TRF1 - 1038133-13.2025.4.01.3700
1ª instância - 5ª Sao Luis
Polo Ativo
Advogados
Polo Passivo
Partes
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Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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29/05/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Maranhão 5ª Vara Federal Cível da SJMA PROCESSO: 1038133-13.2025.4.01.3700 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) POLO ATIVO: LETICIA CRISTINA COSTA BEZERRA REPRESENTANTES POLO ATIVO: LETICIA CRISTINA COSTA BEZERRA - MA22816 POLO PASSIVO:CEBRASPE e outros DECISÃO 1.
RELATÓRIO Trata-se de demanda comum, com pedido de tutela de urgência de natureza antecipada, proposta por LETÍCIA CRISTINA COSTA BEZERRA em desfavor da UNIÃO FEDERAL e do CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISA EM AVALIAÇÃO E SELEÇÃO E DE PROMOÇÃO DE EVENTOS (CEBRASPE), no bojo do qual a parte autora formula pedido nos seguintes termos: "b) Seja deferida a Antecipação de Tutela para ordenar a banca examinadora que inclua a Autora na lista dos aprovados na condição das pessoas NEGRAS, tornando-a apta a ser convocada para apresentação dos títulos, nas vagas destinadas aos candidatos negros, conforme art. 300º, do CPC, sob pena de fixação de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) por dia, caso haja descumprimento da decisão judicial".
Narra que "participou do Concurso Público Nacional Unificado da Justiça Eleitoral, regido pelo Edital nº 1/2024 - CPNUJE, concorrendo ao cargo de Analista Judiciário – Área: Apoio Especializado Judiciária, pelo sistema de cotas raciais, tendo se autodeclarado parda. [...] Após o resultado, veio a comprovação de sua aprovação que por conseguinte chegou a fase da heteroidentificação, a qual a candidata compareceu no dia 22/03/2025 para aferição de todas as suas características de COTISTA.
A autora aguardou ansiosamente, entretanto no dia 11/04/2025, se deparou com a triste NEGATIVA de sua condição como pessoa cotista.
A justificativa utilizou argumentos rasos e genéricos com a utilização de palavras como 'INEXPRESSIVO', além de ser totalmente contraditórios ao que será provado pelas fotos e documentos que serão anexados, haja vista que a autora possui vários traços de afrodescendentes".
Diz que "impugnou a decisão administrativa, por meio de recurso próprio, frisando todas as suas características de pessoa PARDA, entretanto, como tem se visto nos dias atuais as bancas examinadoras de concursos públicos, da provimento um número ínfimo de recursos, mesmo sendo provado o direito do candidato de maneira clara, talvez por temer a perda de sua credibilidade, acabando por causar lesões irreparáveis, entre eles o emocional dos candidatos".
Continua dizendo que "até o presente momento, a justificativa sobre o resultado do recurso administrativo não foi divulgado, de modo que a autora não sabe o MOTIVO da manutenção da decisão administrativa que a excluiu do sistema de cotas, impossibilitando-a de apresentar os títulos e permanecer no certame.
Ademais, a autora entrou em contato com a empresa ré, por meio dos protocolos n.º 20.***.***/1480-44 e n° 20.***.***/1366-88, a fim de saber quando seria disponibilizada a justificativa, tendo recebido como resposta que não havia previsão.
A promovente, que desde sempre se auto identifica como pessoa negra/parda, sentiu-se profundamente lesionado pelo ato da Banca que indeferiu sua heteroidentificação, posto que, mesmo diante de fotos que caracterizam de forma clara seus traços de natureza negra, a banca não reconheceu o seu fenótipo, o que vai totalmente de encontro as inúmeras provas contundentes apresentadas nesse momento".
Requer, ainda, assistência judiciária gratuita.
A inicial foi instruída com documentos. É o relatório.
Decido.
FUNDAMENTAÇÃO Nos termos da redação do art. 300 do Código de Processo Civil e de seus parágrafos, o juiz poderá conceder a tutela de urgência quando houver elementos que evidenciem a “probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”.
De outro lado, a “tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão” (§ 3º).
No caso em apreço, e em sede de cognição meramente sumária, não vislumbro probabilidade de êxito do pedido inaugural.
Dispondo sobre a reserva aos negros de “20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União”, a Lei 12.990/2014 preceitua o seguinte: “Art. 1º Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei. § 1º A reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público for igual ou superior a 3 (três). § 2º Na hipótese de quantitativo fracionado para o número de vagas reservadas a candidatos negros, esse será aumentado para o primeiro número inteiro subsequente, em caso de fração igual ou maior que 0,5 (cinco décimos), ou diminuído para número inteiro imediatamente inferior, em caso de fração menor que 0,5 (cinco décimos). § 3º A reserva de vagas a candidatos negros constará expressamente dos editais dos concursos públicos, que deverão especificar o total de vagas correspondentes à reserva para cada cargo ou emprego público oferecido.
Art. 2º Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Parágrafo único.
Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
Art. 3º Os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. § 1º Os candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas. § 2º Em caso de desistência de candidato negro aprovado em vaga reservada, a vaga será preenchida pelo candidato negro posteriormente classificado. § 3º Na hipótese de não haver número de candidatos negros aprovados suficiente para ocupar as vagas reservadas, as vagas remanescentes serão revertidas para a ampla concorrência e serão preenchidas pelos demais candidatos aprovados, observada a ordem de classificação.
Art. 4º A nomeação dos candidatos aprovados respeitará os critérios de alternância e proporcionalidade, que consideram a relação entre o número de vagas total e o número de vagas reservadas a candidatos com deficiência e a candidatos negros.” Como cediço, o aludido diploma legal deita suas raízes nas chamadas ações afirmativas, as quais, por decorrência do princípio constitucional da isonomia, buscam assegurar a igualdade material ou substancial, em homenagem à máxima aristotélica de que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.
Entretanto, embora seja absolutamente claro que a Lei 12.990/2014 visa a assegurar a igualdade material aos negros, por meio de reserva de vagas em concursos públicos, verifica-se que o seu texto não trouxe qualquer definição do que seja considerado ‘pretos e pardos’ para os fins legais, cabendo tal função à Administração e ao Poder Judiciário.
Assim, diante da lacuna existente na Lei 12.990/2014, é de se reconhecer a necessidade de os candidatos inscritos em concursos públicos, pelo sistema de cotas raciais, se submeterem a procedimento administrativo para verificação da condição de negro (preto e pardo), no qual, em tese, deverão ser utilizados critérios minimamente objetivos para a análise da autodeclaração realizada no ato de inscrição pelo próprio candidato.
De efeito, em decorrência do princípio da razoabilidade, norteador da conduta do administrador público, deve haver uma análise pela comissão examinadora, para fins de evitar o cometimento de injustiças e excessos por parte dos candidatos, de modo a coibir que pessoas brancas usurpem as vagas destinadas aos negros.
Aliás, a constitucionalidade de tal conduta administrativa já foi analisada e chancelada pelo Supremo Tribunal Federal, no bojo da ADPF 186, ocasião em que aquela Corte deixou assente a necessidade de a Administração analisar se os mecanismos concernentes às ações afirmativas estão ou não em conformidade com a ordem constitucional, coibindo-se possíveis fraudes no processo.
De outro lado, também é certo que os pareceres das comissões instituídas pelos entes, para convalidação da opção pretendida pelos candidatos autodeclarados pretos e pardos, devem preencher os requisitos legalmente exigidos dos atos administrativos da espécie, indicando, de forma clara e objetiva, em que elementos se baseou a declaração de inaptidão do candidato para ingressar em vaga reservada, não se prestando a tal finalidade, evidentemente, a simples afirmação de que ele não possui características fenotípicas da etnia negra.
No que diz respeito ao caso da parte autora, o EDITAL Nº 1 – CPNUJE, DE 27 DE MAIO DE 2024 prevê o seguinte: 5.2.2.3 Para o procedimento de heteroidentificação, o candidato que se autodeclarar negro deverá se apresentar pessoalmente à comissão de heteroidentificação. 5.2.2.3.1 A comissão de heteroidentificação será composta por três integrantes, de gêneros, cores e, preferencialmente, naturalidades diferentes. 5.2.2.4 O procedimento de heteroidentificação será filmado pelo Cebraspe para fins de registro da avaliação.
A gravação será de uso exclusivo da banca examinadora e será utilizada na análise de eventuais recursos interpostos contra a decisão da comissão. 5.2.2.5 A avaliação da comissão de heteroidentificação considerará o fenótipo do candidato. 5.2.2.5.1 Serão consideradas as características fenotípicas da pessoa no momento da realização do procedimento de heteroidentificação. 5.2.2.5.2 Não serão considerados, para os fins do disposto no subitem 5.2.2.5 deste edital, quaisquer registros ou documentos pretéritos eventualmente apresentados, inclusive imagens e certidões referentes à confirmação em procedimentos de heteroidentificação realizados em certames federais, estaduais, distritais e municipais, ou em processos seletivos de qualquer natureza. 5.2.2.5.3 Não será admitida, em nenhuma hipótese, prova baseada em ancestralidade. 5.2.2.6 Será considerado negro o candidato que assim for reconhecido pela maioria dos membros da comissão de heteroidentificação. 5.2.2.7 Será eliminado do concurso o candidato que se recusar a ser filmado, prestar declaração falsa ou não comparecer ao procedimento de heteroidentificação. 5.2.2.7.1 O candidato cuja autodeclaração não for confirmada no procedimento de heteroidentificação concorrerá apenas às vagas destinadas à ampla concorrência, desde que tenha nota suficiente para isso. À espécie, ainda que o edital do certame mostre-se bastante lacônico e impreciso quanto à descrição dos fatores objetivos relacionados ao fenótipo a serem avaliados – como, por exemplo, a tonalidade mais escura de pele em relação às demais etnias e a textura do cabelo etc. –, parece acertada a conclusão a que chegou a comissão de heteroidentificação racial. É que o termo pardo, a que alude o edital do certame, deve ser entendido no estrito contexto da Lei 12.990/2014 e item itens 5.2.2.5 a 5.2.2.7.1, do Edital, e com os olhos postos nos fins sociais a que ela se dirige (art. 5º LINDB).
Sendo a reserva de vagas em concursos público típica medida de ação afirmativa, a legislação que a prevê merece interpretação restritiva, sob pena de transmutar-se em ofensa (ao invés de obediência) ao princípio da isonomia.
Ora, em nosso País, é notória a miscigenação entre brancos de ascendência europeia, negros de origem africana e indígenas, de sorte que o pardo acabou tornando-se, por assim dizer, a “cor nacional”, vale dizer, o fenótipo típico do brasileiro; a indefinição étnica constitui, desse modo, a regra entre os cidadãos nacionais.
Assim, como o diploma legislativo anteriormente referido foi editado com o propósito de estabelecer condições de igualdade em prol de determinados grupos populacionais que, supostamente, em decorrência de circunstâncias históricas e de um conjunto de características físicas típicas, sofrem discriminação racial – o que os coloca em situação de franca desvantagem socioeconômica –, tenho que, no contexto do sistema de cotais raciais em concursos e processos seletivos públicos federais, o termo pardo alcança unicamente os indivíduos cujo fenótipo seja aquele que se aproxima quase em sua totalidade ao daquele considerado negro, não sendo bastante que a cor da pele não seja alva; ou seja, parda, ao menos para fins de reserva de vagas em concursos, é a pessoa cujas características físicas são suficientes para colocá-la em potencial situação de discriminação racial que justifique a aplicação do mecanismo de justiça compensatória.
Esse o quadro, no caso dos autos, não merece reparos a conclusão administrativa, pois o exame das fotografias apresentadas na inicial como sendo da parte autora revela que, embora não possua tez totalmente alva, nem olhos ou cabelos claros, sua aparência física, se analisada no conjunto, não apresenta traços suficientes para, no Brasil, torná-lo passível de situações discriminatórias baseadas em “raça”.
Quanto à questão da motivação do ato administrativo, quando preenche todos os requisitos legais para que concretize os valores e princípios jurídicos que a demandam, pode-se afirmar que ela é suficiente, bastante para estabelecer um liame de validade entre esse ato jurídico e as normas jurídicas vigentes.
Analisando o Parecer da Comissão (id 2188027247), verifica-se que a votação foi unânime no sentido de que autora "não possui caracteres que o credenciam a concorrer às vagas reservadas à pessoas negras".
O Parecer tem a seguinte fundamentação: "PARECER FINAL Resultado: NÃO COTISTA Após detida análise acerca dos atributos fenotípicos do candidato, bem como dos critérios estabelecidos para participação e inclusão no sistema de cotas raciais, entendemos que o candidato não possui caracteres que o credenciam a concorrer às vagas reservadas à pessoas negras.
Importa destacar que o sistema de cotas negros tem por finalidade promover a equidade e a inclusão de grupos historicamente discriminados e que enfrentam desigualdades históricas, decorrentes da identificação de características físicas que os qualifiquem como pertencentes a esse grupo.
Na verificação dos caracteres fenotípicos do candidato, não se visibiliza as características que o habilitam a concorrer pelo sistema supramencionado.
A razão desse indeferimento foi, portanto, a incompatibilidade entre o fenótipo do candidato e o que se observa em pessoas negras.
Tal incompatibilidade é evidenciada pelas características fenotípicas ele identificadas e abaixo elencadas.
CARACTERÍSTICAS FENOTÍPICAS IDENTIFICADAS Cor da Pele Branca, Textura dos cabelos Liso, Lábios Finos Nariz Fino".
No caso em apreço, analisando o parecer da Comissão, verifico que a decisão apresenta fundamentação suficiente.
Ausente a plausibilidade do direito alegado, mostra-se desnecessária a análise do requisito de urgência.
DISPOSITIVO Ante o exposto, indefiro o pedido de tutela antecipada.
Intime-se.
Concedo à autora a gratuidade judiciária.
Deixo de designar audiência de conciliação, por se tratar de demanda cujo objeto envolve direito indisponível, acerca do qual, em princípio, não se admite a autocomposição (art. 334, § 4º, II, do CPC).
Cite-se a parte ré para, querendo, oferecer contestação no prazo legal (art. 336, in fine, do CPC).
Na hipótese de serem arguidas preliminares ou juntados documentos novos pelos réus, intime-se a parte autora para, no prazo de 15 (quinze) dias, querendo, apresentar manifestação.
Em seguida, façam os autos conclusos para sentença por se tratar de matéria que não reclama produção de prova em audiência.
O impulso necessário ao cumprimento desta decisão deverá ser dado pelos próprios servidores deste juízo (art. 203, § 4º, do CPC). 5ª Vara Federal da SJMA (Documento assinado e datado digitalmente) -
21/05/2025 19:48
Recebido pelo Distribuidor
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21/05/2025 19:48
Autos incluídos no Juízo 100% Digital
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21/05/2025 19:48
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
21/05/2025
Ultima Atualização
29/05/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Decisão • Arquivo
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