TJRN - 0800296-18.2023.8.20.5153
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Expedito Ferreira de Souza
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
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Polo Passivo
Partes
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Partes
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Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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25/08/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0800296-18.2023.8.20.5153 Polo ativo MPRN - Promotoria São José de Campestre Advogado(s): Polo passivo MARIA ALDA ROMAO SOARES e outros Advogado(s): MANOEL D AGONIA FERNANDES BRAGA, PAULO SERGIO JUVENAL JUNIOR, LUIS FELIPE WAHNON FERREIRA EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
ALEGAÇÃO DE CONTRATAÇÃO DIRECIONADA.
LEI N.º 14.230/2021.
ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO).
AUSÊNCIA DE PROVAS.
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
I.
CASO EM EXAME 1.
Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente ação de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público, visando à condenação de agentes públicos e particulares por suposta contratação direcionada da empresa Reginaldo Publicidades para atender a interesses políticos da então prefeita Maria Alda Romão Soares. 2.
Alegação de irregularidades no certame licitatório e ausência de competitividade.
Sentença de improcedência fundamentada na inexistência de provas de conluio, fraude ou direcionamento, bem como na ausência de prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3.
A questão em discussão consiste em saber se a contratação da empresa Reginaldo Publicidades configura ato de improbidade administrativa, considerando: (i) a necessidade de comprovação do dolo específico, conforme exigido pela Lei nº 14.230/2021; (ii) a ausência de provas de fraude, direcionamento ou prejuízo ao erário; e (iii) a aplicação das diretrizes fixadas pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1.199 da Repercussão Geral.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 4.
A Lei nº 14.230/2021 exige a comprovação do dolo específico para a configuração de atos de improbidade administrativa, conforme entendimento consolidado pelo STF no Tema 1.199. 5.
O Ministério Público, em suas alegações finais, reconheceu a ausência de provas de conluio ou direcionamento no certame licitatório. 6.
Não há elementos nos autos que demonstrem a vontade livre e consciente dos agentes públicos em praticar atos dolosos de improbidade administrativa. 7.
A preservação da competitividade do certame e a efetiva prestação dos serviços contratados afastam a configuração de improbidade administrativa referidos na tese recursal. 8.
Irregularidades formais na constituição da despesa pública, por si só, não são suficientes para caracterizar improbidade administrativa, na ausência de dolo específico ou prejuízo ao erário.
IV.
DISPOSITIVO E TESE 9.
Recurso de apelação conhecido e desprovido.
Tese de julgamento: 1.
A responsabilização por ato de improbidade administrativa exige a comprovação de dolo específico, nos termos da Lei nº 8.429/1992, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, não restando configurado no caso concreto. ________________ Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.429/1992, arts. 1º, §§ 2º e 3º, e 10; Lei nº 14.230/2021.
Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 843.989, Rel.
Min.
Alexandre de Moraes, Plenário, j. 18.08.2022; TJRN, Apelação Cível nº 0100204-21.2015.8.20.0155, Rel.
Des.
Cornélio Alves, 1ª Câmara Cível, j. 01.04.2023.
ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Turma da Primeira Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em dissonância com o parecer da 9ª Procuradoria de Justiça, conhecer e julgar desprovido o recurso de apelação interposto, nos termos do voto do Relator.
RELATÓRIO Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em face de sentença proferida nos presentes autos (ID 30916418), que julgou improcedente a pretensão veiculada na inicial.
Em suas razões (ID 30916429), o órgão ministerial informa que “durante o mandato de Maria Alda Romão Soares à frente da Prefeitura de São José do Campestre, foi deflagrado o Pregão Presencial nº 34/2017, que resultou na contratação da empresa REGINALDO PUBLICIDADES para a prestação dos serviços de “divulgação em carro de som, dos informes, avisos e publicidades sonoras diversas do Município de São José do Campestre”.
Assegura que “no bojo do Inquérito Civil nº 04.23.2322.0000023/2017-43 foram colhidos robustos indícios de que tal certame foi inteiramente forjado pelos agentes públicos demandados para direcionar a contratação da empresa REGINALDO PUBLICIDADES, da qual Reginaldo Gomes da Silva é sócio e representante, sendo este um notório correligionário da então prefeita Maria Alda Romão Soares nas eleições municipais ocorridas um ano antes, em 2016”.
Por ocasião da individualização das condutas, ressalta que “Auresérvulo Gomes da Penha atuou como presidente da Comissão Permanente de Licitação, Eder Guilherme Dantas como pregoeiro e Maria Alda Romão Soares como ordenadora de despesas.
Por sua vez, Reginaldo Gomes da Silva e a empresa REGINALDO PUBLICIDADES foram os particulares efetivamente beneficiados com os ilícitos, percebendo o montante de R$ 19.941,00 (dezenove mil, novecentos e quarenta e um reais) dos cofres públicos de São José do Campestre por serviços que não foram efetivamente prestados”.
Argumenta que “os atos ímprobos atribuídos aos apelados Maria Alda Romão Soares, Reginaldo Gomes da Silva e Reginaldo Gomes da Silva ME restaram devidamente aquilatados nos autos, o que enseja a reforma do pronunciamento do juiz a quo”.
Discorre sobre a ocorrência dos atos de improbidade, bem como sobre sua prática de forma dolosa e consciente pelos demandados.
Elenca registros aptos a evidenciar a irregularidade da contratação, inclusive reveladoras da não execução dos serviços.
Realça a independência das esferas criminal e civil.
Termina por pugnar pelo conhecimento e provimento do recurso de apelação interposto, para que seja reformada a sentença, com julgamento de procedência dos pedidos iniciais.
MARIA ALDA ROMÃO SOARES e REGINALDO GOMES DA SILVA apresentaram contrarrazões (ID 30916434), refutando a ocorrência de qualquer ato passível de classificação como ímprobo.
Defende a regularidade da contratação, bem como da prestação dos serviços, não se tendo sequer minimamente evidenciado dano ao erário.
Realçam que foram absolvidos em ação penal instaurada para investigar os mesmos fatos objeto de apuração na presente via.
Pretendem o desprovimento do apelo.
O Ministério Público, por sua 9ª Procuradoria de Justiça (ID 31071857), opinou pelo conhecimento e provimento do recurso de apelação. É o relatório.
VOTO Preenchidos os requisitos de admissibilidade, voto pelo conhecimento do recursos de apelação interposto.
Consoante relatado, tratam os autos de ação de improbidade administrativa proposta em face dos requeridos, visando o reconhecimento da prática de atos de improbidade em razão da possível contratação direcionada da empresa REGINALDO PUBLICIDADES (Reginaldo Gomes da Silva) para atendimento a interesses meramente políticos da então prefeita Maria Alda Romão Soares.
Antes mesmos de emergir sobre as matérias de interesse neste contexto, impera aferir a possibilidade de aplicação dos efeitos da Lei n.º 14.230/2021, especialmente no que se relaciona aos novos modelos sancionatórios e prazos de prescrição aplicáveis às ações de improbidade administrativa, notadamente quanto aos feitos em curso por ocasião de sua vigência.
Necessário ponderar que referida matéria teve sua Repercussão Geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (TEMA 1199/STF), fixada a respectiva tese conforme ementa abaixo trazido em transcrição: 'Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (LEI 14.230/2021) PARA A RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS CIVIS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92).
NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF.
INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 5º, XL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR POR AUSÊNCIA DE EXPRESSA PREVISÃO NORMATIVA.
APLICAÇÃO DOS NOVOS DISPOSITIVOS LEGAIS SOMENTE A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA LEI, OBSERVADO O RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI).
RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO COM A FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL PARA O TEMA 1199. 1.
A Lei de Improbidade Administrativa, de 2 de junho de 1992, representou uma das maiores conquistas do povo brasileiro no combate à corrupção e à má gestão dos recursos públicos. 2.
O aperfeiçoamento do combate à corrupção no serviço público foi uma grande preocupação do legislador constituinte, ao estabelecer, no art. 37 da Constituição Federal, verdadeiros códigos de conduta à Administração Pública e aos seus agentes, prevendo, inclusive, pela primeira vez no texto constitucional, a possibilidade de responsabilização e aplicação de graves sanções pela prática de atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da CF). 3.
A Constituição de 1988 privilegiou o combate à improbidade administrativa, para evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois, como já salientava Platão, na clássica obra REPÚBLICA, a punição e o afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretendem fixar uma regra proibitiva para que os servidores públicos não se deixem "induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesses do Estado”. 4.
O combate à corrupção, à ilegalidade e à imoralidade no seio do Poder Público, com graves reflexos na carência de recursos para implementação de políticas públicas de qualidade, deve ser prioridade absoluta no âmbito de todos os órgãos constitucionalmente institucionalizados. 5.
A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa. 6.
A Lei 14.230/2021 não excluiu a natureza civil dos atos de improbidade administrativa e suas sanções, pois essa “natureza civil” retira seu substrato normativo diretamente do texto constitucional, conforme reconhecido pacificamente por essa SUPREMA CORTE (TEMA 576 de Repercussão Geral, de minha relatoria, RE n° 976.566/PA). 7.
O ato de improbidade administrativa é um ato ilícito civil qualificado – “ilegalidade qualificada pela prática de corrupção” – e exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente tipificado em lei, e que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas (artigo 9º da LIA) ou gerar prejuízos ao patrimônio público (artigo 10 da LIA), mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, apesar de ferir os princípios e preceitos básicos da administração pública (artigo 11 da LIA). 8.
A Lei 14.230/2021 reiterou, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º. 9.
Não se admite responsabilidade objetiva no âmbito de aplicação da lei de improbidade administrativa desde a edição da Lei 8.429/92 e, a partir da Lei 14.230/2021, foi revogada a modalidade culposa prevista no artigo 10 da LIA. 10.
A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, §4º). 11.
O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador. 12.
Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado. 13.
A norma mais benéfica prevista pela Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes.
Observância do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. 14.
Os prazos prescricionais previstos em lei garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico; fixando termos exatos para que o Poder Público possa aplicar as sanções derivadas de condenação por ato de improbidade administrativa. 15.
A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela INÉRCIA do próprio Estado.
A prescrição prende-se à noção de perda do direito de punir do Estado por sua negligência, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo. 16.
Sem INÉRCIA não há PRESCRIÇÃO.
Sem INÉRCIA não há sancionamento ao titular da pretensão.
Sem INÉRCIA não há possibilidade de se afastar a proteção à probidade e ao patrimônio público. 17.
Na aplicação do novo regime prescricional – novos prazos e prescrição intercorrente – , há necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, com a IRRETROATIVIDADE da Lei 14.230/2021, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa. 18.
Inaplicabilidade dos prazos prescricionais da nova lei às ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, que permanecem imprescritíveis, conforme decidido pelo Plenário da CORTE, no TEMA 897, Repercussão Geral no RE 852.475, Red. p/Acórdão: Min.
EDSON FACHIN. 19.
Recurso Extraordinário PROVIDO.
Fixação de tese de repercussão geral para o Tema 1199: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei". (ARE 843989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022).
Portanto, na linha da interpretação conferida ao tema pelo Supremo Tribunal Federal, descabe a aplicação dos novos prazos prescricionais ao feito em exame, sendo, contudo, impositivo, analisar a presença do elemento subjetivo (dolo) para fins de reconhecimento da eventual prática da improbidade administrativa.
Sob esta perspectiva restrita, observa-se que o órgão ministerial, por ocasião da apresentação de suas alegações finais ainda no juízo de primeiro grau (ID 30916410), fez registrar a ausência de provas a embasar qualquer conclusão acerca da desnaturação do caráter competitivo do certame licitatório questionado na vestibular.
Objetivamente, o próprio parquet reconhece que os elementos de prova reunidos no curso de instrução do feito, produzidos sob o manto da ampla defesa e contraditório, não evidenciam conluio entre agentes públicos e particulares com o intuído manifesto de burlar a competitividade do certame, razão determinante para pugnar pela improcedência dos pedidos iniciais formulados contra Auresérvulo Gomes da Penha e Eder Guilherme Dantas.
Resta possível intuir, portanto, na linha argumentativa esposada pelo próprio órgão ministerial, que a licitação não se deu para atender a interesses particulares do então gestor público ou dirigida a beneficiar licitante em particular, tendo os interessados no certame concorrido em igualdade de condições e oportunidades.
Partindo-se da premissa anterior, entendida como válida pelo Ministério Público, não se poderia construir silogismo diverso daquele sedimentado nas conclusões da sentença, na medida em que, ausentes indícios de fraude, simulação ou direcionamento na licitação, a adjudicação do objeto se deu em proveito do licitante que apresentou melhor proposta em correspondência às especificidades do edital, não havendo indícios sequer mínimos de prática dolosa de atos de improbidade administrativa.
Registre-se, ainda, que também não há prova eficiente nos autos de que não houve efetiva prestação dos serviços contratados, de modo a revelar, a um só tempo, enriquecimento sem causa ao particular e prejuízo ao erário.
Ao contrário, malgrado algumas irregularidades na constituição da despesa pública e inconsistências nas respectivas ordens de serviços, não há como minimamente inferir que os serviços não foram realizados a contento.
Descabe ao Poder Judiciário empreender exame detido sobre a relevância do serviço contratado, ou mesmo do conteúdo objeto de veiculação pelo Poder Público, sendo matéria de indagação, especialmente no âmbito da improbidade administrativa, analisar se houve divórcio aos parâmetros de legalidade com conotação suficiente para ensejar prejuízo ao erário e enriquecimento indevido ao particular.
Nenhuma das hipóteses se apresenta patente na presente lide, sendo a sentença coerente em suas conclusões e fundamentos.
Há que se ter em conta que o elemento anímico (dolo) se consubstancia como elementar da própria figura típica sancionada na Lei de Improbidade Administrativa, sendo indispensável a comprovação da volitividade do agente para que seja possível a responsabilização a tal título.
Entendida a matéria sob esta perspectiva, a simples condição do certame licitatório ter se realizado com preservação de sua natureza concorrencial afastaria qualquer possível arguição de prévio acerto ou conluio entre as partes, não sendo crível a tese recursal construída sob esta vertente.
Por outro seguimento, não sendo comprovado que os serviços não foram realizados, também falece por completo a inferência sobre possível enriquecimento indevido ou prejuízo ao erário.
Nesta ordem, me parece pouco crível admitir que a contratação de licitante vencedor, em procedimento concorrencial cuja competitividade restou preservada, possa induzir a qualquer juízo de irregularidade, sobretudo quando não comprovado que o serviço contratado não foi realizado.
Cumpre transcrever a atual redação da Lei n.º 8.429/1992, com as alterações promovidas pela Lei n.º 14.230/2021: Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) Parágrafo único. (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) § 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) (...) No caso concreto, ainda que evidenciada eventual irregularidade formal quanto a elementos transversais da contratação, tal condição, por si somente, não seria suficiente para evidenciar o dolo necessário para a configuração da improbidade administrativa, tendo em conta que não demonstrado o dolo específico exigido pela nova redação da Lei de Improbidade Administrativa.
Validamente, os autos indicam a ausência de vontade livre e consciente de praticar as condutas sancionadas na lei de improbidade administrativa, especialmente considerando que os serviços contratados foram efetivamente prestados, bem como inexiste prova sobre a aplicação de sobrepreço ou inversão de valores com o nítido intento de beneficiar de maneira ilegítima agentes públicos ou particulares.
Em situações correlatas, há precedentes desta Corte de Justiça na mesma linha de interpretação: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
PRETENSÃO DE CONDENAÇÃO DA PARTE RÉ PELAS CONDUTAS PREVISTAS NO ARTIGO 10, INCISO V, VIII E XII DA LEI 8.429/92.
INEXISTÊNCIA DE PROVAS INEQUÍVOCAS QUE CONFIRMEM A VONTADE LIVRE E CONSCIENTE DA PARTE RECORRIDA EM LESAR O ERÁRIO.
OBSERVÂNCIA ÀS TESES FIXADAS NO PRECEDENTE QUALIFICADO (ARE 843989 - TEMA 1.199 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL).
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO PARA A CONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE.
SENTENÇA MANTIDA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.I.
CASO EM EXAME Apelação cível interposta pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte contra sentença que julgou improcedente ação civil pública por ato de improbidade administrativa.
A demanda buscava a condenação de agentes públicos e particulares por prejuízo ao erário, decorrente de contratação emergencial sem licitação.II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO As questões em discussão consistem em saber se é possível: (i) condenar FLÁVIO COSTA DE GÓIS e a empresa DBDL SERVIÇOS MÉDICOS LTDA pela prática de atos de improbidade administrativa, conforme tipificado no artigo 10, incisos V, VIII e XII, da Lei nº 8.429/92; e (ii) condenar FLÁVIO COSTA DE GÓIS, a DBDL SERVIÇOS MÉDICOS LTDA e os herdeiros de ENILDO ALVES (neste caso, até o limite do patrimônio transmitido) ao ressarcimento dos prejuízos materiais causados ao MUNICÍPIO DE NATAL, cujo valor deverá ser apurado em sede de liquidação de sentença.
III.
RAZÕES DE DECIDIR1.
A Lei nº 14.230/2021 passou a exigir o dolo específico para configuração dos atos de improbidade administrativa.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1.199 (ARE 843.989), firmou o entendimento de que essa exigência aplica-se retroativamente aos processos ainda em curso.2.
Não foi comprovada a intenção dolosa de causar prejuízo ao erário.
Conforme acervo probatório dos autos, restou demonstrado que a empresa Trade-Rio vinha descumprindo obrigações contratuais, gerando diversas reclamações das unidades de saúde e comprometendo o serviço de ambulância, o que justificou a rescisão contratual prevista em cláusula contratual.
Diante da necessidade de continuidade do serviço e da urgência da situação, o Município de Natal, amparado por pareceres jurídicos favoráveis da assessoria da Secretaria de Saúde e da Procuradoria Geral do Município, contratou emergencialmente a empresa DBDL com base no art. 24, IV, da Lei nº 8.666/93, após tentativa frustrada de contratação com outras duas empresas, que não se mostraram interessadas em prestar o serviço, contrariando a tese de que teria havido uma facilitação de contratação da empresa DBDL.3.
A alegação de superfaturamento não se sustenta, sobretudo pela diferença significativa entre os objetos dos contratos firmados com a empresa anterior e com a empresa DBDL, pois esse último incluía, além das ambulâncias, o fornecimento de insumos, equipamentos, medicamentos, e recursos humanos, apresentando, portanto, um escopo bem mais amplo.4. À luz da legislação de regência e da jurisprudência pátria, não se vislumbra, no presente caso, a demonstração do dolo específico indispensável à configuração do ato de improbidade administrativa, afigurando-se irretocável a sentença recorrida.
IV.
DISPOSITIVO E TESEApelação cível conhecida e desprovida.Tese de julgamento: “1.
A responsabilização por ato de improbidade administrativa exige a comprovação de dolo específico, conforme o art. 11, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.429/1992, com a redação da Lei nº 14.230/2021, não restando configurado no caso concreto”.
Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.429/1992, arts. 10, V, VIII e XII, e 11, §§ 1º e 2º; Lei nº 14.230/2021; Lei nº 8.666/1993, art. 24, IV.Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 843.989, Rel.
Min.
Alexandre de Moraes, Plenário, j. 18.08.2022; TJMG, Apelação Cível nº 1.0140.14.000889-1/002, Rel.
Des.
Jair Varão, 3ª Câmara Cível, j. 28.09.2023; TJRN, Apelação Cível nº 0100204-21.2015.8.20.0155, Rel.
Des.
Cornélio Alves, 1ª Câmara Cível, j. 01.04.2023; TJRN, Apelação Cível nº 0101166-81.2013.8.20.0133, Rel.
Des.
Vivaldo Pinheiro, 3ª Câmara Cível, j. 02.03.2023. (APELAÇÃO CÍVEL, 0015768-63.2002.8.20.0001, Des.
AMAURY DE SOUZA MOURA SOBRINHO, Terceira Câmara Cível, JULGADO em 18/06/2025, PUBLICADO em 18/06/2025) EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
PROCEDIMENTO DE INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO.
COMPRA DE COMBUSTÍVEIS.
SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.
PRELIMINAR: PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE.
INOCORRÊNCIA.
PRAZO PRESCRICIONAL NÃO ALCANÇADO DESDE A PUBLICAÇÃO DA LEI N.º 14.230/2021.
TEMA 1.199 DO STF.
MÉRITO: SUBMISSÃO DO JULGAMENTO ÀS DIRETRIZES EMANADAS DO TEMA Nº 1.199 DA REPERCUSSÃO GERAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO.
INCIDÊNCIA DO ARTIGO 1º, §§ 2 E 3º, DA LEI Nº 8.429/1992, COM REDAÇÃO DA NOVA LEGISLAÇÃO.
IRREGULARIDADE DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO NÃO DEMONSTRADA. ÚNICO POSTO DE COMBUSTÍVEIS NO MUNICÍPIO.
MINISTÉRIO PÚBLICO DE PRIMEIRO GRAU, EM SEDE DE CONTRARRAZÕES AO APELO, RECONHECE A AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO AO ELEMENTO SUBJETIVO.
REQUISITO NECESSÁRIO À CARACTERIZAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
VÍCIOS FORMAIS NO PROCEDIMENTO DE INEXIGIBILIDADE QUE NÃO EVIDENCIAM, COM A CONTUNDÊNCIA NECESSÁRIA, O DOLO ESPECÍFICO EXIGIDO.
MODIFICAÇÃO DO DECISUM.
IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL, 0100886-11.2017.8.20.0153, Des.
DILERMANDO MOTA PEREIRA, Primeira Câmara Cível, JULGADO em 29/11/2024, PUBLICADO em 03/12/2024) EMENTA: CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
OBSERVÂNCIA DOS NOVOS MODELOS NORMATIVOS FIXADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) NO JULGAMENTO DO ARE 843989/PR (TEMA 1.199/STF).
DISPENSA DE LICITAÇÃO.
RESPONSABILIDADE SUBJETIVA.
NECESSIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO.
AUSÊNCIA DE LASTRO PROBATÓRIO APTO A IDENTIFICAR A PRÁTICA ÍMPROBA DOLOSA DOS AGENTES.
INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE EFETIVA DA PERDA PATRIMONIAL.
MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE.
APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. (REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL, 0101494-91.2017.8.20.0158, Des.
EXPEDITO FERREIRA DE SOUZA, Primeira Câmara Cível, JULGADO em 04/10/2024, PUBLICADO em 07/10/2024) Desta feita, ausente prova que demonstre a prática de atos irregulares com expressão dolosa, muito menos prejuízo ao erário ou enriquecimento indevido de particular, inviável se revela a configuração da improbidade administrativa, não havendo viabilidade na tese recursal.
Ante o exposto, em dissonância com o parecer ministerial, voto pelo conhecimento e desprovimento do recurso de apelação interposto, para confirmar a sentença em sua integralidade. É como voto.
Natal/RN, 4 de Agosto de 2025. -
16/05/2025 13:01
Conclusos para decisão
-
12/05/2025 16:39
Juntada de Petição de parecer
-
05/05/2025 22:44
Expedição de Outros documentos.
-
05/05/2025 18:09
Proferido despacho de mero expediente
-
05/05/2025 11:47
Recebidos os autos
-
05/05/2025 11:47
Conclusos para despacho
-
05/05/2025 11:46
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
05/05/2025
Ultima Atualização
11/08/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
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