TRF1 - 1065801-20.2024.4.01.3400
1ª instância - 16ª Brasilia
Polo Passivo
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Assistente Desinteressado Amicus Curiae
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Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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18/06/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Distrito Federal 16ª Vara Federal Cível da SJDF SENTENÇA TIPO "B" PROCESSO: 1065801-20.2024.4.01.3400 CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) POLO ATIVO: SIND DAS INDS MET MEC E DE MAT ELET DE B GONCALVES REPRESENTANTES POLO ATIVO: PAULO ROBERTO TRAMONTINI - RS18341 POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL e outros SENTENÇA I.
Relatório Trata-se de ação de mandado de segurança impetrada pelo SINDICATO DAS INDÚSTRIAS METALÚRGICAS E MECÂNICA E DE MATERIAL ELÉTRICO DE BENTO GONCALVES contra ato coator atribuído ao SECRETÁRIO DE INSPEÇÃO DO TRABALHO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO (SIT), objetivando obter prestação jurisdicional para: “viii. no mérito, seja julgado procedente o pedido para que seja ratificado o pedido antecipatório, em todos os seus termos, notadamente, seja declarado o direito de não fazer as seguintes obrigações: a. publicação do relatório pelos empregadores em seus sítios eletrônicos, em suas redes sociais ou instrumentos similares e obrigatoriedade de publicação de relatório pelo Ministério, sem informações quanto a proteção dos dados a – imediata suspensão dos efeitos produzidos pelos artigos 4º, 5º e 6º da Portaria MTE 3.714/2023; b.
Elaboração/apresentação do Plano de Ação no prazo de 90 dias da notificação, sem oportunidade de apresentar defesa e dever de depositar uma cópia do plano de ação na entidade sindical representativa da categoria profissional (art. 7º da Portaria TEM 3.714/2023); c. (re)publicação do relatório pelos empregadores em seus sítios eletrônicos, em suas redes sociais ou instrumentos similares e obrigatoriedade de publicação relatório pelo Ministério sem informações quanto a proteção dos dados – imediata suspensão dos efeitos produzidos pelo art. 2, §§ 3º e 4º do Decreto 11.795/2023; e d. publicação do relatório pelo Ministério sem informações quanto a proteção dos dados e dever de elaborar Plano de Ação no prazo de 90 dias da notificação, sem oportunidade de apresentar defesa (art. 3, §§ 1º, 2º e 3º e art. 4º, I “b” e II do Decreto 11.795/2023.” .
Relata ter havido desrespeito ao Poder Regulamentar, pois em 03.07.2023, foi publicada a Lei nº 14.611, com objetivo de assegurar a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres, visando combater a discriminação salarial contra as mulheres, a qual foi regulamentada pelo Decreto nº 11.795/2023 e complementado pela Portaria MTE nº 3.714/2023.
Informa que o cenário que se configurou com a vigência da nova lei e respectiva regulamentação é de total insegurança jurídica para as empresas, com mais de 100 (cem) empregados, representados, levando à necessidade de pacificação.
Aduz terem os atos e normas que estão sendo impugnados invadido a liberdade da atividade econômica e do negócio dos empregadores, a livre concorrência e a privacidade dos dados dos trabalhadores, todos garantidos na Constituição Federal.
Sustenta que o conjunto normativo impugnado (Lei nº 14.611/2023, Decreto nº 11.795/2023 e Portaria MTE nº 3.714/2023) adota critérios que não são claros, ignora a Constituição Federal, a CLT, a Lei Geral de Proteção de Dados, a livre concorrência (artigo 170, IV da CF), incentiva a não concorrência (formação de cartéis e monopólios), e, principalmente, gera danos injustificáveis aos empregadores.
A inicial foi instruída com procuração e documentos.
Informação negativa de prevenção (ID 2144248774).
Deferido parcialmente o pedido de medida liminar (ID 2144364521).
O Ministério Público Federal se manifestou pelo prosseguimento do feito. (ID 2150795944).
Contestação apresentada pela União, em que alega preliminar de competência da justiça do trabalho e de inadequação da via eleita (ID 2154143356).
Os autos vieram conclusos. É o relatório.
Decido.
II.
Fundamentação II.1 Preliminar de competência da Justiça do trabalho Afasto a preliminar.
A questão não se enquadra nas atribuições jurisdicionais previstas no art. 114 da Constituição Federal, pois não está diretamente relacionada a emprego ou trabalho, mas sim a encargos administrativos perante órgãos da Administração Pública Federal ou devido a exigências feitas por eles.
Portanto, o caso é de competência da Justiça Federal, conforme os ditames do art. 109, incisos I e VIII, da Constituição (AGRAVO DE INSTRUMENTO ..SIGLA_CLASSE: AI 5012275-31.2024.4.03.0000 ..PROCESSO_ANTIGO: ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO:, Desembargador Federal RUBENS ALEXANDRE ELIAS CALIXTO, TRF3 - 3ª Turma, Intimação via sistema DATA: 24/09/2024 ..FONTE_PUBLICACAO1: ..FONTE_PUBLICACAO2: ..FONTE_PUBLICACAO3:.) Passo à análise ao mérito.
II.2.
Preliminar de inadequação da ação Não se trata de mandado de segurança contra lei em tese para atrair a aplicação do enunciado da Súmula 266 do Supremo Tribunal Federal.
No caso dos autos, o impetrante apenas visa as empresas substituídas não sejam obrigadas a tornar públicas informações constantes dos relatórios de transparência salarial, como estabelecido na Portaria MTE nº 3.214/2023 e no Decreto nº 11.795/2023, atos normativos que produzem efeitos concretos, porquanto impõem sanções dirigidas aos substituídos na ação.
II.3 Mérito Na decisão que deferi em parte o pedido de tutela de urgência formulado pela parte autora, assim me manifestei (ID 2144364521): "(...) A controvérsia reside na juridicidade de obrigações instituídas pelo Decreto nº 11.795/23 e pela Portaria nº 3.714/23, especificamente as seguintes, aplicáveis às pessoas jurídicas com mais de 100 empregados: 1) a publicação de Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios a cada 6 (seis) meses, observada a LGPD, contendo dados anonimizados e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remuneração e proporção de cargos de direção, gestão e chefia ocupados por homens e mulheres, acompanhados de dados estatísticos que permitam fornecer dados sobre outras desigualdades; 2 ) caso identificada a desigualdade salarial e de critérios remuneratórios por meio do Relatório de Transparência, a elaboração e implementação de Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação das entidades sindicais e de representantes dos empregados.
O Decreto nº 11.795, de 23 de novembro de 2023, regulamentou a Lei nº 14.611, de 3 de julho de 2023, que dispõe sobre igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres.
A Lei nº 14.611/2023, em seus arts. 5º e 6º, estabelece as diretrizes para a divulgação de informações sobre salários, para fins de combate a critérios discriminatórios de remuneração: Art. 5º Fica determinada a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). § 1º Os relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios conterão dados anonimizados e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade, observada a legislação de proteção de dados pessoais e regulamento específico. § 2º Nas hipóteses em que for identificada desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a pessoa jurídica de direito privado apresentará e implementará plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho. § 3º Na hipótese de descumprimento do disposto no caput deste artigo, será aplicada multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% (três por cento) da folha de salários do empregador, limitado a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das sanções aplicáveis aos casos de discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens. § 4º O Poder Executivo federal disponibilizará de forma unificada, em plataforma digital de acesso público, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), além das informações previstas no § 1º deste artigo, indicadores atualizados periodicamente sobre mercado de trabalho e renda desagregados por sexo, inclusive indicadores de violência contra a mulher, de vagas em creches públicas, de acesso à formação técnica e superior e de serviços de saúde, bem como demais dados públicos que impactem o acesso ao emprego e à renda pelas mulheres e que possam orientar a elaboração de políticas públicas.
Art. 6º Ato do Poder Executivo instituirá protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens.
Acerca desse ponto, o Decreto nº 11.795/2023, por sua vez, assim dispõe: Art. 2º O Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios de que trata o inciso I do caput do art. 1º tem por finalidade a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos e deve contemplar, no mínimo, as seguintes informações: I - o cargo ou a ocupação contida na Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, com as respectivas atribuições; e II - o valor: a) do salário contratual; b) do décimo terceiro salário; c) das gratificações; d) das comissões; e) das horas extras; f) dos adicionais noturno, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade, dentre outros; g) do terço de férias; h) do aviso prévio trabalhado; i) relativo ao descanso semanal remunerado; j) das gorjetas; e k) relativo às demais parcelas que, por força de lei ou norma coletiva de trabalho, componham a remuneração do trabalhador. (...) § 3º O Relatório de que trata o caput deverá ser publicado nos sítios eletrônicos das próprias empresas, nas redes sociais ou em instrumentos similares, garantida a ampla divulgação para seus empregados, colaboradores e público em geral.
Já a Portaria MTE n. 3.714/2023, que regulamenta o Decreto n. 11.795/2023, prevê que o Relatório de Transparência Salarial “será elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego com base nas informações prestadas pelos empregadores ao Sistema de Escrituração Fiscal Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas- eSocial e as informações complementares coletadas na aba Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios a ser implementada na área do empregador do Portal Emprega Brasil” (art. 2°).
O art. 3º da referida Portaria define os dados que deverão compor o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, a serem informados e publicizados pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 ou mais empregados.
São eles: Art. 3º O Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios será composto por duas seções, contendo cada uma, as seguintes informações: I - Seção I - dados extraídos do eSocial: a) dados cadastrais do empregador; b) número total de trabalhadores empregados da empresa e por estabelecimento; c ) número total de trabalhadores empregados separados por sexo, raça e etnia, com os respectivos valores do salário contratual e do valor da remuneração mensal; e d) cargos ou ocupações do empregador, contidos na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO); e II - Seção II - dados extraídos do Portal Emprega Brasil: a) existência ou inexistência de quadro de carreira e plano de cargos e salários; b) critérios remuneratórios para acesso e progressão ou ascensão dos empregados; c) existência de incentivo à contratação de mulheres; d) identificação de critérios adotados pelo empregador para promoção a cargos de chefia, de gerência e de direção; e e) existência de iniciativas ou de programas, do empregador, que apoiem o compartilhamento de obrigações familiares.
Parágrafo único.
O valor da remuneração de que trata a alínea "c", do inciso I do caput, deverá conter: I- salário contratual; II- décimo terceiro salário; III- gratificações; IV- comissões; V- horas extras; VI- adicionais noturno, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade, dentre outros; VII- terço de férias; VIII- aviso prévio trabalhado; IX- descanso semanal remunerado X- gorjetas; e XI- demais parcelas que, por força de lei ou de norma coletiva de trabalho, componham a remuneração do trabalhador.
Já o art. 4º estabelece o dever de publicação do relatório nos sítios eletrônicos dos empregadores, em suas redes sociais ou em instrumentos similares, sempre em local visível, garantida a ampla divulgação para seus empregados, trabalhadores e público em geral.
O objetivo da publicização dessas informações é facilitar aos próprios empregados identificar possíveis casos de discriminação.
A impetrante deduz, em síntese, dois argumentos contrários a essa obrigação: i) foram criadas novos deveres nos atos regulamentares, o que ultrapassaria os limites do poder regulamentar ; ii) a divulgação das informações atinentes à remuneração dos empregados violaria a Lei Geral de Proteção de Dados, ainda que feita de forma anonimizada.
A elaboração do relatório de transparência salarial e dos critérios remuneratórios encontra previsão expressa no art. 5º, 1º, da Lei nº 14.611/2023.
A divulgação se destina, nos termos da lei, "a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade, observada a legislação de proteção de dados pessoais e regulamento específico".
Trata-se, portanto, de instrumento que visa auxiliar na consecução da efetiva igualdade salarial entre mulheres e homens no exercício da mesma função.
Desse modo, em uma análise perfunctória, inerente a esta fase processual, as normas regulamentares buscam concretizar as disposições legais, conferindo maior detalhamento desse desiderato.
Não se vislumbra, assim, ilegalidade decorrente do excesso de poder regulamentar.
Por outro lado, a alegada ofensa à Lei nº 13.709/18 (LGPD) é questão que exige uma análise mais verticalizada, até mesmo por haver uma imposição expressa da 14.611/23 (art. 5º, caput) de que os relatórios de transparência observem as disposições da LGPD.
De fato, não poderia ser diferente, especialmente quando se considera que a proteção aos dados pessoais tem estatura de direito fundamental (art. 5º, LXXIX, da CF/88), e portanto, de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, da CF/88).
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) prevê diversos dispositivos que se prestam a proteger a divulgação de dados sensíveis dos particulares.
Como meio de salvaguardar os dados pessoais dos empregados, a Lei 14.611/23 dispõe que as informações constantes do relatório de transparência deverão ser anonimizados, o que atenderia aos ditames da LGPD (art. 5º, incisos III e XI).
Entretanto, a impetrante apresenta questionamento razoável no sentido de que alguns cargos com poucos empregados poderiam ter seus dados identificados, o que poderia implicar reversão da anonimização (art. 12 da LGPD) e, com isso, promover a efetiva exposição de dados pessoais dos empregados.
Portanto, deve-se aguardar a apresentação das informações para melhor esclarecimento da questão, devendo-se considerar no presente momento a plausibilidade jurídica da alegação.
Já em relação ao receio de possível responsabilização civil das empresas pela exposição dos dados, a própria LGPD autoriza o tratamento de dados pessoais para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador (art. 7º, II) No que concerne ao Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade, observa-se que a regulamentação está em consonância com a disposição legal do art. 5º, § 2º, da Lei 14.611/2023, que garante a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho.
Diante desse quadro, entendo caracterizada a probabilidade parcial do direito alegado, mesmo porque, o periculum in mora é iminente, pois a parte impetrante estará sujeita a sanções, caso não apresente as informações discutidas na lide, considerando aplicação de multa por parte da Administração.
Por fim, cabe destacar que a medida é perfeitamente reversível , ocasionando apenas a dilatação do prazo para o cumprimento das obrigações, caso a medida seja eventualmente revogada após o contraditório.
Por essas razões, defiro parcialmente o pedido liminar para suspender a obrigatoriedade da empresas representadas pela impetrante de divulgar o relatório definido pelo art. 5º da Lei n. 14.611/23, “em seus sítios eletrônicos, em suas redes sociais ou em instrumentos similares, sempre em local visível, garantida a ampla divulgação para seus empregados, trabalhadores e público em geral”, mantida, contudo, a obrigação de enviá-lo ao Poder Executivo Federal. (...)" Assim, em uma análise perfunctória da controvérsia, vislumbrei probabilidade do direito apenas quanto à obrigação da empresa de divulgar o relatório em sítios eletrônicos, redes sociais ou instrumentos similares.
No entanto, em um juízo mais verticalizado da questão, considero que as obrigações previstas na Lei nº 14.611/2023 e nas normas regulamentadoras revelam-se em plena harmonia com os propósitos de redução das desigualdades salariais entre homens e mulheres.
De fato, a Lei nº 14.611/2023, o Decreto nº 11.795/2023 e a Portaria do MTE nº 3.714/2023 foram criadas para reduzir as disparidades salariais entre homens e mulheres.
Essas normas estabelecem métodos de monitoramento, sistemas de transparência salarial e critérios de remuneração, além de intensificar a fiscalização e criar canais para denúncias de discriminação salarial.
As informações fornecidas devem permitir uma comparação objetiva entre salários e a ocupação de cargos de liderança por gênero, protegendo a privacidade dos trabalhadores.
Desse modo, as normas exigem que os relatórios de transparência salarial forneçam dados relevantes sobre a igualdade salarial e outras formas de desigualdade no local de trabalho, sem identificar trabalhadores específicos, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), a qual, por seu turno, respalda a liberdade de informação e os direitos fundamentais, harmonizando-se com a política pública de erradicação das diferenças salariais discriminatórias.
Não há óbice legal para a não aplicação dessas regras, pois não violam o segredo comercial, a privacidade dos trabalhadores em geral e a ordem econômica.
Nesse quadro, nos termos do art. 296 do Código de Processo Civil, revejo em parte o entendimento firmado por ocasião da análise do pedido de medida liminar, para alinhar-me à jurisprudência atualizada do TRF da 1ª Região, que enfrentou, de forma fundamentada, todas as teses suscitadas pelo impetrante.
A propósito: AGRAVO DE INSTRUMENTO.
DESIGUALDADE DE REMUNERAÇÃO EM RAZÃO DE GÊNERO.
EQUIPARAÇÃO SALARIAL.
LEI Nº 14.611/2023.
DECRETO Nº 11.795/2023.
PORTARIA MTE Nº 3.714/2023.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
PUBLICAÇÃO DE RELATÓRIOS DE TRANSPARÊNCIA SALARIAL.
PLANO DE AÇÃO PARA MITIGAR DESIGUALDADES SALARIAIS.
LEGALIDADE DOS ATOS REGULAMENTARES.
I.
CASO EM EXAME 1.
Agravo de instrumento interposto pela União contra decisão interlocutória que concedeu medida liminar em ação ordinária movida por Cyrela Construtora Ltda. e outros, visando à suspensão dos efeitos do Decreto nº 11.795/2023 e da Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) nº 3.714/2023, que regulamentam a Lei nº 14.611/2023, referente à igualdade salarial e critérios remuneratórios entre mulheres e homens.
As agravadas pedem a suspensão da divulgação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, a dispensa da elaboração de plano de ação para mitigar desigualdades, bem como visam evitar a autuação e aplicação de penalidades administrativas.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.
Há duas questões em discussão: (i) definir se a competência para julgar o caso é da Justiça Federal ou da Justiça do Trabalho; (ii) estabelecer a validade jurídica dos atos administrativos e regulamentares contestados, especialmente o Decreto nº 11.795/2023 e a Portaria MTE nº 3.714/2023.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 3.
A competência cível da Justiça Federal é delimitada, objetivamente, em razão da efetiva presença da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes na relação processual. (STJ AgRg no CC 142455/PB, Relator Min.
Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 08/06/2016, DJe: 15/06/2016). 4.
A Lei 14.611/2023, o Decreto nº 11.795/23 e a Portaria do MTE nº 3.714/23, buscam eliminar, ou ao menos reduzir, as disparidades entre homens e mulheres, estabelecendo métodos de monitoramento para garantir a sua efetiva aplicação, com a implementação de sistemas de transparência salarial e critérios de remuneração, juntamente com a intensificação da fiscalização contra a disparidade salarial e critérios de remuneração entre gêneros, além da criação de canais específicos para receber denúncias de discriminação salarial. 5.
As normas em questão exigem que as informações fornecidas permitam uma comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia por mulheres e homens.
Nesse sentido, os relatórios de transparência salarial devem fornecer informações relevantes e precisas sobre a igualdade salarial entre mulheres e homens, bem como sobre outras formas de desigualdade no local de trabalho, ao mesmo tempo em que protegem a privacidade e os direitos dos trabalhadores. 6.
Das normas previstas no Decreto nº 11.795/2023 e do detalhamento contido na Portaria MTE nº 3.714/2023, a respeito das informações que devem constar do relatório a ser publicizado, não constam quaisquer dados voltados à identificação do trabalhador ou que possam de qualquer modo contrariar o disposto na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Importante ressaltar que, quando trata da remuneração dos empregados, a Portaria refere-se a dados sem a correlação com pessoas específicas, mas sim consolidados e "separados por sexo, raça e etnia, com os respectivos valores do salário contratual e do valor da remuneração mensal" (art. 3º, I, c). 7.
A LGPD não visa exclusivamente a proteção de dados pessoais, pois tem como fundamento também a liberdade de informação, o desenvolvimento econômico, os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais (art. 2º, III, V e VII), sendo todos esses fundamentos perfeitamente harmonizáveis com a política pública instituída a partir da Lei nº 14.611/2023, principalmente quando se leva em consideração o propósito maior da lei, qual seja, a necessidade de erradicação das diferenças salariais discriminatórias em desfavor das mulheres, finalidade esta que corrobora para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com redução das desigualdades sociais e promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo ou gênero (art. 5º, I, III e IV, da CFRB). 8.
A política pública traduzida na Lei nº 14.611/2023, cuja constitucionalidade é presumida, é resultado do legítimo anseio popular que, por ato do Congresso Nacional, busca enfim concretizar comandos constitucionais de igualdade de salarial entre mulheres e homens.
Nessa ótica, alegações genéricas e abstratas de violação a segredo comercial ou empresarial, ou de prejuízo à livre iniciativa ou à livre concorrência, não podem servir de óbice à aplicação de lei regularmente aprovada pelo Poder Legislativo. 9.
A ordem econômica, conforme desenho constitucional, é fundada não apenas na livre iniciativa, mas na valorização do trabalho humano, tendo por finalidade assegurar a todos existência digna, e, por princípios, não apenas a livre concorrência, mas a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego (art. 170, caput e VII e VIII, da CRFB). 10.
A proteção de sigilo empresarial ou da livre iniciativa são valores, sim, que devem ser perseguidos pelo Estado, em cumprimento aos ditames constitucionais, mas que devem ser sopesados ao lado de outros mandamentos da Constituição, sobretudo quanto à garantia dos direitos sociais e à prevalência da justiça social.
Precedentes do STF. 11.
Quanto à exigência de um Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios, afigura-se medida necessária a mitigar ou sanar por completo as disparidades salariais observadas.
A norma não determina a ingerência do poder público, mas chama o setor produtivo a cumprir sua responsabilidade na construção de uma sociedade livre de discriminação de gênero. 12.
Sobre a exigência de participação do sindicato no plano ou a determinação de que cópia seja encaminhada ao sindicato, trata-se de norma que apenas regulamenta a determinação contida no parágrafo 2º do artigo 5º da Lei nº 14.611/2023. 13.
No que se refere ao impedimento de autuação da empresa e aplicação de multa administrativa, não foram trazidas aos autos quaisquer evidências que demonstrem a existência de ação ou procedimento administrativo em andamento aptos a gerar dano real às agravadas. 14.
A sanção existe para o caso de não cumprimento da obrigação de emissão dos relatórios e implantação do plano de mitigação salarial.
Não há, nas normas impugnadas, a imposição de penalidade específica sem a existência do contraditório e da ampla defesa. 15.
O entendimento acerca da equiparação salarial está de acordo com as políticas afirmativas implementadas pelo poder público, especialmente às que afetam a igualdade de gênero, à luz da jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Federal. 16.
Com atenção às diretrizes do Protocolo de Perspectiva de Gênero nos julgamentos do Poder Judiciário e, por consequência, em resgate ao que dispõem as Convenções OIT nº 100 e 117, tendo o controle de convencionalidade como "ferramenta necessária para enfrentar o desafio de garantir a primazia da dignidade humana e o império do sistema normativo de proteção dos direitos humanos", de forma mais inequívoca ainda se faz o pronunciamento judicial para manutenção dos efeitos da Lei nº 14.611/2023, a Lei da Igualdade Salarial entre Mulheres e Homens, e normas infralegais correlatas.
IV.
DISPOSITIVO E TESE 17.
Recurso provido.
Teses de julgamento: 1.
O Decreto nº 11.795/2023 e a Portaria MTE nº 3.714/2023 são atos regulamentares legítimos, que não violam a privacidade dos trabalhadores e visam à promoção da igualdade de gênero nas relações de trabalho. 2.
Alegações genéricas de violação a segredo comercial ou empresarial, ou de prejuízo à livre iniciativa ou à livre concorrência, sem demonstração de indícios de risco concreto, não podem servir de óbice à aplicação de lei regularmente aprovada pelo Poder Legislativo. ______________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 109, I; art. 3º, art. 170; Lei nº 14.611/2023; Decreto nº 11.795/2023; Portaria MTE nº 3.714/2023.
Resolução CNJ nº 492, de 17 de março de 2023.
Convenção OIT nº 100 (Igualdade de Remuneração de Homens e Mulheres por Trabalho de Igual Valor), arts. 2º e 3º.
Convenção OIT nº 117 (Objetivos e Normas Básicas da Política Social), art.
XIV.
Jurisprudência relevante citada: STJ, CC 105.196/RJ, Rel.
Min.
Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 22/02/2010; STF, ARE 824165 AgR, Rel.
Min.
Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 22/09/2015; STJ, AgRg no CC 142455/PB, Rel.
Min.
Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 08/06/2016; STF, ADI 1.950, rel. min.
Eros Grau, DJ de 02.06.2006; STF, ADI 6.921 e ADI 6.931, rel. min.
Alexandre de Moraes, DJE de 03.05.2024; STF, ADI 5.657, rel. min.
Luiz Fux DJE de 28-4-2023; TRF-1, AI 1013661-24.2024.4.01.0000, Rel.
Des.
Federal Ana Carolina Roman, 12ª Turma, j. 03/07/2024; TRF-1, AI 1020961-37.2024.4.01.0000, Des.
Federal Flávio Jardim, PJe de 02/07/2024, TRF-1, AI 1008612-02.2024.4.01.0000, Des.
Federal Newton Ramos, PJe 21/03/2024; TRF-1, AI 1012190-70.2024.4.01.0000, Juiz Federal Emmanuel Mascena de Medeiros, PJe de 26/04/2024; STF, ADI 7.492, Rel.
Min.
CRISTIANO ZANIN, j. 14/02/2024; STF, RE 639.138, Rel.
Min.
EDSON FACHIN, j. 18-8-2020. (AG 1017594-05.2024.4.01.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL ANA CAROLINA ALVES ARAUJO ROMAN, TRF1 - DÉCIMA-SEGUNDA TURMA, PJe 08/10/2024 PAG.) AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATÓRIO DE TRANSPARÊNCIA SALARIAL.
INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PRIVACIDADE E DA LIVRE INICIATIVA.
AGRAVO DESPROVIDO. 1.
A Lei de Igualdade Salarial prevê que o relatório de transparência salarial conterá dados anonimizados e deverá observar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) na divulgação, o que garante às empresas e aos trabalhares a não exposição de informações sensíveis, resguardando-se, assim, o direito à imagem, à intimidade e à vida privada. 2.
Tendo em vista que o que se visa a coibir é a distinção salarial entre homens e mulheres por questão de gênero, sendo perfeitamente possível que tal diferenciação se dê por outros critérios, como produtividade, excelência técnica e tempo de serviço, não há que se falar em violação à liberdade econômica ou à livre iniciativa.
Isso porque inexiste qualquer proibição aos empregadores acerca do gerenciamento da remuneração de seus empregados da maneira que melhor atenda aos interesses da empresa. 3.
Agravo interno desprovido. (AGTAC 1008612-02.2024.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON PEREIRA RAMOS NETO, TRF1 - DÉCIMA-PRIMEIRA TURMA, PJe 17/09/2024 PAG.) Portanto, a segurança deve ser denegada.
III.
Dispositivo Por essas razões, revogo a decisão liminar e DENEGO a segurança, nos termos do art. 487, I do CPC.
Custas ex lege.
Sem honorários, nos termos do art. 25 da Lei nº 12.016/2009.
Intimem-se.
Interposta apelação, tendo em vista as modificações no sistema de apreciação da admissibilidade e dos efeitos recursais (art. 1.010, § 3º, CPC), intime-se a parte contrária para contrarrazoar.
Havendo nas contrarrazões as preliminares de que trata o art. 1009, § 1º, do CPC, intime-se o apelante para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, manifestar-se a respeito, conforme § 2º do mesmo dispositivo.
Após, encaminhem-se os autos ao TRF da 1ª Região.
Transitada em julgado, arquivem-se os autos.
Brasília/DF.
GABRIEL ZAGO C.
VIANNA DE PAIVA Juiz Federal Substituto da 16ª Vara/SJDF -
21/08/2024 11:20
Recebido pelo Distribuidor
-
21/08/2024 11:20
Autos incluídos no Juízo 100% Digital
-
21/08/2024 11:20
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
22/08/2024
Ultima Atualização
18/06/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Sentença Tipo B • Arquivo
Sentença Tipo B • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
Decisão • Arquivo
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