TJBA - 8000644-09.2023.8.05.0251
1ª instância - V dos Feitos de Rel de Cons Civ e Comerciais
Polo Ativo
Partes
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Polo Passivo
Partes
Nenhuma parte encontrada.
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
21/09/2025 18:08
Publicado Intimação em 19/09/2025.
-
21/09/2025 18:08
Disponibilizado no DJEN em 18/09/2025
-
18/09/2025 07:56
Juntada de Petição de Ciente
-
18/09/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE SOBRADINHO Processo: OUTROS PROCEDIMENTOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA n. 8000644-09.2023.8.05.0251 Órgão Julgador: V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE SOBRADINHO REQUERENTE: CARTORIO DE REGISTRO DE IMOVEIS, HIPOTECAS E TITULOS E DOCUMENTOS DA COMARCA DE SOBRADINHO-BA Advogado(s): Advogado(s): SENTENÇA Trata-se de Pedido de Providências instaurado pela Oficiala Interventora do Cartório de Registro de Imóveis, Hipotecas e Títulos e Documentos da Comarca de Sobradinho, Bahia, Sra.
Kamilla Silva Miranda, protocolado sob o ID 405435485 e devidamente elucidado na petição de ID 408000364, por meio do qual busca a manifestação deste Juízo Corregedor Permanente acerca da higidez de atos registrais pretéritos, especificamente duas averbações de retificação de área promovidas na matrícula de nº 993, atualmente restaurada e redesignada sob o nº 4.358.
A Oficiala Registradora narra, em sua minuciosa exposição, que o presente procedimento foi deflagrado com fundamento no poder-dever de fiscalização da legalidade dos atos registrais, conforme preceitua o artigo 214 da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos).
A controvérsia cinge-se a uma expressiva alteração dimensional do imóvel rural denominado "Fazenda Boa Esperança".
Originalmente, o imóvel possuía uma área de 48,7662 hectares, conforme título de doação expedido pelo Estado da Bahia, registrado em 18 de fevereiro de 2004 (R-01/993).
Contudo, a Oficiala aponta que, em 14 de setembro de 2009, foi levada a efeito a averbação de uma primeira retificação de área (AV-03/993), que alterou a área do imóvel de 48,7662 hectares para 750,3227 hectares, um aumento superior a 1.400%.
Posteriormente, em 22 de março de 2017, uma nova averbação de retificação (AV-04/993) ajustou a área para 750,4712 hectares.
O cerne da questão reside no fato de que, após diligente busca nos arquivos físicos e eletrônicos da serventia, não foi localizada a documentação de suporte legalmente exigida para tais retificações, notadamente o requerimento dos interessados, a planta, o memorial descritivo assinado por profissional habilitado, a correspondente Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) e, de crucial importância, a anuência dos confrontantes, conforme exigido pelo artigo 213 da Lei de Registros Públicos.
A Registradora informa, ainda, que a própria matrícula nº 993 foi objeto de um procedimento administrativo de restauração (AV-01/4358), em razão de inconsistências encontradas na ficha física do livro de registro, o que culminou na abertura da nova matrícula nº 4.358, para a qual foram transportados os atos da matrícula anterior.
Durante este processo, e após provocação ao proprietário tabular, Sr.
José Bonifácio de Sá Santana, não foram apresentados os documentos faltantes relativos às retificações de área.
Diante do cenário de aparente irregularidade, do acréscimo exponencial de área sem a devida comprovação documental e da impossibilidade de aferir se a retificação se deu intra muros, ou seja, dentro dos limites originais do imóvel, a Oficiala suscita a este Juízo a necessidade de avaliar a manutenção ou a anulação dos referidos atos de averbação, ponderando, inclusive, sobre a possibilidade de se orientar o proprietário a buscar a via da usucapião administrativa para regularizar a área excedente.
Instado a se manifestar por este Juízo (Despacho de ID 405497777), o proprietário do imóvel, Sr.
José Bonifácio de Sá Santana, devidamente representado por seus advogados, apresentou a petição de ID 410427551.
Em sua defesa, sustenta, em síntese, sua condição de leigo em matéria registral e sua boa-fé, argumentando que confiou na regularidade dos atos praticados pela Oficiala à época, seguindo as orientações da serventia.
Alega que a ausência dos documentos nos arquivos do cartório é uma falha que não pode ser a ele imputada.
Para suprir a omissão, junta aos autos uma Ata Notarial (ID 409920730 e seguintes) lavrada em 12 de setembro de 2023, com o fito de demonstrar a situação fática do imóvel, os seus limites e a anuência de parte dos confrontantes, além de um novo memorial descritivo.
Argumenta, ademais, que a retificação se operou intra muros, sem oposição de terceiros ou sobreposição com outras áreas, e invoca a aplicação do §5º do artigo 214 da Lei de Registros Públicos, defendendo ter preenchido os requisitos para a usucapião do imóvel, o que impediria a decretação de nulidade do registro.
O Ministério Público, em parecer fundamentado (ID 411408453), manifestou-se de forma contundente pela nulidade dos atos de retificação.
O Parquet ressalta a flagrante ilegalidade do acréscimo de área, que qualifica como "exorbitante" e desprovido de qualquer lastro documental.
Salienta que a mera ausência de oposição dos confrontantes à época, ou a anuência colhida posteriormente, não tem o condão de convalidar um ato nulo de origem, especialmente porque não afasta a possibilidade de a retificação ter avançado sobre área pública, hipótese que considera provável, dado que a matrícula se originou de uma doação de terras pelo próprio Estado.
O Promotor de Justiça afasta a alegação de boa-fé do interessado, considerando-a "no mínimo questionável" diante da magnitude da alteração de área.
Ao final, opina pela declaração de nulidade das averbações de retificação de área (AV-03 e AV-04) e dos atos subsequentes, com a consequente comunicação à Corregedoria de Justiça sobre a conduta da tabeliã anterior e à Procuradoria Geral do Estado para apuração de eventual afetação de terras públicas.
Por cautela, este Juízo determinou a notificação do Estado da Bahia para que se manifestasse sobre eventual interesse no feito (ID 415499084).
Após sucessivas petições informando a pendência de resposta de seus órgãos técnicos (IDs 423709717, 440473582, 458952254) e reiteradas intimações por este Juízo (IDs 432517375, 456189778, 475582996), o prazo para manifestação conclusiva do ente público transcorreu in albis, conforme certificado pela serventia no ID 491551093.
Com nova vista dos autos (ID 491668776), o Ministério Público ratificou seu parecer anterior (ID 494774647).
Vieram-me, pois, os autos conclusos para decisão. É o relatório.
Decido.
O presente procedimento de jurisdição voluntária, de natureza administrativa, visa a obter provimento jurisdicional sobre a validade de atos registrais que resultaram em um expressivo aumento da área de um imóvel rural, em aparente desacordo com as formalidades prescritas pela Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73).
A questão central a ser dirimida é se as averbações de retificação de área (AV-03 e AV-04 da matrícula nº 993, transportadas para a matrícula nº 4.358) são válidas, nulas ou anuláveis, e quais as consequências jurídicas decorrentes.
A retificação de registro imobiliário é o procedimento pelo qual se busca corrigir ou adequar um dado constante da matrícula à realidade fática ou jurídica do imóvel.
A Lei nº 6.015/73, especialmente após as alterações promovidas pela Lei nº 10.931/2004, facilitou a realização de retificações pela via extrajudicial, diretamente perante o Oficial de Registro de Imóveis, desde que preenchidos os requisitos legais.
Com efeito, sobre a retificação de área e identificação do imóvel, estabelece a Lei nº 6.015/1973: Art. 212.
Se o registro ou a averbação for omissa, imprecisa ou não exprimir a verdade, a retificação será feita pelo Oficial do Registro de Imóveis competente, a requerimento do interessado, por meio do procedimento administrativo previsto no art. 213, facultado ao interessado requerer a retificação por meio de procedimento judicial. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004) Art. 213.
O oficial retificará o registro ou a averbação: (...) II - a requerimento do interessado, no caso de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área, instruído com planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no competente Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura - CREA, bem assim pelos confrontantes. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004) § 1o Uma vez atendidos os requisitos de que trata o caput do art. 225, o oficial averbará a retificação. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004) § 2o Se a planta não contiver a assinatura de algum confrontante, este será notificado pelo Oficial de Registro de Imóveis competente, a requerimento do interessado, para se manifestar em quinze dias, promovendo-se a notificação pessoalmente ou pelo correio, com aviso de recebimento, ou, ainda, por solicitação do Oficial de Registro de Imóveis, pelo Oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004) (...) § 4o Presumir-se-á a anuência do confrontante que deixar de apresentar impugnação no prazo da notificação. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004) (...) § 10.
Entendem-se como confrontantes os proprietários e titulares de outros direitos reais e aquisitivos sobre os imóveis contíguos, observado o seguinte: (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022) I - o condomínio geral, de que trata o Capítulo VI do Título III do Livro III da Parte Especial da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), será representado por qualquer um dos condôminos; (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022) II - o condomínio edilício, de que tratam os arts. 1.331 a 1.358 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), será representado pelo síndico, e o condomínio por frações autônomas, de que trata o art. 32 da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, pela comissão de representantes; e (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022) III - não se incluem como confrontantes: (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022) a) os detentores de direitos reais de garantia hipotecária ou pignoratícia; ou (Incluída pela Lei nº 14.382, de 2022) b) os titulares de crédito vincendo, cuja propriedade imobiliária esteja vinculada, temporariamente, à operação de crédito financeiro. (Incluída pela Lei nº 14.382, de 2022) (...) § 16. Na retificação de que trata o inciso II do caput, serão considerados confrontantes somente os confinantes de divisas que forem alcançadas pela inserção ou alteração de medidas perimetrais. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011) O Código de Normas e Procedimentos dos Serviços Notarias e Registrais do Estado da Bahia (CNP-BA) - Provimento Conjunto CGJ/CGI nº 03/2020, vigente à época, ao tratar sobre o assunto, prevê: Art. 892.
Se a transcrição, a matrícula, o registro ou a averbação forem omissos, imprecisos ou não exprimirem a verdade, a retificação será feita pelo Oficial do Registro de Imóveis competente, a requerimento do interessado, por meio do procedimento administrativo previsto nos artigos 212 e 213, da Lei Federal nº 6.015/73, com a redação da Lei Federal nº 10.931/ 2004. (...) Art. 894.
A retificação ocorrerá independentemente de requerimento, quando o próprio Oficial identificar o erro, ou, ainda, quando o interessado detectar o erro e apontar ao Oficial, requerendo-lhe a necessária correção. § 1º.
As retificações a requerimento escrito do interessado dependem de reconhecimento de firma. (...) Art. 895.
A retificação do Registro de Imóveis, no caso de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área, poderá ser feita a requerimento do interessado, instruído com planta e memorial descritivo assinados pelo requerente, pelos confrontantes e por profissional legalmente habilitado, com prova de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) e/ou Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) no competente Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura CREA, com firma reconhecida de todos os signatários. § 1º.
As assinaturas serão identificadas com a qualificação e a indicação da qualidade de quem as lançou (confinante tabular, possuidor de imóvel contíguo ou requerente da retificação). § 2º. É considerado profissional habilitado para elaborar a planta e o memorial descritivo todo aquele que apresentar prova de anotação da responsabilidade técnica no competente Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura - CREA. § 3º. É dispensada a anuência dos confrontantes quando, em documento oficial, a retificação de matrícula de imóvel rural for formulada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA ou pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA relativos à área pública da União, cujo procedimento é regulado pelo Provimento nº 33, de 3 de julho de 2013, do Conselho Nacional de Justiça; devendo o requerimento ser acompanhado da expressa declaração do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA ou do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, de que o memorial descritivo apresentado refere-se tão somente ao perímetro originário do imóvel público retificando, consoante dispõe a Orientação Art. 896.
O requerimento de retificação será lançado no Livro nº 1 - Protocolo, observada rigorosamente a ordem cronológica de apresentação dos títulos.
Parágrafo único.
Protocolado o requerimento de retificação de registro de que trata o artigo 213, inciso II, da Lei Federal nº 6.015/73, deverá sua existência constar em todas as certidões da matrícula, até que efetuada a averbação ou negada a pretensão pelo Oficial de Registro.
Art. 897.
Uma vez atendidos os requisitos do art. 225, da Lei Federal nº 6.015/73, quanto à correta e precisa caracterização do imóvel constante da planta e do memorial descritivo, sem oposição de terceiros, o Oficial averbará a retificação, no prazo máximo de 30 dias, contados da data do protocolo do requerimento.
Parágrafo único.
A prática do ato será lançada, resumidamente, na coluna do Livro nº 1 - Protocolo, destinada a anotação dos atos formalizados, e deverá ser certificada no procedimento administrativo da retificação.
Art. 898.
A retificação será negada pelo Oficial de Registro de Imóveis sempre que não for possível: I - verificar que o registro corresponde ao imóvel descrito na planta e no memorial descritivo; II - identificar todos os confinantes tabulares ou não do registro a ser retificado; ou III - implicar transposição de imóvel ou parcela de imóvel de domínio público, ainda que, neste último caso, não seja impugnada.
Parágrafo único.
Será admitida ata notarial para atestar a situação em que núcleos urbanos informais sejam confinantes da área retificanda, em que se entreviste aleatoriamente os ocupantes encontrados ou a impossibilidade de acesso.
Neste caso, a não assinatura por força dessa natureza de ocupação demandará a publicação tal qual explica o artigo 899.
Art. 899.
Se a planta não contiver a assinatura de algum confrontante, este será notificado diretamente pelo Oficial de Registro de Imóveis, a requerimento do interessado, para se manifestar em 15 (quinze) dias, promovendo-se a notificação pessoalmente ou pelo correio, com aviso de recebimento ou por solicitação do Oficial de Registro de Imóveis, pelo Oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou, ainda, por edital, na hipótese do confrontante não ser encontrado, ou estando em lugar incerto e desconhecido. (...) § 9º.
Serão anexados ao procedimento de retificação os comprovantes de notificação pelo Correio ou pelo Oficial de Registro de Títulos e Documentos e cópias das publicações dos editais.
Caso promovida pelo Oficial de Registro de Imóveis, deverá ser por este anexada ao procedimento a prova da entrega da notificação ao destinatário, com a nota de ciência por este emitida. § 10.
Será presumida a anuência do confrontante que deixar de apresentar impugnação no prazo da notificação. § 11.
A anuência dos confrontantes deve ser dada diretamente na planta, com a reserva de espaço adequado para tanto, contendo a exata qualificação do subscritor e a indicação de seu imóvel, com a localização e o número da matrícula ou da transcrição, quando houver registro. § 12.
Na hipótese do Oficial de Registro estiver em dúvida se o ocupante anuente é realmente confrontante, poderá fazer constatação no local. § 13.
Todas as anuências devem ter suas firmas reconhecidas. (...) Art. 901.
A documentação necessária à propositura do procedimento de retificação deve ser apresentada no original, acompanhada de outra via ou cópia autenticada.
Parágrafo único.
As plantas e memoriais descritivos devem ser apresentados por meio de cópia autenticada, em número suficiente para a notificação de todos os envolvidos. (...) Art. 909-J.
O deferimento do procedimento de retificação de área dependerá do cumprimento dos requisitos legais e do convencimento do Oficial de Registro, na forma da Lei de Registros Públicos e da legislação processual. Parágrafo único.
Em caso de indeferimento, deverá ser expedida nota devolutiva em que o Oficial de Registro indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento e, sempre que possível, informará os meios de o requerente sanear a matrícula e/ou cumprir as exigências legais. (...) Art. 909-L.
Poderá o Oficial de Registro requisitar a apresentação de documentos complementares, especialmente como meios de prova, mediante nota devolutiva fundamentada.
Do arcabouço normativo, observa-se que o artigo 213 da referida lei estabelece as hipóteses em que a retificação pode ser realizada.
Para o caso, a hipótese que se amoldaria à pretensão de alteração de medidas perimetrais e, consequentemente, de área, é a prevista no inciso II.
A norma é clara ao exigir, para a retificação que implique alteração de medida perimetral, um conjunto probatório robusto: requerimento do interessado, planta, memorial descritivo, ART e, fundamentalmente, a anuência expressa dos confrontantes.
Tais exigências não são meras formalidades, mas sim garantias da segurança jurídica, pilar do sistema registral, que visam a proteger o direito de propriedade tanto do titular do imóvel retificando quanto de seus vizinhos e de terceiros.
No caso concreto, é fato incontroverso, admitido pela própria Oficiala Registradora e não negado pelo proprietário, que a documentação que deveria ter instruído as retificações de 2009 e 2017 não foi localizada nos arquivos da serventia.
A ausência de requerimento formal, de plantas, de memoriais e, sobretudo, das anuências dos confrontantes à época dos atos, constitui uma falha procedimental de extrema gravidade.
A magnitude da alteração é, por si só, um forte indício de irregularidade.
Uma propriedade que, segundo seu título originário - uma doação do Estado da Bahia - media 48,7662 hectares, passou, por meio de simples averbações, a ter uma área de 750,4712 hectares.
Trata-se de um aumento de 701,705 hectares, o que representa um acréscimo de mais de 1.438% sobre a área original.
Uma discrepância dessa natureza não pode ser considerada um mero ajuste ou correção de erro material.
Ela sugere, com veemência, a aquisição de novas áreas, e não a simples adequação do registro à realidade fática do imóvel original.
A retificação de área, ainda que pela via administrativa, destina-se a corrigir erros tabulares e a descrever o imóvel com maior precisão, mas sempre dentro de seus limites originais, ou seja, intra muros.
Ela não se presta a ser um sucedâneo do processo de usucapião ou de outros modos de aquisição de propriedade.
O procedimento não pode ser utilizado para convalidar apossamento ou para anexar, de forma transversa, glebas vizinhas ao imóvel matriculado.
A argumentação do interessado, de que agiu de boa-fé e confiou na atuação da Oficiala da época, não tem o condão de sanar a nulidade do ato.
A boa-fé do particular, embora relevante em outras searas do direito, não convalida um ato registral praticado com vício insanável e em ofensa a preceitos de ordem pública.
A legalidade estrita é um princípio basilar do direito registral, e os atos praticados pelo Oficial de Registro gozam de presunção de legalidade, a qual, no entanto, é relativa (juris tantum) e cede diante da prova de sua invalidade, como ocorre no presente caso.
A responsabilidade pela guarda documental e pela observância dos procedimentos era, de fato, da serventia, mas a nulidade do ato é uma consequência objetiva da inobservância da lei, independentemente da apuração de culpa ou dolo dos envolvidos.
O interessado busca, agora, suprir as falhas pretéritas com a juntada de uma Ata Notarial e declarações de confrontantes.
Embora louvável a iniciativa de colaborar com o esclarecimento dos fatos, tais documentos, produzidos em 2023, não retroagem para validar os atos nulos praticados em 2009 e 2017.
A anuência dos confrontantes é um requisito que deveria ter sido preenchido à época, para a formação do próprio ato de averbação.
Sua obtenção posterior não sana o vício de origem.
Ademais, como bem ponderou o Ministério Público, a anuência dos vizinhos não é suficiente para afastar a possibilidade de que a retificação tenha avançado sobre terras públicas devolutas, o que é uma preocupação legítima, considerando que a própria origem do imóvel é uma área desmembrada do patrimônio estatal.
Nesse ponto, a inércia do Estado da Bahia, apesar de devidamente intimado em múltiplas ocasiões, é um fator que deve ser sopesado.
A ausência de manifestação do ente público, após mais de um ano de tramitação do feito, autoriza a presunção de seu desinteresse na causa, nos termos do artigo 217 do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente.
No entanto, tal silêncio não equivale a uma renúncia sobre eventuais direitos que o Estado possua sobre a área, nem impede que este, em ação própria, venha a reivindicar o que entender de direito.
O que a inércia processual acarreta é a preclusão de sua manifestação nestes autos, permitindo o prosseguimento e julgamento do feito sem a sua participação.
Resta analisar o argumento do interessado de que teria preenchido os requisitos para a usucapião, o que, nos termos do art. 214, § 5º, da Lei nº 6.015/73, impediria a decretação da nulidade.
Dispõe o referido dispositivo: § 5º Se a nulidade do registro atingir apenas parte do imóvel, objeto de registro ou de averbação, e não for possível a retificação, o oficial cancelará a parte atingida, salvo se o terceiro de boa-fé já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel. (Redação alterada pela Lei nº 14.382, de 2022) A aplicação deste dispositivo, contudo, não é automática e demanda uma análise criteriosa.
Primeiro, a norma se refere a "terceiro de boa-fé".
O interessado, Sr.
José Bonifácio, é o próprio titular do registro que se busca anular, tendo sido ele quem, em tese, promoveu a retificação irregular.
Embora o conceito de "terceiro" possa ser interpretado de forma ampla, a sua posição não é a do clássico terceiro adquirente que confia no registro.
Segundo, e mais importante, o procedimento de pedido de providências, de natureza administrativa e com cognição sumária, não é a via adequada para se declarar a aquisição de propriedade por usucapião.
A usucapião, mesmo como matéria de defesa (sumula 237 do STF), exige dilação probatória ampla para a verificação de seus requisitos (posse mansa, pacífica, ininterrupta, com animus domini, e o decurso do tempo legal), o que é incompatível com a natureza deste feito.
Reconhecer a usucapião neste procedimento seria, na prática, permitir a regularização de uma área de mais de 700 hectares sem o devido processo legal, seja ele judicial ou extrajudicial, no qual todos os interessados (incluindo as Fazendas Públicas) teriam a oportunidade de se manifestar após citação/notificação específica para tal fim.
A própria Oficiala, em sua petição inicial, pondera sobre a possibilidade de o interessado buscar a usucapião administrativa, o que se mostra a via correta para a aquisição originária da propriedade sobre a área que excede os 48,7662 hectares originais.
Portanto, os atos de averbação de retificação de área (AV-03 e AV-04) são nulos de pleno direito, por violação direta a normas cogentes (art. 213, II, da Lei nº 6.015/73) e aos princípios da legalidade e da segurança jurídica que regem os registros públicos.
A nulidade, neste caso, é absoluta e atinge o ato em sua origem, não sendo passível de convalidação pelo decurso do tempo ou por atos posteriores.
A consequência da declaração de nulidade é o cancelamento das averbações irregulares e o restabelecimento do status quo ante, ou seja, a matrícula do imóvel deve voltar a refletir a área original de 48,7662 hectares, conforme descrita no R-01/993.
Todos os atos registrais posteriores que tomaram por base a área retificada, como os contratos de arrendamento (AV-07/4358) e as servidões (AV-08/4358 e AV-09/4358), embora não tenham sua validade negocial aqui discutida, deverão ter seus registros ajustados ou cancelados no que tange à sua vinculação com a área excedente, o que deverá ser analisado pela Oficiala Registradora em procedimento próprio, garantido o contraditório aos terceiros interessados.
Por fim, apesar de acolher as ponderações do Ministério Público no que tange à necessidade de comunicação dos fatos à Corregedoria de Justiça do Tribunal de Justiça da Bahia, para que apure a responsabilidade funcional da Oficiala que praticou os atos à época, saliento que, a referida senhora já respondeu a processos anteriores, sendo destituída em definitivo do cargo.
Defiro o seu requerimento de comunicação à Procuradoria Geral do Estado, para que, apesar de sua inércia nestes autos, tenha ciência formal da decisão e possa tomar as providências que julgar cabíveis para a defesa do patrimônio público.
Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, com fundamento nos artigos 213 e 214 da Lei nº 6.015/73, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências formulado pela Oficiala do Cartório de Registro de Imóveis desta Comarca para: a) DECLARAR A NULIDADE das averbações de retificação de área AV-03 e AV-04, lançadas na matrícula nº 993, e transportadas para a atual matrícula nº 4.358 do Cartório de Registro de Imóveis de Sobradinho-BA. b) DETERMINAR à Sra.
Oficiala do Cartório de Registro de Imóveis que proceda ao CANCELAMENTO das referidas averbações (AV-03 e AV-04) e dos atos registrais subsequentes que delas dependam ou que tenham tomado por base a área retificada, restabelecendo-se a descrição original do imóvel com a área de 48,7662 hectares, conforme o título aquisitivo primitivo e o R-01 da matrícula nº 993, sem prejuízo de que o interessado busque a regularização da área excedente pela via própria da usucapião. c) DETERMINAR a expedição de ofício à Procuradoria Geral do Estado da Bahia, com cópia desta sentença, para ciência e adoção das medidas que entender pertinentes à defesa do patrimônio público.
Procedimento isento de custas, por sua natureza administrativa.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se a Oficiala do Registro de Imóveis, o interessado, por seu advogado, e o Ministério Público.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as devidas baixas.
Sobradinho/BA, 16 de setembro de 2025. LUCIANA CAVALCANTE PAIM MACHADO Juíza de Direito -
17/09/2025 11:56
Juntada de intimação
-
17/09/2025 10:42
Expedição de intimação.
-
17/09/2025 10:42
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
-
16/09/2025 13:16
Expedição de intimação.
-
16/09/2025 13:16
Julgado procedente o pedido
-
16/07/2025 10:00
Conclusos para decisão
-
09/07/2025 08:50
Conclusos para despacho
-
05/04/2025 10:42
Juntada de Petição de Documento_1
-
04/04/2025 21:45
Expedição de intimação.
-
21/03/2025 10:15
Proferido despacho de mero expediente
-
20/03/2025 14:06
Decorrido prazo de ESTADO DA BAHIA em 22/01/2025 23:59.
-
20/03/2025 09:50
Conclusos para decisão
-
20/03/2025 09:50
Expedição de intimação.
-
02/12/2024 21:55
Expedição de intimação.
-
28/11/2024 14:33
Proferido despacho de mero expediente
-
12/11/2024 12:33
Conclusos para decisão
-
12/11/2024 12:33
Expedição de intimação.
-
28/10/2024 03:55
Decorrido prazo de ESTADO DA BAHIA em 29/08/2024 23:59.
-
19/08/2024 11:24
Juntada de Petição de petição
-
19/08/2024 11:24
Juntada de Petição de Petição (outras)
-
08/08/2024 19:59
Expedição de intimação.
-
02/08/2024 10:00
Proferido despacho de mero expediente
-
31/07/2024 23:13
Decorrido prazo de ESTADO DA BAHIA em 03/05/2024 23:59.
-
31/07/2024 11:06
Conclusos para decisão
-
18/04/2024 10:45
Juntada de Petição de petição
-
18/04/2024 10:45
Juntada de Petição de Petição (outras)
-
11/04/2024 20:30
Expedição de intimação.
-
27/02/2024 11:36
Expedição de intimação.
-
27/02/2024 11:36
Proferido despacho de mero expediente
-
22/02/2024 15:12
Conclusos para despacho
-
22/02/2024 15:12
Expedição de intimação.
-
31/01/2024 11:08
Juntada de Petição de petição
-
19/01/2024 02:16
Decorrido prazo de ESTADO DA BAHIA em 05/12/2023 23:59.
-
19/01/2024 01:49
Decorrido prazo de ESTADO DA BAHIA em 05/12/2023 23:59.
-
07/12/2023 16:12
Juntada de Petição de petição
-
07/12/2023 16:12
Juntada de Petição de Petição (outras)
-
05/11/2023 12:39
Expedição de intimação.
-
18/10/2023 09:31
Proferido despacho de mero expediente
-
25/09/2023 13:10
Conclusos para julgamento
-
23/09/2023 01:27
Juntada de Petição de RETIFICACAO ILEGAL IMPOSSIBILIDADE NULIDADE
-
18/09/2023 10:33
Juntada de Petição de petição
-
14/09/2023 09:04
Juntada de Informações
-
31/08/2023 11:38
Expedição de intimação.
-
31/08/2023 11:32
Juntada de informação
-
25/08/2023 14:05
Juntada de informação
-
25/08/2023 14:03
Expedição de intimação.
-
17/08/2023 21:03
Proferido despacho de mero expediente
-
17/08/2023 09:54
Conclusos para despacho
-
17/08/2023 09:47
Distribuído por sorteio
-
17/08/2023 09:47
Juntada de Petição de petição inicial
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
17/08/2023
Ultima Atualização
16/09/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
Sentença • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Informações relacionadas
Processo nº 8000064-91.2024.8.05.0073
A. Coelho Nunes - Servicos
Companhia de Eletricidade do Estado da B...
Advogado: Fabricio Alves Mariano
1ª instância - TJBA
Ajuizamento: 24/01/2024 11:59
Processo nº 8030196-56.2024.8.05.0001
Denival Alves da Silva
Itapeva Xi Multicarteira Fundo de Invest...
Advogado: Uelton Barros Oliveira
1ª instância - TJBA
Ajuizamento: 06/03/2024 14:29
Processo nº 8004384-43.2025.8.05.0044
Miguel da Cruz Bispo
Banco Bmg SA
Advogado: Pedro Antonio Souza Mello Saback D Olive...
1ª instância - TJBA
Ajuizamento: 17/09/2025 16:23
Processo nº 0000479-98.2013.8.05.0235
Geane Eugenia Magalhaes de Queiroz
Prefeitura Municipal de Sao Francisco Do...
Advogado: Samuel Queiroz da Silva Junior
1ª instância - TJBA
Ajuizamento: 07/05/2013 14:07
Processo nº 8000617-34.2024.8.05.0237
Antonio de Freitas Pereira
Banco Bmg SA
Advogado: Ricardo Augusto Nascimento Goncalves
1ª instância - TJBA
Ajuizamento: 17/03/2024 19:24