TRF1 - 1054391-96.2023.4.01.3400
1ª instância - 26ª Brasilia
Polo Ativo
Polo Passivo
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Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Partes
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Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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01/07/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Distrito Federal 26ª Vara Federal de Juizado Especial Cível da SJDF SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1054391-96.2023.4.01.3400 CLASSE: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) POLO ATIVO: NICOLAU ROCHA CHAVES REPRESENTANTES POLO ATIVO: LAMARTINE DE OLIVEIRA CHAVES - DF49042 POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS SENTENÇA Relatório formal dispensado, na forma do artigo 38 da Lei 9.099/95.
O presente processo encontra-se na situação de excepcionalidade, nos termos do inciso IX, § 2º do art. 12 do NCPC, tendo em vista que o seu objeto versa sobre direito fundamental e humano de segunda geração de caráter alimentar.
Cuida-se de pedido de concessão de aposentadoria por incapacidade permanente.
Citado, o INSS apresentou contestação em ID 2182241955.
O auxílio-doença é o benefício previdenciário de pagamento sucessivo, substitutivo do salário-de-contribuição ou do rendimento do trabalhador, devido ao segurado que se encontra totalmente incapacitado para o exercício de suas atividades habituais por mais de 15 (quinze) dias, com possibilidade de recuperação.
A aposentadoria por invalidez, disciplinada nos arts. 42 a 47 da Lei nº 8.213/91 e 43 a 50 do Decreto nº 3.048/99 consiste em benefício substitutivo do salário-de-contribuição ou do rendimento do trabalhador, devido ao segurado que se encontra totalmente incapacitado para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência e seja insuscetível de reabilitação.
O auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez são espécies do gênero benefícios por incapacidade e a única diferença é de grau e não de índole ontológica.
Assim, a única diferença entre ambos os benefícios diz respeito ao grau da incapacidade.
São requisitos para a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez: a incapacidade para o trabalho, a qualidade de segurado e a carência exigida.
No tocante à incapacidade, foi produzido nos autos laudo pericial, registrado em 31/03/2025 (ID 2179430809), que concluiu pela incapacidade total, permanente e de índole omniprofissional da parte autora, com DII em 01/10/2023.
Sem delongas, no caso concreto constata-se que a situação da parte autora comporta as condições pessoais, sociais e culturais imprescindíveis à outorga da aposentadoria por invalidez.
A perícia médica indicou o início da incapacidade em 01/10/2023, e, neste ponto, discordo da conclusão do expert.
Por relevante, cumpre salientar que o magistrado, embora jungido aos critérios técnico-científicos esposados pelo expert, não está necessariamente adstrito à conclusão do seu laudo pericial, principalmente quando o perito ignora as circunstâncias pessoais, econômicas e culturais em que está inserida a parte autora.
Quando a lei processual prescreve que o juiz não está adstrito às conclusões dos peritos, é preciso fazer duas considerações relevantes a esse respeito.
A primeira situação diz respeito à total imprestabilidade da perícia aos fins para os quais foi elaborada.
Neste caso, o magistrado detectando um grave erro de fato tem a prerrogativa de mandar fazer uma nova perícia.
Outra situação, bem diferente, é quando o trabalho do expert está bem fundamentado sob o ponto de vista científico, mas a sua conclusão, por si só, entra em contradição com outros elementos constantes do arcabouço probatório dos autos. É dizer, o médico-perito, no caso concreto, fez uma análise científica consistente da situação patológico-incapacitante da parte autora, mas não levou em consideração fatores relevante como as suas condições pessoais, culturais, educacionais, econômicas e mercadológicas.
Neste segundo caso, o magistrado não pode se afastar das premissas científicas esposadas no laudo, a fim de salvaguardar a autonomia técnico-científica dos profissionais da perícia médica, mas pode e deve se afastar da respectiva conclusão sempre que se revelar incongruente com outros elementos de prova constantes dos autos, no contexto de uma visão sistemático-teleológica da causa, principalmente naqueles relacionados às condições pessoais, culturais e sociais do periciando, tais como a idade avançada, o grau de instrução ou ausência de qualificação profissional, as características da localidade onde mora conjugado com fatores de bloqueio ao acesso ao trabalho digno, dentre outras circunstâncias relevantes suscetíveis de o magistrado, no exercício de sua independência e da persuasão racional, chegar a outro veredicto quanto ao tipo de benefício por incapacidade a ser outorgado no caso concreto.
Dentro de tais premissas hermenêuticas é que deve ser lido o brocardo JUDEX PERITUS PERITORUM (JUIZ É O PERITO DOS PERITOS).
Em suma, a incapacidade deve ser aferida sob o ponto de vista médico e social, conforme o seguinte precedente da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, verbis: PREVIDENCIÁRIO.
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
PORTADOR DO VÍRUS HIV.
PERÍCIA QUE ATESTA CAPACIDADE PARA O TRABALHO.
SITUAÇÃO FÁTICA QUE PODE DEMONSTRAR IMPOSSIBILIDADE DE REINSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO.
PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ.
INCIDÊNCIA DO BROCARDO JUDEX PERITUS PERITORUM (JUIZ É O PERITO DOS PERITOS).
INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA LEGISLAÇÃO.
PERÍCIA INCOMPLETA.
RECURSO CONHECIDO.
PARCIALMENTE PROVIDO. 1.
A interpretação sistemática da legislação permite a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez se, diante do caso concreto, os fatores pessoais e sociais impossibilitarem a reinserção do segurado no mercado de trabalho, conforme livre convencimento do juiz que, conforme o brocardo judex peritus peritorum, é o perito dos peritos, ainda que não exista incapacidade total para o trabalho do ponto de vista médico. 1.1.
Na concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, a incapacidade para o trabalho deve ser avaliada do ponto de vista médico e social.
Interpretação sistemática da legislação (Lei n. 7.670/88; Decreto 3.298/99; Decreto 6.214/07; Portaria Interministerial MPAS/MS Nº 2.998/01). (...) 6.
Incidente de uniformização conhecido e parcialmente provido. (TNU - PUILF n° 200783005052586, Rel.
Juíza Federal MARIA DIVINA VITÓRIA – J. em 18/12/2008 - DJU 02/02/2009) Conforme a documentação acostada, a parte autora passou por procedimento cirúrgico para implante de marcapasso em 22/03/2018, inexistindo, nos autos, documento que aponte a existência de incapacidade em data anterior: Ademais, destaco que o autor recebeu benefício por incapacidade temporária no período de 22/03/2024 a 31/12/2024 (NB 6487919849), em razão da mesma enfermidade que o acomete atualmente, ocasião em que o perito do INSS a DII em 22/03/2024 (ID 2182241958).
Assim, fixo a DIB da aposentadoria por incapacidade permanente judicialmente reconhecido na DCB de seu último auxílio por incapacidade temporária – 31/12/2024 (NB 6487919849).
Em relação à qualidade de segurada e ao preenchimento da carência, estes são incontroversos, considerando a DII ora fixada em 12/04/2022, haja vista que a autora recebeu benefício por incapacidade temporária de 22/03/2024 a 31/12/2024 (NB 6487919849).
Preenchidos, portanto, os requisitos legais, faz jus a parte autora à concessão do benefício de aposentadoria por invalidez.
Neste ponto da sentença, faz-se necessário declarar a inconstitucionalidade do artigo 26, §§ 2º e 5º da EC 103/2019, de 13/11/2019.
Inicialmente, sigo a linha de compreensão consistente do colega de Juizado Especial Federal da cidade de Ourinhos/SP, o Juiz Federal Mauro Spalding, que proclamou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do artigo 26, §§ 2º e 5º da EC 103/2019, nos termos seguintes (processo n. 0002554-62.2019.4.03.6363, publicado em 05/11/2020): Trata-se de embargos de declaração opostos pelo INSS sob o argumento de que haveria contradição na sentença de homologação de acordo, por ter constado que a RMI da aposentadoria por incapacidade permanente seria apurada com base no auxílio-doença originalmente concedido (majorando-se de 91% para 100% do salário de benefício), sendo que a proposta de acordo previa o cálculo da RMI conforme apurado pelo INSS, o que implicaria incidência do regime jurídico instituído pela EC nº 103/2019 (reduzindo-se o valor de 91% para 60% do salário de benefício).
Embargos improvidos por falta de contradição, omissão ou obscuridade, afinal, a insurgência do autor não recai sobre vícios intrínsecos do julgado, mas sim apenas demonstram seu inconformismo com o teor da fundamentação da sentença.
O art. 26, §§ 2º e 5º, da EC nº 103/2019 alterou a regra de cálculo da RMI da aposentadoria por incapacidade permanente ("aposentadoria por invalidez") até que Lei discipline o cálculo dos benefícios do RGPS.
Impôs valor correspondente a 60% da média aritmética simples dos salários de contribuição no PBC, limitada ao valor máximo do salário de contribuição do RGPS, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição para segurados homens ou 15 anos de contribuição para seguradas mulheres.
Foi expressamente excepcionada da incidência dessa limitação as aposentadorias que decorrerem de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho (art. 26, § 3º, inciso II, da EC 103/2019), mantendo-se para estas o valor da RMI em 100% da média aritmética simples dos salários de contribuição no PBC.
Ocorre que a aludida Emenda Constitucional não alterou a RMI do benefício de auxílio-doença, que continua sendo de 91% do salário de benefício, limitado à média aritmética simples dos últimos 12 salários-de-contribuição, nos termos dos arts. 61 e 29, § 10, da LBPS.
Com isso, instalou-se no regime jurídico previdenciário brasileiro uma esdrúxula incongruência, pois o segurado acometido por uma incapacidade mais severa faz jus a um salário de benefício 31% menor que o acometido por uma incapacidade mais branda.
A falta de consonância da regra do art. 26, §§ 2º e 5º, da EC nº 103/2019 com o regramento dos benefícios por incapacidade é tamanha que, por força de sua incidência, até mesmo o titular de aposentadoria por invalidez com o acréscimo de 25% previsto no art. 45 da Lei 8.213/91 percebe um salário-de-benefício inferior ao do titular de auxílio-doença previdenciário que, por princípio, tem uma incapacidade de menor grau limitante.
Essa regra não faz o menor sentido.
Estabelece que um segurado em gozo de auxílio-doença receba remuneração bem superior a um segurado aposentado por invalidez. É surreal! Imagine-se um segurado em gozo de auxílio-doença que tenha um agravamento em sua incapacidade e passe a fazer jus à conversão do benefício em aposentadoria por invalidez.
Pela nova regra da EC nº 103/2019, ele teria uma redução no valor da remuneração na ordem de mais de 30% no valor do benefício, e não um acréscimo como deveria ser por uma questão de lógica e justiça.
Um verdadeiro despautério! A situação gerada pela EC 103/2019 no ordenamento previdenciário nacional pode ser diagnosticada, segundo a doutrina de Norberto Bobbio (Teoria do Ordenamento Jurídico. 2 ed.
São Paulo: EDIPRO, 2014, pp. 92-93), como uma antinomia imprópria, especificamente a chamada “antinomia de valoração”, caracterizada, não pela incompatibilidade normativa, mas sim pela injustiça e, consequentemente, pela violação à isonomia.
Não se verifica um tratamento isonômico o tratamento díspar dado pelo Estado através da Previdência Social, favorecendo financeiramente um segurado acometido de uma incapacidade parcial ou temporária em detrimendo daquele acometido de uma limitação funcional total e definitiva.
A injustiça da norma do art. 26, §§ 2º e 5º, da EC 103/2019 consubstancia-se na contrariedade ao princípio da razoabilidade, o qual limita a atuação do Estado na produção de normas jurídicas e encontra fundamento na garantia do “ substantive due process of law” (art. 5º, LIV, da CF).
Segundo a doutrina do Ministro Luís Roberto Barroso (Interpretação e Aplicação da Constituição : fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3ª ed.
São Paulo: Saraiva, 1999, p. 217), tal princípio exige uma relação racional e proporcional entre motivos, meios e fins visados pelo Legislador (razoabilidade interna), bem como a aferição da compatibilidade com valores expressos e implícitos do Texto Constitucional (razoabilidade externa).
No que concerne especificamente ao regime jurídico previdenciário brasileiro, os fins que devem ser buscados pelo Legislador constam expressamente do parágrafo único do art. 194 da CF, que arrola os objetivos da organização da Seguridade Nacional, dentre os quais a seletividade na prestação dos benefícios e serviços (inciso III) e a irredutibilidade do valor dos benefícios (inciso IV).
A seletividade na prestação dos benefícios e serviços refere-se à necessária seleção dos riscos sociais a serem cobertos pelo sistema de seguridade social, visando à garantia do mínimo vital suficiente para a sobrevivência com dignidade.
Com o advento do art. 26, §§ 2º e 5º, da EC 103/2019, a proteção à contingência da incapacidade laborativa ficou flagrantemente insuficiente, especialmente no que concerne à incapacidade permanente, dada a redução drástica da RMI do benefício previdenciário, contrariando, assim, o princípio da seletividade.
Nota-se também uma patente incompatibilidade entre a regra do art. 26, §§ 2º e 5º, da EC 103/2019 e o fim previsto no art. 194, inciso IV, da CF, já que ela implica uma evidente redução do salário-debenefício nos casos em que ocorre a conversão do benefício previdenciário de auxílio-doença em aposentadoria por incapacidade permanente.
A par disso, o Ministro Barroso (op. cit, p. 234) salienta uma íntima relação do princípio da razoabilidade com o princípio da isonomia, servindo o primeiro como parâmetro para aferir se o fundamento da diferenciação é aceitável e se o fim visado pela desigualdade é legítimo.
Sob essa perspectiva, não há racionalidade na desequiparação estabelecida pelo art. 26, §§ 2º e 5º, da EC 103/2019, pois confere ao segurado acometido por uma incapacidade mais severa um benefício flagrantemente inferior àquele concedido ao acometido por uma incapacidade mais branda, ou seja, ao invés de tratar desigualmente os desiguais a fim de gerar uma isonomia material, a norma em questão desarrazoadamente agrava ainda mais a desigualdade.
Trata-se, assim, de desequiparação arbitrária, caprichosa, aleatória, sem qualquer adequação entre meio e fim, razão pela qual se mostra juridicamente intolerável.
Além do mais, é inconteste a contrariedade ao art. 1º, inciso III, da CF, tendo em vista que os direitos fundamentais referidos nesta decisão são reputados densificações do princípio da dignidade da pessoa humana que é, segundo a doutrina e a jurisprudência nacionais, o valor-fonte da ordem político-jurídica brasileira.
Uma vez constatadas tais incompatibilidades com o Texto Constitucional, a única maneira de solucionar a supramencionada “antinomia de valoração” é o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 26, §§ 2º e 5º, da EC 103/2019.
Tem-se, portanto, uma Emenda Constitucional flagrantemente inconstitucional (consoante aborda com propriedade Jairo Lima, em "Emendas Constitucionais Inconstitucionais, ed.
Lumen Iuris, 2019).
Inconstitucional por afronta ao princípio da isonomia (art. 5º, CF/88), da seletividade e da irredutibilidade do valor dos benefícios (art. 195, CF/88), da proporcionalidade e da razoabilidade, tudo permeado pelo valor máximo e de densidade axiológica mais importante da dignidade da pessoa humana.
Ante a lacuna gerada pela declaração incidental da inconstitucionalidade do art. 26, §§ 2º e 5º, da EC 103/2019, o valor do benefício previdenciário de aposentadoria por incapacidade permanente deve corresponder a 100% do salário-de-benefício, tal como estipulado na regra então vigente antes da alteração (art. 29 e § 5º da Lei nº 8.213/91), de sorte que a decisão embargada está correta, pois consonante com o presente entendimento, nenhum vício nela havendo a merecer correção pela estreita via dos embargos declaratórios.
Em suma, este juízo entende pela inconstitucionalidade do art. 26, §§ 2º e 5º, da EC nº 103/2019, ante a violação aos princípios da razoabilidade, da seletividade na prestação dos benefícios, da irredutibilidade do valor dos benefícios e da isonomia, todos subsumidos ao princípio máximo da dignidade da pessoa humana.
Como consequência, supre a resultante lacuna normativa com a aplicação da regra então vigente para cálculo das aposentadorias por invalidez antes da alteração trazida pela referida EC nº 103/2019, qual seja, a do art. 29 e § 5º da LBPS.
Portanto, verifica-se que, em verdade, o INSS pretende a reforma do julgado, e não sanar eventuais vícios intrínsecos da sentença que, embora coesa e clara, não correspondeu integralmente aos seus anseios.
Entretanto, encerrado o provimento jurisdicional, é vedado ao juízo alterar a sentença já proferida.
POSTO ISTO, conheço dos embargos (pela sua tempestividade), mas a eles nego provimento. À guisa de agregar outros fundamentos que conduzam à plena inconstitucionalidade dos dispositivos constitucionais mencionados – artigo 26, caput e §§ 2º e 5º da EC 103/2019 - por ferir o princípio do devido processo legal em seu sentido material, vale dizer, por configurar norma material injusta, o que entra em linha de confronto com o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil no sentido de construir uma sociedade livre, justa e solidária, nos termos do inciso III do Art. 3º da Constituição Federal de 1988.
Não se pode considerar livre uma sociedade cujas instituições se omitem e outras tantas estimulam (imprensa, mercado, Estados estrangeiros, instituições financeiras, especialmente as que negociam a previdência complementar etc etc) em detrimento dos trabalhadores em geral do país e dos demais segurados no contexto da aprovação da Reforma da Previdência, a qual não deu oportunidade real e insofismável para ouvir as várias organizações representativas de seus interesses perante o Regime Geral de Previdência Social desse imenso e desigual país.
Não se pode considerar justa a sociedade que amesquinha e legitima a vergonhosa reforma da Previdência Social neste país, sem uma discussão mais ampla com os setores interessados, tanto que consagraram uma norma de iniquidade surreal, típica de um Parlamento e de um Executivo subservientes ao mercado, às imposições de países centrais do liberalismo desmedido e aos interesses de instituições financeiras nacionais e estrangeiras, pois nem se deram ao trabalho de que a aposentadoria por incapacidade permanente ficaria com o valor menor do que o auxílio por incapacidade temporária em mais de 1/3 de sua renda ou, conforme a decisão do Juiz Federal Mauro Spalding, mesmo que incidisse sobre tal benefício por incapacidade permanente o adicional de 25% nos termos do artigo 45 da Lei 8.213/91, ainda assim o benefício permanente e definitivo ficaria com a renda menor do que o benefício temporário, o que é totalmente inconcebível num Estado de Direito Democrático.
Enfim, não se pode considerar solidária a sociedade que consagra um benefício por incapacidade permanente aos segurados mais vulneráveis do país, em decorrência de um acidente, lesão ou doença incapacitante ou altamente estigmatizante plenamente imprevisível, com uma renda vergonhosa e bem menor do que a de outros benefícios menos gravosos, conforme já abordado nessa fundamentação.
O princípio da solidariedade é um dos principais postulados que norteiam a Seguridade Social na República Federativa do Brasil.
Mas há outras injustiças grosseiras nessa parte da reforma da previdência.
Se não, vejamos: A renda da aposentadoria por incapacidade permanente calculada em 60% do salário de benefício, ficaria muito próxima do valor do auxílio-acidente, que é uma renda permanente com fundamento na mera redução de capacidade laborativa. É dizer, a aposentadoria por incapacidade permanente, que inviabiliza o exercício de qualquer outra atividade profissional formal por parte do segurado, ficaria com a uma renda um pouco maior do que auxílio-acidente, que equivale a 50% do salário de benefício, que pode ser cumulado com os rendimentos do trabalho, nos termos do artigo 86 da Lei 8.213/91.
Mas o principal fundamento para a declaração de inconstitucionalidade do artigo 26, caput e §§ 2º e 5º da EC 103/2019, a meu sentir, repousa na quebra de um critério previdenciário elementar, qual seja, um benefício não programado como a aposentadoria por incapacidade permanente não pode receber o mesmo tratamento jurídico-previdenciário de um benefício programado, tal como uma aposentadoria por tempo de contribuição.
Se o tempo de contribuição, em média, é de 35 a 40 anos para se alcançar uma aposentadoria por tempo de contribuição integral, o mesmo tratamento está sendo dispensado para um benefício não programado, causado por um infortúnio cuja essência é a sua imprevisibilidade e a retirada do poder de trabalho do segurado, porquanto, pela regra do artigo 26, caput e §§ 2º e 5º da EC 103/2019, a integralização dos 100% do salário de benefício em prol da aposentadoria por incapacidade permanente (2% por ano contributivo a partir de 15 ou 20 anos de tempo de contribuição, a depender de algumas circunstâncias) só ocorreria com 35 a 40 anos de tempo de contribuição, conforme o caso, sendo, praticamente, a mesma regra para o benefício programado de aposentadoria por tempo de contribuição.
Essa inconstitucionalidade do artigo 26, caput e §§ 2º e 5º da EC 103/2019 também repousaria, assim, na quebra dos princípios da isonomia e da proporcionalidade entre segurados em situação totalmente diversa e merecedora de tratamento jurídico adequado em cada situação em função de suas peculiaridades fáticas e normativas.
E isso tem razões tão óbvias que não precisa ser citados nessa sentença tratados de direito constitucional para não se tornar uma decisão rebarbativa, redundante, cansativa, pois aquilo que é claro não precisa de um abismo de fundamentação exageradamente explicativa, o que acabaria por enfraquecer a sua verdade, ao contrário daqueles que fazem questão de tornar prolixo e carregado de excesso de inutilidades argumentativas aquilo que, em essência, é de simples compreensão.
Em consequência da inconstitucionalidade ora declarada incidenter tantum do artigo 26, caput e §§ 2º e 5º da EC 103/2019, a aposentadoria por incapacidade permanente da autora deverá ser calculada conforme as regras anteriores da Lei 8.213/91 e do Decreto 3048/1999, garantindo-lhe a renda correspondente a 100% do salário de benefício.
Nesse sentido: RECURSO INOMINADO.
PREVIDENCIÁRIO.
APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE.
CÁLCULO DO BENEFÍCIO.
ART. 26, § 2º, INC.
III, DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 103/2019.
AUSÊNCIA DE PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE.
TRATAMENTO ANTI-ISONÔMICO ENTRE SEGURADOS.
DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1. "[...] a previsão, insculpida no art. 26, § 3º, II, da EC n. 103/2019, no sentido de que, no caso de aposentadoria por incapacidade permanente, quando decorrente de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho, "O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 100% (cem por cento) da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º." Note-se, não se extrai do texto constitucional, presente o art. 201, I, da CF e as contingências sociais que visa a proteger, razão ou justificativa bastante que permita ao constituinte derivado distinguir o critério de cálculo de benefícios que, rigorosamente, voltam-se à proteção dos mesmos riscos.
Nessa ótica, fica evidenciada, também aqui, a proteção deficiente, ofensiva, pois, à proporcionalidade, quanto ao tratamento conferido aos benefícios decorrentes de incapacidade permanente de causa não acidentária, na medida em que, face o cotejo com o critério de cálculo estabelecido no art. 26, § 3º, II, da EC n. 103/2019, é possível constatar a inadequação da alteração normativa, porquanto caracterizadora de evidente esvaziamento do núcleo essencial do direito fundamental em comento e, assim, conducente ao reconhecimento de inobservância da limitação material prescrita no art. 60, § 4º, IV, da CF [...]". 2. “[...] torna-se evidente e possível concluir que a alteração promovida pela EC n. 103/2019, decorrente da redação conferida por seu art. 26, § 2º, III, para além de desatender o princípio da seletividade e distributividade, traduz medida legislativa que não encontra amparo no princípio da proporcionalidade (subprincípio da adequação) [...], uma vez que o núcleo essencial do direito à aposentadoria em razão da incapacidade permanente (não acidentária) sofreu sensível aviltamento a partir do momento em que prevê coeficiente de cálculo que permite renda mensal inicial significativamente inferior em relação aquela estabelecida para o benefício de incapacidade temporária.
Além disso, equipara o critério de cálculo com as demais aposentadorias programáveis de natureza voluntária. [...] Veja-se que há evidente contradição em um ordenamento que propicia maior proteção social aquele que se encontra incapacitado em menor grau em face daquele atingido por contingência social mais gravosa (ausência de coerência interna) [...]". 3.
Caso constatada a incapacidade definitiva, sem relação com acidente de trabalho, após o advento da EC n. 103/2019, aquele que até então fruíra auxílio-doença (incapacidade temporária) e conte com tempo de filiação inferior a 20 (vinte) anos, se homem, ou 15 (quinze) anos, no caso da mulher, terá direito a apenas 60% da média do salário de benefício.
Diversamente, o segurado titular de auxílio-doença, continuará regido pelo art. 61 da Lei n. 8.213/91, e, assim, terá renda equivalente a 91% da média do salário de benefício.
Não há qualquer lógica ou razoabilidade nessa situação. 4.
Além de situações de absoluta incongruência quanto a tempo de contribuição e valor de benefícios que essa situação gera, a perplexidade já vem se verificando na realidade, em que os segurados buscam evitar a todo custo a concessão do benefício por incapacidade permanente, mantendo ativo o benefício transitório, porquanto mais vantajoso, inclusive com pedidos de reversão nesse sentido. 5.
Incidência do art. 44 da Lei n. 8.213/91, exclusivamente para admitir a utilização do coeficiente correspondente a 100% do salário de benefício para a apuração da RMI do benefício de aposentadoria por invalidez/aposentadoria por incapacidade permanente, devendo ser observado, para tanto, em relação ao período básico de cálculo, o caput do art. 26 da EC n. 103/2019, diante da higidez constitucional deste último enunciado normativo (art. 26, caput, da EC n. 103/2109). 6.
Recurso a que se nega provimento. (RECURSO CÍVEL Nº 5010992-98.2020.4.04.7205/SC, Relator JUIZ FEDERAL NELSON GUSTAVO MESQUITA RIBEIRO ALVES, 1ª Turma Recursal de Santa Catarina, 14/10/2021) No mais, reputo pertinente a antecipação de tutela.
Subsiste, de um lado, prova inequívoca quanto ao direito da parte autora.
Verifica-se, de igual modo, fundado receio de dano irreparável, ante a própria natureza do benefício postulado e de seu manifesto caráter alimentar.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS, e extinto o feito com resolução de mérito, na forma do art. 487, I, do CPC, para condenar o réu: (a) ao cumprimento da obrigação de fazer consistente na concessão do benefício de aposentadoria por invalidez.
Determino que a RMI seja calculada administrativamente pelo INSS, observando-se os reflexos do reconhecimento incidental da inconstitucionalidade do art. 26, § 2º, III, e § 5º da EC n. 103/2019, nos termos da fundamentação supra; (b) no cumprimento da obrigação de pagar os valores retroativos desde a DCB do benefício anterior – 31/12/2024 (NB 6487919849), descontando-se eventuais parcelas de auxílio-doença ou de outras modalidades de benefícios previdenciários ou assistenciais inacumuláveis com a aposentadoria por invalidez, corrigido de acordo com a taxa SELIC, nos termos da Emenda Constitucional nº 113/2021; (c) no cumprimento do item (a), no prazo improrrogável de 45 (quarenta e cindo) dias, tendo em vista a concessão de tutela de urgência na sentença.
Fixo a multa de R$500,00 (quinhentos reais) a partir do 46º dia útil sem cumprimento, independente de nova intimação do INSS.
Sem custas e sem honorários (art. 55 da Lei nº 9.099/95).
Interposto recurso, vista à parte contrária para, no prazo de 10 (dez) dias, ofertar contrarrazões.
Transitada em julgado, expeça-se requisição de pagamento.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Cumpra-se.
Oportunamente, arquivem-se os autos.
BRASÍLIA, data da assinatura eletrônica. -
19/06/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Distrito Federal 26ª Vara Federal de Juizado Especial Cível da SJDF PROCESSO: 1054391-96.2023.4.01.3400 CLASSE: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) POLO ATIVO: NICOLAU ROCHA CHAVES REPRESENTANTES POLO ATIVO: DIVINO JOSE SANTOS - DF06479 POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS DESPACHO Converto o julgamento em diligência.
Verifica-se que o procurador da parte autora se encontra com a inscrição suspensa nos quadros da OAB.
Diante disso, intime-se a parte autora para que, no prazo de 10 (dez) dias, regularize sua representação processual.
Após, voltem os autos conclusos.
BRASÍLIA, data da assinatura eletrônica. -
31/05/2023 17:30
Recebido pelo Distribuidor
-
31/05/2023 17:30
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
31/05/2023
Ultima Atualização
01/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
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