TRF1 - 1005308-95.2024.4.01.3200
1ª instância - 7ª Manaus
Polo Ativo
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Polo Passivo
Partes
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Assistente Desinteressado Amicus Curiae
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Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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14/05/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Seção Judiciária do Amazonas 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da SJAM Autos: 1005308-95.2024.4.01.3200 Classe: Ação Civil Pública (65) Autor: Ministério Público Federal (Procuradoria) Réu: Atem Participações S.A. e Outros DECISÃO Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em desfavor da União, da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), da Atem Participações S.A. e da Eneva S.A., na qual pretende: a) a anulação do procedimento de concessão dos blocos AM-T-63, AM-T- 64, AM-T-107 e a Área de Acumulação Marginal do Campo do Japiim, objetos do leilão do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão de blocos exploratórios de petróleo e gás ou, subsidiariamente, sua suspensão pela UNIÃO e a ANP enquanto não realizada a consulta prévia, livre, informada, de boa-fé e culturalmente adequada aos povos indígenas e comunidades tradicionais, nos termos da Convenção 169 da OIT, sob pena de nulidade; b) a anulação do procedimento de oferta e concessão do bloco AM-T-133, por se sobrepor a terra indígena e ausência de consulta ou, subsidiariamente, que determine a suspensão pela UNIÃO e a ANP enquanto não excluída a área do bloco AM-T-133 que se sobrepõe à Terra Indígena Maraguá (em caso de impossibilidade por ausência do polígono, suspensão enquanto não demarcada a área da TI Maraguá) e enquanto não realizada a consulta prévia, livre, informada, de boa-fé e culturalmente adequada aos povos indígenas e comunidades tradicionais, nos termos da Convenção 169 da OIT, sob pena de nulidade; c) que a ATEM e a ENEVA abstenham-se de realizar qualquer atividade exploratória ou de estudo nas áreas dos blocos AM-T-63, AM-T-64, AM-T-107 e AM-T- 133 e na Área de Acumulação Marginal do Campo do Japiim, objetos do leilão do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão de blocos exploratórios de petróleo e gás, enquanto não realizada a consulta prévia, livre, informada, de boa-fé e culturalmente adequada, aos povos indígenas e comunidades tradicionais, nos termos da Convenção 169 da OIT.
O autor indica que “a presente Ação Civil Pública pretende obter prestação jurisdicional no sentido de suspender a adjudicação e homologação da arrematação dos blocos AM-T-63, AM-T-64, AM-T-107, AM-T-133, e Área de Acumulação Marginal do Japiim, todos do Bloco SAM-O, Bacia do Amazonas, objetos do leilão do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão de blocos exploratórios de petróleo e gás, realizado pela ANP”.
Esclarece, ainda, que esta ação originou-se de procedimento administrativo instaurado para “acompanhar os possíveis impactos associados à exploração de petróleo e gás natural sobre terras indígenas e áreas de uso tradicionais no Amazonas, decorrentes do Edital de Licitações de Oferta Permanente de 17/05/2019, da Agência Nacional de Petróleo”.
Foi feito requerimento para concessão de tutela de urgência.
O feito foi distribuído inicialmente para a 3ª Vara Federal Cível desta Seção Judiciária.
Despacho inicial facultou a manifestação prévia dos requeridos (id. 2060245170).
Houve manifestação da União (id. 2073159154), da ANP (id. 2073777669), da Atem S.A. (id. 2075276665) e da Eneva S.A. (id. 2082000695).
A União alegou preliminares de conexão e prevenção da presente ação coletiva com outras que discutiriam o 4º Ciclo de Oferta Permanente – Concessão de Gás e Petróleo, fazendo referência aos autos de ACP n°0812151-03.2023.4.05.8400 perante a Justiça Federal do Rio Grande do Norte, ACP n°0814306-15.2023.4.05.8000, inicialmente ajuizada na 4ª Vara Federal/AL, ACP n°1117457-50.2023.4.01.3400, inicialmente ajuizada na 9ª Vara Federal/DF, estas últimas remetidas à 4ª Vara Federal da SJRN.
Também mencionou possível conexão com autos de ACP n° 1049493-58.2023.4.01.3200 (3ª vara da SJMA).
Para além dos questionamentos relativos à competência (ou sua modificação em razão de continência ou conexão), as partes apresentaram argumentos comuns para impugnar os pedidos de tutela de urgência e de tutela definitiva.
A ANP (id. 2073777669) também manifestou-se pelo reconhecimento de conexão e prevenção da matéria junto a outros juízos, afirmando que tais ofertas estão submetidas ao escrutínio público, segundo a Lei do Petróleo n°9.478/97; que a consulta só se faz nas hipóteses de “influência direta” a terras indígenas; que o momento oportuno para eventuais consultas será quando do licenciamento ambiental; que a concessão de blocos não resulta, necessariamente, sua exploração; que eventuais impactos, quando detectados, poderão ser mitigados por condicionantes do licenciamento; e que “a Superintendência de Tecnologia e Meio Ambiente da ANP, nos termos do Ofício n. 21/2024/STM-CMA/STM/ANP-RJ, manifestou-se no sentido da ausência de sobreposição das áreas objeto da presente ACP (AM-T-63, AM-T-64, AM-T-107 e AM-T-133 e Campo de Japiim) com Terras Indígenas, as Unidades de Conservação e os Assentamentos de Quilombolas no Estado do Amazonas”.
A ATEM Distribuidora de Petróleo S/A sustentou que a Convenção 169 da OIT não especifica o momento em que deve ser realizada a consulta previa a povos indígenas e comunidades tradicionais; que seria no licenciamento ambiental o momento para tanto; e que eu não haveria amparo legal para a exigência de consulta previa antes do licenciamento ambiental (id. 2075276665).
A ENEVA S/A manifestou-se pelo desmembramento do feito, sob o argumento de que a empresa arrematou, em conjunto com a empresa ATEM, o Campo do Japiim, bloco que não estaria próximo a comunidades indígenas, razão pela qual entende que a exigência de consulta prévia não se aplicaria a este bloco (id. 2082000695).
Para dar suporte às suas alegações, juntou a Manifestação Conjunta n°02/2022 MME/MMA, que informa que o Campo de Japiim não estaria sobreposto a unidades de conservação ou terras indígenas, destacando que a unidade de conservação mais próxima (RDS Uatumã) está distante 10km do Campo Japiim.
As empresas requeridas fazem referência aos julgamentos das ADPF n°825 e n°887 do STF – que dispensou a Avaliação de Área Sedimentar (AAAS) em momento anterior à oferta pública dos blocos de gás e petróleo, o que leva à conclusão pela desnecessidade de prévia análise da viabilidade ambiental, que será objeto de futuro licenciamento ambiental de tais empreendimentos.
Também fez referência ao Parecer Técnico n°0136/2022 – GERM do IPAAM, no sentido de que o Campo do Japiim já teria sido objeto de estudos e atividades no passado pela PETROBRAS, quando das Licenças Prévias n°003/00 e n°035/01, documentadas no processo administrativo ambiental IPAAM n°0005/2022.
Sustentou que a paralisação do certame e de seus efeitos causaria danos graves à ordem pública e econômica, conforme Nota Técnica n° 109/2023/DEPG/SNPGB (Secretaria Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), razão pela qual entende demonstrado o perigo de dano inverso decorrente da concessão da tutela de urgência.
Juntou aos autos documentos, tais como a Manifestação Conjunta n°02/2022 MME/MMA - Oferta Permanente De Áreas (id. 2082029148); o cronograma do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (id. 2082029149, id. 2082029150); notícia divulgada no sítio eletrônico da ANP (id. 2082029151); Ofício n°1211/2021/GS/SEMA (id. 2082029152); Parecer Técnico n°0136/2022 do IPAAM (id. 2082029153); Plano de Gestão da RSD Uatumã (id. 2082029154); e a Ata de Reunião da 60ª Reunião da Comissão Especial de Licitação da Oferta Permanente de Concessão (id. 2082029155).
Foi proferida decisão declinando da competência em favor da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, em função de suposta conexão com os autos n°812151-03.2023.4.05.8400 (id. 2080228669).
O Ministério Público Federal noticiou a interposição de agravo de instrumento (id. 2098744173).
A ENEVA S.A. apresentou contestação (id. 2114831195), ocasião na qual reiterou pedido preliminar de desmembramento do feito (id. 2082000695).
No mérito, alegou que o momento oportuno de consulta é no licenciamento ambiental; que o Campo de Japiim não estaria próximo e não causaria impactos a terras indígenas ou tradicionais; que não haveria sobreposição do Campo de Japiim, com terras indígenas, unidades de conservação e assentamentos de quilombolas no Estado do Amazonas (fazendo referência à Manifestação Conjunta n°02/2022 MME/MMA); que no 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão foram arrematados 192 blocos exploratórios, resultando em R$ 421.712.292,83 em bônus de assinatura e pelo menos R$ 2.012.660.000,00 em investimentos previstos somente na primeira fase do contrato; que também foi arrematada no 4º Ciclo, a área com acumulações marginais de Japiim, gerando um bônus de assinatura de R$ 165.000,00 e investimentos previstos de R$ 1.200.000,00; que não existiria qualquer ação concreta de intervenção no meio ambiente natural e que seriam prematuras as avaliações e especulações sobre os reais impactos no meio ambiente e nas comunidades.
Foi proferida decisão pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região deferindo “o pedido de concessão de antecipação da tutela recursal para afastar a conexão aventada e declarar a competência do Juízo Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária do Amazonas para processar e julgar o presente feito” (id. 2116088243).
A ANP apresentou contestação (id. 2121480531), reiterando alegações já constantes de sua manifestação inaugural, destacando afirmação de que áreas objeto da presente ação coletiva (AM-T-63, AM-T-64, AM-T-107 e AM-T-133 e Campo de Japiim) não se sobrepõem com terras indígenas, as unidades de conservação e os assentamentos de quilombolas no Estado do Amazonas; e a ausência do direito ao veto dos povos indígenas em decorrência da consulta prevista na Convenção n. 169 da OIT; fazendo referência ao Enunciado n. 20 do FONACRE, segundo o qual “Ao decidir sobre questões regulatórias no setor de energia elétrica, os juízes devem ter em conta os problemas sistêmicos e econômicos que suas decisões podem causar”.
Chamando o feito à ordem, o Juízo da 3ª Vara Federal tornou sem efeito a decisão anterior de declínio de competência à SJRN e, em seguida, declinou da competência em favor desta 7ª Vara Federal, aos fundamentos de que a matéria debatida nos autos envolveria “tanto suposta ofensa ao direito de grupos de pessoas que o MPF alega serem indígenas quanto matéria de direito ambiental”, razão pela qual entendeu pela possível continência com os autos n°1048785-08.2023.4.01.3200, em trâmite neste juízo (id. 2121755983).
A União apresentou contestação (id. 2124080074), quando reiterou alegações de sua manifestação inicial e destacando que o TCU aprovou o sistema de Oferta Permanente da ANP, atestando que a Agência atendeu aos aspectos de “tempestividade, completude e suficiência técnica dos elementos apresentados por meio do acervo documental inerente ao certame da Oferta Permanente de Blocos Terrestres e Marítimos com Risco Exploratório e de Áreas com Acumulações Marginais”, ressaltando que a eventual consulta prévia se dará quando do licenciamento ambiental de tais blocos de exploração.
Os autos foram redistribuídos a este Juízo.
O Ministério Público Federal apresentou manifestação, quando rebateu as teses apresentadas elas rés, aduzindo que: a) a presente ação possui como causa de pedir direitos indígenas e não direitos indígenas e direito ambiental, como exposto na última decisão de declínio; b) não haveria continência da demanda destes autos com a discussão da ACP n°1048785-08.2023.4.01.3200, uma vez que esta possui partes, causa de pedir e pedidos distintos; c) que haveria, contudo, risco de decisões contraditórias nesta ação e na ACP n°1048785-08.2023.4.01.3200, “ao menos em relação a uma hipótese de decisão e para os blocos coincidentes nos pedidos (AM- T-64, AM-T-107 e AM-T-133, apenas)”; e d) seria favorável ao declínio a este Juízo pois, a despeito de ser excluída da sua competência matéria relativa a direitos indígenas, esta previsão em norma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região não pode prevalecer em relação ao Código de Processo Civil (art. 55, §3°, c/c art. 58), por ser esta norma hierarquicamente superior.
Ao final, o MPF requereu o reconhecimento da competência e a apreciação da liminar ou, subsidiariamente, que fosse suscitado conflito negativo de competência (id. 2125091698).
Na decisão id. 2125346672, este Juízo suscitou conflito negativo de competência junto ao TRF1, entendendo que o objeto da lide apresenta preponderância da questão indígena.
O TRF1 (id. 2127958876), em decisão liminar, designou provisoriamente esta vara especializada para decisão e resolução de medidas urgentes na presente demanda, nos termos do art. 955 do CPC.
A ENEVA (id. 2128944964) reiterou o pedido de desmembramento e alegou a inexistente probabilidade do direito para a concessão da liminar pleiteada na inicial, frisando haver periculum in mora inverso, por entender que a suspensão do certame e do início dos estudos para exploração das áreas outorgadas causaria insegurança jurídica para novos empreendimentos em potencial, além de afastar investidores do país.
Na decisão id. 2128901081, este Juízo deferiu a liminar para determinar que: “1.
A UNIÃO e a ANP abstenham-se de homologar, adjudicar e realizar a assinatura dos contratos dos blocos AM-T-63, AM-T-64, AM-T-107 e AM-T-133 e a Área de Acumulação Marginal do Campo do Japiim, objetos do leilão do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão de blocos exploratórios de petróleo e gás, enquanto não realizada a consulta prévia, livre, informada, de boa-fé e culturalmente adequada aos povos indígenas e comunidades tradicionais, nos termos da Convenção 169 da OIT e ainda, no caso do bloco AM-T-133, enquanto não recortada a área sobreposta à Terra Indígena Maraguá; 2.
A ATEM e a ENEVA abstenham-se de realizar qualquer atividade exploratória ou de estudo nas áreas dos blocos AM-T-63, AM-T-64, AM-T-107 e AM-T- 133 e a Área de Acumulação Marginal do Campo do Japiim, objetos do leilão do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão de blocos exploratórios de petróleo e gás, enquanto não realizada a consulta prévia, livre, informada, de boa-fé e culturalmente adequada, aos povos indígenas e comunidades tradicionais, nos termos da Convenção 169 da OIT.” Na ocasião, determinou a manutenção dos autos sobrestados até a decisão do TRF1 acerca do conflito de competência suscitado.
A ANP comunicou a interposição de Agravo de Instrumento em face da decisão que deferiu a liminar (id. 2137846627), autos 1023817-71.2024.4.01.0000.
O TRF1 conheceu do conflito negativo de competência para declarar competente o Juízo da 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas ao argumento da existência de conexão com a ACP anterior (n. 1048785-08.2023.4.01.3200), de maneira que o grau de risco de ocorrência de decisões contraditórias seria alto, a despeito de a identidade dos blocos exploratórios indicados ser parcial e a discussão daqueles autos cingir-se à observância da consulta aos povos indígenas e comunidades locais atingidas (id. 2144444397).
Decisão id. 2150899443 determinou a intimação do MPF para apresentar a réplica.
Foram enviados ofícios (id. 2156527668 e 2156905731) pelo Tribunal comunicando o teor dos acórdãos proferidos no julgamento dos agravos de instrumento nº 1026051-26.2024.4.01.0000 e 1023817-71.2024.4.01.0000, dando parcial provimento ao recurso para, “reformando a decisão agravada, permitir o regular prosseguimento do procedimento licitatório em relação aos blocos AM-T-63, AMT- 64, AM-T-107 e à Área de Acumulação Marginal do Campo de japiim, decorrente do leilão do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão de blocos exploratórios de petróleo e gás, observada a necessária consulta das comunidades indígenas e povos tradicionais que possam ser direta ou indiretamente afetados, nos termos da Convenção nº 169 da OIT, que deverá ocorrer durante curso do processo de licenciamento ambiental das atividades exploratórias relativas aos referidos blocos, observado o prazo de 08 anos de duração da fase de exploração, e de 03 anos da fase de reabilitação”.
Sobre a Área de Acumulação Marginal do Campo do Japiim, foi declarado prejudicado o pedido em agravo de instrumento, tendo em vista a análise deste objeto no Agravo de Instrumento nº 1020307-50.2024.4.01.0000.
Em outro ofício (id. 2156528333), foi comunicado o provimento do agravo de instrumento nº 1020307-50.2024.4.01.0000 para “reformar a decisão agravada em relação à área arrematada pela agravante (Área de Acumulação Marginal do Campo do Japiim), a fim de permitir o regular prosseguimento do procedimento licitatório decorrente do leilão do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão para exploração ou reabilitação e produção de petróleo e gás natural, observada a necessária consulta das comunidades indígenas e povos tradicionais que possam ser direta ou indiretamente afetados, nos termos da Convenção nº 169 da OIT, durante o processo de licenciamento ambiental para a execução do Programa de Trabalho Inicial – PTI, observado o prazo de 03 (três) anos da fase de reabilitação”.
Em réplica, o MPF requereu a decretação da revelia em relação à ré ATEM Partipações S.A., na forma do art. 344 do CPC; indeferimento do pedido de desmembramento formulado pela ENEVA; e a procedência integral dos pedidos constantes na inicial (id. 2161171099).
A ANP requereu a juntada do Ofício nº 158/2024/STM-CMA/STM/ANP-RJ-e informando que o bloco AM-T-133 foi ofertado e arrematado (id. 2162948648 e 2162948650). É o relatório.
Decido. 1.
Quanto ao pedido de decretação de revelia formulado pelo Ministério Público Federal em face da ré ATEM Participações S.A., verifico que merece acolhimento parcial.
A ATEM Participações S.A. foi citada para tomar conhecimento da Ação Civil Pública, manifestar sobre os pedidos de tutela de urgência e apresentar contestação em 01/03/2024, na forma do art. 335 do CPC (id. 2062713646).
O mandado de citação foi juntado aos autos na mesma data, de forma que o início do prazo para apresentar contestação se deu em 04/03/2024 e finalizou em 22/03/2024, em atenção ao art. 335, III, do CPC.
Embora a ATEM tenha apresentado manifestação em 11/03/2024 (id. 2078376177), verifica-se que esta petição tratava-se apenas de manifestação prévia sobre o pedido de tutela de urgência, e não de contestação propriamente dita.
Isso fica evidente pelo dispositivo da própria petição, que requereu "o indeferimento do pedido de concessão de tutela provisória, determinando-se o regular processamento do feito, com a citação da Requerida para contestar na forma do artigo 238 do CPC".
Tal redação deixa claro que a própria ATEM reconhecia que aquela manifestação não constituía contestação, tanto que solicitou sua posterior citação para contestar.
Ademais, o conteúdo da referida manifestação limitou-se a argumentos contra a concessão da tutela de urgência, sem abordar o mérito da ação de forma completa, como se espera de uma contestação.
Assim, tendo transcorrido o prazo legal sem apresentação de contestação, reconheço a preclusão de sua faculdade de apresentar contestação, o bem como decretar revelia da ré ATEM Participações S.A., nos termos do art. 344 do CPC.
No entanto, tratando-se de litisconsórcio passivo, com pluralidade de réus, e considerando que tanto a ANP quanto a União apresentaram contestações extensas para tratar do processo relativo ao leilão dos blocos AM-T-63, AM-T-64, AM-T-107 e AM-T-133, aplica-se ao caso o disposto no art. 345, I, do CPC, segundo o qual a revelia não produz os efeitos materiais do art. 344 do CPC (presunção de verdade quanto aos fatos alegados) quando, havendo pluralidade de réus, algum deles contestam os pedidos da ação.
No caso em análise, verifica-se que se trata de litisconsórcio unitário, no qual "pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos" (CPC, art. 116).
Nessa hipótese, "os atos e as omissões de um não prejudicarão os outros, mas os poderão beneficiar" (CPC, art. 117, in fine).
As contestações apresentadas pela ANP e pela União aproveitam à situação jurídica processual da ATEM, sobretudo com relação à alegação de regularidade do processo de oferta e arrematação dos blocos leiloados no 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão de Blocos Exploratórios de Petróleo e Gás.
Ainda, a ação proposta contra vários réus, dentre os quais se encontra autarquia federal, contra a qual não são aplicáveis presunções típicas dos efeitos materiais de uma revelia.
Portanto, reconheço a REVELIA da ré ATEM Participações S.A., mas deixo de aplicar os efeitos materiais previstos no art. 344 do CPC, em razão da aplicação do disposto no art. 345, I, do mesmo diploma legal. 2.
Quanto ao pedido de desmembramento formulado pela ENEVA S.A. em relação ao Campo do Japiim, entendo que não deve ser acolhido pelos fundamentos que passo a expor.
A ENEVA fundamenta seu pedido no argumento de que o Campo do Japiim diverge substancialmente dos demais blocos, uma vez que não estaria próximo a comunidades indígenas e, portanto, a exigência de consulta prévia não se aplicaria a este bloco.
Alega ainda que o Campo do Japiim não está sobreposto a nenhuma área protegida e apenas está a aproximadamente dez quilômetros da RDS Uatumã, além de já ter sido objeto de licenciamento e exploração no passado.
Nenhum destes argumentos prospera para autorizar desmembramento.
Primeiramente, saber se o Campo Japiim apresenta ou não situação fática distinta, relativa aos impactos que pode trazer para comunidades indígenas, é um dos pontos controvertidos da demanda, constituindo matéria de mérito, sujeita a dilação e ônus probatório.
Sem segundo lugar, embora o Campo do Japiim tenha sido arrematado por empresas diferentes, os fatos em contextualização não se desconectam a ponto de justificar o desmembramento.
Isso porque o campo integrou o leilão do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão de blocos exploratórios de petróleo e gás, integrando, portanto, o ato/procedimento administrativo da ANP que é exatamente questionado na presente ação civil pública.
Em terceiro lugar, ainda que este bloco tenha sido ofertado no passado, é pacífico na jurisprudência que não existe direito adquiro a atividades que possam, pela dinâmica típica do tempo, esvaziar por completo direitos fundamentais de caris sócioambiental – tais como estado de preservação, conservação, riscos de impacto imprevisíveis e não mitigados, riscos de danos evitáveis ou inevitáveis, riscos de violação a direitos fundamentais a populações tradicionais, ou qualquer outro risco de dano que submeta a matéria a nova análise pelo Poder Público.
Dito de outra forma, grandes empreendimentos com enorme potencial de impactos e riscos socioambientais devem ser controlados antes, durante e depois, seja sob a perspectiva de sua legalidade, seja quanto a sua constitucionalidade.
Isso porque o direito humano ao meio ambiente sadio e equilibrado – intimamente atrelado ao direito de existir, por parte dos povos originários – exige progressiva realização e não comporta engessamento contra riscos, lesões ou eventuais violações presentes ou futuras.
Ainda, não há que se falar em tumulto processual que impeça o livre prosseguimento da instrução, nem número exagerado de réus que dificulte o andamento do feito; mormente quando a instrução pode, em tese, resultar em acolhimento parcial dos pedidos para alguns blocos e não acolhimento para outros, conforme a prova que se produzir quanto às teses iniciais do MPF.
Em quarto lugar, a atuação estatal em relação à proteção dos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais apresenta questões comuns em relação a todos os blocos, uma vez que se discute o direito à consulta prévia, livre, informada e de boa fé, nos termos da Convenção 169 da OIT.
O cerne da discussão é justamente determinar em que momento e em quais circunstâncias essa consulta deve ocorrer, questão que afeta todos os blocos objeto da lide; não fazendo nenhum sentido o desmembramento, sob pena de risco de soluções díspares para fatos, condições locais e circunstâncias que mereçam tratamento uníssono pela Poder Judiciário, em primazia do princípio basilar da segurança jurídica e coerência na prestação jurisdicional.
Nos termos do art. 113, III, do CPC, o litisconsórcio pode ocorrer nos casos em que houver afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito.
No caso em análise, os blocos foram arrematados no mesmo contexto (mesmo ciclo de oferta), de modo que há afinidade de ponto comum de fato e de direito.
Todos fazem parte do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão de blocos exploratórios de petróleo e gás, realizado pela ANP, e estão submetidos ao mesmo regime jurídico e procedimentos administrativos.
Ademais, conforme apontado pelo Ministério Público Federal, há registros de ao menos 250 famílias ribeirinhas na região do Campo de Japiim, que totalizam aproximadamente 1500 ribeirinhos distribuídos em vinte comunidades.
Os ribeirinhos são qualificados como população tradicional, na forma do art. 4º, II, §2º, XXV, do Decreto 8750/2016, e a eles também são garantidos direitos com vistas a preservar seus modos de vida e sua particular relação com o território.
Assim, mesmo que não haja sobreposição direta com terras indígenas, a questão da consulta prévia permanece relevante também para o Campo do Japiim.
O Campo do Japiim está localizado a aproximadamente dez quilômetros a leste da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uatumã, incidindo sobre a zona de amortecimento da unidade de conservação.
Os limites da zona de amortecimento da RDS Uatumã são definidos no Plano de Gestão da unidade de conservação, que define, também, as regras relativas às atividades potenciais causadoras de impacto.
Esta proximidade com área protegida e a presença de comunidades tradicionais na região mantém a pertinência temática com os demais blocos.
Repita-se, quanto ao argumento de que o Campo do Japiim já foi objeto de exploração anterior, isso não afasta a necessidade de nova análise dos impactos socioambientais atuais e da realização de consulta prévia – principalmente caso esta nunca tenha sido realizada em momento anterior.
A consulta prévia, livre, informada, de boa-fé e culturalmente adequada aos povos indígenas e comunidades tradicionais, nos termos da Convenção 169 da OIT constitui o coração do direito humano de autodeterminação, direito de tomar parte em decisões que impactam suas vidas ou que podem, até mesmo, colocar em risco o direito de existir de um povo.
Ainda, as licenças ambientais possuem prazos determinados e a avaliação de impactos deve ser atualizada periodicamente, considerando novas circunstâncias e conhecimentos científicos.
Nesta senda, a limitação do litisconsórcio facultativo apenas deve ocorrer nos casos em que o juiz entenda ser necessário para a não obstrução da instrução processual, nos termos do art. 113, §1º do CPC: "Art. 113 (...) § 1º O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes na fase de conhecimento, na liquidação de sentença ou na execução, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa ou o cumprimento da sentença." No presente caso, não se vislumbra que a manutenção do Campo do Japiim no polo passivo da demanda possa comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa ou o cumprimento de eventual sentença, tampouco compromete o direito da ENEVA de exercer plenamente seu direito de defesa e contraditório, com oportunidade, durante a dialética processual, de justificar e fazer prova da alegada “situação diferenciada” que assumiria.
Como dito acima, o desmembramento poderia levar a decisões contraditórias sobre matéria semelhante, comprometendo a segurança jurídica e a economia processual.
Ressalte-se, por fim, que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao decidir sobre o conflito de competência suscitado, reconheceu a conexão desta ação com a ACP anterior (n. 1048785-08.2023.4.01.3200), justamente para evitar decisões contraditórias.
O desmembramento do feito iria de encontro a essa decisão, podendo gerar multiplicidade de processos sobre questões conexas.
Por tais fundamentos, INDEFIRO o pedido de desmembramento. 3.
A redistribuição judicial do ônus da prova consiste na possibilidade de ser excepcionada a regra de distribuição prevista no art. 373 do CPC/15, diante das peculiaridades do caso concreto, impondo a outra parte o encargo probatório.
Nas ações que versam sobre a tutela do meio ambiente, aquele que cria ou assume o risco do dano ambiental tem o dever de prevenção e reparação, notadamente em se considerando populações em condição de vulnerabilidade social, informacional e econômica, como é o caso de populações tradicionais e indígenas.
A razão da inversão, em matéria socioambiental e de direitos indígenas, sustenta-se no princípio da precaução, que estabelece o benefício da dúvida em prol do meio ambiente e das comunidades vulneráveis, de maneira que a doutrina e a jurisprudência sustentam a possibilidade de redistribuição do ônus da prova, carreando aos réus a obrigação de provar que: a) não concorreu para a prática de um ilícito; b) não concorreu para a ocorrência de um dano ambiental; c) que adotou a melhor técnica para evitar pactos evitáveis, bem como mitigar e compensar impactos inevitáveis; d) que franqueou acesso a tais dados para conhecimento público e das comunidades afetadas por tais empreendimentos; e) que franqueou participação na tomada de decisões; dentre outras providências que ficam a cargo que assume condição sobremaneira destacada na concepção e execução do empreendimento.
Ademais, a inversão do ônus da prova ocorre em benefício da coletividade (art. 6º, VIII do CDC c/c o art. 21 da Lei n. 7.347/85), razão pela qual a matéria encontra-se pacificada no Superior Tribunal de Justiça, ao enfatizar que "o princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente promoveu o dano ambiental comprovar que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva" (Resp 1.060.753/SP, Rel.
Min.
Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 01/12/2009, DJe 14/12/2009).
O entendimento também está materializado na súmula 618 do STJ, que deverá ser aplicada a empreendimentos com grande potencial de danos a comunidades indígenas e tradicionais.
No caso em análise, o Ministério Público Federal apresentou elementos probatórios iniciais que indicam a proximidade dos blocos exploratórios com terras indígenas e unidades de conservação, conforme o Laudo Técnico n. 177/2024-ANPA/SPPEA/PGR, no sentido de estarem os blocos e a área de acumulação marginal exercerão impactos socioambientais em pelo menos seis terras indígenas e onze unidades de conservação.
A atividade em discussão possui inegável finalidade lucrativa, sujeita ao influxo do princípio do poluidor pagador.
Ainda existe uma assimetria informacional, porquanto o proponente de projetos é o agente detentor de informações que devem ser colocadas à mesa de debate quando o assunto são os possíveis impactos socioambientais do empreendimento.
Por todas estas razões, DEFIRO a inversão do ônus da prova. 4.
Dispositivos.
Diante do exposto, RECONHEÇO a REVELIA da ré ATEM Participações S.A., mas deixo de aplicar os efeitos materiais da revelia (interpretação conjunta dos artigos 344 e 345, I do CPC e demais fundamentos acima).
INDEFIRO o pedido de desmembramento formulado pela ENEVA S.A.
DEFIRO a inversão do ônus da prova, e tomo todos os elementos os fatos e fundamentos descritos e relatados na presente decisão como pontos controvertidos sujeitos a ônus da prova de discussão jurídica, oportunidade em que dou por SANEADO o feito.
INTIMEM-SE as partes para especificar as provas que pretendem produzir, no prazo de 15 (quinze) dias, com indicação da finalidade a que se destina cada prova, bem como fundamentando a sua necessidade, sob pena de indeferimento, na forma dos art. 369 e parágrafo único do art. 370 do CPC.
Intimem-se as partes.
Transcorrido os prazos, tornem-me conclusos para análise dos pedidos de prova.
Manaus, data da assinatura digital.
MARA ELISA ANDRADE Juíza Federal -
23/02/2024 17:18
Recebido pelo Distribuidor
-
23/02/2024 17:17
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
29/04/2024
Ultima Atualização
14/05/2025
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