TRF1 - 1000263-41.2019.4.01.3603
1ª instância - 1ª Sinop
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Assistente Desinteressado Amicus Curiae
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Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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18/07/2023 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Sinop-MT 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Sinop-MT SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1000263-41.2019.4.01.3603 CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros POLO PASSIVO:ZAVA MADEIREIRA LTDA - EPP REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ANDREIA MILANO JORDANO - MT16053 e VINICIUS RIBEIRO MOTA - MT10491/B SENTENÇA 1.RELATÓRIO Cuida-se de ação civil pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pelo INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA contra ZAVA MADEIREIRA LTDA visando à condenação ao pagamento de danos material e mora difuso e à recomposição da área degradada em extensão de 257,2 hectares de vegetação nativa localizada no Município de União do Sul – MT.
O réu apresentou contestação no evento 70946066 alegando preliminares de falta de interesse processual e ilegitimidade.
O Ministério Público Federal apresentou réplica no evento 97895348 e o IBAMA no evento 108195383.
Sobreveio decisão de saneamento do feito na qual foram rejeitadas as preliminares sustentadas pelo réu (140900923).
O Ministério Público Federal informou que apresentará o cálculo relativo ao dano material em liquidação de sentença (225294353).
Quanto à conciliação, o réu alegou não ser possível a apresentação de projeto de recuperação de área degradada, pois depende da validação do CAR (237456435).
Durante as tratativas para conciliação, foi expedido ofício à SEMA, a qual respondeu que a área aberta da propriedade está localizada em área passível de desmatamento (946485157 - Pág. 1).
Na sequência, o réu alegou não haver dano em área especialmente protegida, mas sim de área de uso alternativo do solo, razão pela qual inexistiria o dever de reparação (998157662 - Pág. 2).
O Ministério Público Federal requereu a intimação do IBAMA para informar o estágio em que se encontra o processo administrativo 02054.100672/2017-71 (1075200277).
O IBAMA manifestou-se no sentido de que o termo de embargo se encontra suspenso em decorrência de decisão judicial proferida no processo 1003990-71.2020.4.01.3603.
Em seguida, o Ministério Público Federal manifestou-se no sentido de que, conquanto o desmatamento tenha observado o percentual de área passível de destinação ao uso alternativo do solo, o desmatamento sem autorização configura ilícito ambiental passível de responsabilização do infrator no âmbito civil (1345025293).
A instrução processual foi encerrada e determinada a intimação das partes para apresentação de alegações finais (1621350366).
O Ministério Público Federal apresentou alegações finais no evento 1661434984.
O réu apresentou alegações finais no evento 1669284482.
O IBAMA ratificou a manifestação do Parquet (1670633450).
Por fim, vieram conclusos os autos. É o relatório.
Decido. 2.FUNDAMENTAÇÃO Primeiramente, embora se tenha notícia da existência da ação anulatória 1003990-71.2020.4.01.3603 destinada à anulação do embargo que incide sobre a mesma área objeto desta ação civil pública, não há conexão entre os processos, vez que a causa de pedir sustentada na anulatória se limita á prescrição aplicável na seara administrativa, não tendo qualquer relação com a responsabilidade civil.
Diante do exposto, mantenho a livre distribuição.
Dado que as preliminares foram enfrentadas e que a instrução processual já se encerrou, passo ao julgamento do mérito.
A presente ação civil pública tem respaldo tanto na Constituição Federal quanto na Lei n.º 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.
De acordo com o artigo 225 da Constituição Federal, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Disso decorre o dever de recuperação do dano ambiental previsto no §3º do mesmo dispositivo, segundo o qual “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Na mesma direção é a Lei n. 6.938/81, que em seu artigo 14 estabeleceu que “sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores” às sanções discriminadas no artigo em questão, sendo “o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
As normas de regência estabelecem, conforme se pode notar, uma responsabilidade civil objetiva de reparação dos danos causados ao meio ambiente, não havendo a necessidade de comprovação de culpa ou dolo por parte do agente causador do dano, regra que está em perfeita harmonia com sua finalidade, que é garantir de forma efetiva um meio ambiente saudável e protegido em benefício de toda a coletividade e das próximas gerações.
Paulo Afonso Leme Machado, a respeito da responsabilidade na seara ambiental, esclarece que “a responsabilidade objetiva significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo”.
Segue o jurista tecendo as seguintes argumentações a respeito do tema: Presente, pois, o binômio dano/reparação.
Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar.
A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos “danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade” (art. 14, §1º, da Lei n. 6.938/81).
Não interessa que o tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa.
Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, incia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambiental.
Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. (MACHADO, Paulo Affonso Leme.
Direito Ambiental Brasileiro. 21ª Ed. rev. atual., Editora Malheiros Editores, 2013, pág. 404) Importante ressaltar que o fato de a responsabilidade ambiental ser objetiva não afasta a necessidade de comprovação dos pressupostos da responsabilidade civil, sendo imprescindível a constatação do nexo de causalidade.
De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, “Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem” ((REsp 1090968/SP, Rel.
Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 03/08/2010), havendo ainda nexo de causalidade e responsabilidade civil objetiva quanto à recuperação da área em relação àquele que adquire a propriedade já danificada, tendo em vista a natureza proter rem dessa obrigação.
Com efeito, o dever de recuperação do dano ambiental possui natureza propter rem, aderindo-se à propriedade para concretizar sua função social, de maneira que a reparação do dano pode ser exigida tanto do seu causador quanto do atual proprietário do imóvel, independentemente da participação deste na destruição ambiental.
O nexo de causalidade, nessa hipótese, é aferido com base na simples titularidade da área danificada.
Nesse sentido: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL.
ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA E PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DE RÉU/LITISCONSORTE PELO ADQUIRENTE DO IMÓVEL.
LOTEAMENTO RECANTO DOS PÁSSAROS.
VENDA NÃO REGISTRADA NA MATRÍCULA DO BEM NO REGISTRO DE IMÓVEIS. 1.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a obrigação de recuperar a degradação ambiental é do titular da propriedade do imóvel, mesmo que este não tenha contribuído para a deflagração do dano, tendo em conta sua natureza propter rem (STJ, REsp nº 1.240.122/PR, Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 11/09/2012). 2.
Se não há comprovação de transferência da propriedade pelo modo legalmente previsto, o agravante é proprietário de imóvel situado na área em debate, o que implica a sua permanência na lide, até mesmo para que possa exercer o direito de defesa, ante a possibilidade de ser obrigado a reparar danos ambientais. 3.
Decisão mantida.
Agravo de instrumento improvido. (TRF4, AG 5054305-35.2016.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 23/11/2017) (sem grifos no original).
Essas são as premissas que importam para o caso vertente.
No caso vertente, o Ministério Público Federal pede a recuperação de uma área de 257,2 hectares localizada em União do Sul – MT.
Ocorre que não há prova do desmatamento de 257,2 hectares, mas apenas de 129,081 hectares.
Na verdade, toda a documentação que acompanha a inicial diz respeito ao desmatamento de apenas 129,081 hectares identificado pelo PRODES 251172, conforme mapa 31275030, razão pela qual não procede o pedido de recuperação de área maior.
No que respeita à área de 129,081 hectares, o réu não nega o desmatamento, tendo apenas argumentando que se trata de área passível de uso alternativo do solo.
As demais teses mencionadas na contestação são preliminares que já foram enfrentadas por ocasião do saneamento do feito.
Pois bem.
Ainda que a legislação de regência preveja a possibilidade de exploração da propriedade dentro dos limites que respeitem o percentual de reserva legal, essa intervenção exige autorização prévia por parte do órgão ambiental competente e o cumprimento de vários requisitos.
O artigo 26 do Código Florestal estabelece que a supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo depende de prévia autorização do órgão competente e, no requerimento, deve constar a informação de reposição ou compensação florestal (§ 4º, inciso II), em consonância com o art. 33, § 4º, além da demonstração da utilização efetiva de áreas já convertidas, entre outras exigências: Art. 26.
A supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo, tanto de domínio público como de domínio privado, dependerá do cadastramento do imóvel no CAR, de que trata o art. 29, e de prévia autorização do órgão estadual competente do Sisnama. § 3º No caso de reposição florestal, deverão ser priorizados projetos que contemplem a utilização de espécies nativas do mesmo bioma onde ocorreu a supressão. § 4º O requerimento de autorização de supressão de que trata o caput conterá, no mínimo, as seguintes informações: I - a localização do imóvel, das Áreas de Preservação Permanente, da Reserva Legal e das áreas de uso restrito, por coordenada geográfica, com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel; II - a reposição ou compensação florestal, nos termos do § 4º do art. 33; III - a utilização efetiva e sustentável das áreas já convertidas; IV - o uso alternativo da área a ser desmatada.
Art. 27.
Nas áreas passíveis de uso alternativo do solo, a supressão de vegetação que abrigue espécie da flora ou da fauna ameaçada de extinção, segundo lista oficial publicada pelos órgãos federal ou estadual ou municipal do Sisnama, ou espécies migratórias, dependerá da adoção de medidas compensatórias e mitigadoras que assegurem a conservação da espécie.
Art. 28.
Não é permitida a conversão de vegetação nativa para uso alternativo do solo no imóvel rural que possuir área abandonada.
No mesmo sentido é a legislação ambiental estadual, a qual exige autorização para supressão de vegetação nativa de área passível de conversão para uso alternativo do solo, conforme dicção dos artigos 10, 30 e 31 da Lei Complementar 592/17: Art. 10 O Cadastro Ambiental Rural - CAR deve retratar a atual situação ambiental do imóvel, não servindo para autorizar o exercício de qualquer atividade, queima controlada, desmatamento e/ou exploração florestal, para os quais será exigida a devida autorização ou licença ambiental.
Art. 30 A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.
Art. 31 A SEMA, no exercício de sua competência, expedirá as seguintes licenças e autorizações, de caráter obrigatório: XI - Autorização de Desmate - AD: autoriza a supressão da vegetação da área passível de conversão para uso alternativo do solo; Como se vê, o uso alternativo do solo está sujeito a várias limitações e ao cumprimento de condições obrigatórias, cujo desrespeito caracteriza intervenção ilegal na vegetação nativa.
E, uma vez que o desmatamento tenha se dado em desacordo com a legislação ambiental, fica caracterizado o dever de recuperação do dano. É o que diz o Código Florestal de forma ampla, alcançando tanto áreas de preservação permanente e áreas de reserva legal quanto áreas de uso alternativo do solo.
Segundo o artigo 2º do referido diploma, “As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.” Em arremate à obrigação de observância das regras relativas ao uso do solo e à supressão de vegetação nativa, o §1º do artigo 2º do Código Florestal preceitua que a utilização e exploração contrária à lei configura “uso irregular da propriedade” e sujeita o poluidor à responsabilidade civil, além das sanções administrativas e penais.
A regra é objetiva, portanto, pois ao prever a responsabilidade civil pela supressão irregular de vegetação nativa, não fez qualquer ressalva quanto ao tipo de vegetação ou quanto à sua localização, apenas tendo colocado como pressuposto a intervenção contrária à lei.
Logo, o desmate para conversão em área de uso alternativo do solo, quando realizado sem a devida autorização do órgão competente e sem as medidas necessárias de compensação, configura conduta contrária às normas ambientais e, por conseguinte, caracteriza dano ambiental para o qual a legislação ambiental exige a reparação.
Nesse sentido: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
DESMATAMENTO EM ÁREA COMUM.
SEM AUTORIZAÇÃO AMBIENTAL.
IMPOSSIBILIDADE.
DANO AMBIENTAL COMPROVADO.
A supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo, ainda que não se trate de área de preservação permanente ou reserva legal, exige cadastramento do imóvel no CAR e autorização do órgão estadual competente do SISNAMA, nos termos do art. 26 da Lei n.º 12.651/12.
Comprovado o desmatamento ilegal, cabível a condenação em obrigação de indenizar e de reparar a área degredada (Súmula n.º 629 do STJ), até ulterior autorização.
Recurso de apelação conhecido e parcialmente provido. (TJ-MG - AC: 10400160021210001 MG, Relator: Albergaria Costa, Data de Julgamento: 03/10/2019, Data de Publicação: 15/10/2019) Com essas razões, está caracterizado o dano ambiental e o dever da parte ré – proprietária do imóvel e detentora da posse no período explorado – de recuperar a área degradada.
No que respeita ao dano material, o Superior Tribunal de Justiça tem perfilhado entendimento de que “o sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, artigos 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral”.
A reparação integral do meio ambiente é que fundamenta a condenação ao ressarcimento de danos materiais ao meio ambiente, consistente na indenização pelas lesões “insuscetíveis de recuperação in natura”.
Para Maria Pilar Prazeres de Almeida, “o estudo da dimensão patrimonial desta espécie de dano parte-se das seguintes premissas: o objetivo maior do Direito Ambiental é a reparação natural do meio ambiente e a responsabilidade civil ambiental norteia-se pelo princípio do ressarcimento integral do dano”, sendo esta a justificativa para a condenação em dano material na seara do meio ambiente (ALMEIDA, Maria Pilar Prazeres de.
Dano moral ambiental coletivo. 1.ed. - Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018, pág. 74).
Nesse sentido: AMBIENTAL.
DESMATAMENTO.
CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO).
POSSIBILIDADE.
INTERPRETAÇÃO DA NORMA AMBIENTAL. 1.
Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados pelo desmatamento de área de mata nativa.
A instância ordinária considerou provado o dano ambiental e condenou o degradador a repará-lo; porém, julgou improcedente o pedido indenizatório. 2.
A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer e indenizar.
Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ. 3.
A restauração in natura nem sempre é suficiente para reverter ou recompor integralmente, no terreno da responsabilidade civil, o dano ambiental causado, daí não exaurir o universo dos deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum. 4.
A reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível, de modo que a condenação a recuperar a área lesionada não exclui o dever de indenizar, sobretudo pelo dano que permanece entre a sua ocorrência e o pleno restabelecimento do meio ambiente afetado (= dano interino ou intermediário), bem como pelo dano moral coletivo e pelo dano residual (= degradação ambiental que subsiste, não obstante todos os esforços de restauração). 5.
A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização não é para o dano especificamente já reparado, mas para os seus efeitos remanescentes, reflexos ou transitórios, com destaque para a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo, até sua efetiva e completa recomposição, assim como o retorno ao patrimônio público dos benefícios econômicos ilegalmente auferidos. 6.
Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, com a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e para fixar eventual quantum debeatur. (REsp 1180078/MG, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 28/02/2012) Para a hipótese dos autos, verifica-se ser evidente que a supressão de vegetação nativa gera danos que não podem ser restabelecidos ao status quo ante apenas com a regeneração da área, o que, diga-se de passagem, demorará vários anos para acontecer.
A perda de biodiversidade e o desequilíbrio do ecossistema, entre outros prejuízos ambientais, certamente já se consolidaram e dificilmente serão recompostos às suas características originais.
Até mesmo o mínimo esperado de restabelecimento do equilíbrio ambiental na propriedade do autor é algo que não se verá tão cedo, diante da demora inerente aos procedimentos de restauração da vegetação nativa.
Há, portanto, dano material manifesto, o qual merece indenização por parte do proprietário do imóvel.
No entanto, o valor do dano material não se confunde com o custo do cumprimento da obrigação de fazer, isto é, com as despesas com a recuperação da área degradada.
Conquanto o Superior Tribunal de Justiça tenha perfilhado entendimento de que é possível a cumulação de obrigação de reparar o dano ambiental com condenação de pagar quantia certa – correspondente ao dano material –, há de se fazer uma diferenciação de ambos os pedidos, sob pena de caracterizar verdadeiro bis in idem.
Com efeito, ao mesmo tempo que o STJ admite a cumulação de condenações derivadas do dano ambiental, ele também traça uma distinção entre as possíveis formas de reparação, ao dizer que a reparação dano ambiental deve ser feita da forma mais integral possível, mediante a condenação do réu à obrigação de fazer, consistente da recomposição da área degradada, é à obrigação de pagar quantia certa, destinada ao ressarcimento pelo “dano que permanece entre a sua ocorrência e o pleno restabelecimento do meio ambiente afetado (= dano interino ou intermediário), bem como pelo dano moral coletivo [em relação ao qual farei ressalva a seguir] e pelo dano residual (= degradação ambiental que subsiste, não obstante todos os esforços de restauração)” (AgInt no REsp 1532643/SC, Rel.
Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/10/2017, DJe 23/10/2017) Assim, a recuperação da área não se confunde com o dano material, sendo este destinado a reparar as consequências advindas da destruição e que não podem ser restituídas apenas pela recuperação ambiental, como já explicado acima.
A recuperação, por sua vez, tem natureza diversa e, somente na impossibilidade de cumprir tal obrigação de fazer, é que se converte a obrigação em pecúnia, ou seja, em perdas e danos, nos termos do artigo 499 do Código de Processo Civil.
Diante da natureza distinta das tutelas requeridas – obrigação de fazer/recuperação versus obrigação de pagar quantia certa/dano material interino e residual –, não se pode utilizar o mesmo parâmetro para calcular o valor da indenização, com base apenas nos custos de recuperação da vegetação nativa.
Com efeito, o custo para replantar e restabelecer o ecossistema local é diferente do prejuízo já amargado pela destruição ambiental e que não pode ser mais restabelecido ao seu estado original.
Os parâmetros são de difícil definição, é verdade, mas isso não justifica que o custo de recuperação da área seja pleiteado por mais de uma vez para sustentar pedidos diferentes e de natureza distinta, pois isso importaria realmente bis in idem.
Nada impede que o valor de danos materiais seja calculado em fase de liquidação, como requerido pelo Parquet em sua última manifestação.
Mas já fica consignado que o parâmetro de arbitramento não poderá se pautar isoladamente no custo da recuperação da vegetação nativa.
O pedido de dano moral coletivo, por sua vez, não merece ser acolhido.
Dano moral, nas palavras de Pablo Stolze (Novo Curso de Direito Civil, Volume III – Responsabilidade Civil. 8ª ed. rev. atual., São Paulo: Saraiva, 2010, p.97), é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente”.
Para se caracterizar o dano moral, portanto, é preciso que esteja configurada alguma agressão aos direitos de personalidade.
E, por essa razão, Teori Albino Zavascki conclui que a vítima do dano moral é necessariamente uma pessoa.
Na mesma linha de ideias de Plabo Stolze, ele defende que “o dano moral envolve, necessariamente, dor, sentimento, lesão psíquica, afetando ‘a parte sensitiva do ser humano, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas’, ou seja, ‘tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado’”. (TEORI ALBINO, Zavascki.
Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 5. ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011).
Os direitos e interesses coletivos natureza transindividual e indivisível, consoante definição retirada do artigo 80, inciso II do Código de Defesa do Consumidor.
Não há, desta forma, titular individual, sendo relativa a indeterminação dos titulares dos direitos coletivos.
E a indivisibilidade desses direitos implica a afetação de todos os titulares.
Nesse passo, no caso de ocorrência de uma lesão, o sujeito passivo será necessariamente indeterminado e a ofensa ao direito necessariamente indivisível.
Como dano moral tem como sujeito passivo um pessoa, a ideia de transinvidualidade é incompatível com ele, não sendo possível conceber a ocorrência de lesão de cunho personalíssimo a um grupo não identificado de pessoas.
Nessa linha de raciocínio é a lição de Teori Zavascki, entendimento do qual compartilho: Refutando a doutrina segundo a qual “sempre que houver um prejuízo ambiental objeto de comoção popular, com ofensa ao sentimento coletivo, estará presente o dano moral ambiental’, sustentou Rui Stoco, com razão, que, “o primeiro reparo que se impõe é no sentido de que não existe ‘dano moral ao meio ambiente’.
Muito menos ofensa moral aos mares, rios, à Mata Atlântica ou mesmo agressão moral a uma coletividade ou a um grupo de pessoas não identificadas.
A ofensa moral sempre se dirige à pessoa enquanto portadora de individualidade própria; de um vultus singular e único.
Os danos morais são ofensas aos direitos da personalidade, assim como o direito à imagem constitui um direito de personalidade, ou seja, àqueles direitos da pessoa sobre ela mesma. (...) A Constituição Federal, ao consagrar o direito de reparação por dano moral, não deixou margem à dúvida, mostrando-se escorreita sob o aspecto técnico-jurídico, ao deixar evidente que esse dever de reparar surge quanto descumprido o preceito que assegura o direito de resposta nos casos de calúnia, injúria ou difamação ou quando o sujeito viola a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5º, incisos V e X), todos estes atributos da personalidade.
Ressoa claro que o dano moral é personalíssimo e somente visualiza a pessoa, enquanto detentora de características e atributos próprios e invioláveis.
Os danos morais dizem respeito ao foro íntimo do lesado, pois os bens morais são inerentes à pessoa, incapazes, por isso, de subsistir sozinhos.
Seu patrimônio ideal é marcadamente individual, e seu campo de incidência, o mundo interior de cada um de nos, de modo que desaparece com o próprio indivíduo (...).
Do que se conclui mostrar-se impróprio, tanto no plano fático como sob o aspecto lógico-jurídico, falar em dano moral ao meio ambiente, sendo insustentável a tese de que a degradação do meio ambiente por ação do homem conduza, através da mesma ação judicial, à obrigação de reconstituí-lo, e, ainda, de recompor o dano moral hipoteticamente suportado por um número indeterminado de pessoas. (TEORI ALBINO, Zavascki.
Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 5. ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011). 3.DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, resolvendo o mérito na forma do artigo 487, inciso I, do CPC, para condenar o réu ZAVA MADEIREIRA LTDA - EPP - CNPJ: 00.***.***/0001-62: (i) à obrigação de fazer, consistente na recuperação da vegetação nativa na área de 129,081 hectares objeto do PRODES 251173; e (ii) ao ressarcimento do dano material causado ao meio ambiente, cujo valor será liquidado em fase de cumprimento de sentença, observando-se os limites definidos nas razões da presente sentença.
Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais.
Quanto aos honorários advocatícios, em virtude do princípio da simetria, assim como os autores da ação civil pública não respondem por tal ônus, senão quando configurada manifesta má-fé (artigo 18 da Lei 7.347/85), os réus também não devem arcar com esse ônus, salvo manifesta má-fé, conforme entendimento adotado pelo STJ no âmbito do microssistema de tutela coletiva (AgInt no AREsp 506.723/RJ, Rel.
Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/05/2019, DJe 16/05/2019).
Com base nessa premissa, deixo de condenar a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios.
Sentença com remessa necessária (artigo 19 da Lei 4.717/65 - Ação Popular).
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Datado e assinado eletronicamente.
MURILO MENDES Juiz Federal -
17/01/2023 17:20
Conclusos para decisão
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04/10/2022 16:26
Juntada de manifestação
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29/09/2022 15:21
Processo devolvido à Secretaria
-
29/09/2022 15:21
Juntada de Certidão
-
29/09/2022 15:21
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
-
29/09/2022 15:21
Proferido despacho de mero expediente
-
22/07/2022 16:20
Conclusos para despacho
-
12/05/2022 17:45
Juntada de petição intercorrente
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12/05/2022 15:06
Juntada de petição intercorrente
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11/05/2022 10:38
Juntada de Certidão
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11/05/2022 10:38
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
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11/05/2022 10:38
Ato ordinatório praticado
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25/03/2022 16:49
Juntada de manifestação
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24/02/2022 11:12
Expedida/certificada a intimação eletrônica
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24/02/2022 11:12
Expedição de Outros documentos.
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23/02/2022 11:50
Juntada de parecer
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12/11/2021 13:43
Juntada de parecer
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25/10/2021 19:30
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
-
25/10/2021 19:30
Expedição de Outros documentos.
-
30/07/2021 18:21
Juntada de parecer
-
29/06/2021 02:12
Decorrido prazo de ZAVA MADEIREIRA LTDA - EPP em 28/06/2021 23:59.
-
15/06/2021 09:02
Juntada de petição intercorrente
-
14/06/2021 18:53
Juntada de petição intercorrente
-
11/06/2021 17:18
Processo devolvido à Secretaria
-
11/06/2021 17:18
Juntada de Certidão
-
11/06/2021 17:18
Expedição de Comunicação via sistema.
-
11/06/2021 17:18
Outras Decisões
-
05/03/2021 16:28
Conclusos para decisão
-
27/08/2020 14:48
Juntada de Petição intercorrente
-
19/08/2020 17:03
Juntada de Parecer
-
10/08/2020 15:49
Expedição de Outros documentos.
-
18/05/2020 11:15
Juntada de manifestação
-
08/05/2020 14:43
Juntada de petição intercorrente
-
27/04/2020 19:38
Juntada de Documento do Ministério Público em Procedimento Investigatório
-
17/04/2020 15:53
Expedição de Comunicação via sistema.
-
17/04/2020 15:53
Expedição de Comunicação via sistema.
-
17/04/2020 15:53
Expedição de Comunicação via sistema.
-
26/03/2020 22:55
Outras Decisões
-
12/12/2019 17:54
Conclusos para decisão
-
24/10/2019 18:40
Juntada de réplica
-
07/10/2019 19:40
Juntada de Petição intercorrente
-
03/09/2019 15:46
Expedição de Comunicação via sistema.
-
03/09/2019 15:46
Expedição de Comunicação via sistema.
-
03/09/2019 15:45
Ato ordinatório praticado
-
23/07/2019 08:53
Juntada de contestação
-
04/07/2019 18:33
Juntada de diligência
-
04/07/2019 18:33
Mandado devolvido cumprido
-
02/07/2019 10:56
Recebido o Mandado para Cumprimento pelo Oficial de Justiça
-
21/06/2019 18:10
Expedição de Mandado.
-
17/05/2019 13:50
Juntada de Parecer
-
05/05/2019 13:58
Juntada de petição intercorrente
-
26/04/2019 16:38
Expedição de Comunicação via sistema.
-
26/04/2019 16:38
Expedição de Comunicação via sistema.
-
24/04/2019 18:42
Juntada de diligência
-
24/04/2019 18:42
Mandado devolvido sem cumprimento
-
13/03/2019 16:30
Juntada de Petição intercorrente
-
12/03/2019 10:56
Recebido o Mandado para Cumprimento pelo Oficial de Justiça
-
01/03/2019 18:34
Expedição de Mandado.
-
01/03/2019 18:34
Expedição de Comunicação via sistema.
-
18/02/2019 18:58
Proferido despacho de mero expediente
-
04/02/2019 18:30
Conclusos para despacho
-
30/01/2019 16:51
Remetidos os Autos da Distribuição a 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Sinop-MT
-
30/01/2019 16:51
Juntada de Informação de Prevenção.
-
29/01/2019 19:23
Recebido pelo Distribuidor
-
29/01/2019 19:23
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
29/01/2019
Ultima Atualização
09/08/2023
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Ato ordinatório • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
Sentença Tipo A • Arquivo
Decisão • Arquivo
Despacho • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
Despacho • Arquivo
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