TJAL - 0708880-26.2023.8.02.0058
1ª instância - 6ª Vara de Arapiraca / Civel Residual
Polo Ativo
Advogados
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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01/07/2025 15:41
Publicado ato_publicado em ato_publicado.
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27/06/2025 14:27
Juntada de Petição de Petição (outras)
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05/06/2025 21:00
Disponibilização no Diário da Justiça Eletrônico
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05/06/2025 18:04
Ato ordinatório praticado
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03/06/2025 11:25
Juntada de Petição de Execução / cumprimento de sentença
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23/05/2025 11:40
Juntada de Petição de Petição (outras)
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12/05/2025 13:51
Publicado ato_publicado em ato_publicado.
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12/05/2025 00:00
Intimação
ADV: Afrânio de Lima Soares Júnior (OAB 6266/AL), Urbano Vitalino Advogados (OAB 313/PE), Giovana Lopes Ribeiro (OAB 20269A/AL) Processo 0708880-26.2023.8.02.0058 - Procedimento Comum Cível - Autor: José Roberto da Silva - Réu: BANCO BRADESCO S.A. - Autos n° 0708880-26.2023.8.02.0058 DIREITO DO CONSUMIDOR.
CONTRATO BANCÁRIO.
CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNADA (RMC) - ART. 115, VI, DA LEI Nº 8.213/1991.
DEVER DE INFORMAÇÃO ATENDIDO - ART. 54, §4º, DO CDC.
AUSÊNCIA DE VENDA CASADA - ART. 39, I, DO CDC.
ADERENTE COM MARGEM CONSIGNÁVEL COMPROMETIDA à ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO MAS APARENTE FALTA DE UTILIDADE E INTERESSE NA CONTRATAÇÃO.
AUSÊNCIA DE SINALAGMA.
CARTÃO DE CRÉDITO NÃO UTILIZADO PARA COMPRAS OU SAQUES COMPLEMENTARES.
CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM VALOR SUBSTANCIAL POUCO ANTES DA ADESÃO A CARTÃO COM RMC UTILIZADO APENAS PARA SAQUE DE VALOR IRRELEVANTE.
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA - DEVER ANEXO AO CONTRATO.
VÍCIO DO CONSENTIMENTO - DOLO.
NULIDADE.
RESTITUIÇÃO EM DOBRO - ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC.
CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS PELO ÍNDICE DA TAXA SELIC COM TERMO INICIAL à DATA DE CADA DESCONTO INDEVIDO.
COMPENSAÇÃO COM OS VALORES TRANSFERIDOS PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AO(à) MUTUÁRIO(A).
CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS PELO ÍNDICE DA TAXA SELIC COM TERMO INICIAL à DATA DE DISPONIBILIZAÇÃO DO CRÉDITO AO MUTUÁRIO.
DANO MORAL NÃO COMPROVADO.
PROCEDÊNCIA PARCIAL.
SENTENÇA José Roberto da Silva propôs ação em face de BANCO BRADESCO S.A.
Narra o autor que procurou o réu para celebrar contrato de empréstimo consignado, mas, por vício do consentimento, acabou aderido à cartão de crédito com reserva de margem consignada, pago mensalmente mediante desconto de R$ 60,60 em seu benefício previdenciário.
Com a inicial, vieram os documentos de páginas 24/33 Decisão interlocutória às páginas 34/37, foi indeferido o pleito de gratuidade de justiça, mas deferido o beneficio da gratuidade de justiça e inversão do ônus da prova.
Em sua contestação (p. 61/85), Banco Bradesco S.A.
Alegou Falta de interesse de agir por parte autora.
No mais, explica o funcionamento do cartão de crédito consignado e defende a legalidade da relação firmada entre as partes.
Réplica às páginas 88/99, onde a parte autora reitera os pedidos formulados na inicial e impugnando os documentos anexados pelo réu informando que se trata de documentos fraudados.
Audiência de instrução à página 123, onde aberto o prazo para apresentação de alegações finais.
Alegações finais (p. 127/128) pelo Banco Bradesco S/A.
Vieram os autos conclusos.
Em breve síntese, é o que importa relatar.
Passo a decidir.
FUNDAMENTAÇÃO Preliminares Melhor sorte não socorre ao réu quanto à alegação de falta de interesse de agir.
Explico: A despeito do implemento da plataforma consumidor.gov.br e do estímulo à conciliação prévia tanto por parte do Código de Processo Civil quanto por projetos encampados pelo Conselho Nacional de Justiça, o art. 5º, XXXV, da CF/1988 afasta a exigência prévia de postulação na via administrativa como condicionante do direito de ação.
Vale dizer que o interesse processual regulado no art. 17 do CPC não pressupõe a provocação da parte requerida em via pré-processual, notadamente em casos deste viés em que as instituições financeiras insistem na regularidade do negócio jurídico e sequer formulam proposta de acordo em atenção do art. 334 do CPC.
Neste toar, entendo que a parte autora não carece de interesse processual, motivo que me leva diretamente à análise do mérito.
Do mérito No mérito sobressai a premissa incontestável de que os contratos de cartão de crédito com reserva de margem consignada (RMC) são celebrados no âmbito das relações de consumo, de forma que as controvérsias subsistentes na lide resolvem-se sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, com apoio secundário do Código Civil.
Delimitados os instrumentos normativos que regem o caso, registro que, no plano do direito material, as partes controvertem a respeito: 1) da violação do dever de informação; 2) da ocorrência de venda casada; 4) da nulidade do contrato; 5) do resultado lesivo; e 6) do dever de reparar e indenizar.
A respeito dessa delimitação de divergências, rememoro que, tanto na petição inicial (p. 03) quanto na réplica, o autor, por meio de sua representante legal, reconhece que celebrou contrato de empréstimo consignado com a ré, mas não tinha vontade de aderir à reserva de cartão de crédito consignável (RMC).
Neste diapasão, o plano de análise fático-normativa deve iniciar com o enfrentamento das teses de transgressão às normas puramente consumeristas para, então, adentrar-se na esfera do vício do consentimento regulado pelo Código Civil, o qual encontra aplicação subsidiária em virtude da omissão da legislação especial.
Da Violação do Dever de Informação A violação do dever de informação se caracteriza pela adoção de comportamento contratual contrário ao regramento previsto nos artigos 6º, inciso III, e 30 do Código de Defesa do Consumidor, os quais assim prescrevem: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. [...] Art. 30.
Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
Além de ser adequada e clara, a informação ou publicidade veiculada pelo fornecedor, por qualquer forma ou meio de comunicação, obriga-o a contratar nos exatos termos do que foi anunciado.
Deve o fornecedor, assim, observar a veracidade do que está divulgando posto que as informações constantes da oferta passam a integrar o conteúdo do futuro contrato, caso tal oferta seja aceita pelo consumidor.
Para que a informação ou a publicidade integre o conteúdo contratual e obrigue ao fornecedor proponente, contudo, é necessário que seja suficientemente precisa, a fim de que seja possível, pela boa-fé objetiva, identificar as obrigações e as legítimas expectativas por ela geradas.
Por este motivo Antônio Herman Benjamin afirma que não se trata de precisão absoluta, aquela que não deixa dúvidas.
O Código contenta-se com uma precisão suficiente, vale dizer, com um mínimo de concisão".
No caso dos contratos de adesão, o Código de Defesa do Consumidor vai além, exigindo, em seu artigo 54 (parágrafos 3º e 4º) que as cláusulas sejam redigidas em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, em fonte de tamanho não inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor, ressaltando que as cláusulas que implicarem limitação de direitos deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
Embora a parte ré tenha se omitido quanto ao seu dever processual decorrente da inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC), deixando de apresentar a minuta do contrato impugnado e limitando-se a oferecer argumentação genérica e dissociada do caso concreto, a recorrência de processos dessa natureza permite a este juízo constatar que, em regra, tais contratos não violam as diretrizes estabelecidas nos artigos 6º, III, 30 e 54 do CDC.
Verifica-se que a modalidade contratual em questão possui seu título destacado em letras maiúsculas, negritadas e em tamanho significativamente superior ao corpo 12, sendo esta informação reiterada em diversos outros trechos do instrumento negocial.
Neste diapasão, não devemos confundir violações do dever de informação, regulado nos artigos 6º, III, 30 e 54 do Código de Defesa do Consumidor, com vício do consentimento, que macula o negócio jurídico na forma do art. 171, II, do Código Civil.
Se o consumidor adere ao contrato acreditando que estava contratando outra espécie de negócio jurídico, há, em termos potenciais, vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo ou lesão, não sendo este equívoco derivado, necessariamente, da falta de informações do título.
Esta última mácula, normatizada pelo CDC, importa na falta de clareza e eficiência das próprias cláusulas do contrato, que importam na compreensão textual daquilo que é ofertado.
Afinal, tratando-se de contrato escrito, o parâmetro para identificação da clareza e exatidão da oferta é sempre o texto das cláusulas, independentemente, do grau de educação e expertise de quem adere.
Assim dizendo, se a adesão viciada derivou da indução do consumidor pelo preposto da instituição financeira, estar-se-á diante de dolo e não de omissão quanto ao dever de informação. É que, se o correspondente bancário ludibria o consumidor, induzindo-o a contratar cartão de crédito com reserva de margem consignável, tem-se vício do consentimento, mesmo que, durante a manobra ardilosa, o preposto do banco escamoteie as cláusulas que explicam o negócio aderido.
Afinal, para os fins de proteção do consumidor na forma do art. 6º, III, 30 e 54 do CDC, o que importa é a clareza das cláusulas contratuais, que devem ser lidas por quem o assina ou por pessoa de sua confiança.
Ao revés, se a adesão a produto diverso do pretendido decorre de comportamento do agente que faz a oferta ou da própria falta de compreensão do aderente ao que é ofertado tem-se vício do consentimento, censurado pelo Capítulo V do Código Civil.
A esse respeito, vale lembrar que, enquanto não houver a manifestação de vontade do consumidor, o simples modelo pré-elaborado do contrato de adesão não passa de um pedaço de papel, constituindo-se em oferta geral e potencial.
O consentimento do consumidor é que provoca o nascimento do contrato, com a concretização do vínculo contratual entre as partes.
Por isso, a manifestação de vontade não pode ser viciada, de forma que é obrigação da instituição financeira garantir que o consumidor compreendeu o objeto daquilo que está aderindo, apresentando contrato escrito com cláusulas claras e de fácil compreensão, mesmo que a contratação se dê por via telefônica ou por aplicativo de smartphone.
Para garantir essa compreensão, o contrato deve ser formulado com atenção estrita aos critérios do art. 6º, III, e 54, §3º e §4º, do CDC, sob pena de nulidade absoluta na forma do art. 51, XV, a seguir transcrito: Art. 51.
São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.
Neste diapasão, por indicar com precisão a modalidade contratual aderida, a forma de pagamento, as taxas de juros e as circunstâncias da inadimplência, o contrato objurgado não viola o dever de informação titularizado pelos consumidores.
Da Venda Casada Segundo o art. 39, inciso I, do CDC, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; [...].
Pela dicção da lei, a prática de venda casada resta caracterizada quando há o fornecimento condicionado de, ao menos, dois produtos ou serviços, de forma que, para adquirir um, o consumidor é obrigado a aderir a outro.
Ocorre que, na espécie, não há venda de dois serviços de crédito, mas apenas a modalidade de cartão de crédito com reserva de margem consignada que serve aospropósitos de saques e compras.
Em outras palavras, diversamente do que se subsume em alguns precedentes jurisprudenciais, no contrato impugnado, o consumidor não foi obrigado a adquirir cartão de crédito como meio ou condição para obter empréstimo consignado, ao menos não com base no que se provou nos autos.
O que se tem, de fato, é a oferta de apenas um produto (cartão de crédito), que é utilizado para saque e tem o pagamento de suas faturas amortizado por consignação no benefício previdenciário do aderente.
Os contratos de cartão de crédito com reserva de margem consignada diferem flagrantemente de outros rotulados pela jurisprudência como prática de venda casada, a exemplo de contratos de financiamento em que o consumidor é compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada.
Nestes casos, a contratação de um produto é vinculada a de outro.
Aqui peço vênia aos eminentes integrantes da Seção Especializada Cível realizada em 10 de setembro de 2021 para afirmar, com convicção, que a oferta de cartão de crédito com serviço de saque não viola a diretriz do art. 39, inciso I, da Lei nº 8.078/1990, mesmo com a opção de pagamento do valor sacado em parcelas.
Afinal, o uso deste meio de pagamento para saques é assegurado pelo art. 115, VI, da Lei nº 8.213/1991 e regulado pelo Banco Central do Brasil em uma série de resoluções e atos normativos diversos.
Destarte, de acordo com o sistema normativo vigente a oferta de cartão de crédito com reserva de margem consignável para fins de saque não caracteriza venda casada por sua própria natureza.
Da Adesão e do Vício do Consentimento Na petição inicial e na réplica, o autor admitiu ter aderido ao contrato objurgado, reservando-se a defender que sua adesão não se deu de forma consciente, de modo que tenho a adesão à proposta como evento incontroverso.
Por outro lado, muito embora a representante do autor tenha aderido à proposta de RMC, os elementos de informações constantes dos autos indicam que sua manifestação de vontade não se deu de forma livre e consciente.
Explico: O consumidor aderiu à proposta ofertada pela ré em 17 de junho de 2022 (p. 33).
Naquele tempo, sua margem consignável já estava comprometida em R$ 424,00 pelo empréstimo consignado celebrado com o Banco Bradesco celebrado em mesma data em 17 de junho de 2022.
Considerando que o salário mínimo àquela época era de R$ 1.212,00, sua margem consignável para empréstimos consignados era de R$ 424,20.
Então, por vedação legal, o autor não poderia contratar empréstimo consignado ao invés de cartão de crédito com RMC, pois não tinha margem para tanto.
O que causa estranheza, no entanto, é, logo depois de ter recebido R$ 15.499,38 pelo empréstimo consignado celebrado com o Banco Bradesco, o autor aderiu à proposta outra proposta com o mesmo banco para receber 'apenas' R$ 1.818,00 (p. 33) para ser pago na fatura seguinte do cartão de crédito.
Por mais que o autor tivesse necessidade do dinheiro naquela momento, as circunstâncias da contratação não fazem sentido, porquanto foi levada a efeito pouco depois de um mês da contratação de valor substancial.
Em outras palavras, há sinais de que o autor não compreendeu a proposta do Banco Bradesco pois inexiste vantagens para ele diante das circunstância do caso, qual seja o recebimento de quantia muito maior um mês e dez dias antes desta outra operação.
Destaco que, malgrado a taxa de juros de 3,69% ao mês atribuída a este contrato não seja muito superior às aplicadas à modalidade de empréstimo consignado, sua forma de execução, caracterizada pela distinção operacional dos pagamentos mínimo e integral, o torna muito mais oneroso, pois há sempre a possibilidade do consumidor não compreender que o valor disponibilizado deve ser pago integralmente no mês seguinte, principalmente em virtude do ardil utilizado pelos prepostos das instituições financeiras na ânsia de bater metas de vendas a qualquer custo.
A respeito desse tipo de conduta, temos que lembrar o pacta sunt servanda encontra eficiente mecanismo de controle no art. 113 do Código Civil que, ao dispor que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração, acaba por normatizar os chamados deveres anexos do contrato.
Por tais deveres, pautados na boa-fé objetiva, as instituições financeiras são obrigadas a ofertar sempre a melhor espécie de crédito disponível ao consumidor de acordo com seu perfil e suas condições de pagamento.
Vale dizer que, se o autor tinha margem consignável disponível para adesão à empréstimo consignado, não haveria interesse seu em aderir à RMC, da mesma forma que não lhe vantajoso aderir à proposta de RMC logo depois de ter recebido quantia substancial por meio de empréstimo consignado.
Note-se que, como o vício do consentimento ocorre na esfera íntima do sujeito, afetando seu ânimo, a percepção externa de sua intenção se dá pela análise das circunstâncias do caso e daquilo que era esperado de cada um dos contratantes.
Em suma, ao aderir ao contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignada, a pretensão de José Roberto era contratar empréstimo consignado, como acabou fazendo em mesma data da adesão objurgada.
Com isso e sob a premissa de que a parte autora foi enganada deliberadamente, tem-se que sua manifestação de vontade restou viciada por dolo ou lesão.
O dolo é a conduta maliciosa praticada por um dos negociantes ou por terceiro com o objetivo de levar o outro negociante a erro sobre as circunstâncias reais do negócio, de modo a manifestar vontade que lhe seja desfavorável, e que ele não manifestaria, não fosse o comportamento ilícito de que foi vítima; ou, simplesmente, o comportamento que induz alguém a concluir um contrato por engano".
Por sua vez, o art. 157 do Código Civil conceitua que "ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta".
Mesmo havendo dúvidas se a parte autora foi vítima de dolo ou lesão, a consequência jurídica é a mesma.
Segundo o art. 171, II, do Código Civil, "além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico", "por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores".
Vale ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor não trata dos vícios do consentimento e, por tal razão, devemos recorrer ao Código Civil para encontrar diretrizes normativas de preclusão.
Ao fazê-lo, não me olvido da 'imprescritibilidade' - leia-se ausência de preclusão temporal para exercício do direito potestativo de anulação - tratada no art. 51, incisos IV e XV, do CDC.
In verbis: Art. 51.
São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (negritei) [...] IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; [...] XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; [...] Entrementes, em que pese à petição inicial traga uma série de alegações de abusividades ínsitas ao próprio contrato, a causa de pedir, em um aspecto prático realista, encontra lastro no fato único de que o consumidor pretendia contratar modalidade contratual diversa e não na iniquidade e abusividade das cláusulas contratuais.
Muito embora o contrato impugnado não conste dos autos, a recorrência de casos deste tipo tornou seu termo de adesão e suas cláusulas um instrumento padronizado profundamente conhecido no Poder Judiciário de Alagoas de modo que eu posso afirmar que não são as condições do contrato que, em tese, podem gerar sua nulidade, mas a existência de vício da vontade no momento da adesão.
O contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignada para pensionistas e segurados do INSS encontra permissivo legal no art. 115, VI, da Lei nº 8.213/1991 e apresenta taxas de juros condizentes com as médias de mercado para o tipo de operação, variando entre 3% a 5% ao mês.
Sua condição de pagamento, pelo qual o mutuário se obriga a quitar o valor sacado na fatura seguinte é natural de operações de cartão de crédito e foi colocada no mercado financeiro com aval do Banco Central do Brasil.
Portanto, deve-se ter em mente que este tipo de operação costuma trazer vantagens ao mutuário nos casos em que é necessário antecipar um capital que estará disponível apenas no mês seguinte, como, por exemplo, no caso de uso do valor sacado com o intuito de pagar a fatura seguinte com o décimo terceiro salário, ou quando se pretende amortizar ou liquidar dívida mais onerosa, como, por exemplo, a utilização do valor sacado em RMC para quitar dívida de cheque especial ou amortizar rotativo de cartão de crédito.
Portanto, reitero que o contrato em si, com seus termos e condições, não é abusivo.
A lesão, nesses casos, decorre da conduta de correspondentes bancários que, por muitas vezes, força a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignada ao muturário que não tem interesse em usar cartão de crédito e possui margem consignável livre para contratação de empréstimo pessoal com consignação a termo certo.
Em outras palavras, se o aderente está com sua margem consignável completamente comprometida e precisa de capital imediato para qualquer tipo de uso, o saque em cartão com RMC é a opção mais vantajosa.
Afinal, contratações como crédito direto ao consumidor (CDC), cheque especial ou qualquer outra modalidade sem garantia ou possibilidade de desconto em margem consignável possuem taxas de juros remuneratórios muito mais altas.
Caracterizado o vício do consentimento anula-se o contrato o contrato na forma do art. 171, II, do Código Civil, retornando as partes ao status quo.
Com isso, muito embora a requerida deva restituir as parcelas debitadas do benefício previdenciário do autor, este deve devolver o que recebeu pelo saque que realizou conscientemente.
O mecanismo legal de devolução dos valores devidos por cada um, no entanto, não encontra a mesma subsunção legal, nem a mesma proporção.
Em virtude dos descontos efetuados no benefício previdenciário do autor terem decorrido de ato doloso, recorre-se à norma do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".
Por outro lado, o valor pago ao consumidor deve ser restituído à instituição financeira na forma regulada pelo art. 884 do Código Civil, pelo qual "aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários".
Tais distinções se justificam tanto pelo comportamento de cada uma das partes, quanto pelo conceito dado pelo art. 2º do CDC, que qualifica o autor da ação como consumidor e titular do direito regulado no art. 42, parágrafo único, do CDC, e pelo art. 966 e seguintes do CC/2002, que atribui a natureza de sociedade empresária ao réu, para a qual não são estabelecidos direitos protetivos pela lei consumerista.
Neste diapasão, enquanto o valor comprovadamente sacado pelo mutuário deve ser devolvido em montante simples, o descontado com lastro em contrato inválido deve ser restituído em dobro em virtude de a instituição financeira não ter incorrido em erro justificável.
Ponto comum entre ambos é que, com a anulação do contrato, as taxas de juros moratórios nele previstas perdem aplicabilidade para dar lugar à taxa legal prescrita no art. 406 do Código Civil, in verbis: Art. 406.
Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal. § 1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código.
Com isso, as parcelas que foram descontadas do benefício previdenciário do autor sob a rubrica do contrato nº 20229003169000324000, comprovados no documento de página 33, que em 2023 já havia descontado 05 parcelas de R$ 60,60, devem ser restituídos em dobro pela dicção do art. 42, parágrafo único, do CDC, atualizados pelos índices da Taxa Selic mensurada entre o primeiro e a data do último desconto.
Em contrapartida, mesma sorte não assiste ao autor do que diz respeito à sua pretensão indenizatória sob o argumento de ter sofrido danos morais em virtude da conduta ilícita da parte requerida.
A despeito do art. 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor garantir a efetiva reparação pelos danos morais sofridos pelo consumidor lesado, sua dicção não conduz à ideia de que qualquer violação de direito culmina em violação de direitos da personalidade.
Em outras palavras, as lesões ao consumidor não perfazem, por si só, dano moral in re ipsa.
O dano moral indenizável, em qualquer esfera do direito, demanda o preenchimento de três elementos essenciais: ato ilícito ou abuso de direito, nexo de causalidade e resultado lesivo a direitos da personalidade.
No caso concreto, a ação dolosa da instituição demandada causou dano patrimonial ao autor da ação, que, sem embargo de ter se perpetuado ao longo de aproximadamente dois anos, não parece ter perpassado o conjunto de bens materiais titularizados pelo consumidor.
A saber, não se vislumbra no caso lesão à honra (subjetiva ou objetiva), imagem, intimidade, liberdade, segurança, paz, ou qualquer outro direito protegido pelo art. 5º da Constituição Federal ou pelas ramificações principiológicas dele derivadas.
Em situações similares, o dano moral pode sim derivar de uma lesão patrimonial, desde que esta seja capaz de transbordar a esfera de bens tangíveis alcançando aqueles intangíveis de conceito humanístico.
Como exemplo, cito casos em que descontos indevidos privam o consumidor de honrar com seus compromissos essenciais, tais como aquisição de alimentos, pagamento de faturas de consumo de água, energia elétrica, telefonia ou internet e, até mesmo, insumos e serviços de saúde.
No caso, foram descontados valores em torno de R$ 60,60 de um rendimento mensal de R$ 1.320,00 (mil trezentos e vinte reais).
Sem me olvidar que, diante do quadro de endividamento do autor esse valor pode ter comprometido seu sustento de alguma forma, essa circunstância não foi alegada na inicial ou em qualquer outra fase do processo, impedindo-me de presumi-la.
Por oportuno, esclareço que a reparação regulada pelo art. 42, parágrafo único, do CDC já alcança as lesões presumidas a direitos da personalidade.
Afinal, ao dobrar a restituição dos valores descontados indevidamente, a norma ganha perfil indenizatório porquanto o montante equivalente ao que foi subtraído do benefício do consumidor serve à recomposição material, ao passo que o excesso (leia-se a dobra) funciona como indenização que transborda a esfera puramente patrimonial, proporcionando verdadeira reparação pelos transtornos causados.
DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos para: 1) anular o contrato nº 20229003169000324000; 2) condenar Banco Bradesco a restituir em dobro os valores descontados conforme demonstrativos de páginas 33 (constando até o momento da propositura da ação 5 parcelas de R$60,60), bem como aqueles que foram debitados no curso da ação, todos atualizados pelos índices da Taxa Selic, com termo inicial da data de cada desconto. 3) indeferir a indenização por danos morais; 4) condenar a ré ao pagamento das custas, despesas judiciais e honorários advocatícios que, à luz do regramento do art. 85, §2º, do CPC, arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da condenação.
Os valores devidos por força da presente sentença deverão ser apurados em fase própria de cumprimento, sem necessidade de liquidação, pois são apuráveis por meros cálculos aritméticos (art. 509, §2º, do CPC).
Publicação e intimação automáticas.
Registre-se.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se com remessa prévia à CJU.
Arapiraca, 09 de maio de 2025.
Helestron Silva da Costa Juiz de Direito -
09/05/2025 13:04
Disponibilização no Diário da Justiça Eletrônico
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09/05/2025 12:09
Julgado procedente em parte do pedido
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20/01/2025 12:02
Conclusos para julgamento
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04/01/2025 13:11
Mandado devolvido entregue ao destinatário
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10/12/2024 14:29
Juntada de Petição de Petição (outras)
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09/12/2024 13:10
Publicado ato_publicado em ato_publicado.
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07/12/2024 11:09
Expedição de Outros documentos.
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06/12/2024 13:03
Disponibilização no Diário da Justiça Eletrônico
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06/12/2024 09:33
Audiência tipo_de_audiencia situacao_da_audiencia conduzida por dirigida_por em/para 06/12/2024 09:33:34, 6ª Vara da Comarca de Arapiraca – Cível Residual.
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05/12/2024 10:36
Conclusos para despacho
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30/11/2024 18:25
Juntada de Outros documentos
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28/11/2024 15:56
Publicado ato_publicado em ato_publicado.
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27/11/2024 13:03
Disponibilização no Diário da Justiça Eletrônico
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27/11/2024 09:16
Decisão Proferida
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26/10/2024 19:15
Conclusos para despacho
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22/10/2024 19:50
Juntada de Aviso de recebimento (AR)
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15/10/2024 07:10
Juntada de Petição de Petição (outras)
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03/10/2024 14:06
Publicado ato_publicado em ato_publicado.
-
02/10/2024 13:03
Disponibilização no Diário da Justiça Eletrônico
-
02/10/2024 11:48
Mandado Recebido na Central de Mandados
-
02/10/2024 11:48
Expedição de Mandado.
-
02/10/2024 11:47
Expedição de Carta.
-
02/10/2024 11:39
Ato ordinatório praticado
-
08/07/2024 10:41
Audiência instrução e julgamento Realizada conduzida por Conciliador(a) em/para 05/12/2024 10:00:00, 6ª Vara da Comarca de Arapiraca – Cível Residual.
-
12/12/2023 12:29
Despacho de Mero Expediente
-
21/09/2023 21:08
Conclusos para despacho
-
06/09/2023 14:16
Juntada de Petição de Petição (outras)
-
04/09/2023 17:56
Juntada de Outros documentos
-
01/09/2023 17:38
Publicado ato_publicado em ato_publicado.
-
31/08/2023 08:56
Disponibilização no Diário da Justiça Eletrônico
-
31/08/2023 08:54
Ato ordinatório praticado
-
24/08/2023 16:28
Juntada de Outros documentos
-
02/08/2023 12:48
Publicado ato_publicado em ato_publicado.
-
01/08/2023 13:12
Disponibilização no Diário da Justiça Eletrônico
-
01/08/2023 13:11
Ato ordinatório praticado
-
25/07/2023 10:55
Juntada de Outros documentos
-
24/07/2023 09:13
Juntada de Aviso de recebimento (AR)
-
12/07/2023 09:26
Juntada de Petição de Petição (outras)
-
05/07/2023 08:20
Expedição de Carta.
-
04/07/2023 11:55
Publicado ato_publicado em ato_publicado.
-
03/07/2023 13:06
Disponibilização no Diário da Justiça Eletrônico
-
03/07/2023 12:32
Concedida a Medida Liminar
-
01/07/2023 23:15
Conclusos para despacho
-
01/07/2023 23:15
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
01/07/2023
Ultima Atualização
01/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
ATO ORDINATÓRIO • Arquivo
SENTENÇA • Arquivo
ATA DE AUDIÊNCIA • Arquivo
ATA DE AUDIÊNCIA • Arquivo
INTERLOCUTÓRIA • Arquivo
ATO ORDINATÓRIO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
ATO ORDINATÓRIO • Arquivo
ATO ORDINATÓRIO • Arquivo
INTERLOCUTÓRIA • Arquivo
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