TRF1 - 1000128-71.2025.4.01.4200
1ª instância - 1ª Boa Vista
Processos Relacionados - Outras Instâncias
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Assistente Desinteressado Amicus Curiae
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Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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08/07/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Roraima 1ª Vara Federal Cível da SJRR SENTENÇA TIPO A PROCESSO: 1000128-71.2025.4.01.4200 CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) AUTOR: MARIA INES LOPEZ DE URIBE e outros (15) REU: -GERENTE-EXECUTIVO DA AGÊNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL e outros SENTENÇA
I - RELATÓRIO Trata-se de mandado de segurança coletivo com pedido de liminar impetrado por MARIA INES LOPEZ DE URIBE, ODALIS COROMOTO ABACHE SOLORZANO, JOSE MANUEL TENIAS TENIA, GUILLERMO ANTONIO HEREDIA, KELY YORLENY LEZANA DIAZ, CARMEN ELENA URBANEJA, ZENAIDA INOCENCIA LAREZ, LUIS RAMON MORANDY LOPEZ, PABLO ENRIQUE ROMERO FRONTADO, OSCAR CELESTINO MARTINEZ URBINA, MARTHA SIERRA LADINO, CARLOS JOSE ABREU, ARMANDO JOSE TAIPO, ONEIDA ELENA PUERTA DE ORTUNO, UVENCIO TRINITARIO, IRIS REBOLLERO, todos estrangeiros de nacionalidade venezuelana, regularmente residentes no Estado de Roraima, em face de ato atribuído ao GERENTE-EXECUTIVO DA AGÊNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL DE BOA VISTA-RR, com a participação do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS na qualidade de terceiro interessado.
Os impetrantes alegam estarem em situação de extrema vulnerabilidade social e pleiteiam o acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto no artigo 20 da Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS).
Sustentam que a exigência de registro biométrico vinculado a documentos como a Carteira de Identidade Nacional (CIN), Título Eleitoral ou Carteira Nacional de Habilitação (CNH), conforme instituído pelo § 12-A do artigo 20 da LOAS (introduzido pela Lei nº 14.973/2024) e regulamentado pela Portaria Conjunta MDS/INSS nº 28/2024, inviabiliza o exercício de seu direito ao benefício, por se tratarem de documentos aos quais estrangeiros não têm acesso ou cuja obtenção é excessivamente onerosa.
A parte impetrante sustenta, ainda, a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, alegando ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana, isonomia, razoabilidade e proporcionalidade.
Argumentam que a norma cria um entrave discriminatório, inviabilizando o exercício de direito social fundamental por estrangeiros em situação regular no Brasil.
Fundamentam-se também na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidada no julgamento do RE 587.970 (Tema 173), que reconhece expressamente o direito de estrangeiros residentes no país ao BPC, desde que preenchidos os requisitos legais.
Em sede liminar, requereram: (i) a suspensão dos efeitos do § 12-A do art. 20 da LOAS e da Portaria Conjunta MDS/INSS nº 28/2024; e (ii) a determinação para que o INSS proceda à análise dos pedidos de benefício com base nos documentos válidos para estrangeiros constantes da Portaria Dirben/INSS nº 993/2022, independentemente da exigência de biometria vinculada aos documentos previstos na nova norma.
O pedido de liminar foi indeferido ID. 2166070218.
Informações prestadas ID. 2177402188.
O Ministério Público Federal se manifestou favoravelmente ao pedido dos impetrantes (ID. 2177233625). É o relatório.
Decido.
II – FUNDAMENTAÇÃO Inicialmente, observa-se que, embora a presente impetração tenha sido intitulada como mandado de segurança coletivo, verifica-se que se trata, na realidade, de mandado de segurança individual com pluralidade de impetrantes, todos identificados nominalmente, de nacionalidade venezuelana, com residência regular no país, e representados por advogado devidamente constituído.
Não se trata, portanto, de ação proposta por entidade de classe, sindicato ou associação nos moldes do art. 21 da Lei nº 12.016/2009, nem por partido político com representação no Congresso Nacional.
A jurisprudência admite a cumulação subjetiva de impetrantes no mandado de segurança individual quando houver identidade de causa de pedir e de pedidos, como se verifica no caso dos autos.
Não há vícios formais a obstar o conhecimento da presente ação mandamental, sendo adequada a via eleita para a tutela do direito líquido e certo alegado.
Rejeitam-se, portanto, quaisquer preliminares de inadmissibilidade.
Passa-se ao mérito.
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) tem previsão no art. 203, V, da Constituição da República, que garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção nem de tê-la provida por sua família, independentemente de contribuição à seguridade social.
Em suma, o constituinte originário, na carta fundante do Estado brasileiro, garantiu assistência social a quem dela necessitar, determinando o pagamento de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la promovida por sua família.
Diz o texto constitucional: Art. 203.
A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...) V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Trata-se, portanto, de um direito fundamental, protegido inclusive por cláusula pétrea, nos termos do artigo 60, §4º, IV, da Constituição Federal.
Ou seja, trata-se de uma importante conquista social, insuscetível a retrocessos, estabelecida quando da fundação do estado brasileiro, e que jamais poderá ficar à mercê de pressões econômicas de momento, de ordem política ou de radicais demandas mercantis, alheias a um desenvolvimento sustentável, humano e equilibrado.
Neste sentido, ao delegar ao legislador ordinário a regulamentação do benefício, o texto constitucional o fez tão somente quanto à forma de comprovação da renda e das condições específicas de idoso ou da pessoa com deficiência.
Regulamentando o comando constitucional, a Lei nº 8.742/1993 (LOAS) estabelece, em seu art. 20, os critérios de elegibilidade ao benefício, nos termos da Constituição Federal: Art. 20.
O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) (Vide Lei nº 13.985, de 2020). (...) § 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
Em seu âmbito de competência, o legislador infraconstitucional definiu pessoa idosa como a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais.
Ademais, definiu critério objetivo para aferição da condição de renda, estabelecendo o limite de renda de 1/4 (um quarto) do salário-mínimo para cada pessoa da família.
Importa destacar que a referida lei não faz qualquer distinção entre nacionais e estrangeiros, o que está em perfeita consonância com o art. 5º, caput, da Constituição Federal, que assegura os direitos fundamentais aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País.
Neste sentido, o E.
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 587.970, pacificou que o benefício assistencial é devido a “(...) brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais” (RE 587970, Relator (a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 20-04-2017, acórdão eletrônico repercussão geral - mérito dje-215 divulg 21-09-2017 public 22-09-2017 - grifo nosso).
Conforme ressaltado pelo Ministro Relator, "o texto fundamental estabelece que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, sem restringir os beneficiários somente aos brasileiros natos ou naturalizados. (...) Quando a vontade do constituinte foi de limitar eventual direito ou prerrogativa a brasileiro ou cidadão, não deixou margem para questionamentos".
A decisão do E.
STF foi unânime quanto ao direito que os estrangeiros residentes no país têm de receber o benefício. À época, o hoje Ministro da Justiça, E.
Ministro Ricardo Lewandoski, destacou que a tese do INSS, de vedar o benefício a estrangeiros, era "retrógrada e ofensiva ao princípio da dignidade da pessoa humama".
O referido precedente ensejou o Tema nº 173/STF, sendo fixada a seguinte tese: "Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais." Entendimento aplicado também no âmbito deste TRF-1.
Veja-se: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL.
REMESSA OFICIAL.
NÃO CABIMENTO.
AMPARO ASSITENCIAL AO IDOSO.
ESTRANGEIRO.
POSSIBILIDADE.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
REQUISITOS PREENCHIDOS.
BENEFÍCIO DEVIDO. 1.
A sentença sob censura, proferida sob a égide no CPC/2015, não está sujeita à remessa oficial, tendo em vista que a condenação nela imposta não ultrapassa o limite previsto no art. 496, § 3º, do referido Diploma Adjetivo. 2.
São necessários os seguintes requisitos para concessão do benefício de prestação continuada: ser a pessoa portadora de deficiência ou idosa; não receber benefício de espécie alguma e não estar vinculado a nenhum regime de previdência social; ter renda mensal familiar per capita inferior a ½ salário mínimo, no julgamento dos RE 567985 e 580963. 3.
No caso dos autos, o laudo socioeconômico e/ou prova testemunhal confirma(m) a condição de miserabilidade justificadora do deferimento do benefício assistencial em exame. 4.
No que se refere à alegação do INSS, no sentido de que a parte autora não teria direito ao benefício requerido pelo fato de ser estrangeiro, o STF decidiu, no julgamento do RE 587.970/SP, em sede de Repercussão Geral, que “A assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal beneficia brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais”.
Assim, sem razão a Autarquia, quanto ao ponto. 5.
Presentes os pressupostos legais para a concessão do benefício de prestação continuada denominados amparo social à pessoa portadora de deficiência física e ao idoso (art. 203 da CF/88 e art. 2º, V, Lei 8.742/93), pois comprovado que a parte requerente atendeu ao requisito etário e que não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 6.
Remessa oficial não conhecida.
Apelação do INSS não provida. (TRF-1 - AC 1001589-88.2018.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO NEVES DA CUNHA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 23/10/2019 PAG.) Portanto, não há dúvida quanto ao direito de pessoas estrangeiras residentes no Brasil de acessar o BPC, desde que preenchidos os requisitos legais.
Todavia, em que pese a já solar e evidente vedação constitucional à limitação do benefício constitucional a estrangeiros residentes no país, a Lei 8.742/1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, sofreu recente alteração pela Lei 14.973 de 16/09/2024 nos seguintes termos: Art. 20.
O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) (Vide Lei nº 13.985, de 2020) § 12-A.
Ao requerente do benefício de prestação continuada, ou ao responsável legal, será solicitado registro biométrico nos cadastros da Carteira de Identidade Nacional (CIN), do título eleitoral ou da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), nos termos de ato conjunto dos órgãos competentes. (Incluído pela Lei nº 14.973, de 2024) (...) Por sua vez, a PORTARIA INSS N. 1.744, DE 29 DE AGOSTO DE 2024, dispõe: Art. 4º-C Para requerimentos de BPC/Loas apresentados a partir de 1º de setembro de 2024, será solicitado ao requerente, ou ao responsável legal, registro biométrico nos cadastros da Carteira de Identidade Nacional - CIN, do título eleitoral ou da Carteira Nacional de Habilitação - CNH. § 1º A existência de registro biométrico prevista no caput será verificada por meio do batimento dos registros existentes nas respectivas bases governamentais.
No mesmo sentido a Portaria Conjunta MDS/INSS nº 28/2024.
Pontue-se que a alteração legislativa foi sancionada pelo Presidente da República e deriva de emenda apresentada por senador da base do atual governo federal.
Assim, trata-se de política pública conduzida pelo Poder Executivo com aval do Poder Legislativo.
Todavia, as políticas públicas, ainda que ancoradas em leis, quando em desacordo com seu fundamento de validade, a Constituição Federal, podem e devem ser sindicabilizadas pelo Poder Judiciário.
No caso, com a corriqueira argumentação política de combate a possíveis fraudes, o governo federal, por meio de Lei e Portaria do INSS, passou a exigir cadastro biométrico para análise e concessão do benefício de prestação continuada.
Ademais, arbitrariamente, definiu os únicos três documentos que podem ser utilizados para comprovação da biometria: carteira de identidade nacional, título eleitoral e carteira nacional de habilitação.
Conforme se nota, a nova legislação não vedou o benefício a estrangeiros, mas criou mecanismo burocrático que torna impossível a concessão de benefício a estrangeiros, uma vez que: - A CIN é reservada a brasileiros natos, naturalizados e portugueses equiparados; - O Título Eleitoral não é acessível a estrangeiros; - A CNH, além de facultativa, exige documentos migratórios prévios e processo oneroso, incompatível com a condição de vulnerabilidade dos beneficiários do BPC.
Conforme reconhecido no parecer do Ministério Público Federal, na prática, a norma cria um mecanismo que exclui indiretamente os estrangeiros do acesso ao benefício, por meio de uma exigência que não pode ser atendida por essa população, o que afronta o princípio da isonomia material e da dignidade da pessoa humana.
Deve-se destacar que o INSS, em documentos administrativos internos (Ofício Circular Conjunto nº 9/2024 e Despacho Técnico de 27/01/2025), reconheceu a impossibilidade prática de cumprimento da norma e orientou o sobrestamento dos pedidos até novas instruções.
Em suma, a autarquia federal reconhece que a nova norma impossibilita a análise e concessão de benefício constitucional a estrangeiros residentes no país, o que, evidentemente, viola a Constituição Federal e a jurisprudência há muito pacificada pelo E.
Supremo Tribunal Federal.
Repita-se: as condições para que um estrangeiro receba o BPC-LOAS do INSS são as mesmas aplicadas aos cidadãos brasileiros: ter idade avançada ou possuir alguma deficiência e viver em situação de extrema pobreza.
Além disso, para que o estrangeiro possa ter acesso ao Benefício de Prestação Continuada - BPC-LOAS, é necessário comprovar a regularidade de sua residência no Brasil.
Entretanto, a novel legislação e as mencionadas Portaria do INSS e Portaria Cojunta do MDS/INSS criaram mecanismo que impede a concessão de um benefício constitucional, ao completo arrepio do texto e dos primados constitucionais.
Não se nega a possibilidade de criação de mecanismos que visem a evitar fraudes, como é o caso da biometria.
Todavia, tal mecanismo não pode constituir completa impossibilidade para que parcela de pessoas idosas ou com deficiência, em situação de miserabilidade, façam jus ao direito fundamental previsto na Constituição da República.
Sobretudo quando destacado que os requerentes possuem, junto ao governo federal, registro biométrico, ante sua regular situação de residente no país.
Nesse sentido, ainda que a CRNM – Carteira de Registro Nacional Migratório não seja documento previsto expressamente na legislação de regência, é certo que tal fato não pode servir de óbice para o regular processamento de LOAS, sob pena de inviabilizar o exercício de um direito assegurado pelo ordenamento jurídico pátrio e, como visto, já reconhecido em sede de repercussão geral pelo STF.
Assim, não se pode conceber a ideia de que a dignidade humana seja cerceada com a edição de regulamentação que exclui – mesmo que por via transversa – um serviço público que, além de garantir o mínimo existencial a pessoas em situação de dupla vulnerabilidade, é previsto expressamente na Constituição Federal.
Nestes termos, a nova legislação, especificamente o novo §12-A do artigo 20 da Lei 8.472/93, em sua redação literal, encontra-se em pleno desacordo com a Constituição Federal, sendo necessária sua declaração de inconstitucionalidade.
Isso porque, repita-se, ao dispor que o benefício assistencial será concedido apenas a quem tenha biometria registrada em carteira de identidade nacional, título de eleitor ou carteira nacional de habilitação, a nova lei, intencionalmente ou não, ceifou a possibilidade de que pessoas estrangeiras, residentes no país e em condição de miséria, façam jus a benefício a eles já garantidos por determinação constitucional.
Com efeito, é necessário garantir que documento acessível a estrangeiros residentes no país também possam ser utilizados para fornecimento da biometria, como é o caso da Carteira de Registro Nacional Migratório - CRNM.
Importante registrar que tal documento é, em síntese, o documento nacional de identificação conferido aos estrangeiros que migram ao nosso país.
Assim sendo, confere-se interpretação conforme à Constituição para fazer constar, dentre os documentos previstos no §12-A do artigo 20 da Lei de LOAS, a mencionada Carteira de Registro Nacional Migratório - CRNM, como equivalente à Carteira de Identidade Nacional.
A adoção cega da nova exigência normativa, sem qualquer modulação ou exceção compatível com a realidade dos estrangeiros, torna inexequível o direito reconhecido pela Constituição e pelo STF, inclusive violando decisão com efeito vinculante proferida em ação coletiva (ACP nº 0006972/83.2012.4.01.3400/DF), que veda o indeferimento de pedidos de estrangeiros regulares com base em critérios excludentes.
Neste sentido, verifica-se que a exigência imposta pela redação literal do § 12-A do art. 20 da LOAS, da forma como regulamentada, não pode ser aplicada ao caso dos autos, sob pena de violar preceitos constitucionais essenciais e impedir o exercício de um direito fundamental já reconhecido pela própria administração pública em momento anterior.
No presente caso, em controle difuso, deve ser declarada a inconstitucionalidade da norma, aplicando-se interpretação que se coaduna com o texto constitucional.
A única interpretação possível para a norma, que seja compatível com a Constituição Federal, é a de que o documento acessível ao estrangeiro residente - o CRNM - tenha o mesmo valor que a carteira de identidade nacional.
Ademais, quanto à liminar pleiteada, nos termos do art. 7º, III da Lei nº 12.016/2009, para sua concessão em mandado de segurança, exige-se a demonstração de fundamentos relevantes e risco de ineficácia da medida.
No presente caso, ambos os requisitos estão presentes: Os impetrantes já tiveram o benefício concedido, mas tiveram o pagamento suspenso em razão da não apresentação da biometria nos moldes exigidos.
Os impetrantes são pessoas idosas, em situação de extrema vulnerabilidade econômica, com o risco iminente de privação de recursos mínimos para subsistência.
O registro biométrico junto à Polícia Federal, obtido para fins migratórios e disponível nos sistemas do governo federal, é suficiente para comprovação da identidade e deve ser aceito, especialmente diante da omissão estatal em fornecer alternativas razoáveis e acessíveis.
Da análise do caso concreto, vejamos.
A documentação acostada aos autos comprova: - A regularidade migratória dos impetrantes; - A existência de registro biométrico junto à Polícia Federal (CRNM); - A suspensão do benefício com base exclusiva na ausência de biometria vinculada à CIN, Título Eleitoral ou CNH.
Assim, a medida liminar deve ser concedida, a fim de que a decisão de mérito ora prolatada seja imediatamente cumprida.
Ademais, todo o acima exposto demonstra a violação a direito líquido e certo, as bem como ensejam a declaração de inconstitucionalidade do artigo 20, §12-A, da Lei 8.472/93, conferindo a interpretação conforme à Constituição supra exposta.
III – DISPOSITIVO Ante o exposto, CONCEDO A SEGURANÇA pleiteada para: Afastar, em relação aos impetrantes identificados nos autos, a exigência de apresentação de registro biométrico vinculado à Carteira de Identidade Nacional (CIN), Título Eleitoral ou Carteira Nacional de Habilitação (CNH), prevista no § 12-A do art. 20 da LOAS e regulamentações correlatas; Determinar à autoridade impetrada que proceda à reativação do pagamento do benefício de prestação continuada (BPC) anteriormente deferido e posteriormente suspenso por ausência de biometria nos moldes exigidos; Determinar, ainda, que os requerimentos dos impetrantes sejam analisados com base na documentação já apresentada e válida para estrangeiros, inclusive aquela constante da Portaria Dirben/INSS nº 993/2022, considerando o registro biométrico já existente junto à Polícia Federal.
Ademais, declaro a inconstitucionalidade do artigo 20, §12-A, da Lei 8.472/93, conferindo-lhe interpretação conforme à Constituição para que a Carteira de Registro Nacional Migratório - CRNM seja considerada como equivalente à Carteira de Identidade Nacional.
Por arrastamento, declaro a inconstitucionalidade do artigo 4º-C da Portaria INSS 1.777 de 2024 e o artigo 7, 1º, da Portaria Conjunta MDS/INSS nº 3, com a redação da Portaria Conjunta nº 28/2024.
Defiro, ainda, a antecipação dos efeitos da tutela provisória, com fundamento no art. 300 do Código de Processo Civil, tendo em vista: A probabilidade do direito, amplamente demonstrada nos autos, diante do amparo constitucional e jurisprudencial ao direito dos impetrantes ao benefício assistencial; O perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, consubstanciado na privação de subsistência mínima de pessoas em situação de hipervulnerabilidade, inclusive com histórico de concessão do benefício e posterior suspensão.
Com fulcro no § 2º do art. 300 do CPC, a presente decisão tem eficácia imediata e deve ser cumprida independentemente de trânsito em julgado, observadas as providências administrativas necessárias no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias, sob pena de multa diária fixada em R$ 1.000,00 para cada dia de descumprimento, limitada a R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).
Intime-se o Gerente-Executivo da Agência da Previdência Social em Boa Vista/RR, via oficial de justiça para cumprimento desta decisão.
Sem condenação em custas ou honorários advocatícios, nos termos do art. 25 da Lei nº 12.016/2009.
Sentença sujeita a reexame necessário (art. 14, § º, da Lei nº 12.016/09).
Interposta apelação, intime-se a parte recorrida para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo legal.
Cumpridas as diligências necessárias, remetam-se os autos ao egrégio TRF da 1ª Região (art. 1.010, § 3º, CPC), com as homenagens de estilo.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Oportunamente, arquivem-se.
Boa Vista, data da assinatura eletrônica.
JOSÉ VINICIUS PANTALEÃO GURGEL DO AMARAL Juiz Federal Substituto -
09/01/2025 20:50
Recebido pelo Distribuidor
-
09/01/2025 20:50
Juntada de Certidão
-
09/01/2025 20:49
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
09/01/2025
Ultima Atualização
06/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Sentença Tipo A • Arquivo
Sentença Tipo A • Arquivo
Documento Comprobatório • Arquivo
Decisão • Arquivo
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