TRF1 - 1053647-33.2025.4.01.3400
1ª instância - 2ª Brasilia
Polo Ativo
Polo Passivo
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Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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19/06/2025 00:00
Intimação
Seção Judiciária do Distrito Federal 2ª Vara Federal da SJDF _____________________________________________________________________________________________________________ PROCESSO: 1053647-33.2025.4.01.3400 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) POLO ATIVO: AUTOR: ANA CAROLINA MARTINS SANTOS POLO PASSIVO: REU: CEBRASPE, UNIÃO FEDERAL DECISÃO Trata-se de demanda pelo procedimento comum ajuizada por ANA CAROLINA MARTINS SANTOS em face da UNIÃO FEDERAL e do CEBRASPE, na qual requer: 5.1 - LIMINARMENTE, POR URGÊNCIA E PODER GERAL DE CAUTELA a) conceder o benefício da justiça gratuita, pois a Requerente não possui condições de efetuar o pagamento das custas sem o prejuízo do seu próprio sustento, com apoio no precedente do STJ em 2022 (REsp 1899342(2019/0328975-4 de 29/04/2022) e nas várias provas acima inseridas no corpo da petição.
Contudo, caso entenda ser necessários novos documentos para conceder a benesse, pede-se respeitosamente que, na decisão de concessão da liminar, seja dado prazo para juntada destes novos documentos de pobreza, preservando assim a utilidade da liminar que se requer. b) Conceder a medida liminar com base no PODER GERAL DE CAUTELA, considerando que o efeito danoso sobre a parte será muito maior e de difícil reparação, para em caráter de urgência, para: b.1) Suspender os efeitos ato administrativo ilegal que excluiu a parte autora da lista de cotistas raciais negros, ressaltando que é NEGRA/PARDA; E b.2) Determinar que adversa reverta a eliminação da etapa de heteroidentificação e proceda imediatamente com a anulação dos efeitos desta e providencia a imediata inserção da parte autora na lista de candidatos aptos do concurso como COTISTA PARDA/NEGRA, realizando a convocação pessoal da parte para participar das demais fases do certame, caso ainda existam fases a serem concluídas e impedidas em razão desta injusta eliminação, e reservando a sua vaga sub Júdice até ulterior decisão de V.Exa, com base na Teoria da Gangorra que permite a concessão da liminar acautelatória diante da iminência do dano, destaque-se que desde já se requer que tal decisão tenha validade para o concurso todo, por se tratar de Concurso Unificado onde o autor pôde escolher mais de uma prioridade de disputa por cargo. 5.2 No mérito, que não se confunde com os pedidos liminares, c) seja julgado TOTALMENTE PROCEDENTE A PRESENTE DEMANDA (não se confundindo o pedido liminar requestado alhures) confirmando-se a liminar deferida, com anulação do ato que excluiu a parte autora da lista de cotista, permitindo que a parte seja convocada para nomeação e posse definitivo acaso logre êxito do certame, sem qualquer tipo de discriminação diante dos demais nomeados e empossados nos cargos, com efeitos retroativos à data do ajuizamento desta; Na petição inicial a parte autora alega que: se inscreveu e participou de processo seletivo para Perito Médico Federal – Previdência Social, inscrição 10019353, concorrendo as vagas destinadas aos candidatos negros/pardos (...) fora aprovada e sendo uma das candidatas mais bem classificadas nas provas objetivas e por isso fora convocada para a avaliação de heteroidentificação e confirmação da sua autodeclaração (...) quando da divulgação do resultado oficial de tal fase pela banca a autora verificou que não fora considerada como parda por esta comissão da banca, e assim sendo a autora excluída da concorrência as vagas destinadas aos candidatos negros/pardos.
Atribui à causa o valor de R$ 170.003,88 e requer a concessão da gratuidade de justiça.
Anexa procuração (id 2192899494) e junta documentos.
Os autos vieram conclusos. É o relatório.
DECIDO.
Preliminarmente, defiro o pedido de gratuidade de justiça em face da juntada da declaração de hipossuficiência econômica, sobre a qual repousa a presunção de veracidade.
Quanto ao pedido liminar, prescreve o art. 300 do novo Código de Processo Civil que a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
A probabilidade do direito consubstancia-se na relevância da fundamentação, sustentada pela robustez do conteúdo probatório reunido na fase de cognição sumária.
O requisito do periculum in mora significa a existência de um grave e sério risco de dano ou perecimento irreparável, com aptidão para ameaçar a efetividade da tutela jurisdicional buscada.
No caso em análise, não há fundamento relevante para a concessão da medida liminar, conforme explicitado a seguir.
O sistema de cotas é o modelo de ações afirmativas que visa reduzir as desigualdades socioeconômicas e educacionais em uma sociedade, no que diz respeito ao ingresso no ensino público e acesso a cargos públicos. É cediço que as cotas raciais, como medida de justiça distributiva voltada para a neutralização de iniquidades raciais persistentes na sociedade brasileira, devem ter aplicabilidade restrita às potenciais vítimas diretas do racismo e da discriminação racial.
Contudo, embora se reconheça que a autodeclaração seja fator importante na construção da identidade racial do indivíduo, revelando a forma como este se percebe e se define para a sociedade, esta não goza de presunção absoluta de veracidade, podendo ser complementada por mecanismos heterônomos de verificação, de modo a garantir o alcance dos fins almejados.
No julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade n. 41, o Supremo Tribunal Federal, ao declarar a constitucionalidade da Lei n. 12.990/2014, decidiu que “é legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa” (ADC 41, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2017, Processo Eletrônico DJe-180 Divulg 16-08-2017 Public 17-08-2017).
O Supremo Tribunal Federal já havia reconhecido, no julgamento da ADPF 86, a constitucionalidade dos programas de ação afirmativa que estabelecem um sistema de reserva de vagas com base em critério étnico-racial (cotas) no processo de seleção para ingresso em instituição pública de ensino superior e também para acesso aos cargos públicos, decidindo que tanto a autoidentificação, quanto a heteroidentificação, ou ambos os sistemas de seleção combinados, são “plenamente aceitáveis do ponto de vista constitucional” (ADPF 86, Plenário, relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 26/04/2012).
Nesse sentido, confira-se: DIREITO CONSTITUCIONAL.
AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE.
RESERVA DE VAGAS PARA NEGROS EM CONCURSOS PÚBLICOS.
CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 12.990/2014.
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. É constitucional a Lei nº 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, por três fundamentos. 1.1.
Em primeiro lugar, a desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia.
Ela se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente. 1.2.
Em segundo lugar, não há violação aos princípios do concurso público e da eficiência.
A reserva de vagas para negros não os isenta da aprovação no concurso público.
Como qualquer outro candidato, o beneficiário da política deve alcançar a nota necessária para que seja considerado apto a exercer, de forma adequada e eficiente, o cargo em questão.
Além disso, a incorporação do fator “raça” como critério de seleção, ao invés de afetar o princípio da eficiência, contribui para sua realização em maior extensão, criando uma “burocracia representativa”, capaz de garantir que os pontos de vista e interesses de toda a população sejam considerados na tomada de decisões estatais. 1.3.
Em terceiro lugar, a medida observa o princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão.
A existência de uma política de cotas para o acesso de negros à educação superior não torna a reserva de vagas nos quadros da administração pública desnecessária ou desproporcional em sentido estrito.
Isso porque: (i) nem todos os cargos e empregos públicos exigem curso superior; (ii) ainda quando haja essa exigência, os beneficiários da ação afirmativa no serviço público podem não ter sido beneficiários das cotas nas universidades públicas; e (iii) mesmo que o concorrente tenha ingressado em curso de ensino superior por meio de cotas, há outros fatores que impedem os negros de competir em pé de igualdade nos concursos públicos, justificando a política de ação afirmativa instituída pela Lei nº 12.990/2014. 2.
Ademais, a fim de garantir a efetividade da política em questão, também é constitucional a instituição de mecanismos para evitar fraudes pelos candidatos. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação (e.g., a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do concurso), desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. 3.
Por fim, a administração pública deve atentar para os seguintes parâmetros: (i) os percentuais de reserva de vaga devem valer para todas as fases dos concursos; (ii) a reserva deve ser aplicada em todas as vagas oferecidas no concurso público (não apenas no edital de abertura); (iii) os concursos não podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para burlar a política de ação afirmativa, que só se aplica em concursos com mais de duas vagas; e (iv) a ordem classificatória obtida a partir da aplicação dos critérios de alternância e proporcionalidade na nomeação dos candidatos aprovados deve produzir efeitos durante toda a carreira funcional do beneficiário da reserva de vagas. 4.
Procedência do pedido, para fins de declarar a integral constitucionalidade da Lei nº 12.990/2014.
Tese de julgamento: “É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. (STF - ADC: 41 DF - DISTRITO FEDERAL 0000833-70.2016.1.00.0000, Relator: Min.
ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 08/06/2017, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-180 17-08-2017) Importante salientar que compete ao Poder Judiciário apenas o controle de legalidade dos atos da banca examinadora, não podendo substituí-la para avaliar as condições do agravante (mérito do ato administrativo).
Nesse sentido, cito precedente do Supremo Tribunal Federal, cuja ratio decidendi é a mesma aplicável a casos como o da espécie: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. 2.
Concurso público.
Correção de prova.
Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas.
Precedentes. 3.
Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame.
Precedentes. 4.
Recurso extraordinário provido. (RE 632853, Relator (a): Min.
GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-125 DIVULG 26-06-2015 PUBLIC 29-06-2015).
Para embasar o voto, o relator faz referência à posição do STF, entre outros, no MS 30.859/DF (relator Ministro Luiz Fux, 1T, DJe 24/10/2012), que diz: “O Poder Judiciário é incompetente para, substituindo-se à banca examinadora de concurso público, reexaminar o conteúdo das questões formuladas e os critérios de correção das provas, consoante pacificado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Precedentes (v.g., MS 30433 AgR/DF, Rel.
Min.
GILMAR MENDES; AI 827001 AgR/RJ, Rel.
Min.
JOAQUIM BARBOSA; MS 27260/DF, Rel.
Min.
CARLOS BRITTO, Red. para o acórdão Min.
CÁRMEN LÚCIA), ressalvadas as hipóteses em que restar configurado [...] erro grosseiro no gabarito apresentado, porquanto caracterizada a ilegalidade do ato praticado pela Administração Pública”.
Na dicção do voto da Ministra Cármen Lúcia, acompanhando o relator, a Administração “realmente não pode ter as suas bancas substituídas pelo Poder Judiciário.
Ressalva feita ao controle de legalidade quanto aos aspectos que são objetivos, e, por isso, sindicáveis”.
Anotou o Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente) que, “evidentemente, diante do princípio da inafastabilidade da jurisdição, os casos teratológicos serão naturalmente revistos”.
Enfim, ressalvou-se, também, a intervenção do Poder Judiciário em situações de ilegalidade.
Tais diretrizes também devem ser aplicadas à heteroidentificação de candidatos que se declaram pretos ou pardos em concursos públicos, de modo que apenas casos teratológicos podem ser revistos pelo Judiciário, por configurarem situação de ilegalidade.
O TRF1 já decidiu acerca da legalidade de instituição de Comissão Avaliadora para atestar as características fenotípicas dos candidatos em certames públicos, tanto para acesso ao ensino público, quanto para cargo público.
Confiram-se os seguintes arestos: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
ENSINO SUPERIOR.
SISTEMA DE COTAS ÉTNICO-RACIAIS.
PROCEDIMENTO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO.
CONSTITUCIONALIDADE.
ADPF 186/STF.
CANDIDATA ELIMINADA.
AUSÊNCIA DE CARACTERÍSTICAS FENOTÍPICAS PRÓPRIAS DOS ESTUDANTES DESTINATÁRIOS DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA.
AFERIÇÃO POR BANCA EXAMINADORA.
VALIDADE.
SENTENÇA MANTIDA. 1.
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao declarar a constitucionalidade da Lei nº 12.990/2014, legitimou a utilização do critério da heteroidentificação como medida complementar à autodeclaração realizada pelo candidato no ato da inscrição de concurso, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa (ADC 41, Relator(a): Min.
ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 16-08-2017 PUBLIC 17-08-2017). 2.
Em que pese a autodeclaração possuir presunção de veracidade, ela, por si só, não é suficiente para que o candidato seja considerado pessoa negra, inexistindo ilegalidade na adoção de Comissão Avaliadora para atestar as características fenotípicas dos candidatos em certames públicos, conforme previsto no edital do processo seletivo e com o fim precípuo de se evitar o desvirtuamento da aludida política de ação afirmativa. 3.
Hipótese em que, concluído por unanimidade pela Comissão de Heteroidentificação da UFG, composta por cinco membros, que a apelante não ostenta, em seu conjunto, as características fenotípicas de negro ou pardo, e observada a garantia do contraditório e da ampla defesa, deve ser mantida a decisão indeferiu sua matrícula em uma das vagas reservadas ao sistema de cotas, pois o uso do procedimento para aferição de adequação à concorrência às vagas reservadas, além de prevista no Edital do certame (Processo Seletivo SiSU/UFG 2018, Edital n. 005, Anexo VI, item IV), é reconhecido como constitucional pelo STF, não cabendo ao Poder Judiciário adentrar no mérito administrativo, substituindo os critérios técnicos utilizados pela Comissão avaliadora. 4.
Apelação a que se nega provimento. (AC 1001937-72.2019.4.01.3500, DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, TRF1 - QUINTA TURMA, PJe 01/09/2020 PAG.) ADMINISTRATIVO.
MANDADO DE SEGURANÇA.
CONCURSO PÚBLICO.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA.
SISTEMA DE COTAS.
HETEROIDENTIFICAÇÃO.
COMISSÃO AVALIADORA.
NÃO RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO DE PRETO OU PARDO.
ELIMINAÇÃO DO CERTAME.
LEGITIMIDADE DO PROCEDIMENTO DE VERIFICAÇÃO.
CRITÉRIO SUBJETIVO INERENTE À VERIFICAÇÃO DO FENÓTIPO.
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE IRREGULARIDADE NO PROCEDIMENTO DE VERIFICAÇÃO.
SENTENÇA MANTIDA.
I Pretende o impetrante, inscrito em concurso público regido pelo Edital SEI PROGEP Nº 169/2018 para ingresso no técnico de laboratório/anatomia patológica da Universidade Federal de Uberlândia, nas vagas destinadas a candidatos negros e pardos, anulado o ato que não o reconhecera como pessoa negra ou parda.
II No julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 41, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, o Supremo Tribunal Federal firmou tese no sentido de que é legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa.
III Sendo legítimo o procedimento de heteroidentificação a que se submeteu o candidato, ofertado contraditório e ampla defesa e ausentes elementos que demonstrem violação às regras do edital, não há ilegalidade a ser reconhecida.
IV Ademais, o apelante não trouxe aos autos prova de irregularidade no procedimento de verificação realizado pela Administração, que, em decisão unânime, indeferiu seu recurso administrativo, mantendo-se sua exclusão das vagas reservadas aos candidatos pretos ou pardos, visto que o fundamento se respaldou no fato de que o candidato não se enquadra nas condições de pessoa preta ou parda por não possuir fenótipo característico da etnia negra.
V Recurso de apelação a que se nega provimento. (AMS 1000822-77.2019.4.01.3803, JUIZ FEDERAL RAFAEL PAULO SOARES PINTO (CONV.), TRF1 - SEXTA TURMA, PJe 23/03/2021 PAG.) Constata-se que mesmo se o Edital de seleção exigir a autodeclaração para o ingresso em vagas reservadas a critérios étnicos não torna o candidato imune à verificação da veracidade das informações prestadas, pelo contrário, dispõe que todas as informações são passíveis de revisão e sujeitas a sanções em casos de falsidade, como qualquer outra declaração, além de estar sua aceitação sujeita à verificação por comissão de heteroidentificação que terá a decisão final.
Em verdade, embora a lei se refira à "veracidade da autodeclaração" ou à "declaração falsa", o que se tem é uma verificação da conformidade do conteúdo da declaração ao conjunto dos caracteres do candidato na classe de cotista, salvo em casos de absoluta e perceptível impossibilidade de enquadramento da pessoa como cotista racial, caso em que se poderia vislumbrar tentativa de fraudar o sistema legal de inclusão, como apresentação de documento falso ou de terceiro.
Fora hipóteses limites, não há falar em falsidade, mas apenas de divergência de percepção dos caracteres fenotípicos, perfeitamente admissível em uma sociedade multirracial, como a brasileira.
Por isso mesmo, a consequência tem sido apenas a desclassificação da pretensa condição de cotista, mas permanecendo o candidato na concorrência pela clientela geral.
E nem poderia ser diferente, porque o que habilita a pessoa que assim se define ao ingresso por cotas é a sua condição de parda ou negra e não a sua declaração, que é mero instrumento de informação dessa condição.
E mais, penso que essa verificação é importante também do ponto de vista regional, em face da maior ou menor predominância de pessoas que se enquadram nesse critério, porque uma pessoa que se considera parda em algum lugar pode não o ser em outro, daí a heteroidentificação fenotípica, para efetivamente assegurar que pessoas que sofrem restrições consideradas raciais possam ingressar no ensino superior público, ou em um cargo público, e superar esse preconceito social. É claro que os critérios de acesso por cotas têm se aperfeiçoado para evitar situações absolutamente escandalosas de autodeclaração, mas esse aperfeiçoamento não quer dizer que o que se passou está a salvo de verificação posterior pela Administração, em processo regular, como sucede principalmente nos casos de acesso ao ensino público, e também no que se refere a cargo público, inclusive com anulação da nomeação.
Ressalte-se ainda que eventual aprovação do candidato na condição de pardo em um concurso ou processo seletivo, ainda que realizado para provimento de cargos da mesma instituição ou órgão, não lhe assegura qualquer direito em outro certame, porque essa discrepância pode ocorrer em razão da composição da comissão encarregada da verificação da condição racial, o que não pode ser evitado em todas as circunstâncias, nem implica em fato contraditório passível de anulação, porque cada certame tem sua própria banca e seus próprios critérios de avaliação da fenotipia, de sorte que as conclusões de uma não prevalecem sobre as de outra, especialmente em questões como a da espécie.
Portanto, os elementos probatórios acostados aos autos não são suficientes para indicar eventual teratologia da decisão da Comissão de Heteroidentificação.
Os critérios de ancestralidade, características físicas do agravante em outros momentos da sua vida e eventual reconhecimento como preto ou pardo em documentos e/ou outros certames não são suficientes para elidir tal conclusão no presente caso.
Não vislumbro, portanto, em exame preliminar, a probabilidade do direito.
Com efeito, a autora pretende que o Poder Judiciário revise os critérios utilizados pela Comissão de Heteroidentificação que concluiu que as características fenotípicas da autora são insuficientes para concorrer às vagas reservadas às pessoas negras.
Entender de maneira diferente da conclusão a que chegou a Comissão de Heteroidentificação implica substituição do mérito administrativo, sem que se verifique flagrante ilegalidade.
Por outro lado, consoante disposição do Edital do CONCURSO PÚBLICO NACIONAL UNIFICADO, a análise das características fenotípicas da candidata ocorre ao tempo de realização do procedimento de heteroidentificação, razão pela qual, em princípio, há de prevalecer conclusão tomada pela referida Comissão.
Outrossim, o Edital expressamente desconsidera registros pretéritos e certidões referentes à confirmação em procedimentos de heteoidentificação realizados em outros concursos, bem assim critérios de ancestralidade.
Ante o exposto INDEFIRO O PEDIDO LIMINAR.
Defiro a gratuidade de justiça.
Cite-se a parte ré para apresentação de defesa no prazo legal, advertindo-a do disposto no art. 336 do CPC/2015 para que especifique em sede de contestação todas as provas que pretende produzir, sob pena de preclusão do direito de fazê-lo.
Em seguida, intime-se a parte autora para réplica, se for o caso, bem como para especificar as provas que pretende produzir, delimitando seu objeto e pertinência para a solução da lide, sob pena de indeferimento.
Após, venham os autos conclusos para deliberação.
Brasília, data da assinatura digital. -
26/05/2025 11:45
Recebido pelo Distribuidor
-
26/05/2025 11:45
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
26/05/2025
Ultima Atualização
19/06/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Despacho • Arquivo
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