgamento: 1.A recusa indireta de cobertura, mediante indicação de clínica distante do domicílio do paciente, configura negativa abusiva de atendimento. 2.O direito à saúde de crianças com TEA deve prevalecer sobre interesses econômicos da operadora, impondo-se a cobertura integral das terapias multidisciplinares prescritas. 3.A obrigação de custeio de tratamento médico em clínica próxima é reversível do ponto de vista patrimonial, não se configurando risco de irreversibilidade da medida.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 6º e 196; CDC, arts. 51, IV; CPC, art. 300; Lei nº 9.656/98, art. 12, II, "a"; Lei nº 13.146/2015, arts. 8º e 18; ECA, arts. 4º, 11 e 198, III.
Jurisprudência relevante citada: TJ-RJ, AI nº 0013288-10.2023.8.19.0000, Rel.
Des.
Mônica de Faria Sardas, j. 13.07.2023; TJ-RJ, AI nº 0031426-93.2021.8.19.0000, Rel.
Des.
Maria Regina Fonseca Nova Alves, j. 21.09.2021; STJ, REsp 2.064.964/SP, Rel.
Min.
Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 20.02.2024 (Info 802).
BREVE RELATO Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer com Tutela de Urgência e Dano Moral proposta por HUGO LEONARDO DA SILVA BATISTA, genitor e representante legal de ADRIEL OLIVEIRA BATISTA, criança absolutamente incapaz nascida em 09/06/2015, em face de NOTREDAME INTERMÉDICA SAÚDE S/A.
A parte autora narra que a família contratou os serviços do plano de saúde réu em 10/04/2023, com o objetivo de obter ampla cobertura de atendimento para a criança, conforme carteira de código n° ONQSL007433026 e matrícula 11341505.
Em fevereiro de 2025, buscou assistência médica psiquiátrica para o menor em virtude de significativa dificuldade na interação social, comportamental, desenvolvimentos atípicos e declínio cognitivo, o que levou a uma avaliação neuropsicológica, cujo laudo foi emitido em 04 de fevereiro de 2025 (ID 184872329, 184872331, 184872332, 184872333).
Após avaliação médica, foi emitido laudo com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) - CID-10: F84.0, nível 2 de suporte, e Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) - CID-10: F90.0 (ID 184872343).
Diante do quadro clínico, recomendou-se como medida de intervenção urgente um programa de acompanhamento multiprofissional e intensivo, baseado nos princípios da Análise do Comportamento Aplicada (ABA), com supervisão presencial e semanal de um analista do comportamento e aplicação das terapias por profissionais certificados.
A carga horária mínima semanal recomendada inclui: Fonoaudiologia especializada em linguagem e ABA - 1 sessão semanal; Psicomotricidade especializada em ABA - 1 sessão semanal; Terapia Ocupacional com integração sensorial e método de Ayres - 1 sessão semanal; Psicologia com abordagem ABA - 1 sessão semanal; e Psicopedagogia - pelo menos 1 sessão semanal.
A parte autora relata que, ao buscar junto à ré atendimento terapêutico próximo à residência e escola do menor, que está matriculado em escola pública municipal em Itaipuaçú em horário integral (das 08:00 às 17:00 horas), o plano de saúde negou o atendimento na proximidade desejada.
Inicialmente, uma atendente teria sugerido aos pais que procurassem outro plano de saúde, e em outro atendimento, indicou uma clínica no Bairro Campo Grande-RJ, emitindo guia de autorização para tratamento naquele local (ID 184872340).
Após diversas tentativas extrajudiciais, inclusive através da plataforma consumidor.gov (protocolo 2025.02/*00.***.*07-84), o plano de saúde indicou uma clínica na cidade de Niterói, denominada SIMPLEX, com endereço na Rua Maestro Felício Toledo, Nº 519, Centro, Município de Niterói.
A parte autora argumenta que a clínica indicada em Niterói está a uma distância de 23km da residência e escola da criança, implicando um tempo de deslocamento de 01 (uma) hora de automóvel e aproximadamente 3 (três) horas através de transporte público em decorrência do horário de pico, conforme mapa anexo à inicial (ID 184872308, fl. 4).
Sustenta que a realização das terapias em tal endereço representa um obstáculo intransponível ao tratamento, configurando uma negativa indireta de atendimento, pois a proximidade da clínica é crucial para a manutenção da rotina, a redução da ansiedade (traço característico da criança) e a otimização dos resultados terapêuticos.
Em contrapartida, a parte autora informa a existência de um centro terapêutico próximo à escola do paciente, a Clínica Communicar Espaço Interdisciplinar, situada na Avenida Zumbi dos Palmares, n° 162, 2° andar - Barroco - Itaipuaçú - Maricá - RJ, CEP 24936-080.
Esta clínica está em pleno funcionamento, com atendimento diário até às 20:30 horas, e situa-se a pouco mais de 2 KM da escola, com tempo de deslocamento de 7 (sete) minutos de automóvel, conforme mapa anexo (ID 184872308, fl. 5).
Aduz que a conduta do plano de saúde, ao negar o tratamento essencial em local adequado, demonstra desrespeito aos direitos da criança com deficiência previstos na legislação consumerista, na legislação específica sobre planos de saúde e no Estatuto da Pessoa com Deficiência, causando imenso sofrimento e configurando dano moral.
A parte autora requereu, preliminarmente, a concessão do benefício da Justiça Gratuita, que foi deferida por este Juízo (ID 185851343).
Requereu também a prioridade de tramitação do feito, em razão da idade do menor (09 anos), nos termos do art. 1.048, II, do CPC e art. 198, III, do ECA.
No que tange à tutela de urgência, a decisão anterior (ID 185851343) determinou que a parte autora trouxesse aos autos laudo médico atualizado, com a indicação expressa da duração estimada de cada sessão, individualizada por modalidade terapêutica, uma vez que o laudo inicial não apresentava tal especificação.
Em cumprimento a essa determinação, a parte autora acostou novo laudo médico (ID 187011456), datado de 17 de abril de 2025, que reforça a necessidade das terapias e especifica que "O acompanhamento deve ser contínuo, com sessões de 45 a 60 minutos ininterruptos, e ajustes regulares conforme a evolução clínica e pedagógica." Diante do exposto, a parte autora reitera o pedido de tutela de urgência para que a operadora de plano de saúde autorize e custeie integralmente as terapias multidisciplinares prescritas, na Clínica Communicar Espaço Interdisciplinar em Itaipuaçú, no prazo de 48 horas.
Pleiteia, ainda, a confirmação da tutela em sentença final e a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). É o breve relatório.
Decido.
DA ANÁLISE DOS REQUISITOS DA TUTELA ANTECIPADA A tutela de urgência, conforme preceitua o artigo 300 do Código de Processo Civil, constitui-se em instrumento processual de suma importância para a efetividade da jurisdição, permitindo ao magistrado antecipar os efeitos da tutela final quando presentes elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Sua finalidade precípua é assegurar que a demora na tramitação do processo não comprometa a realização do direito material, evitando que a prestação jurisdicional se torne inócua ou tardia demais para produzir seus efeitos benéficos.
A concessão de tal medida, contudo, exige uma análise criteriosa dos requisitos legais, pautada na cognição sumária dos fatos e do direito, sem exaurir o mérito da causa, mas com a profundidade necessária para justificar a intervenção imediata do Poder Judiciário.
Os pilares para o deferimento da tutela de urgência são a "probabilidade do direito" (o antigo fumus boni iuris) e o "perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo" (o periculum in mora).
A probabilidade do direito refere-se à plausibilidade da tese jurídica defendida pela parte, ou seja, a existência de elementos que, em uma análise preliminar, indiquem a verossimilhança das alegações e a razoável chance de êxito na demanda principal.
Não se exige uma certeza absoluta, mas sim um juízo de probabilidade que justifique a antecipação dos efeitos da sentença.
O perigo de dano, por sua vez, diz respeito à urgência da medida, à necessidade de sua concessão imediata para evitar um prejuízo irreparável ou de difícil reparação ao direito pleiteado, ou para garantir que o provimento final seja efetivamente útil.
A ausência de qualquer um desses requisitos inviabiliza a concessão da tutela de urgência, pois a antecipação da tutela é medida excepcional que interfere na esfera jurídica da parte adversa antes do contraditório pleno.
Adicionalmente, o (sec) 3º do artigo 300 do CPC estabelece que a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Este requisito visa proteger a segurança jurídica e o princípio do contraditório, impedindo que a medida antecipatória cause um dano irreversível à parte contrária, caso a decisão final seja desfavorável ao requerente.
A análise da irreversibilidade deve ponderar os interesses em jogo, especialmente quando se trata de direitos fundamentais, como a saúde e a vida, que muitas vezes se mostram irrecuperáveis se não protegidos a tempo.
I.
DA PROBABILIDADE DO DIREITO (FUMUS BONI IURIS) A probabilidade do direito, como requisito para a concessão da tutela de urgência, encontra-se solidamente demonstrada nos autos, revelando a plausibilidade da pretensão autoral e a verossimilhança das alegações.
A documentação acostada, em especial os laudos médicos e a avaliação neuropsicológica, oferece um panorama claro da condição de saúde do menor Adriel Oliveira Batista e da imprescindibilidade do tratamento pleiteado.
O diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) - CID-10: F84.0, nível 2 de suporte, e Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) - CID-10: F90.0, conforme laudo médico de 31 de março de 2025 (ID 184872343) e o laudo atualizado de 17 de abril de 2025 (ID 187011456), não deixa margem para dúvidas quanto à necessidade de intervenção terapêutica intensiva e contínua.
A médica assistente, Dra.
Clara Fernanda Aguiar Gomes, CRM: 5285690-8, é categórica ao recomendar um programa de acompanhamento multiprofissional e intensivo, baseado nos princípios da ABA, com sessões semanais de Fonoaudiologia, Psicomotricidade, Terapia Ocupacional, Psicologia e Psicopedagogia, e, crucialmente, especifica que as sessões devem ter duração de 45 a 60 minutos ininterruptos.
Esta última informação, solicitada por este Juízo na decisão anterior (ID 185851343), foi devidamente suprida, fortalecendo a robustez da prova pré-constituída.
As questões de fato que alicerçam a probabilidade do direito são cristalinas.
Primeiramente, a existência do contrato de plano de saúde entre as partes, com adesão em 10/04/2023, estabelece a relação consumerista e o dever de cobertura da operadora.
Em segundo lugar, o diagnóstico do menor, com a gravidade e a cronicidade que o TEA e o TDAH impõem, é atestado por profissionais qualificados, indicando a urgência e a especificidade do tratamento.
O laudo médico detalha os desafios enfrentados por Adriel nas áreas de comunicação, autorregulação emocional, atenção sustentada e interação social, bem como a observação de significativa dificuldade de adaptação ao ambiente escolar, com prejuízo no desempenho acadêmico, impulsividade e episódios frequentes de agitação psicomotora.
Tais fatos, devidamente comprovados, demonstram a necessidade premente das terapias indicadas.
A recusa da operadora em fornecer o tratamento em local próximo à residência e escola do menor, oferecendo clínicas em Campo Grande-RJ e Niterói-RJ, a distâncias de 23km e com tempos de deslocamento de até 3 horas por transporte público em horário de pico, é um ponto central que corrobora a probabilidade do direito.
A parte autora demonstra, por meio de mapas e relatos, que tal deslocamento é um "obstáculo intransponível" e que a criança apresenta "crises de desregulação emocional e intenso estresse ao ser submetido a deslocamentos longos".
A indicação médica reforça que "é imprescindível que as intervenções sejam realizadas em local próximo à residência do paciente, com equipe multidisciplinar qualificada", e o laudo atualizado (ID 187011456) sugere "até 30 minutos de deslocamento" e "sempre que possível, em uma única clínica".
A existência de uma clínica adequada, a Clínica Communicar Espaço Interdisciplinar, a apenas 2km da escola e residência do menor, com horário de funcionamento compatível, demonstra a viabilidade da pretensão autoral e a desrazoabilidade da negativa da ré.
No plano das questões de direito, a pretensão autoral encontra amparo na legislação consumerista e na específica de planos de saúde.
A relação entre as partes é regida pelo Código de Defesa do Consumidor, que veda cláusulas abusivas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada (Art. 51, IV).
A Lei nº 9.656/98, em seu artigo 12, inciso II, alínea "a", garante a cobertura de tratamentos para doenças listadas na Classificação Internacional de Doenças (CID), como é o caso do autismo (CID-10: F84.0).
Ademais, a Resolução Normativa nº 539/2022 da ANS tornou obrigatória a cobertura para qualquer método ou técnica indicado pelo médico assistente para o tratamento do paciente com Transtorno do Espectro Autista (TEA), sem limitação de sessões, o que inclui a terapia ABA e as demais modalidades prescritas.
A jurisprudência pátria, de forma uníssona, tem reconhecido a abusividade de cláusulas contratuais que restrinjam o acesso a tratamentos essenciais à saúde, especialmente quando se trata de menores em condições de vulnerabilidade.
O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em casos análogos, tem se posicionado favoravelmente à obrigatoriedade do tratamento de crianças com TEA em clínicas próximas à residência, reconhecendo que a oferta de atendimento em locais distantes equivale à própria negativa do tratamento, dada a inviabilidade logística e o impacto negativo na saúde do paciente.
A decisão do TJ-RJ, citada na inicial, é elucidativa: "O Plano de Saúde, ao oferecer a cobertura em clínica com distância de 30km da residência e escola da criança, em trajeto sabidamente de intenso trânsito, para realização de tratamento diário de longa duração, está indiretamente negando o tratamento, pois desestimula que os pais, e o próprio paciente, consigam realizá-lo de forma correta." (TJ-RJ - AI: 00132881020238190000, Relator.: Des(a).
MÔNICA DE FARIA SARDAS, Data de Julgamento: 13/07/2023, DECIMA TERCEIRA CAMARA DE DIREITO PRIVADO, Data de Publicação: 18/07/2023).
O Superior Tribunal de Justiça também já consolidou o entendimento de que o rol da ANS é meramente exemplificativo, não exaustivo, e que a psicopedagogia, a equoterapia e a musicoterapia são de cobertura obrigatória para beneficiários com transtornos globais do desenvolvimento, como o TEA (STJ. 3ª Turma.
REsp 2.064.964/SP, Rel.
Min.
Nancy Andrighi, julgado em 20/2/2024 (Info 802).
A Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) reforça a diretriz de disponibilidade de serviços próximos ao domicílio do paciente, o que se alinha perfeitamente à pretensão autoral.
II.
DO PERIGO DA DEMORA (PERICULUM IN MORA) O perigo de dano, ou periculum in mora, é um elemento inquestionável no presente caso, dada a natureza da condição de saúde do menor Adriel Oliveira Batista e a urgência das intervenções terapêuticas.
A ausência ou o atraso no início e na continuidade das terapias multidisciplinares, especialmente aquelas que demandam regularidade e proximidade geográfica, acarretarão prejuízos irreparáveis ao desenvolvimento da criança, comprometendo sua capacidade de interação social, aprendizado e autonomia.
O laudo médico (ID 184872343 e 187011456) é enfático ao afirmar que "Adriel encontra-se em situação de vulnerabilidade clínica, emocional e pedagógica, necessitando de intervenção terapêutica imediata e especializada.
A falta de tratamento adequado e acessível tem comprometido de forma significativa o seu desenvolvimento global, aumentando o risco de agravamento do quadro e prejuízos futuros em sua autonomia, saúde mental e desempenho acadêmico." As questões de fato que demonstram o perigo da demora são alarmantes.
O TEA é um quadro clínico crônico que exige acompanhamento contínuo e intervenções precoces e intensivas para maximizar o desenvolvimento e a qualidade de vida do paciente.
A literatura científica e a experiência clínica demonstram que a intervenção precoce e intensiva é crucial para o prognóstico favorável em casos de TEA.
Sem uma abordagem terapêutica adequada, há risco de "limitações significativas ao longo da vida, especialmente relacionadas à comunicação, socialização e autonomia".
A demora na concessão da tutela de urgência, portanto, implicará em prejuízos irreversíveis à saúde e ao bem-estar do menor, justificando a imediata intervenção do Poder Judiciário.
Adriel, conforme o histórico clínico, apresenta "crises de desregulação emocional e intenso estresse ao ser submetido a deslocamentos longos até a clínica, o que inviabilizou o início regular do tratamento." A distância entre a residência e os locais de atendimento tem sido um "fator limitante crítico, comprometendo a adesão às intervenções terapêuticas e gerando sobrecarga emocional para o paciente e sua família." A criança está matriculada em horário integral na escola, das 08:00 às 17:00 horas (ID 184872337), o que torna inviável a conciliação do tratamento com deslocamentos de 1 a 3 horas diárias, especialmente no horário de pico.
A imposição de um trajeto exaustivo e estressante, somado à condição de vulnerabilidade da criança, não apenas dificulta a adesão ao tratamento, mas também pode agravar os sintomas de ansiedade e agitação psicomotora já presentes, conforme o laudo médico.
No âmbito das questões de direito, o perigo da demora se conecta diretamente com o direito fundamental à saúde e à dignidade da pessoa humana, consagrados na Constituição Federal (Art. 6º e 196) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Art. 4º e 11).
A proteção integral da criança e do adolescente é um princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro, que impõe ao Estado, à família e à sociedade o dever de assegurar, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
A negativa de um tratamento essencial, ou a sua inviabilização por condições logísticas impostas pela operadora, configura uma grave violação a esses direitos.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem reiteradamente reconhecido o periculum in moraem casos de crianças com TEA que necessitam de terapias contínuas e próximas ao domicílio.
O acórdão já citado na análise do fumus boni iurisressalta que "É comum que crianças autistas tenham dificuldades em longos trajetos de veículo, que será realizado diariamente tanto na ida como na volta, causando estresse e irritabilidade prejudiciais ao desenvolvimento das terapias necessárias." (TJ-RJ - AI: 00132881020238190000, Relator.: Des(a).
MÔNICA DE FARIA SARDAS, Data de Julgamento: 13/07/2023, DECIMA TERCEIRA CAMARA DE DIREITO PRIVADO, Data de Publicação: 18/07/2023).
A demora na intervenção pode levar a um "risco de retrocesso e agravamento do estado clínico do infante, decorrente da falta do tratamento de saúde adequado", como também já decidiu o TJ-RJ (TJ-RJ - AI: 00314269320218190000, Relator.: Des(a) .
MARIA REGINA FONSECA NOVA ALVES, Data de Julgamento: 21/09/2021, DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 27/09/2021).
A urgência da medida é, portanto, manifesta e irrefutável, sob pena de comprometimento irreversível do desenvolvimento e da qualidade de vida do menor.
III.
DA AUSÊNCIA DE PERIGO DE IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA A concessão da tutela de urgência de natureza antecipada, conforme o (sec) 3º do artigo 300 do Código de Processo Civil, exige que não haja perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
No caso em tela, a medida pleiteada consiste na determinação para que a operadora de plano de saúde autorize e custeie integralmente as terapias multidisciplinares prescritas ao menor Adriel Oliveira Batista em clínica próxima à sua residência e escola.
Esta obrigação, de natureza pecuniária e de fazer, não se reveste de caráter irreversível no que tange aos interesses da parte ré.
As questões de fato que demonstram a reversibilidade da medida são claras.
A obrigação imposta à operadora é de custear um tratamento.
Caso, ao final do processo, a decisão de mérito seja desfavorável à parte autora, os valores despendidos pela ré com as terapias poderão ser objeto de ressarcimento, seja por meio de execução da sentença ou por compensação, conforme o caso.
A operadora de plano de saúde, por sua natureza jurídica e capacidade econômica, possui meios para reaver eventuais valores pagos indevidamente, sem que isso configure um prejuízo irreversível à sua estrutura ou operação.
A reversibilidade, neste contexto, refere-se à possibilidade de retorno ao status quo antefinanceiro da parte ré, e não à desconstituição dos benefícios terapêuticos alcançados pelo menor, que são, por sua própria essência, progressivos e irrecuperáveis em termos de desenvolvimento.
No plano das questões de direito, a ponderação de interesses é fundamental.
De um lado, tem-se o direito fundamental à saúde e ao desenvolvimento de uma criança em situação de vulnerabilidade, cuja intervenção precoce é crucial para seu prognóstico.
De outro, o interesse econômico da operadora de plano de saúde.
A jurisprudência tem reiteradamente afirmado que, em casos que envolvem a saúde e a vida, o risco de irreversibilidade para o beneficiário (o dano à saúde que não pode ser desfeito) prepondera sobre o risco de irreversibilidade financeira para a operadora.
O Superior Tribunal de Justiça, em diversas oportunidades, tem mitigado a exigência de irreversibilidade da medida quando se trata de direitos fundamentais, especialmente a saúde, reconhecendo que o prejuízo à vida ou à saúde é, por natureza, irreversível, enquanto o prejuízo financeiro é passível de recomposição.
A medida pleiteada não implica em alteração estrutural ou patrimonial da ré que não possa ser revertida.
Trata-se de um desembolso financeiro para a cobertura de um serviço, que, se futuramente considerado indevido, poderá ser cobrado de volta.
A irreversibilidade que o legislador busca evitar é aquela que impede o retorno ao estado anterior, o que não se verifica na obrigação de custeio de terapias.
A saúde e o desenvolvimento de uma criança, ao contrário, são bens jurídicos de valor inestimável e, uma vez comprometidos pela ausência de tratamento, os danos podem ser permanentes e irrecuperáveis, tornando a tutela jurisdicional tardia ineficaz.
Portanto, a balança da justiça pende para a concessão da tutela de urgência.
O risco de irreversibilidade para a saúde e o desenvolvimento do menor é imensamente superior ao risco de irreversibilidade financeira para a operadora de saúde.
A medida é plenamente reversível sob o aspecto patrimonial, garantindo-se, assim, a efetividade da prestação jurisdicional e a proteção de um direito fundamental.
IV.
DA PROPORCIONALIDADE DA MEDIDA A análise da proporcionalidade da medida pleiteada é essencial para assegurar que a intervenção judicial seja adequada, necessária e equilibrada, sem impor ônus excessivos à parte ré em detrimento dos direitos da parte autora.
No presente caso, a tutela de urgência requerida se mostra plenamente proporcional aos fins a que se destina, harmonizando os interesses em conflito e garantindo a efetividade do direito à saúde do menor.
A medida é adequadaporque visa diretamente a suprir a necessidade de tratamento terapêutico multidisciplinar para o menor Adriel Oliveira Batista, diagnosticado com TEA e TDAH, conforme prescrição médica detalhada e atualizada.
As terapias específicas (Fonoaudiologia, Psicomotricidade, Terapia Ocupacional, Psicologia e Psicopedagogia, todas com abordagem ABA e duração de 45 a 60 minutos por sessão) são as indicadas para o quadro clínico do paciente, e a localização da clínica (Clínica Communicar Espaço Interdisciplinar em Itaipuaçú) é a que melhor se adapta à sua rotina escolar e às suas necessidades de deslocamento, minimizando o estresse e maximizando a adesão ao tratamento.
A adequação da medida é reforçada pela comprovação de que as alternativas oferecidas pela ré são impraticáveis e prejudiciais à saúde do menor.
A medida é necessáriaporque não há outro meio menos gravoso para garantir o acesso do menor ao tratamento essencial.
A via extrajudicial foi exaurida, com tentativas de diálogo e mediação que não resultaram em uma solução satisfatória por parte da operadora.
A recusa em oferecer o tratamento em local próximo, apesar da existência de clínica credenciada ou passível de credenciamento/reembolso na localidade, força a intervenção judicial.
A urgência do tratamento, conforme exaustivamente demonstrado nos laudos médicos, impede que se aguarde o desfecho da demanda principal sem que haja um risco iminente de agravamento do quadro clínico e de prejuízos irreversíveis ao desenvolvimento do menor.
A intervenção judicial é, portanto, o único caminho para assegurar o direito à saúde de Adriel de forma imediata e eficaz.
Por fim, a medida é proporcional em sentido estrito, pois o benefício gerado para o menor (acesso a tratamento essencial para seu desenvolvimento e qualidade de vida) supera em muito o ônus imposto à operadora de saúde (custeio de terapias que, por contrato e lei, já deveriam ser cobertas).
A obrigação de custeio de um tratamento médico essencial, em conformidade com a Lei nº 9.656/98 e as Resoluções da ANS, não representa um desequilíbrio desproporcional para uma empresa do porte da ré.
A proteção da saúde e da dignidade de uma criança, especialmente uma com deficiência, é um valor constitucionalmente superior aos interesses econômicos da operadora, que, ademais, pode reaver os valores em caso de improcedência final da ação.
A medida, ao delimitar as terapias, a frequência e a duração das sessões, bem como a localização da clínica, é precisa e não excede o estritamente necessário para a proteção do direito fundamental em questão.
EPÍLOGO Diante de todo o exposto, e em uma análise de cognição sumária, própria deste momento processual, verifico a presença concomitante dos requisitos autorizadores da concessão da tutela de urgência, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil.
A probabilidade do direito (fumus boni iuris) é robusta, alicerçada em laudos médicos inequívocos que atestam a condição de saúde do menor e a imprescindibilidade das terapias multidisciplinares, bem como na jurisprudência consolidada que reconhece a abusividade da negativa de cobertura e a necessidade de tratamento em local próximo ao domicílio do paciente.
O perigo de dano (periculum in mora) é patente e irrefutável, pois a ausência ou o atraso no tratamento pode acarretar prejuízos irreversíveis ao desenvolvimento neuropsicomotor da criança, comprometendo sua qualidade de vida e autonomia.
Por fim, a medida pleiteada não se mostra irreversível, uma vez que a obrigação de custeio, de natureza pecuniária, pode ser revertida em caso de improcedência da demanda ao final, sem que isso se compare ao dano irreparável à saúde do menor.
A proporcionalidade da medida é evidente, pois busca garantir um direito fundamental de forma adequada, necessária e equilibrada.
Pelo exposto, com fulcro no artigo 300 do Código de Processo Civil, DEFIRO O PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIApara determinar que a ré, NOTREDAME INTERMÉDICA SAÚDE S/A, no prazo improrrogável de 48 (quarenta e oito) horas, a contar da intimação desta decisão, autorize e custeie integralmente as seguintes terapias multidisciplinares prescritas ao menor ADRIEL OLIVEIRA BATISTA, com sessões de 45 (quarenta e cinco) a 60 (sessenta) minutos ininterruptoscada, a serem realizadas na Clínica especializada, próxima a residência do autor: Fonoaudiologia especializada em linguagem e ABA - 1 sessão semanal; Psicomotricidade especializada em ABA - 1 sessão semanal; Terapia Ocupacional com integração sensorial e método de Ayres - 1 sessão semanal; Psicologia com abordagem ABA - pelo menos 1 sessão semanal; Psicopedagogia - pelo menos 1 sessão semanal.
Fixo multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais)em caso de descumprimento da presente decisão, limitada, por ora, a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), sem prejuízo de majoração em caso de recalcitrância.
Cumpra-se com urgência.
Cite-se a parte ré para, querendo, apresentar contestação no prazo legal, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria de fato.
Intimem-se.
MARICÁ, 16 de agosto de 2025.
FABIO RIBEIRO PORTO Juiz Titular -
16/08/2025 17:15
Expedição de Outros documentos.
-
16/08/2025 12:03
Expedição de Outros documentos.
-
16/08/2025 12:03
Concedida a Antecipação de tutela
-
31/07/2025 16:26
Conclusos ao Juiz
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21/04/2025 11:12
Juntada de Petição de outros documentos
-
14/04/2025 19:29
Expedição de Outros documentos.
-
14/04/2025 19:29
Concedida a Assistência Judiciária Gratuita a HUGO LEONARDO DA SILVA BATISTA - CPF: *98.***.*57-60 (AUTOR).
-
10/04/2025 11:21
Conclusos para decisão
-
10/04/2025 11:11
Expedição de Certidão.
-
10/04/2025 09:58
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
10/04/2025
Ultima Atualização
22/09/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
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