TRF1 - 1007772-02.2023.4.01.3500
1ª instância - Luzi Nia
Polo Ativo
Polo Passivo
Partes
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Partes
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
26/05/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Luziânia-GO Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Luziânia-GO PROCESSO: 1007772-02.2023.4.01.3500 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) POLO ATIVO: JOSE REINALDO BARBOSA ALESCIO e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: ANDRE VIEIRA LACERDA - DF53495, JORGINALDO FERNANDO DE SOUSA AGUIAR - DF37157 e AMANDA CUNHA AYRES BARBOSA - DF60347 POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: VILMAR DE ALMEIDA COELHO FILHO - GO55222 e CLEUTON CESAR RIPOL DE FREITAS - GO19405 DECISÃO JOSÉ REINALDO BARBOSA ALESCIO e JOSÉ RICARDO SERRANO ALESCIO propuseram a presente ação de interdito proibitório em face de VIZINDOS DESCONHECIDOS em que objetivam, liminarmente, que os vizinhos integrantes das chácaras vizinhas, limítrofes à Fazenda Boa Vista, no Município de Mimoso de Goiás, GO 230, se abstenham de entrar na propriedade.
Consta basicamente na inicial que: (a) os Autores, desde 2019, são proprietários do imóvel rural denominada FAZENDA BOA VISTA GO 230, Região do Rio Maranhão, Zona Rural, com área aproximada de 750,9882 hectares, no Município de Mimoso de Goiás-GOGO, imóvel este existente há mais de 3838 anos (desde 1982), conforme se demonstra pela Escritura Pública de Transferência de Direitos Possessórios, Livro no. 12 de notas, folhas no. 079/080, 1º Traslado emitido pelo Cartório de Títulos e Documentos de Mimoso de Goiás-GO, datado em 09/03/2020 e conforme memorial descritivo feito pelo Sr.
Ricardo Santana Donato; (b) recentemente, os Autores foram ameaçados pelo Sr.
Francimar, informando que não era para construir cercas, dizendo: você ver o que acontece.
Haverá um derramamento de sangue.
Aqui somos comunidade.
A gente dá o sangue mas ninguém mexe aqui não”; (c) Foi lavrado o Boletim de Ocorrência de número 18480004, emitido em 03 de março de 2021, as 17h43, pela Delegacia de padre Bernado GO, supra narrado, para que sejam tomadas as providências legais.
Juntaram documentos.
A ação foi distribuída, inicialmente, perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Padre Bernardo/GO que, por meio da decisão de ID 1495572872 – pág. 12 e seguintes, deferiu o pedido liminar em face do esbulho provocado pela parte requerida.
Expedido edital de citação no ID 1495572872 – pág. 17.
Antônia Souza Ferreira apresentou contestação no ID 1495572872 – pág. 52.
Pugnou pela remessa dos autos à Justiça Federal e pela reconsideração da decisão liminar.
Apresentou pedido contraposto de manutenção de posse.
No mérito, pugnou pela improcedência dos pedidos.
No ID 1495572873 – pág. 29, foi proferido despacho determinando-se a intimação do INCRA e da UNIÃO para manifestarem eventual interesse no feito.
Ambos mantiveram-se inertes.
Na decisão de ID 1495572873 – pág. 39, o Juízo Estadual reconheceu sua incompetência absoluta para a análise e julgamento da demanda.
Por consequência, determinou a remessa dos autos para a Justiça Federal.
Recebidos os autos da distribuição da SJGO em 15/02/2023.
Informação de prevenção negativa no ID 1495572888.
A Fundação Cultural Palmares – FCP requereu seu ingresso no feito na qualidade de assistente da parte requerida (ID 1659019448).
No ID 1834536659, a 3ª Vara Cível da SJGO reconheceu sua incompetência e determinou a remessa dos autos para esta Vara Federal.
No ID 1847200671 foi proferido despacho determinando-se a intimação do INCRA e do MPF para manifestarem interesse em integrar a lide.
Na ocasião, foi requerido ao INCRA que esclarecesse sobre o atual estágio do processo administrativo de titulação da área ocupada pela Comunidade Remanescente de Quilombo Mimoso de Goiás (nº 54700.001459/2015-57, informado pela Fundação Cultural Palmares), bem como, sendo possível neste momento processual, informar se a área discutida nos presentes autos estaria dentro das áreas historicamente ocupadas por tais comunidades.
O INCRA informou interesse em intervir no feito na qualidade de assistente simples dos requeridos (ID 2056807660).
A Defensoria Pública requereu sua habilitação nos autos (ID 2141465037).
O MPF manifestou-se no ID 2142432394 acerca da competência da Justiça Federal para o julgamento da demanda.
O MPF manifestou-se novamente no ID 2142432394 pela juntada de cópia do Inquérito Civil 18.002.000161/2020-45 e dos elementos informativos que o integram, pugnando pela concessão de tutela de urgência para determinar a reintegração na posse dos remanescentes de quilombo FILIPANOS QUEIXO DANTAS na área descrita na Escritura de Direito de Posse, registrada no Livro B-02, de Registro de Títulos e documentos, à f. 95, número de ordem 599, lavrada no dia 07 de maio de 2003 (cópia no Documento 248.6, pp. 22 e 23, e Doc. 289), que abrange os lotes 21A, 22 e uma parte do 27 do Loteamento Rio Maranhão, e, conforme o Parecer Técnico nº 1306/2024/SPPEA, também outra parte do lote 27 que vai até a barra do Córrego Boa Vista ou Catitu com Rio Maranhão, num total de 264 hectares, tudo conforme os resultados dos Processos 1.222/96 e Página 31 de 32 1.045/03, da Comarca de Padre Bernardo, e ampla prova testemunhal produzida, sobretudo os testemunhos de Marta Ivone de Oliveira e Ralf Pereira Tavares.
No ID 2161950343, o MPF pugnou pela realização de audiência de justificação no feito.
Deferida a realização de audiência de justificação no ID 2168848362.
A Defensoria Pública manifestou-se no ID 2171225237, reiterando o requerimento de intervenção no feito na qualidade de custus vulnerabilis.
Realizada audiência de justificação no dia 13/02/2025, conforme ata de ID 2171670916.
Naquela ocasião, foi deferido o requerimento de ingresso formulado pela DPU.
Vieram os autos conclusos para análise do pedido possessório formulado pelo Ministério Público Federal no ID 2156889099. É o suscinto relatório.
Decido.
Cuida-se de ação de interdito proibitório formulado por JOSÉ REINALDO BARBOSA ALESCIO e JOSÉ RICARDO SERRANO ALESCIO em face dos vizinhos confrontantes ao perímetro da Fazenda Boa Vista, no Município de Mimoso de Goiás, localizada na GO 230.
No ID 1495572872 – pág. 12 e seguintes, o Juízo Estadual da Comarca de Padre Bernardo deferiu o pedido liminar em face do esbulho provocado pela parte requerida.
No ID 2156889099 - Pág. 29, o Ministério Público Federal manifestou-se nos autos alegando o esbulho ocorrido pelos autores em face do território da comunidade Filipanos Queixo Dantas, em área reconhecida e resguardada por sentença judicial e por escritura possessória nela baseada.
Por oportuno, postulou pelo deferimento da tutela de urgência “para determinar a reintegração na posse dos remanescentes de quilombo FILIPANOS QUEIXO DANTAS na área descrita na Escritura de Direito de Posse, registrada no Livro B-02, de Registro de Títulos e documentos, à f. 95, número de ordem 599, lavrada no dia 07 de maio de 2003 (cópia no Documento 248.6, pp. 22 e 23, e Doc. 289), que abrange os lotes 21A, 22 e uma parte do 27 do Loteamento Rio Maranhão, e, conforme o Parecer Técnico nº 1306/2024/SPPEA, também outra parte do lote 27 que vai até a barra do Córrego Boa Vista ou Catitu com Rio Maranhão, num total de 264 hectares (...)”.
Pois bem.
Recordo que a Constituição Federal de 1988 tem como um de seus principais pilares a construção de uma sociedade justa e solidária, com a erradicação de desigualdades e a garantia de proteção e inclusão de diversos grupos étnicos, que se encontravam, historicamente, em posição social fragilizada.
Para tanto, o art. 68 do ADCT estabeleceu que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.” A expressão "estejam ocupando", por sua vez, designa a proteção especial da posse exercida pelas populações tradicionais em territórios remanescentes de quilombos, há várias gerações, garantindo-lhes, inclusive, o direito a obter a titulação das terras ocupadas.
Nesse contexto, a fim de disciplinar o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, foi editado o Decreto n. 4.887/2003 – diploma que, conforme assentado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n. 3.239, não invadiu esfera reservada à lei, pois apenas regulamentou o comportamento do Estado na implementação do comando constitucional previsto no art. 68 do ADCT, por se tratar de conduta inerente ao exercício do poder regulamentar da Administração (CF/88, art. 84, VI). É importante destacar que o art. 2º, caput, do Decreto nº 4.887/2003 conceitua os remanescentes das comunidades dos quilombos como "os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida", utilizando, portanto, o critério de autodefinição para a identificação dos quilombolas, nos termos do §1º do mesmo artigo.
Assim, ao julgar a ADI n. 3.239, o STF entendeu que a escolha desse critério não foi arbitrária, reputando a ausência de ofensa à Constituição.
Desse modo, cabe à Fundação Cultural Palmares certificar o reconhecimento da comunidade que se autodefinir como remanescente de quilombo (Decreto n. 4.887/2003, art. 3ª, § 4º) e assistir o INCRA nos procedimentos administrativos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras tradicionalmente ocupadas (art. 5º, do Decreto n. 4.887/2003), a quem cabe elaborar Relatório Técnico de Identificação e Delimitação - RTID, por meio do qual o território da comunidade é delimitado com maior precisão, por meio de estudos antropológicos, agronômicos e topográficos.
Após o encerramento do RTID, bem assim de todo o levantamento ocupacional e cartorial, o INCRA deverá publicar por duas vezes consecutivas edital no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federativa onde está situada área quilombola (Decreto n. 4.887/2003, art. 7º) e, a partir de então, será realizada a notificação dos ocupantes e dos confinantes da área delimitada (Decreto n. 4.887/2003, art. 7º, § 2º) para que, eventualmente, contestem o respectivo relatório (Decreto n. 4.887/2003, art. 9º).
Não havendo contestações ou sendo elas rejeitadas, o INCRA concluirá o procedimento de titulação do território quilombola, conforme as demais normas estabelecidas no Decreto n. 4887/2003 até a outorga do título coletivo das terras (art. 9º/ss). É perceptível, assim, ainda existir um longo caminho no processo de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras remanescentes de quilombos, que pressupõe a conclusão dessas diversas etapas.
Não obstante, uma vez reconhecidos como quilombolas, mesmo que suas terras ainda estejam em processo de identificação e titulação no âmbito das instituições competentes, as populações tradicionais gozam de proteção especial constitucional e, por isso, ostentam direito à justa posse definitiva até a finalização do procedimento.
Em outras palavras, não se pode punir duplamente as comunidades tradicionais, seja com a demora no procedimento de demarcação (direitos difusos de toda a sociedade), seja com a negativa de proteção possessória.
Nesse sentido: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.
RECURSO ESPECIAL.AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
TERRENO DE MARINHA.
ILHA DA MARAMBAIA.
COMUNIDADE REMANESCENTE DE QUILOMBOS.
DECRETO N.º 4.887, DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003, E ART. 68 DO ADCT. 1.
A Constituição de 1998, ao consagrar o Estado Democrático de Direito em seu art. 1º como cláusula imodificável, fê-lo no afã de tutelar as garantias individuais e sociais dos cidadãos, através de um governo justo e que propicie uma sociedade igualitária, sem nenhuma distinção de sexo, raça, cor, credo ou classe social. 2.
Essa novel ordem constitucional, sob o prismado dos direitos humanos, assegura aos remanescentes das comunidades dos quilombos a titulação definitiva de imóvel sobre o qual mantém posse de boa-fé há mais de 150 (cento e cinquenta) anos, consoante expressamente previsto no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. 3.
A sentença proferida no bojo da Ação Civil Pública n.º 2002.51.11.000118-2, pelo Juízo da Vara Federal de Angra dos Reis/RJ (Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro – Poder Judiciário, de 29 de março de 2007, páginas 71/74), reconheceu a comunidade de Ilhéus da Marambaia/RJ como comunidade remanescente de quilombos, de sorte que não há nenhum óbice para a titulação requerida. 4.
Advirta-se que a posse dos remanescentes das comunidades dos quilombos é justa e de boa fé.
Nesse sentido, conforme consta dos fundamentos do provimento supra, a Fundação Cultural Palmares, antiga responsável pela identificação do grupo, remeteu ao juízo prolator do decisum em comento relatório técno-científico contendo [...] "todo o histórico relativo à titularidade da Ilha de Marambaia, cujo primeiro registro de propriedade fora operado em 1856, junto ao Registro de Terras da Paróquia de Itacuruçá, em nome do Comendador Joaquim José de Souza Breves, que instalou no local um entreposto do tráfico negreiro, de modo que, ao passar para o domínio da União, afetado ao uso especial pela Marinha, em 1906, já era habitado por remanescentes de escravos, criando comunidade com características étnico-culturais próprias, capazes de inserí-los no conceito fixado pelo artigo 2º do indigitado Decreto 4.887/03". 5.
A equivocada valoração jurídica do fato probando permite ao STJ sindicar a respeito de fato notório, máxime no caso sub examinem, porque o contexto histórico-cultural subjacente ao thema iudicandum permeia a alegação do recorre de verossimilhança. 6.
Os quilombolas tem direito à posse das áreas ocupadas pelos seus ancestrais até a titulação definitiva, razão pela qual a ação de reintegração de posse movida pela União não há de prosperar, sob pena de por em risco a continuidade dessa etnia, com todas as suas tradições e culturas.
O que, em último, conspira contra pacto constitucional de 1988 que assegura uma sociedade justa, solidária e com diversidade étnica. 7.
Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp 931060, DJe 19/03/2010) No caso concreto, os habitantes da Comunidade Queixo Dantas foram reconhecidos pela Fundação Cultural Palmares como comunidade remanescente quilombola, por meio da Certidão de Autodefinição de ID 2156890962 - Pág. 127 e da Portaria nº 161/2013 (ID 2156890962 - Pág. 13) e vem, há anos, buscando a titulação do território reivindicado, perante o INCRA.
Postas as premissas acima, cumpre destacar que os documentos coligidos à manifestação do Ministério Público Federal, especialmente o Parecer Técnico nº 1306/2024/SPPEA do MPF, demonstram que a área objeto dos autos é instrumento de litígio desde a década de 1990, quando “começaram a surgir pessoas que se apresentavam como proprietários da área utilizada pela comunidade que passaram a se instalar na área”.
Os aludidos documentos apontam que os requeridos são remanescentes de quilombo, ocupando as terras descritas no perímetro laranja da figura anterior, nessa qualidade.
Como tais documentos consubstanciam atos administrativos, gozam eles das presunções de veracidade e legalidade, de modo que há que se presumir, dentro do juízo perfunctório que o momento permite, que a posse atual exercida pelos requeridos na área é de boa-fé.
Por outro lado, não estão devidamente esclarecidos os limites territoriais de tal comunidade (sobretudo para fins de análise de sobreposição parcial ou total em face da área cuja posse é vindicada pelos autores e réus), especialmente, malgrado tal comunidade ainda não tenha obtido regularização fundiária pelo INCRA.
Isso porque, segundo consta no relatório, o perímetro inicial ocupado pela Comunidade Queixo Dantas foi reduzido significativamente ao longo dos anos, passando por diversas disputas possessórias, inclusive judiciais, que culminaram no seguinte quadro: Situação inicial: Situação atual: Depreende-se que, atualmente, a área ocupada pelos remanescentes (perímetro em laranja), se sobrepõe à parte da área declarada como da Comunidade em Cartório pelos ancestrais (perímetro vermelho), cujo perímetro também se superpõe àquele declarado pelos autores no Cadastro Ambiental Rural.
Vê-se, portanto, que, a despeito de existirem dúvidas acerca da propriedade, a posse da maior parte da área encontra-se, de fato, com os autores.
Nesse sentido, necessário salientar que os depoimentos prestados em audiência de justificação realizada no dia 13/02/2025 (ID 2171670916 - Pág. 1), embora esclarecedores da situação fática, remontam há anos pretéritos, antes mesmo da instauração do Inquérito Civil nº 1.18.002.000161/2020-45 pelo MPF, período em que o clima de tensão e ameaças era evidente, e devidamente comprovado por meio dos boletins de ocorrência e relatos de vistoria técnica realizadas pelo INCRA e MPF.
Para além disso, o depoimento das testemunhas (Marco Aurélio Bezerra da Rocha - servidor do INCRA, Ralf Pereira Tavares - vereador de Mimoso/GO – e Marta Ivone de Oliveira) relataram, em sua maioria, questões acessórias, como a dificuldade de acesso à região através do Rio Maranhão - por meio de tirolesa (gaiola) e barco - fatos estes que em nada se confundem com a questão possessória posta nos autos.
Ainda, tendo em vista a extensão da área e o longo lapso temporal decorrido, as testemunhas não souberam precisar acerca do tempo de ocupação da área pelos autores, especialmente, se anterior à constituição de Comunidade Quilombola.
As lideranças quilombolas presentes na audiência,
por outro lado, não obstante questionarem a redução significativa da área ocupada pela comunidade, informaram ao Juízo que os litígios se iniciaram há mais de vinte anos, sendo que a última redução do território ocorreu por volta de 04 (quatro) anos atrás, quando os autores cercaram uma área cuja posse detinham há vários anos, mas que também era utilizada pelos remanescentes quilombolas para criação de gado.
Afirmaram, no entanto, que, atualmente, o clima da região é mais tranquilo, e que autores e réus têm convivido sem grandes intercorrências.
Não há, portanto, alegado periculum in mora necessário para a concessão da medida requerida.
Observando-se as provas constantes dos autos e as normas jurídicas que incidem sobre a lide, pode-se concluir que o imóvel rural objeto da demanda encontra-se parcialmente ocupado pelos autores e também pelos integrantes da Comunidade Quilombola de Filipanos Queixo Dantas, entre os quais estão os réus identificados na petição inicial.
Por outro lado, como o INCRA ainda não delimitou e demarcou as terras tradicionalmente ocupadas pelos integrantes da Comunidade Quilombola de Filipanos Queixo Dantas, não há prova verossímil, no presente momento, de que as mesmas efetivamente integram o imóvel rural cuja posse encontra-se com os autores, não se configurando a hipótese do art. 300, do CPC.
Desse modo, apreciando os pedidos do Ministério Público Federal (ID 2156889099), indefiro, por ora, o requerimento de reintegração liminar de posse da área identificada no Parecer Técnico nº 1306/2024/SPPEA do MPF.
Premissas de Saneamento: No caso dos autos, observa-se que os autores sustentam ser os legítimos possuidores da área, com fundamento em documentação pública declaratória.
O MPF,
por outro lado, não discute se os autores são possuidores ou não.
Esse não é o foco.
A tese do MPF é a de que, como há uma questão decenária em favor de Queixo Dantas, não há falar em posse em favor do ocupante local, mesmo que ele (o atual "possuidor" ou detentor, a depender da posição jurídica que se adote) não tenha sido o esbulhador primário, ou seja, aquele que diretamente atentou inicialmente contra a posse centenária dos remanescentes quilombolas.
Como se sabe, é a inicial que delimite o objeto da lide e é sobre isso que o juiz deve se debruçar, sendo certo que ele tem o dever de levar o processo ao julgamento de mérito, indeferindo provas desnecessárias.
Com efeito, a partir do momento em que o MPF sustenta haver um território quilombola antigo, não há necessidade de se discutir posse se a área for Quilombola, porque ali se terá uma posse coletiva e inalienável, ou seja, mesmo que o autor seja ocupante há décadas, não haveria como se reconhecer posse ad usucapionem.
Melhor dizendo a posse secular quilombola pode se sobrepor à posse (ou detenção a depender da posição jurídica) do particular, ainda que de anos.
Com base nessa ordem de ideias que procedo ao saneamento a seguir.
Questões de fato e atividade probatória: A questão de fato controvertida repousa na avaliação dos atributos da posse que a parte autora alega exercer sobre o imóvel Fazenda Boa Vista, em Mimoso de Goiás, que integra área quilombola de Filipano Queixo Dantas.
Enquanto a parte autora afirma deter a posse mansa e pacífica do imóvel há anos, os requeridos sustentam o caráter originário e decenário da posse exercida pela comunidade Queixo Dantas.
Sobre a questão possessória, portanto, repousará a atividade probatória.
Distribuição do ônus da prova: A distribuição do ônus da prova obedecerá ao disposto no art. 373, I e II, CPC, não se vislumbrando necessidade de sua inversão.
Questões de direito relevantes para a decisão de mérito: As questões controversas de direito, por sua vez, a serem apreciadas em sentença, dizem respeito ao disposto nos arts. 1.210 e seguintes do Código Civil e nos arts. 561 e seguintes do Código de Processo Civil, que estabelecem as prescrições legais sobre o direito de posse e sua implementação processual.
Merece destaque a discussão relativa à natureza da norma prevista no artigo 68 do ADCT, vale dizer, se declaratória ou constitutiva.
Das provas a serem produzidas: Como se sabe, o art. 319, VI, do CPC, dispõe que a petição inicial indicará as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados.
De outro giro, comanda o art. 336, CPC que incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.
Ou seja, incumbe ao autor especificar as provas que pretende produzir na própria petição inicial.
Por sua vez, cabe ao réu especificar provas dos fatos alegados na contestação.
No caso, a parte autora encartou documentos de ID 1495572871 - Págs. 18/36.
Já a parte requerida, especialmente o MPF, apresentou cópia do Inquérito Civil nº 1.18.002.000161/2020-45.
Sobre eventual prova testemunhal, entendo ser ela desnecessária para o julgamento do feito, uma vez que a prova da posse que o autor alega ter sobre o imóvel objeto da presente ação e de que os Quilombolas Filipanos Queixo Dantas não tem direito à posse sobre a área da Fazenda Boa Vista pode ser apreciada por análise documental.
Logo, indefiro eventual requerimento de prova testemunhal.
Conclusão: Ante o exposto: 1) Indefiro o requerimento liminar de reintegração de posse formulado pelo Ministério Público Federal no ID 2156889099; 2) dou por saneado o processo; 3) delimito as questões de fato sobre as quais recairão a atividade probatória, nos termos dos fundamentos acima expostos; 4) delimito as questões de direito relevantes para a decisão de mérito, conforme fundamentos acima expostos; 5) delimito o ônus da prova, conforme fundamentos acima expostos; Retifique-se a autuação para a inclusão da Fundação Cultural Palmares – FCP como assistente dos réus.
Intimem-se as partes para especificarem eventuais outras provas que pretendam produzir.
Não havendo novos requerimentos ou pedido de esclarecimentos, venham os autos conclusos para julgamento.
Cumpra-se.
Luziânia/GO, data e assinatura eletrônicas.
TÁRSIS AUGUSTO DE SANTANA LIMA Juiz Federal -
15/02/2023 18:57
Conclusos para decisão
-
15/02/2023 17:51
Remetidos os Autos (em diligência) da Distribuição ao 3ª Vara Federal Cível da SJGO
-
15/02/2023 17:51
Juntada de Informação de Prevenção
-
15/02/2023 17:49
Recebido pelo Distribuidor
-
15/02/2023 17:49
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
27/09/2023
Ultima Atualização
26/05/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Ata de Audiência • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
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