TRF1 - 1000457-08.2023.4.01.3310
1ª instância - Eunapolis
Polo Ativo
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Assistente Desinteressado Amicus Curiae
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Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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19/04/2023 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Eunápolis-BA Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Eunápolis-BA SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1000457-08.2023.4.01.3310 CLASSE: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) POLO ATIVO: JOAO PAULO COSTA SOUZA REPRESENTANTES POLO ATIVO: MATHEUS GONDIM DUARTE - PB30025 POLO PASSIVO:POLICIA CIVIL DA BAHIA e outros SENTENÇA
I - RELATÓRIO Trata-se de habeas corpus preventivo impetrado por Matheus Gondim Duarte em favor de João Paulo Costa Souza objetivando que seja proferida ordem determinando que os agentes de segurança pública não investiguem, repreendam ou prendam o paciente em razão de importação e cultivo de sementes da planta de cannabis sativa.
Defende o impetrante que o paciente utiliza extrato da planta cannabis sativa para tratamento de enfermidade catalogada no CID10 G25.0 - Tremor Essencial, sendo certo que há 05 anos, este iniciou o uso terapêutico da Cannabis, com melhora significativa dos sintomas de sua enfermidade.
Ocorre que, segundo o alegado, o tratamento com o óleo é excessivamente oneroso para a paciente tendo em vista o custo mensal de R$1.245,00 (mil, duzentos e quarenta e cinco reais) mensais.
Portanto, pretende o impetrante a autorização para importação e cultivo de sementes de cannabis sativa sem que isso possa ensejar qualquer tipo de investigação, apreensão ou punição por parte de agentes de segurança pública.
O MPF apresentou competente manifestação através da petição id. 1487836873, opinando pela denegação da ordem. É o relatório.
Decido.
II - FUNDAMENTAÇÃO Nos termos do art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal, a concessão de habeas corpus dar-se-á sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
O habeas corpus também pode ser utilizado, em tese, contra atos judiciais e, ainda, na fase de inquérito policial, excepcionalmente, como forma de instrumento colateral de defesa, exigindo-se nesse caso que se constate, de plano, ser absurda a investigação policial em desenvolvimento por ausência de justa causa, total atipicidade da conduta ou falta de elementos indicativos mínimos de autoria No caso em tela, consoante se extrai dos autos, o paciente relata que foi diagnosticado com o CID10 G25.0 Tremor Essencial.
Após realizar diversos tratamentos médicos convencionais sem resultados satisfatórios e com efeitos colaterais diversos, ele buscou tratamento à base de óleo de cannabis medicinal, o qual se mostrou bastante eficaz para o controle de sua enfermidade.
Contudo, segundo relatado na inicial, o paciente estaria a enfrentar problemas pelo uso do óleo importado, uma vez que é demasiadamente oneroso.
Assim a solução seria o paciente, importar sementes e cultivar plantas de Cannabis, a fim de produzir o óleo caseiro.
Diante do relatado, é requerida a concessão de salvo conduto para autorizar o paciente a importar sementes e produzir o óleo à base de cannabis para consumo próprio, bem como para determinar às autoridades coatoras que se abstenham de investigar, repreender ou atentar contra a liberdade de locomoção da paciente.
Entendo que a pretensão de ser autorizada a importar sementes de Cannabis para produzir o óleo em sua casa com fins medicinais, ao menos sob a perspectiva da competência da Justiça Federal, deve ser deduzida na seara cível.
Isso porque não cabe ao Juízo criminal autorizar a importação de sementes ou plantas (de qualquer espécie) sem a devida chancela e controle dos órgãos administrativos competentes.
Cabe ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática proferida pelo Ministro Celso de Mello, afirmou que a importação da semente de Cannabis Sativa é destituída de tipicidade penal, já que a semente não possui, em sua composição, o Tetrahidrocanabinol (THC), princípio ativo da maconha.
Neste sentido: Habeas Corpus ".
Importação de sementes de maconha.
Pequena quantidade.
Material que não possui substâncias psicoativas, notadamente o princípio ativo da “cannabis sativa L.” (tetrahidrocanabinol ou THC).
Conduta destituída de tipicidade penal.
Doutrina.
Precedentes.
Ausência de justa causa que impede a legítima instauração de “persecutio criminis”.
Necessária extinção do procedimento penal.
Pedido deferido. - A semente de “cannabis sativa L.” não se mostra qualificável como droga, nem constitui matéria-prima ou insumo destinado a seu preparo, pois não possui, em sua composição, o princípio ativo da maconha (tetrahidrocanabinol ou THC), circunstância de que resulta a descaracterização da tipicidade penal da conduta do agente que a importa ou que a tem em seu poder. - Disso resulta que a mera importação e/ou a simples posse da semente de “cannabis sativa L.” não se qualificam como fatores revestidos de tipicidade penal, essencialmente porque, não contendo as sementes o princípio ativo do tetrahidrocanabinol (THC), não se revelam aptas a produzir dependência física e/ou psíquica, o que as torna inócuas, não constituindo, por isso mesmo, elementos caracterizadores de matéria-prima para a produção de drogas. (STF, HC 143890, Relator Ministro Celso de Mello, julgado em 13/05/2019, DJe-101 15/05/2019) De todo modo, independentemente da discussão sobre a tipicidade penal da conduta de importar sementes de Cannabis e do receio, justificado ou não, do paciente de sofrer constrangimento ilegal pelos órgãos de persecução penal, o fato é que, pela legislação brasileira, a importação de sementes e mudas requer prévia anuência dos órgãos administrativos de fiscalização e controle.
Nessa linha, a teor da Lei nº 10.711/03, do Decreto nº 5.153/04 e da Instrução Normativa nº 25/17, a importação de qualquer quantidade de sementes ou de mudas de cultivares inscritas no Registro Nacional de Cultivares - RNC, por qualquer ponto do país, deve ter anuência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a ser obtida pelo importador antes da internalização do material no território nacional, devendo-se observar, ainda, a legislação fitossanitária.
Por sua vez, os arts. 2º e 31 da Lei 11.343/06 dispõem o seguinte: Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso.
Parágrafo único.
Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas.
Art. 31. É indispensável a licença prévia da autoridade competente para produzir, extrair, fabricar, transformar, preparar, possuir, manter em depósito, importar, exportar, reexportar, remeter, transportar, expor, oferecer, vender, comprar, trocar, ceder ou adquirir, para qualquer fim, drogas ou matéria-prima destinada à sua preparação, observadas as demais exigências legais.
Já o Decreto nº 5.912/06, que regulamenta a Lei nº 11.343/06, estabelece: Art. 14.
Para o cumprimento do disposto neste Decreto, são competências específicas dos órgãos e entidades que compõem o SISNAD: I - do Ministério da Saúde: (...) c) autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, exclusivamente para fins medicinais / ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, ressalvadas as hipóteses de autorização legal ou regulamentar; d) assegurar a emissão da indispensável licença prévia, pela autoridade sanitária competente, para produzir, extrair, fabricar, transformar, preparar, possuir, manter em depósito, importar, exportar, reexportar, remeter, transportar, expor, oferecer, vender, comprar, trocar, ceder ou adquirir, para qualquer fim, drogas ou matéria-prima destinada à sua preparação, observadas as demais exigências legais.
Essa licença prévia para importar e autorizar o plantio de substâncias sujeitas a controle especial é disciplinada na Portaria nº 344/98 do Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância Sanitária, que aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial.
A Cannabis Sativum encontra-se disposta no Anexo I do ato normativo citado, Lista E - Lista de plantas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas, de modo que não consta no Registro Nacional de Cultivares - RNC, sendo, por conseguinte, de controle especial e de importação e exportação proibidas, salvo casos excepcionais.
Dispõem o art. 2º, caput, e o art. 5º, caput e § 1º, da referida Portaria: Art. 2º Para extrair, produzir, fabricar, beneficiar, distribuir, transportar, preparar, manipular, fracionar, importar, exportar, transformar, embalar, reembalar, para qualquer fim, as substâncias constantes das listas deste Regulamento Técnico (ANEXO I) e de suas atualizações, ou os medicamentos que as contenham, é obrigatória a obtenção de Autorização Especial concedida pela Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. (...) Art. 5º A Autorização Especial é também obrigatória para as atividades de plantio, cultivo, e colheita de plantas das quais possam ser extraídas substâncias entorpecentes ou psicotrópicas. § 1º A Autorização Especial, de que trata o caput deste artigo, somente será concedida à pessoa jurídica de direito público e privado que tenha por objetivo o estudo, a pesquisa, a extração ou a utilização de princípios ativos obtidos daquelas plantas.
Já a Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa - RDC nº 335/2020 define os critérios e os procedimentos para a importação de Produto derivado de Cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde.
Como visto, cabe à União, por meio do Ministério da Saúde e da Anvisa, autorizar, regulamentar e controlar tal atividade.
Assim, entendo que o cerne da questão posta nos autos é de natureza essencialmente administrativa e, como tal, deve ser solvida na esfera cível, e não na penal, até porque não teria como o Juízo criminal, ainda mais em Habeas Corpus preventivo, controlar se a importação, cultivo e destinação das sementes de Cannabis pelo ora paciente não vão extrapolar o estritamente necessário para fins medicinais e consumo próprio.
A autorização para a importação da própria semente da Cannabis, cultivo da planta e produção artesanal do óleo essencial não poderia prescindir de mecanismos de controle similares, e até mais rígidos, considerando não se tratar de produto fabricado por estabelecimentos devidamente regularizados por autoridades competentes nos países de origem, como se dá nos casos disciplinados pela RDC nº 335/2020, e, sobretudo, porque da planta Cannabis também pode ser extraído, além do CBD (Canabidiol), o THC (Tetrahidrocanabinol), principal canabinoide psicoativo da maconha, risco que não existe com a importação de produto à base de cannabis.
E, por evidência, a definição desses critérios e procedimentos não poderia ser tratada na via estreita do Habeas Corpus, que não admite dilação probatória e nem prevê a intervenção da ANVISA.
Ademais, ainda que fosse concedida a ordem pleiteada no sentido de obstar eventual investida policial ou persecução penal em decorrência da importação das sementes de Cannabis, a real pretensão do impetrante não seria atendida.
Afinal, como já adiantado, este Juízo criminal não tem competência para autorizar a importação em si, de modo que concessão do writ não seria apta a impedir a atividade de controle aduaneiro, bem assim a fiscalização pela autoridade sanitária e, menos ainda, a apreensão administrativa quando do respectivo ingresso no território nacional.
Nesse passo, o ora paciente deve buscar autorização e/ou licença para a importação pretendida em ação judicial intentada contra a União e/ou Anvisa no Juízo cível, via adequada para discutir, com a amplitude necessária de cognição, todas as circunstâncias e repercussões do direito invocado.
Obtida a chancela, mesmo que o precedente do Supremo Tribunal Federal acima citado fosse desconsiderado pelas autoridades policiais, não haveria risco de o paciente ser constrangida em sua liberdade de locomoção, uma vez que o art. 33, § 1º, inciso I, da Lei nº 11.343/06, cuja imputação teme sofrer, estabelece ser crime apenas a importação de matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas se promovida sem autorização ou em desacordo com determinação legal.
Tampouco incidiria o tipo do art. 334-A do CP.
Ou seja, havendo prévia autorização, não há que se falar em crime.
Por fim, em sendo regular a importação, eventual imputação pelos delitos descritos no art. 33, § 1º, inciso II (semear, cultivar ou fazer colheita irregular de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas) e no art. 28 (guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo drogas para consumo pessoal), ambos da Lei nº 11.343/06, refugiria à competência da Justiça Federal.
Efetivamente, não cabe ao juízo criminal conceder salvo conduto para a prática de condutas delitivas e, no caso, a importação em desacordo com a norma integradora do tipo penal consistiria, sim, em crime.
Veja-se que, inclusive, a diretoria colegiada da Anvisa já aprovou a regulamentação de produtos à base de maconha no Brasil.
Com a referida decisão da agência reguladora produtos feitos com cannabis para uso medicinal podem ser vendidos em farmácias, mediante prescrição médica, e ficam sujeitos à fiscalização da agência.
Já o cultivo da planta em território brasileiro foi rejeitado.
Se tal normatização atende ou não às necessidade dos cidadãos não é questão a ser versada na esfera penal e a eventual irresignação contra a norma penal integradora, de caráter administrativo e referente à saúde pública, tem de ser procedida na via cível de modo que o juízo competente decida se tem ou não o cidadão o pretendido direito de importar tal ou qual substância em desacordo com as normas administrativas pertinentes.
III - DISPOSITIVO ANTE O EXPOSTO, indefiro a petição inicial, uma vez que a natureza do pedido é administrativa e, como tal, deve ser solvido na esfera cível sendo inadequada a via processual eleita do habeas corpus preventivo.
Sem custas (Lei nº 9.289/96, art. 5º).
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Transitada em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos.
Eunápolis/BA, data da assinatura.
PABLO BALDIVIESO Juiz Federal Titular Subseção Judiciária de Eunápolis/BA -
03/02/2023 15:14
Recebido pelo Distribuidor
-
03/02/2023 15:14
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
03/02/2023
Ultima Atualização
19/04/2023
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Sentença Tipo A • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
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