TRF1 - 1000367-67.2018.4.01.3603
1ª instância - 1ª Sinop
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Passivo
Partes
Advogados
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Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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10/05/2023 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Sinop-MT 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Sinop-MT PROCESSO: 1000367-67.2018.4.01.3603 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) POLO ATIVO: SANDRO LUIS MICK REPRESENTANTES POLO ATIVO: ARY FRUTO - MT7229/B POLO PASSIVO:INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA SENTENÇA
I - RELATÓRIO Cuida-se de ação proposta por SANDRO LUIS MICK contra INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA visando ao cancelamento do auto de infração 9129806 e do termo de embargo 739307, lavrados em 08/01/2018 pela destruição de 236,125 hectares de floresta nativa amazônica, sem autorização.
A parte autora alega, em síntese, que há bis in idem entre os órgãos ambientais estadual e federal, que a área autuada é consolidada até 22/07/2008, pelo que tem direito à regra de transição do Código Florestal de 2012, bem como que exerce atividade de subsistência em área rural de pequena extensão.
A tutela provisória foi deferida.
Na contestação, o IBAMA sustenta, em síntese, a legalidade dos atos administrativos impugnados, a não ocorrência de bis in idem, a falta de prova de área consolidada e de exercício de atividade de subsistência.
Durante a fase de instrução, a parte autora desistiu da produção de prova oral.
Juntados documentos, a parte arguiu a ocorrência de prescrição intercorrente no processo administrativo.
Após a manifestação do réu, os autos vieram conclusos para julgamento. É o relatório.
Decido.
II - FUNDAMENTAÇÃO Dado que não há questões processuais pendentes ou preliminares a analisar, passo ao exame do mérito.
Entendo que a alegação de prescrição intercorrente é matéria de ordem pública, pelo que passo à análise da matéria.
Multa aplicada no auto de infração.
A prescrição intercorrente do processo administrativo que visa à apuração de infração ambiental tem previsão no artigo 21, § 2º do Decreto Federal n.º 6.514/08, o qual reza que “incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação”.
Mesmo antes da edição do Decreto Federal n.º 6.514/08 já existia a previsão do instituto da prescrição intercorrente no processo administrativo de apuração de infração.
A Lei n.º 9.873/99, que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, trouxe em seu artigo 1º, § 1º, redação similar à do decreto citado acima: “Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.” Desse modo, estando inerte a administração por três anos, sem dar impulso ao processo administrativo, estará configurada a prescrição intercorrente.
Por consequência lógica, cada vez que for realizado algum ato que vise à conclusão do julgamento, é dizer, que dê seguimento válido ao procedimento, estará obstado o curso do prazo prescricional trienal, que torna a correr de seu início.
Note-se que não é qualquer despacho que tem o poder de interromper o prazo prescricional em destaque, mas, sim, aquele que efetivamente dê impulso ao procedimento, não servido à interrupção os despachos que não surtam tal efeito, como aqueles que apenas repetem o conteúdo de despacho anterior.
Isso porque atos procedimentais desse jaez mantém o processo no estado em que foi deixado quando proferido o despacho antecedente, não descaracterizando, portanto, a paralisação do procedimento, pelo menos até que se profira outro ato que efetivamente dê seguimento ao processo administrativo, visando à conclusão de seu julgamento.
Nesse sentido é a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o qual entende que “a prescrição intercorrente somente ocorrerá se a Administração sem qualquer justificativa não adotar medida tendente ao exercício da pretensão de apurar a conduta ilícita, objeto do processo administrativo, e assim concluir o processo administrativo.” (TRF4, AG 5025336-15.2013.404.0000, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 29/10/2013).
Destaque-se, por oportuno, que a Orientação Jurídica Normativa nº. 06/2009/PFE/IBAMA, elaborada pela Procuradoria Federal Especializada em conjunto com o IBAMA, adota a mesma linha de entendimento aqui esposada, ao considerar que “os atos meramente procrastinatórios, que não objetivem a dar solução à demanda, embora se caracterizem formalmente como movimentação processual, não são hábeis a obstar a prescrição intercorrente.” Cite-se um excerto do referido documento, que sintetiza as orientações adotadas pelo IBAMA acerca da prescrição intercorrente: “26.
O escopo da norma é conferir andamento do processo visando ao deslinde da causa.
Desse modo, é capaz de obstar a ocorrência da prescrição intercorrente, qualquer ato processual necessário a impulsionar o processo ao seu fim.
Os atos meramente procrastinatórios, que não objetivem dar solução à demanda, embora se caracterizem formalmente como movimentação processual, não são hábeis a obstar a prescrição intercorrente. É necessário que se verifique o encadeamento lógico do ato e sua pertinência para o deslinde da causa. 27.
Oportuno, contudo, registrar que as causas da prescrição da pretensão punitiva propriamente dita e as situações que obstam a ocorrência da prescrição intercorrente não se confundem.
Estas vão além daquelas que são estabelecidas no art. 2º da Lei nº 9.873/99.
Diversamente do que ocorre com a prescrição da pretensão punitiva, na intercorrente até mesmo a regularização de um vício formal ou a repetição de uma diligência, se formalizada nos autos, tem o efeito de interromper a prescrição, desde que imprimam lógica e continuidade ao procedimento”.
No caso vertente, o processo foi remetido para instrução por despacho em 08/08/2018 e o autuado foi notificado em 04/09/2018.
Nos dias 18/12/2020 e 24/11/2022, foram proferidos novos despachos que repetiam o conteúdo de remessa para instrução, sem efetivo impulsionamento do processo.
Como se vê, até a obtenção de cópia do processo administrativo em 05/12/2022 não havia sido realizado ato de impulsionamento do processo desde a notificação em 04/09/2018, por mais de três anos, portanto, configurando-se a prescrição intercorrente no processo administrativo.
Termo de embargo e prescrição intercorrente.
No que respeita ao termo de embargo, há muito tenho mencionado que a prescrição do processo administrativo não tem o condão de, isoladamente, gerar a suspensão do termo de embargo.
Isso porque o embargo tem natureza autônoma em relação à multa, na medida em que sua função principal é permitir a regeneração do dano ambiental causado, cuja obrigação de reparação é propter rem, inclusive.
Assim, ainda que esteja prescrita a pretensão punitiva estatal em relação à multa, nada impede a permanência do embargo a fim de garantir a regeneração da área danificada, já que se trata de medida preventiva da qual a Administração lança mão, no exercício de seu poder de polícia, com o fito de evitar o prolongamento de ação lesiva e de dano ao meio ambiente proveniente de atividade sem autorização ou em desacordo com ela.
Enquanto não recuperada a vegetação degradada, é legitima a conservação autônoma do embargo sobre a área.
Pensar o contrário seria admitir, em tese, que o simples decurso do tempo fosse capaz de afastar qualquer proteção ambiental estatal sobre área degradada, legitimando, com isso, a manutenção do dano ad eternum.
Seria o mesmo que se admitir a existência de fato consumado na degradação ambiental, permitindo, assim, a continuidade do dano pelo decurso do tempo, sem possibilidade de intervenção de natureza administrativa para reverter a situação.
Tal entendimento é inadmissível quando o assunto é meio ambiente, já tendo o Superior Tribunal de Justiça consolidado, na Súmula 613, a premissa de que a teoria do fato consumado não se aplica em tema de direito ambiental.
Importante acrescentar que, conforme leciona PAULO AFFONSO LEME MACHADO (2003, p. 299), “das sanções previstas no artigo 72 da Lei n. 9.605/98, somente a multa simples utilizará o critério da responsabilidade com culpa; e as outras nove sanções, inclusive a multa diária, irão utilizar o critério da responsabilidade sem culpa ou objetiva, seguindo o sistema da Lei n. 6.938/81, onde não há necessidade de serem aferidos o zelo e a negligência do infrator submetido ao processo.” Esta é a interpretação que se coaduna com o sistema erigido pela legislação protetiva ambiental, sendo que as demais medidas, como o embargo, a apreensão de bens utilizados para cometimento de ilícitos, multa diária, devem permanecem inalteradas.
Assim, a prescrição tem o condão de extirpar do ordenamento tão somente a sanção pessoal, ou seja, a multa simples propriamente dita.
Os demais efeitos ocasionados pela autuação permanecerão inalterados em prol da proteção do meio ambiente.
Ocorrência de bis in idem.
A parte alega que a SEMA/MT também efetuou lavratura de auto de infração que engloba a mesma área autuada pelo IBAMA, de modo que a atuação do órgão ambiental estadual deveria prevalecer.
Por algum tempo, vigorou neste juízo a tese de que, na concorrência de fiscalizações realizadas pelos entes federal e estadual sobre a mesma infração ambiental, deveria prevalecer a autuação lavrada pelo último, por interpretação da Lei Complementar 140/2011, conforme fundamento transcrito a seguir: “A atividade de zelar pelo meio ambiente é comum aos três entes federativos: União, Estados e Municípios. É assim que está expressamente previsto no artigo 23, VI, da Constituição Federal.
Esse dever é enfatizado mais uma vez no artigo 225, que a Constituição reservou para tratar especificamente de questão ambiental, falando-se ali em “poder público” e estendendo-se a obrigação “à coletividade”.
Não há, portanto, exclusão de nenhum ente estatal quando o assunto é preservação ambiental.
Conquanto os entes federativos tenham competência para zelar pelo meio ambiente, não se pode conceber que essa atuação comum resulte em penalidades sobrepostas.
Algum critério haveria de ser encontrado pelo legislador para resolver esse tipo de problema que inevitavelmente surgiria em decorrência da amplitude de atribuição conferida pelo texto constitucional.
O que a Constituição quis foi proteger o meio ambiente de agressões indevidas; não a instituição de penalidades sucessivas e superpostas, incidentes sobre o mesmo fato ilícito.
Tal problema ficou sem disciplina durante muito tempo.
Com a edição da Lei Complementar nº 140, pelo menos parte dele foi solucionada.
De fato, o artigo 17 do referido diploma diz que compete ao órgão responsável pelo licenciamento, entre outras medidas, “lavrar auto de infração e instaurar processo administrativo para apurar infrações à legislação ambiental”.
E, para harmonizar o disposto no caput com o que diz a Constituição, o parágrafo terceiro é claro ao afirmar que a atribuição de competência punitiva ao órgão responsável pelo licenciamento “não impede o exercício comum de fiscalização pelos entes federativos”.
A redação final do parágrafo, no entanto, diz que, em caso de autuações sobrepostas, prevalecerá a infração “lavrada pelo órgão que detenha atribuição de licenciamento”.
Esse entendimento não pode mais prevalecer.
A razão é a seguinte: o regime vigente no órgão estadual para infrações ambientais não conta com os mesmos mecanismos de proteção adotados pelo órgão federal.
Uma simples consulta ao sistema da SEMA permite verificar que em vários casos de liminares concedidas – senão mesmo na totalidade deles – os imóveis, liberados da sanção imposta pelo IBAMA, mas ainda sob penalidade lavrada pela SEMA, não constam da lista de áreas embargadas.
Isso demonstra que a invalidação do auto de infração lavrado pelo IBAMA, que em princípio apenas corrigiria um equivocado e excessivo uso da competência ambiental comum, acaba, por via transversa, criando para o beneficiário uma vantagem que subverte o objetivo primário de toda a norma ambiental, que é de proteger o meio ambiente.
Este, está claro, não foi o propósito da Lei Complementar 140.
Ou, se foi, não está de acordo com a Constituição.
A competência concorrente em matéria ambiental encontra-se disciplinada nos quatro parágrafos do artigo 24 da CF, entre os quais convém, para o caso em questão, destacar o primeiro deles, que assim dispõe: “No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limita-se a estabelecer normais gerais”.
A norma geral que disciplina a matéria aqui tratada – florestas – é o Código Florestal, o qual, no seu artigo 51 institui a obrigatoriedade de divulgação do imóvel do infrator na lista de áreas embargadas: Art. 51.
O órgão ambiental competente, ao tomar conhecimento do desmatamento em desacordo com o disposto nesta Lei, deverá embargar a obra ou atividade que deu causa ao uso alternativo do solo, como medida administrativa voltada a impedir a continuidade do dano ambiental, propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à recuperação da área degradada. § 1o O embargo restringe-se aos locais onde efetivamente ocorreu o desmatamento ilegal, não alcançando as atividades de subsistência ou as demais atividades realizadas no imóvel não relacionadas com a infração. § 2o O órgão ambiental responsável deverá disponibilizar publicamente as informações sobre o imóvel embargado, inclusive por meio da rede mundial de computadores, resguardados os dados protegidos por legislação específica, caracterizando o exato local da área embargada e informando em que estágio se encontra o respectivo procedimento administrativo. § 3o A pedido do interessado, o órgão ambiental responsável emitirá certidão em que conste a atividade, a obra e a parte da área do imóvel que são objetos do embargo, conforme o caso.
A competência plena dos Estados em matéria de legislação concorrentes apenas é possível quando a União não tenha exercido ainda a sua competência própria – e, no caso, prevalente.
A partir do momento em que a União edita uma lei geral sobre quaisquer das matérias elencadas no art. 24, aos Estados fica reservada apenas competência suplementar, não lhes sendo autorizado, no âmbito dessa competência específica, contrariar dispositivos da lei geral.
Embora haja lista de áreas embargadas no Estado do MT, a divulgação não é feita de imediato, concomitantemente à lavratura do auto, supondo-se que seja efetivada – se é que é de fato – apenas com o trânsito em julgado do processo administrativo.
O procedimento adotado não cumpre o desiderato do legislador do Código Florestal.
A divulgação em lista foi um meio racional e eficaz que o legislador encontrou para impedir a circulação de produtos provenientes de áreas embargadas, objetivo que ficaria completamente frustrado se os dados da área embargada fossem para o sistema apenas quando chegasse ao fim a discussão administrativa.
Tanto é assim que a jurisprudência se firmou majoritariamente no sentido de que não fere o princípio do devido processo legal a inserção de áreas embargadas em lista, reservando-se ao autuado, evidentemente, o direito de recorrer ao Judiciário para levantamento da restrição.
Sem esse expediente eficaz, o controle, em estados da dimensão do Mato Grosso, por exemplo, torna-se quase que impraticável, dado o fato por demais conhecido de que o órgão ambiental não dispõe de quadros de funcionários para atender à demanda.
Não é incomum que proprietários de áreas embargadas e não incluídas em lista continuem, apesar da sanção, desenvolvendo sua atividade produtiva.
O descumprimento do embargo compensa, pois, quando e se vier nova autuação, o empreendedor já terá auferido lucro em montante muito superior ao que será fixado a título de multa.
Multas, aliás, que no âmbito estadual são bem menos expressivas do que as aplicadas pelo IBAMA – e este seria mais um elemento a ser levado em consideração.
Como bem observa Édis Milaré (Direito Ambiental, a gestão ambiental em foco.
Ed.
Revista dos Tribumais), “na legislação concorrente ocorre prevalência da União no que concerne à regulação de aspectos de interesse nacional, as quais, como é óbvio, não podem ser contrariadas por normais estaduais e municipais”.
Seria dispensável – se não fosse com o intuito de enfatizar – dizer que a publicação em lista de áreas embargadas – imediatamente, como quer a jurisprudência – é matéria de interesse não apenas nacional, mas também internacional, visto que os produtos da exploração florestal, da pecuária e da agricultura são em grande parte – em alguns casos, a maior parte – destinados ao mercado exterior.
A divulgação em lista é medida de altamente protetiva, pois pune não apenas o infrator cuja área encontra-se embargada, mas também o adquirente de produtos marcados pela restrição ambiental, funcionando como meio de controle para todos os integrantes da cadeia comercial.
Em suma: não há regimes equivalentes de proteção ambiental.
Perto do sistema oferecido pelo órgão nacional, o sistema estadual revela-se por demais benevolente e, como tal, apto a ser utilizado para fraudar os interesses da lei nacional – Código Florestal.
A Constituição quer, sim, a participação dos três entes federativos na proteção do meio ambiente, mas segundos parâmetros que ela mesmo estabeleceu, entre os quais está o de que lei federal que disponha sobre normas gerais tem prevalência sobre lei estadual que disponha sobre assunto por ela especificamente tratado, ainda mais quando a norma estadual adota tratamento menos rigoroso.
Se um estado editasse lei que protegesse mais o meio ambiente, ainda poderia haver discussão.
Poder-se-ia dizer que a entidade federativa não poderia ser mais rigorosa do que a lei federal sobre normas gerais.
No caso, no entanto, não há a menor dúvida: o regime estadual não pode enfraquecer o rigor da lei federal quando esta estabelece normas gerais.
Que justificação haveria para que vigorasse um regime de lista em alguns estados da federação – do tipo “inscrição imediata” – e em outros se adotasse um regime totalmente ineficiente – “inscrição depois do julgamento do processo administrativo”? A pergunta é meramente retórica. É claro que o regime de divulgação em lista, se se quer um mínimo de racionalidade administrativa, deve ser um só em todo o território nacional.
Nesse contexto, não há se falar em anulação dos atos praticados pelo IBAMA, objeto da presente demanda, em razão apenas da existência de autuação realizada pelo órgão ambiental estadual.
E esse raciocínio foi aplicado pelo legislador no artigo 12 do Decreto Federal 6.514/2008, que prevê que o pagamento da multa a um dos órgãos ambientais exclui as demais impostas pelo mesmo fato. Área consolidada e teses derivadas.
Atividade de subsistência.
A decisão saneadora fixou os pontos controvertidos – dentre eles a existência de área consolidada e o desempenho de atividade de subsistência no imóvel – no seguints termos: “A parte autora alega, em síntese, que o desmate detectado pelo IBAMA entre 2014 e 2015 era, na verdade, mera limpeza de área, a qual já teria sido aberta antes de 22 de julho de 2008.
Deste ponto decorrem as teses levantadas na inicial referentes à consolidação de área e possibilidade de aplicação do regime de recuperação de áreas previsto no Código Florestal.
Além disso, consta no relatório de fiscalização que a autuação levada a termo pela SEMA teria sido lavrada, na verdade, em nome da esposa da parte autora, que detém parcela de área na região.
Como os mapas apresentados pela parte, assim como aqueles utilizados pelo IBAMA na autuação, indicam que propriedades vizinhas efetuaram intervenções na mesma época do lote da parte autora, é necessário que se esclareça essa questão.
Alega a parte, ainda, no que toca ao embargo, que a área é utilizada para fins de subsistência.
Nesse contexto, é ônus da parte autora afastar a controvérsia acima, nos termos do artigo 373 do Código de Processo Civil.
O meio de prova adequado à demonstração dos fatos relativos à controvérsia de desmate/limpeza de área é a documental e pericial.
Nada impede a parte de efetuar a juntada de eventual parecer técnico da SEMA, ciente desde já que este documento não afasta, por si só, a necessidade de perícia.
Para demonstração da destinação do imóvel de subsistência, adequadas as provas documental e testemunhal.
Para esclarecimento acerca das propriedades vizinhas, suficiente a juntada de documentos”.
Durante a fase de instrução, a parte autora desistiu da prova requerida sobre os fatos acima.
Conforme destacado na decisão saneadora, a documentação trazida com a inicial não basta para a prova dos fatos, pois a parte deve desconstituir a presunção de legitimidade e veracidade das informações e imagens de satélite contidas no relatório de fiscalização.
De igual modo, para caracterizar o desenvolvimento de atividade de subsistência, não basta que o imóvel tenha área inferior a quatro módulos fiscais.
O artigo 16 do Decreto n.º 6.514/08, ao regular a aplicação da medida de embargo pelo agente ambiental no ato da fiscalização, dispôs que no caso de áreas irregularmente desmatadas ou queimadas, ele embargará quaisquer obras ou atividades nelas localizadas ou desenvolvidas, excetuando as atividades de subsistência.
O que revela o dispositivo é que as atividades desempenhadas exclusivamente com o fim de subsistência não são passíveis de embargo na forma do artigo 16 do diploma legal citado acima.
Assim, a fim de assegurar o mínimo existencial ao trabalhador rural, a lei garante a possibilidade de continuar o desempenho da atividade, sendo vedada ao agente ambiental a imposição dessa medida acauteladora, embora fique mantida, em princípio, a multa e demais penalidades aplicadas.
Quanto ao conceito de atividade de subsistência, a Instrução Normativa do IBAMA n.º 10/2012, ao regulamentar os procedimentos para apuração da infração ambiental administrativa, considerou como atividades de subsistência “aquelas realizadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, explorada mediante o trabalho pessoal do proprietário ou posseiro e de sua família, admitida a ajuda eventual de terceiro, cuja renda bruta seja proveniente de atividades ou usos agrícolas, pecuários ou silviculturais ou de extrativismo rural em 80% no mínimo”, salientando que a pequena propriedade seguiria o regime previsto no inc.
V do art. 3º da Lei n.º 12.651/2012, para aquelas situadas em bioma amazônico.
O aludido diploma legal, por sua vez, conceitua como pequena propriedade ou posse rural familiar “aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária, e que atenda ao disposto no art. 3º da Lei n.º 11.326, de 24 de julho de 2006”, que assim dispõe: Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.
Cadastro no CAR.
Por fim, a parte autora alega que o imóvel está cadastrado no CAR e que pretende regularizar o passivo ambiental.
O Código Florestal estabeleceu um regime de compensação para danos ambientais ocorridos antes a 2008.
Tentando resolver o problema do desmatamento indiscriminado, o Congresso Nacional instituiu o que, na sociedade e em parte da imprensa, se convencionou chamar de anistia.
Não é isso, no entanto, o que está na lei.
O que o Código Florestal instituiu foram formas de compensação, sopesando os valores constitucionais que regulam a matéria ambiental, o principal deles expresso no art. 225 da Carta, o qual proclama que a preservação é obrigação de todos, Estado e sociedade de modo geral, e igualmente o dispositivo que insere a matéria ambiental como um dos princípios da ordem econômica.
De fato, caso se optasse por uma legislação mais rigorosa, a atividade econômica nas florestas ficaria praticamente inviabilizada.
Chegou-se a um resultado que, se não agradou a todos, pelo menos foi objeto de ampla discussão nas casas legislativas.
Por outro lado, ao estabelecer o marco temporal de 22/07/2008, ficou clara a intenção do legislador de não favorecer com qualquer espécie de compensação os desmatamentos posteriores, não sendo tolerados danos à floresta a partir dessa data.
Ficou claro, portanto, que o regime do Código valia “para trás” (antes de 2008) e não “para frente”.
Caso contrário, de nada teria adiantado o trabalho incessante do Congresso.
Se era para ser de outro modo, não se explicaria tanto trabalho para construir uma solução de consenso, que atendesse aos interesses contrapostos – dos preservacionistas e dos empreendedores rurais.
O que se vê, no entanto, é que, mesmo depois de 2008, a atividade de agressão à floresta não recuou – ou, se recuou, pouco importa para o caso, pois o que se esperava era o desmatamento irregular próximo de zero.
Sendo assim, a posição do juízo quanto aos desmatamentos ocorridos depois de 2008 não pode – e nem deve – ser a mesma que adota para os casos de agressões anteriores àquele ano.
Para o caso de desmatamentos anteriores a 2008, como o Código permite a regularização por meio de medidas compensatórias, tem o juízo entendido que, como a SEMA não está em condições de dar vazão aos pleitos formulados pelos proprietários de área rural, conforme declarado publicamente em audiência com os três juízes desta Circunscrição Judiciária, pela Secretária do Meio Ambiente do Estado,o embargo pode ser levantado, contanto que o interessado junte nos autos prova de que protocolizou o seu CAR e aderiu ao PRA – Programa de Regularização Ambiental.
E assim é porque, em relação aos desmates levados a efeitos antes de 2008, os proprietários estão exercendo um legítimo direito de regularização que lhes confere o Código Florestal, o qual estabeleceu expressamente tratamento relativizado e gradativo às situações anteriores ao marco temporal, ao dispor, por exemplo, que entre a data da edição da lei e a implantação do PRA – e, depois da implantação, a partir da adesão etc. – não poderia o proprietário ser autuado por desmatamentos anteriores a 22/07/2008 (art. 59, §4º, do Código Florestal).
Não se exigiu, portanto, prévia correção dos passivos ambientais para obtenção dos benefícios previstos em lei, senão apenas a adoção das medidas gradualmente disponibilizadas ao proprietário de acordo com a evolução das etapas de implantação do programa de regularização ambiental até seu pleno funcionamento – situação, aliás, que ainda não se concretizou, conforme dito acima.
Coisa distinta ocorre que os desmatamentos posteriores a 2008.
Quem desmatou depois do período abrangido pela “anistia”, embora possa eventualmente obter autorização para fazer funcionar novamente a propriedade embargada, não conta com o “privilégio” de que gozam os infratores a que fez menção expressa o Código Florestal – art. 59, §§4º e 5º, do Código Florestal.
Para essa classe de infratores, não pode valer o argumento de que, estando em mora o sistema ambiental do Estado, ao Judiciário cumpre a função de supri-la de modo a autorizar o exercício da atividade produtiva.
Não é preciso lembrar que o modelo de “anistia” é exceção ao regime constitucional de proteção ambiental.
Como exceção, deve sofrer interpretação restrita.
Isso não quer dizer que o empreendedor embargado não tem direito de obter em juízo eventual levantamento do embargo.
Pode.
E pode porque são inúmeras as regras do ordenamento que cuidam da atividade de polícia administrativa que podem eventualmente estar sendo desrespeitadas.
Um embargo pode ser levantado, por exemplo, se acaso se revelar desproporcional.
Ou se houver um vício formal grave que macule irremediavelmente o auto de infração.
E seriam várias as possibilidades.
Não pode, no entanto, ser levantado apenas com fundamento na mora administrativa, pelas razões já explicitadas.
Assim, para os desmatamentos ocorridos depois de 2008, só a regularização efetiva junto ao órgão permitirá a retomada da atividade.
Se o órgão ambiental está em mora, resta à parte impetrar ação própria na Justiça Estado para atacar a possível ilegalidade – mora.
III - DISPOSITIVO Ante o exposto, revogo a tutela provisória e JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO, resolvendo o mérito da ação, para cancelar a multa aplicada no auto de infração 9129806.
Tendo em conta a sucumbência recíproca, condeno as partes ao custeio do processo, em igual proporção.
O réu é isento de custas, devendo a parte pagar sua parcela das custas finais.
Fixo os honorários advocatícios nos percentuais mínimos do § 3º do artigo 85 do CPC, incidentes sobre o valor atualizado da causa (valor da multa), em igual proporção para cada parte.
Sentença com remessa necessária (valor da causa na data do ajuizamento).
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Datado e assinado eletronicamente.
MURILO MENDES Juiz Federal -
07/03/2023 01:28
Decorrido prazo de INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA em 06/03/2023 23:59.
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04/01/2023 16:57
Juntada de petição intercorrente
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14/12/2022 18:23
Juntada de Certidão
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14/12/2022 18:23
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
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14/12/2022 18:23
Ato ordinatório praticado
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12/12/2022 17:39
Juntada de petição intercorrente
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22/11/2022 10:00
Juntada de Certidão
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22/11/2022 10:00
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
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22/11/2022 10:00
Ato ordinatório praticado
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13/10/2022 16:01
Juntada de e-mail
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28/07/2022 17:49
Juntada de Certidão
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28/07/2022 17:18
Juntada de Certidão
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04/06/2022 00:53
Decorrido prazo de INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA em 03/06/2022 23:59.
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31/05/2022 02:43
Decorrido prazo de SANDRO LUIS MICK em 30/05/2022 23:59.
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17/05/2022 15:51
Processo devolvido à Secretaria
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17/05/2022 15:51
Juntada de Vistos em inspeção - ato judicial proferido
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17/05/2022 15:51
Juntada de Certidão
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17/05/2022 15:51
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
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17/05/2022 15:51
Outras Decisões
-
25/06/2021 18:40
Juntada de Certidão
-
16/06/2021 20:40
Conclusos para decisão
-
04/05/2021 13:32
Juntada de Certidão
-
15/04/2021 17:06
Juntada de Certidão
-
27/09/2020 18:35
Expedição de Outros documentos.
-
08/09/2020 18:54
Outras Decisões
-
17/08/2020 18:09
Conclusos para decisão
-
25/05/2020 17:46
Juntada de petição intercorrente
-
17/04/2020 15:39
Expedição de Comunicação via sistema.
-
26/03/2020 22:51
Outras Decisões
-
21/01/2020 14:30
Conclusos para decisão
-
19/11/2019 09:29
Juntada de petição intercorrente
-
14/10/2019 16:38
Expedição de Comunicação via sistema.
-
14/10/2019 16:34
Ato ordinatório praticado
-
05/09/2019 11:16
Juntada de petição intercorrente
-
05/09/2019 11:07
Juntada de petição intercorrente
-
05/09/2019 10:58
Juntada de petição intercorrente
-
15/08/2019 19:26
Expedição de Comunicação via sistema.
-
12/08/2019 17:39
Outras Decisões
-
07/08/2019 15:07
Conclusos para decisão
-
07/08/2019 10:46
Juntada de petição intercorrente
-
03/07/2019 19:35
Decorrido prazo de INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA em 01/07/2019 23:59:59.
-
21/06/2019 18:08
Decorrido prazo de SANDRO LUIS MICK em 18/06/2019 23:59:59.
-
03/06/2019 14:22
Juntada de informação
-
03/06/2019 14:20
Expedição de Comunicação via sistema.
-
03/06/2019 14:20
Expedição de Comunicação via sistema.
-
03/06/2019 14:15
Audiência inquirição de testemunha designada para 09/08/2019 16:00 em 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Sinop-MT.
-
30/04/2019 12:03
Juntada de Petição intercorrente
-
29/04/2019 08:56
Juntada de petição intercorrente
-
11/04/2019 17:17
Expedição de Comunicação via sistema.
-
11/04/2019 17:17
Expedição de Comunicação via sistema.
-
05/04/2019 19:34
Outras Decisões
-
08/11/2018 16:27
Conclusos para decisão
-
07/11/2018 18:06
Juntada de petição intercorrente
-
22/10/2018 03:19
Decorrido prazo de INSTITUTO BRAS DO MEIO AMBIEN E DOS REC NAT RENOVAVEIS - IBAMA em 16/10/2018 23:59:59.
-
01/10/2018 15:40
Juntada de manifestação
-
13/09/2018 15:13
Expedição de Comunicação via sistema.
-
13/09/2018 15:13
Expedição de Comunicação via sistema.
-
06/09/2018 15:10
Outras Decisões
-
21/08/2018 19:54
Conclusos para decisão
-
11/07/2018 16:55
Juntada de petição intercorrente
-
11/07/2018 16:42
Juntada de contestação
-
23/06/2018 03:50
Decorrido prazo de SANDRO LUIS MICK em 28/05/2018 23:59:59.
-
20/06/2018 01:21
Decorrido prazo de INSTITUTO BRAS DO MEIO AMBIEN E DOS REC NAT RENOVAVEIS - IBAMA em 28/05/2018 23:59:59.
-
07/05/2018 20:24
Mandado devolvido cumprido
-
05/05/2018 16:55
Recebido o Mandado para Cumprimento pelo Oficial de Justiça
-
04/05/2018 16:43
Expedição de Comunicação via sistema.
-
04/05/2018 16:43
Expedição de Comunicação via sistema.
-
04/05/2018 16:39
Expedição de Mandado.
-
04/05/2018 14:05
Concedida a Antecipação de tutela
-
27/04/2018 18:40
Conclusos para decisão
-
27/04/2018 14:03
Remetidos os Autos da Distribuição a 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Sinop-MT
-
27/04/2018 14:03
Juntada de Informação de Prevenção.
-
27/04/2018 14:01
Recebido pelo Distribuidor
-
27/04/2018 14:01
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
27/04/2018
Ultima Atualização
29/06/2023
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Ato ordinatório • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
Decisão • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
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