TRF1 - 0003325-61.2014.4.01.3901
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gab. 11 - Des. Fed. Marcos Augusto de Sousa
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Partes
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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15/09/2023 17:22
Remetidos os Autos (por julgamento definitivo do recurso) para Juízo de origem
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15/09/2023 17:21
Juntada de Informação
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15/09/2023 17:21
Expedição de Certidão de Trânsito em Julgado.
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15/09/2023 00:03
Decorrido prazo de FRANCIELE MACHADO DE SOUZA em 14/09/2023 23:59.
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15/09/2023 00:03
Decorrido prazo de CLAUDIO MONIR DE OLIVEIRA em 14/09/2023 23:59.
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29/08/2023 00:56
Publicado Acórdão em 29/08/2023.
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29/08/2023 00:56
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 29/08/2023
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29/08/2023 00:56
Publicado Acórdão em 29/08/2023.
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29/08/2023 00:56
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 29/08/2023
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28/08/2023 00:00
Intimação
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0003325-61.2014.4.01.3901 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003325-61.2014.4.01.3901 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:CLAUDIO MONIR DE OLIVEIRA e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: PAULO SERGIO ALVES DE OLIVEIRA - RJ71330-A RELATOR(A):JOAO BATISTA GOMES MOREIRA PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0003325-61.2014.4.01.3901 R E L A T Ó R I O O EXMO.
SR.
JUIZ FEDERAL PABLO ZUNIGA DOURADO (Relator Convocado): O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de Cláudio Monir de Oliveira e de Franciele Machado de Souza, imputando-lhes a prática do crime de redução a condição análoga à de escravo (art. 149 do CP).
Os fatos foram assim descritos na denúncia (fl. 3 do ID 309510522), verbis: (...) A ação fiscal teve inicio no dia 11/09/2013, com inspeção das frentes de trabalho e das áreas de vivência ligadas à empresa MINERKHON EXTRACAO COMÉRCIO E TRANSPORTE LTDA., que atua na exploração econômica de uma parte territorial da FAZENDA PRAINHA.
Após a realização das diligências fiscalizatórias, cujos resultados estão demonstrados às fls. 20/70 das peças informativas, foi possível constatar inúmeras irregularidades trabalhistas, as quais motivaram a lavratura de 23 (vinte e três) autos de infração em desfavor da empresa inspecionada. (...) CLAUDIO MONIR DE OLIVEIRA e PRANCIELE MACHADO DE SOUZA eram os responsáveis, pela empresa MINERKHON EXTRAÇÃO COMÉRCIO E TRANSPORTE LTDA., para a qual os trabalhadores resgatados prestavam serviços, quando da inspeção realizada.
Os agora denunciados eram os que detinham o poder diretivo e fiscalizatório das atividades a serem desempenhadas no local de trabalho.
Os empregados cumpriam ordens por eles emanadas, ainda que fossem elas transmitidas por meio do gerente da empresa no caso o senhor REGINALDO PEREIRA DE OLIVElRA. (...) Denúncia recebida em 28/05/2014 (fl. 2 do ID 309510525).
O MM.
Juiz Federal da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Marabá da Seção Judiciária do Estado do Pará, Marcelo Honorato, absolveu os réus por insuficiência de provas para a condenação (ID 309509270).
Em suas razões recursais (ID 309509272), o MPF alega que a materialidade e a autoria delitivas restaram provadas, razão pela qual a condenação é medida que se impõe.
Contrarrazões no ID 309509279.
O Ministério Público Federal opina pelo provimento do recurso de apelação (fls. 43/51 do ID 311335061). É o relatório.
Ao eminente Revisor.
Juiz Federal PABLO ZUNIGA DOURADO Relator Convocado PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0003325-61.2014.4.01.3901 VOTO DIVERGENTE O Juiz Federal MARCELO ELIAS VIEIRA (Revisor Convocado): I.
Acompanho o relatório apresentado pelo relator.
II. §1 – Da imprescritibilidade da escravidão contemporânea A Declaração Universal dos Direitos Humanos [art.4º], o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos [art.8º] e o Pacto de São José da Costa Rica [art.6º] vedam a existência da escravidão e da servidão [hipóteses de trabalho forçado].
Por certo que a previsão normativa tem por objeto proibir a existência de sistemas legais capazes de institucionalizar a economia da escravidão e prevenir a existência de qualquer tentativa de reimplantação desse sistema, inclusive por meios dissimulados .
Observa-se que a Corte Interamericana da Direitos Humanos (CIDH) julgou o caso Fazenda Brasil Verde vs Brasil.
A corte conclui que: 1) a vedação da escravidão e trabalho forçado constitui uma regra de jus cogens e de cumprimento obrigatório por parte dos estados (erga omnes); 2) existência de discriminações estruturais históricas no caso brasileiro, os quais criam condições para que as pessoas mais vulneráveis da sociedade brasileira aceitem trabalhos degradantes; 3) não se julga a escravidão moderna a partir do conceito clássico de escravidão; 4) se trata de delito imprescritível, uma vez que a pretensão de prescrição da pretensão punitiva estatal não pode ser invocada diante de normas de jus cogens.
Tal entendimento já foi, inclusive, aceito no âmbito do Tribunal Regional Federal da 1º Região, verbis: PENAL.
PROCESSUAL PENAL.
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO.
REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO E HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO.
CITAÇÃO EDITALÍCIA.
VALIDADE.
IMPRESCRITIBILIDADE.
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS.
SUPERVISÃO DO CASO.
PRECEDENTE DA TURMA.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1.
Recurso em sentido estrito interposto por Francisco de Assis Souza de Alencar contra a decisão, proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara da Subseção Judiciária Marabá/PA, que pronunciou o recorrente e outros três corréus, para que sejam submetidos ao Tribunal do Júri Federal, como incursos nas penas dos crimes de homicídio qualificado tentado (artigo 121, § 2º, inc.
I c/c artigo 14, inc.
I, e 29 do Código Penal) e de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 c/c 29 do código penal). 2.
Esgotadas as diligências para a localização do recorrente, não fazia sentido citá-lo pessoalmente no endereço onde residia e trabalhava, quando já demonstrado que, deliberadamente, procurava se furtar à persecução penal a recair sob sua pessoa.
Sobre a citação por edital, há entendimento no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, comprovado que o acusado estava em local incerto e não sabido, o esgotamento dos meios para a localização do acusado se presume, não havendo que se falar em nulidade processual (RHC 102930-CE, Rel.
Ministro NEFI CORDEIRO, dj 15/12/2018). 3.
O recorrente afirma que a citação seria nula em razão de erro na grafia do nome do acusado, pois no edital de fls. 234 (publicado em 14/3/94 no DOE 27.675, conforme fl. 236), constou o nome de "Francisco de Assis Pereira", quando o correto seria "Francisco Assis Souza de Alencar".
Além disso, o edital não continha outros dados, como filiação e data de nascimento. 4.
Posteriormente, o juízo de primeira instância verificando o desacerto na grafia do nome do réu determinou nova citação editalícia, desta vez com o nome "Francisco de Assis Alencar".
O edital de citação foi publicado em 22/11/96 no DOE 28.346, fl. 438.
Além do nome do acusado, constou do edital apenas os apelidos pelos quais o acusado era conhecido "Chico Perninha"e "Chico Cambota"e a indicação dos tipos penais nos quais o denunciado teria incorrido. 5.
Contudo, também na segunda citação por edital o nome do réu foi grafado erroneamente, tendo sido publicado como Francisco de Assis Alencar, quando o correto seria Francisco Assis Souza de Alencar, ressaltando que não foram publicados outros dados pessoais de identificação, como filiação e data de nascimento, apenas os apelidos pelos quais o réu era supostamente conhecido.
Não se pode considerar o erro insignificante, pois ausentes outros dados que possibilitassem a identificação do acusado. 6.
A citação do acusado deve ser considerada nula, uma vez que no processo penal deve se ter maior preocupação com a citação por edital, que deve ser realizada com extrema cautela, observando-se a identificação da pessoa indicada como autor do fato (STJ, HC 45.081/RJ, Rel.
Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 16/03/2006, DJ 22/05/2006, p. 253; RHC 10.565/MG, Rel.
Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 06/02/2001, DJ 25/06/2001, p. 237). 7.
Considerando que o edital foi grafado com nome do réu errado e sem outros dados que permitissem sua identificação, deve ser o processo anulado desde a citação do acusado. 8.
Contudo, não obstante a nulidade da citação e o longo período em que o réu permaneceu foragido, à semelhança de caso já decidido por esta Quarta Turma, à luz do "jus cogens", no caso presente cuida-se de delitos praticados contra os direitos humanos e por isso mesmo revestidos de imprescritibilidade, propiciando o regular desenvolvimento do processo, tudo em conformidade com artigos 1º, II e III, 4º, II e 5º §§ 1º a 4º da CF/88. 9.
Foi justamente dentro dessa concepção integrativa entre o direito interno e normas de direito comparado que esta Quarta Turma, no julgamento do Habeas Corpus 1023279-03.2018.4.01.0000, ocorrido em 11/12/2018, por voto da lavra do Desembargador Federal Convocado Saulo Casali Bahia, entendeu ser imprescritível o crime de redução a condição análoga à de escravo, no caso concreto. 10.
No julgamento, a maioria da Turma se formou na linha do voto do relator, reconhecendo a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e entendendo que não havia limite de prazo para a persecução penal, ou seja, para todo caminho entre a investigação, o processo, e a condenação em um caso de escravidão contemporânea.
Assim, a Turma, ao acompanhar o voto do Desembargador Federal Convocado Saulo Casali Bahia, que, analisando o tema concernente à competência da CIDH como Órgão reconhecido pelo Brasil para dirimir temas sobre Direitos Humanos, declarou a imprescritibilidade dos fatos puníveis atribuídos na denúncia naquela hipótese fática. 11.
No caso dos autos, que muito se assemelha ao caso julgado naquele Habeas Corpus, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos considerou tratar-se de caso de grave violação de direitos humanos e, por força de tratados, esses fatos seriam imprescritíveis 12.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969), a que o Brasil aderiu em 25 de setembro de 1992, foi incorporada ao nosso sistema de direito positivo interno pelo Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, preceitua a proibição da escravidão e da servidão.
Ainda, de acordo com artigo 2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos os Estados comprometem-se a adotar as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. 13.
A Corte Interamericana a respeito do Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs.
Brasil (CORTEIDH, 2016) decidiu incluir no rol de crimes contra a humanidade o delito da escravidão e suas formas análogas, e, ainda, por entender que se se trata de delito proscrito pelo direito internacional, independentemente do seu contexto de aplicação, deveria ser per si considerado uma grave violação de direito humano (grifo nosso). 14.
Nessa linha de raciocínio o Plenário do Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o bem jurídico tutelado pelo art. 149 do Código Penal vai além da liberdade individual, já que a prática da conduta em questão acaba por vilipendiar outros bens jurídicos protegidos constitucionalmente como a dignidade da pessoa humana (RE 459510, Relator(a): CEZAR PELUSO, Relator(a) p/ Acórdão: DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2015; RE 541627, Relator(a): ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 14/10/2008). 15.
No caso, José Pereira Ferreira, então com 17 anos, na companhia de um amigo conhecido como "Paraná", na qualidade de trabalhadores rurais, conseguiram empregar-se na fazenda Espírito Santo, no município de Xinguara no Estado do Pará.
Na fazenda, foram recebidos pelo empreiteiro e ora recorrente Francisco Alencar.
No entanto, a oportunidade que lhes foi oferecida não era exatamente de emprego.
O sistema vigente naquela propriedade rural era de trabalhos forçados e de privação de liberdade.
Vigiados por homens armados, as vítimas eram obrigadas a trabalhar em jornadas excessivas, sob condições desumanas. 16.
Ante a situação os jovens decidiram empreender fuga sendo, porém, alcançados por Francisco Alencar e os corréus. "Paraná"foi alvejado com um tiro de arma de fogo que lhe tirou a vida e José Pereira recebeu um tiro na nuca e fingiu-se de morto, tendo assim conseguido escapar e obter ajuda.
Não há dúvida de que estamos diante de graves violações aos direitos humanos, assim reconhecida pelo próprio País e por um organismo internacional do qual o Brasil faz parte. 17.
Como o caso dos autos veicula hipóteses de crimes de homicídio tentado e redução a condição análoga à de escravidão (arts. 121, c/c 14, I e 149 do Código), com graves violações a direitos humanos não há como reconhecer a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva. 18.
Não procede a alegação do recorrente de inexistência de indícios suficientes a indicar a autoria do crime.
A materialidade ficou comprovada, pois a própria vítima depôs dando sua versão dos fatos pelo que consta dos autos a vítima José Pereira Ferreira aponta o acusado como sendo um dos autores da tentativa de homicídio e da prática do crime de redução à condição análoga à de escravo.
Portanto é forçoso concluir pela existência de prova da materialidade e de suficientes indícios de participação nos crimes que lhe foram imputados.
Por conseguinte, deve o feito seguir curso regular a partir da citação do réu. 19.
Recurso em sentido estrito a que se dá parcial provimento para determinar o retorno dos autos ao juízo de origem, para dar prosseguimento à ação penal 280-45.1997.4.01.3901, a partir da citação do réu. (RSE 0000280-45.1997.4.01.3901, DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 15/06/2021 PAG.) Do exposto, é autorizado concluir que a prática do delito de escravidão contemporânea [CP, art. 149] é imprescritível porque lesivo às normas internacionais de jus cogens. §2 – Do crime do artigo 149 do CP O delito de redução à condição análoga a de escravo tem os seguintes modos de execução: i) submeter alguém a trabalhos forçados; ii) submeter alguém a jornada excessiva; iii) sujeitar alguém a condições degradantes de trabalho iv) restringir a liberdade de locomoção de alguém, em razão de dívida [truck system].
No caso em estudo, a imputação do Ministério Público Federal tem por referência o item III, isto é, a existência de 07 trabalhadores que foram encontrados em condições degradantes de trabalho e que prestavam serviços para a empresa MINERKON EXTRAÇÃO COMÉRCIO & TRANSPORTE LTDA, a qual executava atividades econômicas de mineração [=extração de areia em leito de rio], na zona rural do município de Eldorado do Carajás [Estado do Pará].
Essa é a imputação que recai sobre os acusados. §2.1 – Materialidade e autoria A materialidade ficou comprovada nos autos, em razão do relatório elaborado pelo Grupo de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho.
Foi encontrada a seguinte situação fática: a) Trabalhadores alojados em barraco de madeira, sem instalações sanitárias, energia elétrica, água encanada ou condições estruturais de vedação e de higiene mínimas; b) Trabalhadores exercendo atividades de risco, sem condições mínimas de segurança; c) Ausência de local adequado para a guarda dos pertences dos trabalhadores, de modo que roupas, sapatos, produtos de higiene e demais objetos eram mantidos espalhados no chão (de terra) ou em mochilas penduradas em ganchos nas paredes da casa; d) Ausência de local adequado para refeições; e) Ausência de instalações sanitárias adequadas no alojamento e no local de trabalho, obrigando os trabalhadores a realizem suas necessidades fisiológicas no mato ou no entorno do barraco e/ou de seus locais de trabalho, sem condições de higiene ou privacidade; f) Trabalhadores que exerciam atividade de mergulho para extração de areia sem que houvesse qualquer tipo de treinamento ou qualificação, evidenciando a precariedade e insegurança da atividade.
A materialidade também ficou comprovada pela oitiva das testemunhas de acusação Carla Gabriele Galvão de Souza [integrante da equipe de fiscalização] e Pedro Oliveira Coutinho [ofendido], que comprovam o conteúdo do Relatório de Fiscalização já mencionado.
Sem dúvidas quanto à autoria.
Uma vez que Cláudio Monir de Oliveira e Franciele Machado de Souza eram os responsáveis pela citada empresa, exerciam o poder diretiva acerca das condições de trabalho encontrados; tudo isso por meio do gerente Reginaldo Pereira de Oliveira.
Portanto, sem dúvida que os acusados detinham poder de fato acerca das condições de trabalho a que os ofendidos foram submetidos. §2.2 – Tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade A principal questão debatida nos autos é sobre qual o correto juízo de tipicidade que se pode fazer com base no art. 149 do Código Penal, especialmente se a constatação de uma situação de trabalho degradante é capaz de consumar o delito ou se tal situação precisa estar associada com outros formas de coerção em desfavor dos trabalhadores.
Basicamente esse é o argumento de defesa, o qual encontra apoio em determinados precedentes judiciais.
Sem delongas, entendo que o argumento não se sustenta por razões de ordem [1] lógica, [2] de direitos humanos, [3] filosóficas e [4] de conformidade com a jurisprudência da CIDH.
Vejamos.
Como já afirmado, o delito de redução à condição análoga a de escravo tem os seguintes modos de execução: i) submeter alguém a trabalhos forçados; ii) submeter alguém a jornada excessiva; iii) sujeitar alguém a condições degradantes de trabalho iv) restringir a liberdade de locomoção de alguém, em razão de dívida [truck system].
Observa-se que o dispositivo legal apresenta formas alternativas de consumação do delito do art. 149 do CP, quer dizer, para cada modo de execução temos uma forma autônoma de consumação do delito, sem qualquer tipo de hierarquização entre tais modalidades.
Segue-se que tal concepção tem por efeito afastar o argumento de que a consumação do delito depende da existência de condições degradantes de trabalho somada a medidas de restrição de liberdade individual; pelo simples razão de tal argumento não é condizente com a estrutura lógica do dispositivo legal.
Na verdade, o argumento defensivo coloca a categoria de restrição de liberdade como uma condição necessária e suficiente para a existência de condições degradantes de trabalho e, assim, cria uma condição objetiva de punibilidade sem referência legal.
Tais circunstâncias foram reconhecidas no seguinte precedente do STJ: AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.443.133 - TO (2014/0063998-6) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA AGRAVANTE : DOMINGOS MANOEL DA SILVA ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EMENTA PENAL.
CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. artigo 149 DO CÓDIGO PENAL.
RESTRIÇÃO À LIBERDADE DO TRABALHADOR NÃO É CONDIÇÃO ÚNICA DE SUBSUNÇÃO TÍPICA.
TRATAMENTO SUBUMANO AO TRABALHADOR.
CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO.
REVALORAÇÃO DA PROVA.
FATO TÍPICO. 1.
O artigo 149 do Código Penal dispõe que configura crime a conduta de "reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto". 2.
O crime de redução a condição análoga à de escravo pode ocorrer independentemente da restrição à liberdade de locomoção do trabalhador, uma vez que esta é apenas uma das formas de cometimento do delito, mas não é a única.
O referido tipo penal prevê outras condutas que podem ofender o bem juridicamente tutelado, isto é, a liberdade de o indivíduo ir, vir e se autodeterminar, dentre elas submeter o sujeito passivo do delito a condições degradantes de trabalho.
Precedentes do STJ e STF. 3.
A revaloração das premissas fáticas adotadas pelo próprio acórdão impugnado imputa o cenário desumano e degradante de trabalho e a conduta abusiva por parte do recorrente (alojamentos precários, ausência de instalações sanitárias; não fornecimento de equipamento de proteção individual; falta de local adequado para refeições; falta de água potável, etc.), descrevendo situação apta ao enquadramento no crime do artigo 149 do Código Penal. 4.Agravo regimental não provido.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.
Os Srs.
Ministros Ribeiro Dantas, Felix Fischer, Jorge Mussi e Gurgel de Faria votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Brasília (DF), 23 de fevereiro de 2016 (Data do Julgamento).
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA Relator AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.443.133 - TO (2014/0063998-6) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA AGRAVANTE : DOMINGOS MANOEL DA SILVA ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EMENTA PENAL.
CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. artigo 149 DO CÓDIGO PENAL.
RESTRIÇÃO À LIBERDADE DO TRABALHADOR NÃO É CONDIÇÃO ÚNICA DE SUBSUNÇÃO TÍPICA.
TRATAMENTO SUBUMANO AO TRABALHADOR.
CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO.
REVALORAÇÃO DA PROVA.
FATO TÍPICO. 1.
O artigo 149 do Código Penal dispõe que configura crime a conduta de "reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto". 2.
O crime de redução a condição análoga à de escravo pode ocorrer independentemente da restrição à liberdade de locomoção do trabalhador, uma vez que esta é apenas uma das formas de cometimento do delito, mas não é a única.
O referido tipo penal prevê outras condutas que podem ofender o bem juridicamente tutelado, isto é, a liberdade de o indivíduo ir, vir e se autodeterminar, dentre elas submeter o sujeito passivo do delito a condições degradantes de trabalho.
Precedentes do STF e STJ. 3.
A revaloração das premissas fáticas adotadas pelo próprio acórdão impugnado imputa o cenário desumano e degradante de trabalho e a conduta abusiva por parte do recorrente (alojamentos precários, ausência de instalações sanitárias; não fornecimento de equipamento de proteção individual; falta de local adequado para refeições; falta de água potável, etc.), descrevendo situação apta ao enquadramento no crime do artigo 149 do Código Penal. 4.
Agravo regimental não provido.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.
Os Srs.
Ministros Ribeiro Dantas, Felix Fischer, Jorge Mussi e Gurgel de Faria votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Brasília (DF), 23 de fevereiro de 2016 (Data do Julgamento).
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA Relator Logo, é necessário reconhecer que o argumento defensivo não é condizente com uma interpretação lógica do dispositivo legal.
Demais disso, deve-se ter em mente que o respeito aos direitos humanos é condição mínima para uma vida em liberdade, num contexto de uma sociedade livre, justa e solidária.
A doutrina jurídica ensina que os direitos humanos formam um todo, isto é, que os direitos civis e políticos; os direitos econômicos, sociais e culturas; e os direitos de 3º geração devem ser interpretados em conjunto.
Não existindo, de tal sorte, prevalência de um tipo de direito humano sobre outro.
No que é pertinente ao presente caso, anote-se que o pacto internacional de direitos civis e políticos [que foi incorporado ao direito brasileiro pelo Decreto 591/1992] diz, sem questionamentos, que toda pessoa tem o direito de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, inclusive naquilo que tange às normas de higiene e segurança no trabalho, verbis: ARTIGO 7º Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente: a) Uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores: i) Um salário eqüitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer distinção; em particular, as mulheres deverão ter a garantia de condições de trabalho não inferiores às dos homens e perceber a mesma remuneração que eles por trabalho igual; ii) Uma existência decente para eles e suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto; b) À segurança e a higiene no trabalho; c) Igual oportunidade para todos de serem promovidos, em seu trabalho, à categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que as de tempo de trabalho e capacidade; d) O descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos feridos.
Fácil perceber que o cumprimento de tal obrigação internacional se dá pela consolidação da legislação trabalhista [a qual, estabelece os direitos e obrigações entre empregadores e empregados] e também pela legislação criminal [a qual, estabelece modelo de conduta proibida e sanção correspondente] capaz de garantir a eficácia da ordem jurídica estabelecida.
Do exposto, é autorizado concluir que o art. 149 do Código Penal Brasileiro tem por função reguardar direitos e liberdades fundamentais, notadamente do que tange à relações que os sujeitos de direito travam no âmbito das relações socioeconômicas de natureza trabalhista.
Segue-se a tese defensiva apresentada no sentido de que o art.149 do CP visa proteger a liberdade individual e não as normas de organização de trabalho não tem razão de ser; pela simples razão de que o dispositivo penal tem por finalidade proteger direitos humanos e liberdades fundamentais dentro das relações socioeconômicas de trabalho, uma vez que um dos modos de execução do delito é submeter subjetividades a condições degradantes de trabalho.
Ora, a legislação penal não tem por função proteger a liberdade humana considerada em si mesma, um conceito de liberdade ontológico e metafísico; mas sim, proteger a liberdade humana no cotidiano de suas relações concretas.
A leitura do texto constitucional corrobora essa interpretação do art. 149 do Código Penal.
O art. 1º da Constituição Brasileira diz que um dos fundamentos do constitucionalismo brasileiro é a dignidade da pessoa humana; ao passo que o art.170 diz que a ordem econômica, como plasmada no texto constitucional, é fundada no valor social do trabalho e na justiça social, e tem por função assegurar a existência digna dos seres humanos.
Logo, o art. 149 do CP visa proteger direitos humanos e liberdades fundamentais dentro das relações concretas de trabalho, uma vez que trabalhar em situação degradante acaba por negar a dignidade imanente aos sujeitos de direito; e, pois, sua liberdade.
Do exposto, compreendo que a argumentação no sentido de que a execução de atividade laborais não é, per si, um modo de execução do delito do art. 149 do CP não tem validade diante dos tratados internacionais de direitos humanos, da Constituição Brasileira e do texto legal em comento.
Resta esclarecer qual o significado da palavra liberdade.
O filósofo Nicola Abbagno (Abbagno, Nicola.
Dicionário de Filosofia.
São Paulo: Editora Martins Fontes, 2012, pp. 699) indica que o termo liberdade possui 03 significados: 1) autodeterminação absoluta; 2) identificação de liberdade com necessidade; 3) autodeterminação relativa.
A autodeterminação absoluta tem por significado concepção de liberdade como vontade não-determinada ou limitada por forças externas, como causa de si própria.
Já a identificação de liberdade com necessidade é uma concepção típica de concepções totalizantes, na qual liberdade consiste na conformação da vontade individual com totalidades [religião, partido, estado, etc].
Por fim, a autodeterminação relativa consiste num conceito mais complexo de liberdade, porque leva em consideração o contexto onde determinadas escolhas são feitas, isto é, as condições objetivas e subjetivas em que o indivíduo está inserido; e tem relação com o conceito de liberdade política, isto é, a pessoa tem liberdade de ação dentro de um determinado quadro institucionalizado de regras postas pelo contratualismo [fundamento do poder soberano].
A respeito do tema, o autor citado diz, verbis [Idem, p. 705]: “As chamadas instituições estratégicas de liberdade, como a liberdade de pensamento, de consciência, de imprensa, de reunião, etc., têm o objetivo de garantir aos cidadãos a possibilidade de escolha no domínio científico, religioso, político, social etc.
Portanto, os problemas da liberdade do mundo moderno não podem ser resolvidos por fórmulas simples e totalitárias [como as sugeridas pelos conceitos anárquicos ou necessitaristas], mas pelo estudo dos limites e das condições que, num campo e numa situação determinada, podem tornar efetiva e eficaz a possibilidade de escolha do homem.” Em relação a questão da liberdade no âmbito de relações assimétricas [tal como as relações de trabalho], deve-se ter em mente a conhecida frase de Henri Dominique Lacordaire: “Entre os fortes e fracos, entre ricos e pobres, entre senhor e servo é a liberdade que oprime e a lei que liberta".
Do exposto, é autorizado chegar à conclusão de que a liberdade do trabalhador somente pode ser efetivamente garantida com o devido cumprimento da legislação trabalhista, a qual figura como limite e condição na defesa da liberdade humana dentro de relações assimétricas; tudo isso, dentro do conceito de autonomia relativa.
Como consequência: situação diametralmente oposta, de total descumprimento da legislação trabalhista, configura frontal ofensa à liberdade do trabalhador e, pois, deve ser criminalmente punida na forma do art. 149 do Código Penal.
Por fim, vale ressaltar que, na esteira do precedente da CIDH já citado, tem-se que a escravidão contemporânea não pode ser interpretada a partir do conceito de escravidão que assolou o continente americano antes de sua abolição.
Justamente, a escravidão contemporânea consiste em criar condições altamente degradantes de trabalho, as quais permitem ao empregador conseguir lucros extraordinários à custa do descumprimento de direitos humanos básicos às relações trabalhistas.
Nesse contexto, utilizar o modelo de escravidão histórica do continente americano com a finalidade de deslegitimar o conceito de escravidão contemporânea consiste em padrão interpretativo equivocado e não condizente com as orientações da CIDH.
Os precedentes juntados aos autos, pelas defesas técnicas, incidem nesse equívoco interpretativo, porque o juízo de tipicidade acerca do art. 149 do CP acerca das condições degradantes de trabalho foi descaracterizado a partir de modelo de escravidão histórica do continente americano.
Ou seja, nega-se a realidade das condições degradantes de trabalho em nome de um modelo histórico de escravidão, o qual não se repete nos dias de hoje; e que não faz parte do tipo penal em estudo [que, repita-se, tem por objeto a escravidão contemporânea e a não a registrada historicamente no continente americano].
Feitas tais considerações, entende-se o juízo de tipicidade é, no caso em exame, positivo.
A prova coligida aos autos comprova largamente que não se trata de um mero descumprimento da legislação trabalhista; mas sim de um total e completo descumprimento das normas legais.
Simplesmente foi verificada a negação da legislação trabalhista por parte do acusado, nos diversos aspectos já assinaladas nesta sentença criminal, no item materialidade e autoria.
O total desrespeito à legislação trabalhista consiste em criar condições para a existência de relações concretas de caráter degradante para as pessoas que nelas estão envolvidas, como é o presente caso.
Sem dúvidas que tratar um grupo de trabalhadores deste modo, significar retirar-lhes qualquer traço de dignidade e liberdade; visto que os ofendidos trabalharam, de sol a sol, sem condições mínimas de alimentação, segurança e higiene no trabalho; direitos esses considerados fundamentais pelos tratados de direitos humanos subscritos pela República Federativa do Brasil.
Em síntese, os trabalhadores foram tratados como se fossem coisas.
Por óbvio, esse é o ponto central do juízo de tipicidade.
Condição análoga a de escravo somente tem por significado tratar os sujeitos de direito como se coisas fossem.
E a diferença entre o sistema escravista e o constitucionalismo moderno consiste, exatamente, em tratar as pessoas como sujeitos de direitos, pessoas dotadas de direitos humanos, ou seja, direitos mínimos para que as relações sociais sejam dotadas de um mínimo de civilidade.
O que, por certo, não ocorreu no caso concreto.
Ora, nesse contexto, despojar as pessoas de quaisquer direitos, inclusive os considerados fundamentais dentro de relações de trabalho, implica praticar o delito do artigo 149 do Código Penal.
Dado o exposto, considero que os réus incorreram no crime do art. 149 do Código Penal.
III.
Frente ao exposto, dou provimento ao recurso de Apelação apresentado pelo Ministério Público Federal, reformando a sentença de 1º grau e, assim, condenando CLÁUDIO MONIR DE OLIVEIRA e FRANCIELE MACHADO DE SOUZA como incursos no crime previsto no art. 149 do Código Penal Brasileiro. §1 – CLÁUDIO MONIR DE OLIVEIRA Circunstâncias Judiciais.
Entendo que a pena-base deve ser majorada em 09 meses, em razão das circunstâncias em que o delito foi cometido.
Explico: consta dos autos que os trabalhadores deviam empreender mergulhos durante a extração de minérios no leito do rio, com as máquinas que fazem o bombeamento da água com areia; e isso, sem qualquer tipo de aprendizado especializado e sem equipamentos de proteção individual ou coletiva.
Logo, a conduta dos condenados implicou em risco extraordinário à integridade física e vida dos trabalhadores empregados na atividade econômica.
No mais, justifico a aplicação do patamar de 09 meses, uma vez que representa 1/8 do intervalo da pena cominada ao art. 149 do Código Penal.
Entendo que as demais circunstâncias judiciais são neutras ao caso.
Circunstâncias agravantes/atenuantes.
Sem incidência no caso concreto.
Causas de aumento/redução.
Sem incidência no caso concreto.
Pena aplicada: 02 anos e 09 meses de reclusão.
Regime inicial de cumprimento de pena: aberto Pena de multa: Proporcionalmente fixo a pena de multa em 54 dias-multa, no valor unitário de 1 salário-mínimo vigente ao tempo dos fatos, uma vez que os acusados exerciam a atividade de exploração de recursos minerais, isto é, atividade econômica notoriamente lucrativa.
Vale registrar que tais valores devem ser devidamente corrigidos pelo MCJF.
Substituição por penas restritivas de direito: É possível, diante da previsão legal do art. 44 do Código Penal.
Assim, aplica duas penas restritivas de direito, consubstanciadas em [a] prestação de serviços à comunidade e [b] pagamento de prestação pecuniária no valor de R$ 20.000,00 [vinte mil reais].
Considero que esse patamar é adequada à prevenção e repressão desse tipo de crime, notadamente em razão de sua natureza econômica e lucros envolvidos. §2 - FRANCIELE MACHADO DE SOUZA Circunstâncias Judiciais.
Entendo que a pena-base deve ser majorada em 09 meses, em razão das circunstâncias em que o delito foi cometido.
Explico: consta dos autos que os trabalhadores deviam empreender mergulhos durante a extração de minérios no leito do rio, com as máquinas que fazem o bombeamento da água com areia; e isso, sem qualquer tipo de aprendizado especializado e sem equipamentos de proteção individual ou coletiva.
Logo, a conduta dos condenados implicou em risco extraordinário à integridade física e vida dos trabalhadores empregados na atividade econômica.
No mais, justifico a aplicação do patamar de 09 meses, uma vez que representa 1/8 do intervalo da pena cominada ao art. 149 do Código Penal.
Entendo que as demais circunstâncias judiciais são neutras ao caso.
Circunstâncias agravantes/atenuantes.
Sem incidência no caso concreto.
Causas de aumento/redução.
Sem incidência no caso concreto.
Pena aplicada: 02 anos e 09 meses de reclusão.
Regime inicial de cumprimento de pena: aberto Pena de multa: Proporcionalmente fixo a pena de multa em 54 dias-multa, no valor unitário de 1 salário-mínimo vigente ao tempo dos fatos, uma vez que os acusados exerciam a atividade de exploração de recursos minerais, isto é, atividade econômica notoriamente lucrativa.
Vale registrar que tais valores devem ser devidamente corrigidos pelo MCJF.
Substituição por penas restritivas de direito: É possível, diante da previsão legal do art. 44 do Código Penal.
Assim, aplica duas penas restritivas de direito, consubstanciadas em [a] prestação de serviços à comunidade e [b] pagamento de prestação pecuniária no valor de R$ 20.000,00 [vinte mil reais].
Considero que esse patamar é adequada à prevenção e repressão desse tipo de crime, notadamente em razão de sua natureza econômica e lucros envolvidos. É o voto PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA APELAÇÃO CRIMINAL (417) n. 0003325-61.2014.4.01.3901 V O T O O EXMO.
SR.
JUIZ FEDERAL PABLO ZUNIGA DOURADO (Relator Convocado): Como se depreende do relatório, os réus Cláudio Monir de Oliveira e de Franciele Machado de Souza foram denunciados pela prática do crime de redução a condição análoga à de escravo (art. 149 do CP).
A sentença foi proferida nos seguintes termos, verbis: (...) In casu, a acusação baseia-se em relatório produzido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (id 295799043, fls. 18/80), o qual aduz que foram resgatados na “Fazenda Prainha”, situada na zona rural de Eldorado dos Carajás/PA, 02 (dois) trabalhadores que estavam laborando em condições de saúde, higiene e conforto degradantes: 1) não havia instalações sanitárias; 2) os alojamentos não possuíam portas e nem janelas, além de possuírem telhado deteriorado; 3) não foram disponibilizados armários para guarda de pertences; 4) não havia energia elétrica e água encanada; 5) não havia local adequado para refeições.
Além disso, a exordial afirma que um dos trabalhadores resgatados desenvolvia extração de areia no leito do Rio Vermelho, submerso em uma profundidade de aproximadamente três metros sem que tivesse recebido qualquer tipo de treinamento, e ainda sem equipamentos adequados e equipe de segurança disponível.
Pois bem.
Da análise das provas produzidas, conclui-se, que não houve comprovação e sequer alegação na exordial sobre a existência de subjugação humana em razão de endividamento dos trabalhadores, ou seja, não foi demonstrado que os obreiros estavam submetidos ao denominado “sistema de servidão por dívidas”.
A acusação baseia-se, unicamente, na ausência de condições de segurança para a execução da atividade de extração de areia e nos péssimos alojamentos que eram fornecidos aos trabalhadores.
Insta salientar que a palavra servidão significa “privação da independência ou da liberdade; cativeiro, sujeição, dependência” [1] – termos estes que apontam para o próprio objeto jurídico do tipo penal em comento, qual seja, a liberdade de ir, vir e querer do indivíduo.
Nesse trilhar, fazendo uma exegese desse específico ponto do tipo penal, vislumbramos que a intenção do legislador foi criminalizar o cerceamento de liberdade (resultado típico), obtido em função das dívidas contraídas perante o empregador (meio de execução).
In casu, não foi demonstrada a presença de uma “cantina” propriamente dita no interior do imóvel rural, tampouco foi apreendido qualquer documento que reverberasse a cobrança abusiva de produtos e o endividamento dos obreiros.
As supostas vítimas foram uníssonas em declarar, perante a Fiscalização, que a empresa pagava parte da alimentação fornecida e que o valor remanescente era descontado de seus salários.
A despeito dos citados descontos, nenhum dos trabalhadores aduziu estar sujeito à saldo remuneratório negativo ou mesmo a situações de endividamento, ao contrário, ambos declararam que haviam recebido salário no mês imediatamente anterior à fiscalização: “(...) que não há débito salarial; que recebeu em torno de R$ 1.800,00 ontem, dia 10.09.2013”.
Termo de declarações de Neisilan Esteves de Macedo, fls. 25/26, id 295822358. “(...) que no mês de agosto recebeu R$1.200,00, e no mês de julho acredita que tenha recebido o mesmo valor” Termo de declarações de Pedro de Oliveira Coutinho (fls. 28/33, id 295822358).
Em sede judicial, o obreiro Neisilan Esteves de Macedo confirmou suas declarações prestadas perante a fiscalização, aduzindo que não esteve sujeito a sistema de servidão por dívidas, haja vista que recebia salários mensalmente (id 1303920786 ).
Já o trabalhador Pedro de Oliveira Coutinho, embora tenha mudado a versão fática prestada anteriormente à equipe de fiscalização - alegando que o empregador cobrava todo o valor correspondente à sua alimentação, não afirmou que tais descontos lhe geravam saldo salarial negativo, tampouco representavam impedimento à sua saída do imóvel rural (id 979087688).
Oportuno fazer constar que a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT permite a cobrança pelo fornecimento de alimentação aos trabalhadores, desde que não se desenvolva sob preços abusivos, mas, sim, justos e razoáveis.
Senão vejamos: Art. 458 - Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações "in natura" que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado.
Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas. § 1º Os valores atribuídos às prestações "in natura" deverão ser justos e razoáveis, não podendo exceder, em cada caso, os dos percentuais das parcelas componentes do salário-mínimo (arts. 81 e 82).
Ademais, não se extraem mínimos indícios da prática de preços abusivos, especialmente porque a acusação não cuidou de produzir qualquer prova judicial no sentido de comprovar quais valores eram descontados, tampouco se estes excediam a realidade dos preços praticados, à época, na região interiorana em que localizada a fazenda fiscalizada.
Sendo assim, não cabe deduzir que os descontos teoricamente praticados representavam meio para cercear a liberdade de ir, vir e querer dos obreiros.
Além disso, para a configuração do regime de servidão por dívidas, é imprescindível que a prática em questão esteja associada a ardil premeditadamente infligido com o escopo de manter o(s) obreiro(s), obrigatoriamente, no local de trabalho, hipótese que não se comprova no presente caso.
Necessário ainda registrar que a própria auditora do trabalho Carla Gabriele Galvão de Souza, ouvida em juízo na qualidade de testemunha de acusação, foi enfática ao afirmar sobre a ausência de endividamento ou dependência dos trabalhadores que os gerassem prejuízo de liberdade de locomoção (id 979103161 e id 979103165): “(..) que não tinham limitação de saída em razão de dívidas; que existiam prazo de pagamento (dia 10 em regra); que existia atraso no pagamento, mas não constataram dívidas”.
Nesse contexto, não há que se falar em restrição de liberdade em função de possíveis descontos referentes à alimentação dos obreiros.
A prática local, por seu turno, demonstra que os trabalhadores rurais empregados, quer seja como contratados ou sob regime de empreita, atuando em regiões distantes de núcleos urbanos, de fato, necessitam de apoio dos empregadores para acessarem mantimentos essenciais, visto que os custos e tempo para deslocamento prejudicam eventual saída para a área urbana, sem que isso seja, ordinariamente, empregado como forma de servidão, salvo prova em contrário, o que, nestes autos, não ficou evidenciado.
Importante ainda destacar que não foi demonstrada a ocorrência de ameaças ou mesmo de limitações imperiosas de deslocamento, sob qualquer condição então imposta pelos empregadores, impedindo que os obreiros desistissem do emprego e desertassem seus contratos de trabalho.
Assim refiro porque não foi relatado, tanto na denúncia, quanto nos depoimentos da testemunha de acusação e supostas vítimas, qualquer tipo de vigilância ostensiva ou a imposição de qualquer condicionante para o afastamento do local de labor.
Ao contrário, os obreiros declararam que nunca haviam sofrido qualquer espécie de ameaça, tampouco haviam sido impedidos de saírem da fazenda.
Resta claro, portanto, a ausência de qualquer restrição à liberdade de locomoção daqueles que se encontravam laborando na propriedade, tampouco a prática do regime de servidão por dívidas a cercear os obreiros em seu direito ambulatorial.
De igual modo, não foi narrada na exordial, tampouco comprovado nos autos a ocorrência de jornada exaustiva, ou mesmo de trabalhos forçados.
Falta então proceder à análise da acusação de que os obreiros estavam sendo submetidos a condições degradantes de trabalho. (...) No caso vertente, é inconteste que foram comprovadas algumas irregularidades trabalhistas; entretanto, apesar de que as condições ofertadas não fossem as ideais, não se pode afirmar que os trabalhadores estavam subjugados a condições degradantes de trabalho sob a ótica do direito penal.
De início, cumpre observar que o relatório de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego está adornado com fotografias, das quais é possível verificar que o alojamento era de madeira, sem portas e sem janelas, além de paredes com frestas.
Ainda se observa que não havia instalações sanitárias, tampouco espaço adequado para preparar a alimentação.
Contudo, é notório que tais deficiências logísticas representam muito mais um retrato do local de prestação de serviços (meio rural) e tipo de trabalho realizado (extração de areia), em que o empregador deixa de cumprir regras eminentemente trabalhistas, do que o dolo de ter seres humanos subjugados ao seu poder econômico, então reduzidos à condição de escravos.
No que tange aos riscos em decorrência do trabalho de mergulho, um dos fundamentos da denúncia, observa-se que a acusação não deixou evidente que a periculosidade tenha sido dilatada a ponto de configurar degradância laboral compatível com uma condenação por sujeição a trabalho análogo a de escravo.
Do depoimento do trabalhador Pedro Oliveira Coutinho, verifica-se que se trata de experiente mergulhador e que atuou em mergulhos em garimpos por longos períodos.
Referiu o trabalhador em seu depoimento que recebia os equipamentos necessários para o trabalho (macacão, óculos, touca, bota).
No relatório de fiscalização, colhe-se a existência de dupla na atividade: o mergullhador, e um segundo trabalhador, que fazia a segurança e controle de oxigênio.
A auditoria fiscal Carla Gabriele Galvão de Souza, quando questionada para discriminar a respeito dos equipamentos que faltavam para o desenvolvimento seguro daquela atividade de mergulho, referiu que, na realidade, a maior periculosidade decorrida da deficiente gestão da atividade e não propriamente dos equipamentos então disponibilizados (id 979103165 - 00:21), como ausência de linha de vida, comunicação com mergulhador e proteção dos elementos rodantes das máquinas/motores.
Sobre a comunicação com o mergulhador, a auditora, quando questionada especificamente sobre o ponto, não apontou qual melhoria deveria ser implementada que se diferenciasse da comunicação por corda então realizada, já que não é obrigatória a disponibilização de comunicação por rádio.
De certo que a atividade de mergulho, assim como em alturas e outras congenêres, são naturalmente perigosas, contudo, a acusação deveria ser específica, apontado a violação de determinada obrigação de segurança e seu impacto concreto na segurança que eleve demasiadamente o grau de periculosidade daquela atividade, até porque, neste caso, está-se a analisar se estão presentes graves degradações laborais que extrapolem as regras ordinárias e, não, somente a existência de perigo isoladamente.
Em outras palavras, se determinada atividade perigosa é permitida, seus normais riscos devem ser desconsiderados para comprovar degradância ilícita, sob pena de sua execução ordinária, por si só, configurar trabalho análogo à de escravo.
Da análise do relatório de fiscalização, observa-se que as irregularidades detectadas se relacionam à gestão da atividade de mergulho, como pontuou a auditora, sem evidências de agravamento do risco de forma específica, a exemplo de mergulho sem controle de vazão de oxigênio; sem equipamentos próprio ou sem qualquer forma de comunicação com o mergulhador.
No ponto, observam-se que as irregularidades de gestão foram devidamente sancionadas através da interdição dos trabalhos desenvolvidos, bem como mediante a lavratura de 4 (quatro) Autos de Infração específicos, cujas ementas estão descritas a seguir (fls. 44/45 e 70/80, id 295822358 e 01/47, id 295826875): “Deixar de equipar o estabelecimento com material necessário à prestação de primeiros socorros, considerando as características da atividade desenvolvida ou guardar material de primeiros socorros em local inadequado ou manter material sob o cuidado de pessoa não treinada para esse fim”.
Auto de Infração de n° 201.781.204. “Deixar de elaborar e/ou implementar o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais”.
Autos de Infração de n° 201.781.271. “Deixar de instalar proteções fixas ou móveis com dispositivos de intertravamento em transmissões de forca e seus componentes móveis, quando acessíveis ou expostos”.
Auto de infração de n. 201.781.310. “Permitir a realização de trabalho submerso em desacordo com o anexo – 6 da NR 15”.
Auto de Infração de n°201.871.336.
Os autos de infração então confeccionados evidenciam que as irregularidades trabalhistas detectadas não se mostram capazes de agravar de forma desmedida o risco daquela operação de mergulho.
Certamente, ausência de treinamentos, primeiros socorros, proteção dos maquinários representam irregularidades trabalhistas, mas estão bem distantes de ilicitudes que imprimissem extremo agravamento das periculosidades da atividade de mergulho.
O cenário não se altera na análise das condições de alojamento dos trabalhadores.
Primeiramente, em razão de que o depoimento da auditora fiscal Carla Gabriele Galvão de Souza, ouvida em juízo na qualidade de testemunha de acusação (id 979103161 e id 979103165), repetindo o relatório por ela anteriormente elaborado, apenas reforça o entendimento administrativo de trabalho escravo que possui e que diverge da seara penal.
Enfim, trata-se de testemunho comprometido com sua interpretação severa sobre os fatos por ela mesma denunciados, como bem pontuou o Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região em caso similar “A sentença se louva em depoimentos dos fiscais do Ministério do Trabalho, que participaram da fiscalização, que em si mesmos não seriam suficientes para a condenação, pois de trata de pessoas (naturalmente) interessadas na condenação [...] (ACR 0006662-02.2002.4.01.3700, Rel.
Des.
Fed.
Olindo Menezes, TRF1 – 4ª Turma, e-DJF1 17.05.2019)”.
A necessária relatividade que se deve imprimir à prova colhida dos auditores do trabalho ganha maior relevância neste caso, visto que a auditora do trabalho afirmou, em depoimento judicial, desconhecer o relato da ré Franciele, em depoimento na esfera administrativa (id 295799043 - fl. 47/80), quando apontou que a empresa alugou uma casa em Vila próxima para estadia dos trabalhadores, onde permaneceram até início de 2013, mas os obreiros lá não quiseram permanecer em razão da distância do local de trabalho.
Segundo ainda Franciele, os trabalhadores foram, após abandonar a casa na Vila, para um barraco de palha (por eles levantado e então desativado pelos empregadores) e, depois, para o atual alojamento ainda em fase de construção.
Quanto a este tema, importante registrar que a versão da ré Franciele, ainda na esfera administrativa, mostra-se compatível com relatos de trabalhadores e empregadores presentes em diversos outros processos criminais deste tipo, em que, apesar de haver algum alojamento/residência disponibilizado aos obreiros na fazenda ou em vilas próximas, esses buscam locais de estadia mais próximos do trabalho para terem maior produtividade em contratos de empreita.
A versão da ré ganha maior envergadura com o depoimento da vítima Neisilan Esteves de Macêdo (id 1303920786 - 7:44), que, ao ser perguntado sobre as características do local de estadia, observa-se que o mesmo trouxe informações detalhadas sobre o alojamento na Vila e não aquele da fazenda, onde os trabalhadores estavam quando da fiscalização, corroborando a narrativa da acusada.
Inclusive, o Sr Neislian alega que era o responsável para o transporte desses trabalhadores da Vila para a fazenda.
Naturalmente que os empregadores deveriam ter impedido a permanência dos trabalhadores naquele alojamento em fase de construção, o que não exclui a irregularidade, mas há de se ponderar a respeito do dolo em sujeitar os trabalhadores a condições irregulares ou a presença de negligência na gestão do trabalho pelos réus, tendo em vista que o termo "sujeitar" revela a inexistência de opção do empregado diante daquelas condições de trabalho em que é encontrado pela fiscalização trabalhista.
Quanto ao alojamento não finalizado, as supostas vítimas o descreverem com ausência de instalações sanitárias (o que não é incomum na região), além do recebimento de alimentação de qualidade diariamente e de nunca haverem sofrido quaisquer acidentes.
Sobre a água para consumo, foi demonstrado que esta advinha de um poço, que estava situado a uns 100 metros da fazenda.
Ainda foi relatado em juízo que era disponibilizado garrafão para armazenar água utilizada para cozinhar e beber (id 1303920786 e id 979087688).
Em resumo, nada é apontado de forma desfavorável à alimentação fornecida, ao mesmo tempo em que água de poço é uma das únicas formas de fornecimento, já que não existe estações de tratamento de água na área rural.
A vítima Neisilan Esteves de Macêdo, em seu depoimento pessoal (id 1303920786), afirma que ele era o responsável de buscar a alimentação que era feita na Vila, assim como a água gelada, para os trabalhadores.
O alojamento desfavorável, ao lado da existência de opção de outra moradia aos trabalhadores, não tem o condão de configurar trabalho degradante, ainda mais se for sopesar a realidade das residências rurais da Amazônia Rural.
Diante da análise das provas, entendo que os elementos e fatos retratados não são suficientes à caracterização do crime de redução a condição análoga à de escravo.
As provas produzidas nos autos não discorrem sobre condições extremas que afrontem à dignidade dos obreiros, ao ponto de serem considerados “coisas”.
Tampouco há comprovação de imposição dessas condições, já que até outro local foi disponibilizado aos obreiros pelos empregadores.
Nesse sentido, já se pronunciou a Justiça Federal: (...) Note-se que, no caso, não há como ignorar que a ausência de instalações e condições de segurança do trabalho adequadas retrata, na verdade e infelizmente, a realidade da região em que verificados os fatos, que pode ser encontrada também em muitas outras regiões interioranas do Brasil e sancionáveis pelo direito trabalhista, mas que se mostra insuficiente para a ação do jus puniendi estatal.
Eventuais excessos na forma de explorar o labor humano devem ser coibidos pelo sistema fiscalizatório trabalhista, sem, contudo, representar, imediata e cartesianamente, o tipo encravado no art. 149 da Lei Penal Brasileira.
Não basta a simples constatação das circunstâncias narradas para que seja configurada a existência de trabalho degradante tipificado no CP, que exige mais, a ponto de se compreender que a vítima se assemelhou a escravo ou “coisa”.
Em outras palavras, o tipo penal constante do art. 149 da lei penal requer a comprovação de subjugação do trabalhador ao poderio econômico do empregador, quando na modalidade de serviços degradantes, e não uma casuística de infrações trabalhistas, sem que se visualize o homem em labor como um ser destituído de dignidade e, então, subjugado.
Nesse sentido, colho precedentes dos Tribunais Federais: (...) Desta feita, não se pode afirmar que os trabalhadores encontrados na “Fazenda Prainha” estavam submetidos dolosamente a condições análogas à de escravo, embora as condições laborais lá anotadas ensejem uma atuação do direito trabalhista.
Com efeito, não se pretende, nesta oportunidade, legitimar as irregularidades supostamente apuradas, mas reconhecer por suficiente, no presente caso, a veiculação das mesmas estritamente na esfera do ilícito civil/trabalhista para respectiva compensação e repressão. É que se faz necessário identificar a divisão entre o descumprimento da legislação trabalhista (ainda que enseje condições precárias de prestação de trabalho) e as situações em que o trabalhador, em virtude dessas violações, passa a ser reduzido à condição análoga a de escravo.
Neste sentido, para a perfeita adequação típica do delito descrito no art. 149 do CP, a ilicitude há que ser resultado de uma conduta dolosa do agente, que busca a exploração do trabalho humano impondo condições degradantes, elemento subjetivo esse incompatível quando o cenário laboral já se encontre ínsito à própria atividade exercida, conforme incidente no presente caso.
No máximo, poder-se-ia evidenciar negligência dos empregadores em deixar de atenuar tais efeitos negativos, entretanto, o tipo penal em comento não possui a modalidade culposa.
Caminhar em sentido contrário (ou seja, reconhecer que toda transgressão trabalhista consumaria trabalho escravo) seria admitir o entendimento de que toda ação trabalhista refletiria, peremptoriamente, a necessidade de acionamento do empregador também na esfera penal – hipótese que, para além de contrária ao princípio da legalidade em matéria criminal, também confrontaria com outros princípios elementares à dogmática penal, destacadamente o princípio da subsidiariedade, que reserva à jurisdição criminal, como já dito, a condição de ultima ratio, devendo ser exercida apenas nos casos de transgressão aos bens jurídicos mais caros ao ordenamento pátrio, porém, quando tal ocorrência dê-se a partir de meios mais graves do que o normal e quando ineficaz a atuação de outras esferas jurídicas de repressão/prevenção.
Repise-se que a peça acusatória não discorre sobre qualquer circunstância que revele comprometimento da liberdade dos trabalhadores, quer por meio de servidão, quer por submissão e restrição do poder de decisão.
Mesmo os depoimentos prestados à época da fiscalização e em juízo, deles não se extrai, por exemplo, indícios de que tais trabalhadores tenham tido sua vontade cerceada, ou indicação de ausência de aquiescência em relação à condição em que se encontravam[2].
Basicamente, tudo o que o MPF, em específico, aponta como demonstração da prática do crime de redução à condição análoga a de escravo dos trabalhadores da fazenda, na verdade, de acordo com o entendimento mais atual e majoritário sobre o assunto, não configura o crime do artigo 149 do CP.
Tais circunstâncias, por mais que demonstrem a degradação do trabalho e sejam passíveis de sanções de outra ordem, como aquelas próprias das áreas trabalhistas, cíveis e administrativas, não configuram o crime.
Por outro lado, no presente caso, a atuação das normas trabalhistas se mostrou suficiente para reequilibrar o meio social, haja vista que foram lavrados 23 (vinte e três) autos de infração (fls. e 70/80, id 295822358 e 01/55, id 295826875); foi emitida Notificação de Débito do Fundo de Garantia e da Contribuição Social (fls.57/77 , id 377614423); lavrado o Termo de Interdição de n° 356107120913 e relatório técnico pertinente, este listando infrações que ensejaram a lavratura, os riscos existentes e as medidas necessárias para o saneamento das irregularidades (fls. 44/48, id 295822358; e ainda elaborado acerto de admissão dos funcionários (fls. 57/64, id 295822358).
Diante do referido cenário, eventual ação punitiva, no campo criminal, revela-se desproporcional – verdadeira maximização da norma penal. (...) (Grifo nosso) Da análise das provas contidas nos autos, constata-se que, embora tenham ocorrido violações a normas trabalhistas, não há como rotular como degradantes as condições de trabalho a que eram submetidos os trabalhadores, tampouco como afirmar que houve cerceamento à liberdade, ou qualquer outra situação que enquadre a conduta dos acusados no tipo descrito na denúncia.
Como ensina Cleber Masson quanto ao delito de redução à condição análoga à de escravo, verbis: O bem jurídico protegido é o status libertatis, ou seja, o direito à liberdade do ser humano em todas as suas formas de exteriorização.
Esse direito é inviolável e assegurado peremptoriamente pelo art. 5º, caput, da Constituição Federal.
Em síntese, a lei penal busca impedir seja uma pessoa submetida à servidão e ao poder de fato de outrem, assegurando sua autodeterminação. (...) O conceito de escravo há de ser interpretado em sentido amplo, abrangendo inclusive a submissão de alguém a uma jornada exaustiva de trabalho.
O escopo do legislador, evidentemente, foi combater o problema, ainda existente em grandes fazendas, notadamente nas cidades longínquas e distantes dos centros urbanos, dos trabalhadores privados da liberdade e forçados a trabalhos excessivos e degradantes, que não recebem a remuneração mínima prevista em lei e são arbitrariamente excluídos de benefícios trabalhistas e previdenciários. (in Direito Penal, Vol. 2, São Paulo: Ed.
Método, 4ª ed., 2012, p.238/239.) A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assim tem decidido sobre a matéria: EMENTA PENAL.
REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO.
ESCRAVIDÃO MODERNA.
DESNECESSIDADE DE COAÇÃO DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR.
DENÚNCIA RECEBIDA.
Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima “a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva” ou “a condições degradantes de trabalho”, condutas alternativas previstas no tipo penal.
A “escravidão moderna” é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos.
Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno.
A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação.
Isso também significa “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”.
Não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo.
Se a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua dignidade.
Denúncia recebida pela presença dos requisitos legais. (Inq 3412, Relator -
26/08/2023 11:03
Juntada de petição intercorrente
-
25/08/2023 10:24
Expedida/certificada a intimação eletrônica
-
25/08/2023 10:24
Juntada de Certidão
-
25/08/2023 10:24
Expedição de Outros documentos.
-
25/08/2023 10:24
Expedição de Outros documentos.
-
25/08/2023 10:24
Expedição de Outros documentos.
-
25/08/2023 10:21
Juntada de Certidão
-
24/08/2023 17:28
Conhecido o recurso de Ministério Público Federal (Procuradoria) (APELANTE) e provido
-
18/08/2023 14:54
Conhecido o recurso de Ministério Público Federal (Procuradoria) (APELANTE) e não-provido
-
16/08/2023 16:52
Deliberado em Sessão - Julgado - Mérito
-
16/08/2023 16:51
Juntada de Certidão de julgamento
-
01/08/2023 00:46
Decorrido prazo de CLAUDIO MONIR DE OLIVEIRA em 31/07/2023 23:59.
-
01/08/2023 00:46
Decorrido prazo de FRANCIELE MACHADO DE SOUZA em 31/07/2023 23:59.
-
26/07/2023 13:51
Juntada de Certidão
-
26/07/2023 00:07
Publicado Intimação de pauta em 26/07/2023.
-
26/07/2023 00:07
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 26/07/2023
-
25/07/2023 00:00
Intimação
Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 1ª Região , 24 de julho de 2023.
Intimação da Pauta de Julgamentos Destinatário: Ministério Público Federal (Procuradoria) e Ministério Público Federal APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA) APELADO: CLAUDIO MONIR DE OLIVEIRA, FRANCIELE MACHADO DE SOUZA Advogado do(a) APELADO: PAULO SERGIO ALVES DE OLIVEIRA - RJ71330-A Advogado do(a) APELADO: PAULO SERGIO ALVES DE OLIVEIRA - RJ71330-A O processo nº 0003325-61.2014.4.01.3901 (APELAÇÃO CRIMINAL (417)) foi incluído na sessão de julgamento abaixo indicada, podendo, entretanto, nesta ou nas subsequentes, serem julgados os processos adiados ou remanescentes.
Sessão de Julgamento Data: 15-08-2023 Horário: 14:00 Local: Sala 01 - Observação: Os pedidos de participação e sustentação oral (arts. 44 e 45 do RITRF1) deverão ser formulados à coordenadoria processante até o dia anterior ao do início da sessão, através do e-mail [email protected], informando se a participação e/ou sustentação oral será presencial ou por videoconferência. -
24/07/2023 19:11
Expedição de Publicação ao Diário de Justiça Eletrônico Nacional.
-
24/07/2023 19:01
Expedição de Outros documentos.
-
24/07/2023 19:00
Incluído em pauta para 15/08/2023 14:00:00 Sala 01.
-
18/07/2023 09:01
Remetidos os Autos (por julgamento definitivo do recurso) para Juízo de origem
-
26/05/2023 15:52
Juntada de parecer
-
26/05/2023 15:52
Conclusos para decisão
-
18/05/2023 17:10
Expedida/certificada a intimação eletrônica
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18/05/2023 17:10
Expedição de Outros documentos.
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18/05/2023 17:00
Remetidos os Autos (em diligência) da Distribuição ao 4ª Turma
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18/05/2023 17:00
Juntada de Informação de Prevenção
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18/05/2023 14:50
Recebidos os autos
-
18/05/2023 14:50
Recebido pelo Distribuidor
-
18/05/2023 14:50
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
18/05/2023
Ultima Atualização
28/08/2023
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
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