TJCE - 3028247-55.2024.8.06.0001
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) 5º Gabinete da 2ª Camara de Direito Privado
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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22/07/2025 13:34
Remetidos os Autos (por julgamento definitivo do recurso) para juízo de origem
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22/07/2025 13:33
Juntada de Certidão
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22/07/2025 13:33
Transitado em Julgado em 22/07/2025
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22/07/2025 01:12
Decorrido prazo de FABSON DE SOUSA SILVA em 21/07/2025 23:59.
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08/07/2025 01:19
Decorrido prazo de AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. em 07/07/2025 23:59.
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30/06/2025 00:00
Publicado Intimação em 30/06/2025. Documento: 23877021
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27/06/2025 00:00
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 27/06/2025 Documento: 23877021
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27/06/2025 00:00
Intimação
Estado do Ceará Poder Judiciário Tribunal de Justiça Gabinete do Desembargador Everardo Lucena Segundo Processo: 3028247-55.2024.8.06.0001 Classe: Apelação Cível (198) Assunto: Contratos Bancários (9607) / Interpretação / Revisão de Contrato (7770) Apelante: Fabson de Sousa Silva Apelado: Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S/A Apelação cível nº 3028247-55.2024.8.06.0001 Relator: Des.
Everardo Lucena Segundo Ementa.
Direito civil e do consumidor.
Apelação cível.
Ação revisional de contrato bancário.
Financiamento de veículo com garantia de alienação fiduciária.
Inclusão de encargos acessórios e capitalização mensal de juros.
Inexistência de abusividade nas cláusulas contratuais.
Ausência de verossimilhança das alegações.
Improcedência liminar mantida.
Inversão do ônus da prova indeferida.
Desnecessidade de prova pericial.
Recurso desprovido.
I.
Caso em exame 1.
Apelação cível interposta por Fabson de Sousa Silva contra sentença proferida pela 16ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza/CE, que julgou liminarmente improcedente o pedido de revisão de contrato bancário firmado com Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S.A.
O pacto objetivava o financiamento de veículo automotor com garantia de alienação fiduciária, sendo celebrado por meio de cédula de crédito bancário, no valor financiado de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), a ser pago em 48 (quarenta e oito) parcelas mensais de R$ 1.579,53 (mil quinhentos e setenta e nove reais e cinquenta e três centavos).
O autor alegou a inserção indevida de encargos acessórios, como seguro prestamista, tarifa de avaliação e IOF, sem anuência expressa, o que teria elevado o valor total financiado para R$ 44.644,83 (quarenta e quatro mil, seiscentos e quarenta e quatro reais e oitenta e três centavos).
Pleiteou a revisão contratual, a devolução de valores pagos indevidamente, a inversão do ônus da prova e a concessão de tutela provisória para manutenção da posse do bem e suspensão de eventual negativação.
A sentença, fundamentada nos arts. 332 e 487 do CPC, reconheceu a suficiência dos documentos para julgamento antecipado e rejeitou os pedidos formulados.
II.
Questão em discussão 2.
Há três questões em discussão: (i) aferir se as cláusulas contratuais inseridas no contrato de financiamento de veículo - especialmente no tocante à capitalização de juros, taxa de juros aplicada e inclusão de encargos acessórios - revelam abusividade à luz da legislação consumerista e da jurisprudência do STJ, ensejando sua revisão judicial; (ii) examinar se a improcedência liminar da demanda, sem produção de prova pericial contábil, configura cerceamento de defesa, ante a necessidade de dilação probatória para apuração do efetivo custo da operação e eventual desequilíbrio contratual; (iii) analisar a pertinência da inversão do ônus da prova, com fundamento na alegada hipossuficiência técnica e informacional do consumidor, nos termos do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
III.
Razões de decidir 3.
A alegação de indevida concessão da gratuidade de justiça também foi afastada.
A declaração de hipossuficiência apresentada por pessoa natural goza de presunção legal relativa, conforme dispõe o art. 99, § 3º, do CPC, não havendo nos autos elementos que infirmem tal presunção. 4.
A preliminar de ausência de dialeticidade recursal, arguida pela instituição apelada, foi rejeitada.
A apelação enfrentou os fundamentos centrais da sentença e formulou pedido de reforma com base em argumentos jurídicos pertinentes, o que atende ao disposto no art. 1.010, II e III, do CPC, e à jurisprudência do STJ (REsp 1.774.041/TO). 5.
A pretensão de aplicar o Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica foi rejeitada.
O Tribunal entendeu que não restou comprovada a vulnerabilidade técnica, econômica ou informacional dos apelantes, condição necessária para mitigar a teoria finalista e atrair a incidência das normas consumeristas.
A contratação foi realizada com finalidade de capital de giro, no âmbito da atividade empresarial, o que caracteriza os apelantes como profissionais no mercado, afastando a condição de consumidores nos termos do art. 2º do CDC.
Sem prova robusta da hipossuficiência, inexiste fundamento para inversão do ônus da prova com base no art. 6º, VIII, do CDC. 5.
Quanto à capitalização dos juros, o contrato bancário firmado entre as partes apresentou cláusula expressa prevendo a cobrança de juros capitalizados com periodicidade mensal, com indicação clara das taxas mensal e anual.
O Tribunal reconheceu a validade da capitalização mensal, com base no art. 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/2001 e na Súmula 541 do STJ, que admite tal prática desde que contratada de forma expressa.
Assim, não se configurou anatocismo ou qualquer ilegalidade na cláusula impugnada. 6.
O julgamento antecipado da lide, com base nos arts. 332 e 487 do CPC, mostrou-se adequado, diante do caráter exclusivamente jurídico da controvérsia.
O juízo de origem, ao constatar que as cláusulas eram claras e que o contrato foi devidamente assinado pelo consumidor, dispensou corretamente a realização de perícia contábil.
A produção de prova técnica seria irrelevante para a solução da lide, pois a legalidade dos encargos e taxas pode ser aferida diretamente a partir do instrumento contratual. 7.
A inversão do ônus da prova foi corretamente indeferida.
Embora aplicável o Código de Defesa do Consumidor à espécie, por se tratar de relação de consumo envolvendo serviços bancários (Súmula nº 297 do STJ), a inversão prevista no art. 6º, VIII, exige a presença de verossimilhança das alegações ou hipossuficiência demonstrada.
No caso, o autor limitou-se a alegações genéricas, sem qualquer demonstração concreta de sua vulnerabilidade técnica ou informacional, sendo legítima a manutenção da regra ordinária de distribuição do ônus probatório (art. 373, I, do CPC).
IV.
Dispositivo e teses 8.
Recurso improvido. 9.
Teses de julgamento. 9.1.
A estipulação contratual de capitalização mensal de juros é válida quando houver indicação clara e expressa das taxas mensal e anual no instrumento contratual, conforme autoriza o art. 5º da MP nº 2.170-36/2001 e a jurisprudência consolidada do STJ. 9.2.
A revisão judicial de cláusulas contratuais bancárias exige prova de onerosidade excessiva ou prática abusiva concreta, não sendo suficientes alegações genéricas desacompanhadas de suporte probatório. 9.3.
O julgamento liminar de improcedência com base na jurisprudência dominante e em cláusulas contratuais claras não configura cerceamento de defesa, dispensando a produção de prova pericial. 9.4. inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, exige verossimilhança das alegações ou demonstração de hipossuficiência técnica, não sendo automática nem presumida. 9.5.
A ausência de impugnação específica aos fundamentos da sentença não se verifica quando a parte recorrente apresenta razões jurídicas concretas e requer expressamente a reforma da decisão, conforme exige o princípio da dialeticidade. ________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXV e LV; CPC, arts. 332, 370, 373, 487, 1.010, II e III, 98, § 3º, e 99, § 3º; CC, arts. 478 a 480; CDC, arts. 2º, 3º, 4º, 6º, V e VIII, 17 e 51; MP nº 2.170-36/2001, art. 5º.
Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 973.827/RS (Tema 246); STJ, REsp 1.112.879/PR; STJ, REsp 1.061.530/RS; STJ, Súmulas nºs 297, 381, 479 e 541; STJ, AgRg no AREsp 636.461/SP; STJ, AgInt no AREsp 1.679.766/MS; STJ, REsp 1.774.041/TO.
Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do voto do relator, o qual passa a integrar este aresto.
Fortaleza, data indicada no sistema.
Desembargador Everardo Lucena Segundo Relator (assinado digitalmente) Estado do Ceará Poder Judiciário Tribunal de Justiça Gabinete do Desembargador Everardo Lucena Segundo Processo: 3028247-55.2024.8.06.0001 Classe: Apelação Cível (198) Assunto: Contratos Bancários (9607) / Interpretação / Revisão de Contrato (7770) Apelante: Fabson de Sousa Silva Apelado: Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S/A Relatório Apelação cível interposta por Fabson de Sousa Silva contra sentença proferida pelo juízo da 16ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza, Estado do Ceará, nos autos da ação revisional de contrato bancário ajuizada em desfavor de Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S.A. A demanda tem por objeto a revisão de cláusulas de contrato de financiamento celebrado para aquisição de bem móvel, com garantia de alienação fiduciária, tendo o autor requerido, também, tutela provisória de urgência para manutenção da posse do veículo e suspensão de eventual negativação.
Segundo exposto na petição inicial, o autor firmou com a instituição financeira promovida um contrato de abertura de crédito bancário, por meio de cédula de crédito bancário CP/CDC, para aquisição de um veículo automotor da marca Toyota, modelo Etios, ano 2018/2019, chassi nº 9BRK19BT8K2115883, placa PMI-8743, cor branca, no valor total de R$ 63.000,00 (sessenta e três mil reais). Desse montante, o autor pagou à vista R$ 23.000,00 (vinte e três mil reais), financiando o saldo remanescente de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) em 48 (quarenta e oito) prestações mensais fixas de R$ 1.579,53 (mil quinhentos e setenta e nove reais e cinquenta e três centavos). No entanto, afirma que o valor financiado foi majorado para R$ 44.644,83 (quarenta e quatro mil, seiscentos e quarenta e quatro reais e oitenta e três centavos), em razão da inserção de tarifas e encargos não autorizados, como tarifa de avaliação do bem, seguro prestamista, registro de contrato e IOF.
Alegou que, mesmo tendo adimplido 19 parcelas do financiamento, as cobranças consideradas abusivas tornaram a dívida insustentável.
Afirma que tentou, sem êxito, renegociar o débito junto à instituição financeira, sendo-lhe oferecidos valores considerados excessivamente onerosos, o que inviabilizou qualquer composição extrajudicial.
Requereu, assim, a revisão das cláusulas contratuais, com base nos arts. 6º, V e VIII, e 51 do Código de Defesa do Consumidor, sustentando, ainda, sua hipossuficiência técnica e econômica para justificar o pedido de inversão do ônus da prova.
Pugnou, por fim, pela devolução dos valores pagos indevidamente, a exclusão de encargos considerados abusivos e a concessão de tutela de urgência para impedir eventual inscrição de seu nome em cadastros restritivos, além de garantir a posse do bem.
O juízo de origem, ao analisar o feito, proferiu sentença nos seguintes termos: "Diante de todo o exposto, com fundamento no art. 332, I e II e 487, I, todos do CPC, JULGO LIMINARMENTE IMPROCEDENTE O PEDIDO, ficando, por consequência, mantidas incólumes as cláusulas contratuais celebradas e prejudicado o exame da tutela antecipada de urgência.
Condeno o autor ao pagamento das custas processuais, mas cuja cobrança e exigibilidade ficarão suspensas por até 5 (cinco) anos, por força do artigo 98, § 3º do CPC.
Deixo de condenar ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, em razão da inexistência de pretensão resistida e do súbito desacolhimento dos pedidos formulados na inicial." Na fundamentação da sentença, o magistrado destacou que a lide envolvia cláusulas de cédula de crédito bancário, cujo conteúdo encontra-se amparado por jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, inclusive em sede de recursos repetitivos.
Considerando desnecessária a produção de prova pericial, por tratar-se de matéria de direito, concluiu que o exame das cláusulas contratuais poderia ser realizado com base nos documentos constantes dos autos.
Enfatizou que não houve verossimilhança suficiente para autorizar a inversão do ônus da prova e que os encargos contratuais estavam expressamente previstos e de forma clara no instrumento contratual, especialmente na folha de rosto da cédula.
Além disso, ponderou que a assinatura do contrato pelo autor revelaria inequívoca ciência dos encargos pactuados, não sendo possível admitir posterior alegação de desconhecimento ou onerosidade.
Ao interpor apelação, Fabson de Sousa Silva sustentou, em síntese, que a sentença foi omissa quanto ao pedido de inversão do ônus da prova, o qual deveria ter sido apreciado com base no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, considerando sua condição de parte hipossuficiente e a dificuldade prática de acesso ao contrato de financiamento, que somente foi obtido após reiteradas tentativas.
Alegou, ainda, que a sentença incorreu em julgamento prematuro, ao decidir de forma liminar, mesmo após a juntada do contrato ao processo.
Requereu, por consequência, a nulidade da sentença para que o feito tenha regular prosseguimento, com a devida análise do mérito e eventual produção de prova, inclusive pericial, para verificação dos encargos considerados abusivos.
Apontou que o valor efetivamente financiado foi superior ao saldo devedor informado, em razão de encargos como tarifa de cadastro, taxa de avaliação, seguros e IOF, que teriam sido inseridos sem sua expressa anuência.
A instituição apelada, Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S.A., apresentou contrarrazões alegando, preliminarmente, a inépcia da apelação por ausência de impugnação específica aos fundamentos da sentença, em afronta ao princípio da dialeticidade (art. 1.010, II e III, do CPC).
Aduziu que o recurso se limitou a reiterar argumentos já lançados na petição inicial, sem indicar de forma concreta os erros de julgamento ou pontos de fato ou de direito passíveis de reforma.
No mérito, defendeu a legalidade da contratação e a ausência de abusividade nos encargos pactuados, afirmando que todos os encargos estavam descritos de forma clara e acessível no contrato assinado pelo autor.
Ressaltou a validade da capitalização de juros, a regularidade do custo efetivo total (CET) da operação, e a inexistência de qualquer vício formal ou material nas cláusulas, destacando, inclusive, a jurisprudência do STJ no sentido de que a estipulação de juros superiores a 12% ao ano, por si só, não configura abusividade.
Na presente fase recursal, o autor/apelante requer a anulação da sentença de improcedência liminar, com o retorno dos autos ao juízo de origem para regular processamento da demanda, produção de provas e análise de mérito das cláusulas contratuais.
Já a instituição apelada pugna pelo não conhecimento do recurso, por inépcia, e, caso superada a preliminar, requer a manutenção da sentença por seus próprios fundamentos, alegando a inexistência de abusividade ou irregularidade no contrato.
Diante desse cenário, o objeto devolvido à instância superior está delimitado à análise da alegada nulidade da sentença por ausência de apreciação do pedido de inversão do ônus da prova, da possibilidade de julgamento liminar da improcedência do pedido em ações revisionais com base em cláusulas contratuais padronizadas e da eventual existência de abusividade nos encargos e tarifas pactuados, diante da aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação contratual estabelecida entre as partes. É o relatório.
Voto I.
Preliminar de ausência de dialeticidade recursal O sistema recursal brasileiro consagra o princípio da dialeticidade, que impõe à parte recorrente o dever de expor, de forma fundamentada, os motivos de fato e de direito que embasam sua irresignação (CPC, art. 1.010, II).
Sobre o tema, destaca Humberto Theodoro Júnior: "Para que se cumpra o contraditório e a ampla defesa assegurados constitucionalmente (CF, art. 5º, LV), as razões do recurso são elemento indispensável, permitindo à parte recorrida apresentar sua resposta e ao tribunal ad quem examinar o mérito recursal.
O julgamento do recurso consiste, essencialmente, em um cotejo lógico-argumentativo entre a fundamentação da decisão impugnada e as razões recursais.
Por isso, a ausência de motivação impede o tribunal de conhecê-lo" (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil.
Vol.
III. 51. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 1.029).
Conforme delineado nas contrarrazões, a parte apelada suscitou questão prejudicial ao alegar a ausência de dialeticidade recursal.
Com base nesse argumento, requereu o não conhecimento do recurso, sustentando que este não teria impugnado de forma específica os fundamentos da sentença recorrida.
Entretanto, ao examinar a peça recursal, verifica-se que a dialeticidade está presente, pois a parte recorrente expôs, de maneira clara, os motivos de sua irresignação e formulou pedido expresso de reforma da sentença.
Diante disso, é evidente que a preliminar levantada carece de fundamento e deve ser rejeitada.
Esse posicionamento alinha-se à jurisprudência consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, que determina o conhecimento do recurso sempre que os elementos de fato e de direito que justificam a intenção de reforma da decisão estejam adequadamente apresentados.
Nesse sentido, destacam-se o seguinte precedente: "A orientação do STJ é a de que a mera reiteração, na petição do recurso, das razões anteriormente apresentadas não é motivo suficiente para o não conhecimento do recurso.
Estando devidamente expostos os motivos de fato e de direito que evidenciem a intenção de reforma da decisão recorrida, tal como ocorreu na hipótese dos presentes autos, o apelo deve ser analisado" (STJ - REsp 1.774.041/TO.
Rel.
Min.
Herman Benjamin. 2ª T.
Julg. em 11/06/2019.
Pub. no DJe 01/07/2019).
Portanto, rejeito a preliminar e concluo que o apelo deve ser analisado, pois a mera reiteração, na impugnação recursal, das razões anteriormente delineadas, por si só, não impede o conhecimento da apelação, desde que devidamente expostos os motivos de fato e de direito que evidenciem a intenção de reforma da decisão recorrida.
II.
Preliminar de indevida concessão da justiça gratuita A alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural passou a gozar de presunção legal juris tantum, na forma do seu art. 99, § 3º, do CPC.
Esclareço que a gratuidade de justiça pode ser requerida a qualquer tempo, desde que a ação esteja em curso.
Todavia, a concessão não possui efeito retroativo para o fim de suspender a exigibilidade de eventuais encargos ou honorários arbitrados anteriormente ao requerimento do sobredito benefício.
Nesse sentido, segue entendimento firmado do STJ: "A jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento de que o benefício da assistência judiciária gratuita, conquanto possa ser requerido a qualquer tempo, tem efeitos ex nunc, ou seja, não retroage para alcançar encargos processuais anteriores" (STJ - AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp 1861703 PR 2021/0084736-2, Relator: Min.
Luis Felipe Salomão, Julgamento: 14/12/2021, 4ª Turma, Publicação: DJe 17/12/2021). "O pleito de gratuidade de justiça pode ser requerido a qualquer tempo, desde que a ação esteja em curso.
Contudo, sua concessão não possui efeito retroativo para o fim de suspender a exigibilidade de eventuais honorários arbitrados anteriormente ao requerimento do benefício" (STJ - AgInt na ExeMS 12614 DF 2017/0329502-0, Relator: Min.
Benedito Gonçalves, Julgamento: 24/11/2020, 1ª Seção, Publicação: DJe 27/11/2020).
Desse modo e dada a inexistência de prova em contrário, afasto a preliminar.
III.
Admissibilidade recursal Atestado o cumprimento dos requisitos de admissibilidade, tanto os inerentes à própria existência e viabilidade da apelação, quanto os ligados à regularidade formal, o conhecimento do recurso se impõe, viabilizando a análise das razões recursais.
II.
Caso em exame Fabson de Sousa Silva interpôs apelação contra a sentença proferida pelo juízo da 16ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza/CE, que julgou liminarmente improcedente seu pedido de revisão de contrato bancário firmado com Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S/A. O pacto, destinado à aquisição de veículo automotor, previa o pagamento de 48 (quarenta e oito) parcelas mensais de R$ 1.579,53 (mil quinhentos e setenta e nove reais e cinquenta e três centavos), alcançando um valor total aproximado de R$ 75.817,44 (setenta e cinco mil, oitocentos e dezessete reais e quarenta e quatro centavos).
A sentença baseou-se na prescindibilidade de dilação probatória e na uniformização da jurisprudência acerca da validade das cláusulas contratuais contestadas, mantendo incólumes os termos pactuados.
Em consequência, rejeitou a pretensão revisional e afastou o pedido de tutela de urgência, com fundamento nos arts. 332 e 487 do Código de Processo Civil.
Nas razões recursais, o apelante sustenta a existência de cláusulas abusivas, especialmente quanto à capitalização de juros, à cumulação de encargos e à ausência de proposta razoável de repactuação, alegando desequilíbrio contratual e comprometimento da função social do contrato.
Defende, ainda, a inversão do ônus da prova e a necessidade de produção de perícia contábil para apuração do real débito.
Requer, ao final, a reforma da sentença, com reabertura da instrução.
Em contrarrazões, a instituição financeira pleiteia a manutenção integral da sentença, reiterando a legalidade dos encargos e afirmando que a inadimplência decorre de questões financeiras alheias à vontade da credora.
Sustenta que o contrato foi livremente firmado e que não há nos autos elementos que justifiquem sua revisão.
III.
Questões em discussão Há três pontos nodais que delimitam o campo da presente apelação: "(i) aferir se as cláusulas contratuais inseridas no contrato de financiamento de veículo firmado entre Fabson de Sousa Silva e Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S.A. - notadamente quanto à taxa de juros, capitalização mensal e encargos acessórios como seguro prestamista - apresentam abusividade a justificar sua revisão com fulcro na legislação consumerista; (ii) examinar a necessidade de dilação probatória, em especial para a produção de prova pericial contábil, frente à alegação de desequilíbrio contratual e ofensa à boa-fé objetiva e à função social do contrato; (iii) analisar a pertinência da inversão do ônus da prova, considerando-se a hipossuficiência técnica e informacional do consumidor, à luz do art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, como instrumento de efetivação do acesso à justiça em matéria bancária". A controvérsia recursal, pois, gira em torno da validade dos encargos financeiros contratados, da suficiência da instrução realizada na instância de origem e da aplicação das normas protetivas do consumidor, sendo esses os elementos centrais da fase recursal, cujo desfecho dependerá da aferição da legalidade e equilíbrio da relação obrigacional sub judice, da possibilidade de revisão contratual em juízo e da razoabilidade das condições pactuadas no instrumento firmado.
IV.
Das razões de decidir IV.1 Da aplicação do código de defesa do consumidor O debate acerca da incidência do Código de Defesa do Consumidor na relação contratual firmada entre as partes demanda, inicialmente, a análise da natureza jurídica da relação. Conforme orientação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, a aplicação das normas consumeristas às pessoas jurídicas é admitida quando estas se encontram em posição de vulnerabilidade técnica, econômica ou informacional em relação ao fornecedor, conforme preceitua a teoria finalista mitigada.
Durante o julgamento do REsp 1.162.649 do STJ, Salomão explicou que a expressão "destinatário final" contida no art. 2º, caput, do CDC deve ser interpretada de forma a proteger o consumidor diante de sua reconhecida vulnerabilidade no mercado de consumo (CDC, art., 4º, I), e complementou: "Assim, considera-se consumidor aquele que retira o produto do mercado e o utiliza em proveito próprio.
Sob esse enfoque, como regra, não se pode considerar destinatário final para efeito da lei protetiva aquele que, de alguma forma, adquire o produto ou serviço com intuito profissional, com a finalidade de integrá-lo no processo de produção, transformação ou comercialização".
Por exemplo, caso a relação jurídica originária tenha tido como escopo a obtenção de capital de giro, natureza que sugere, à primeira vista, um vínculo eminentemente empresarial (CDC, arts. 2º, 3º, 4º, I), é necessário perquirir se, na hipótese concreta, uma das partes é vulnerável na relação pode ser considerada consumidor por equiparação (CDC, art. 17), dada a eventual e suposta posição de desvantagem frente à instituição financeira (STJ, REsp 1.370.139).
No ponto, a ministra Nancy Andrighi, relatora do REsp 1.370.139, destacou que o art. 17 do CDC prevê a figura do consumidor por equiparação (bystander), sujeitando à proteção do código consumerista aqueles que, embora não tenham participado diretamente da relação de consumo, sejam vítimas de algum evento danoso decorrente dessa relação.
Esta matéria, inclusive, apresenta precedentes julgados do STJ que consolidam os entendimentos existentes na corte sobre a definição do consumidor por equiparação e, por consequência, sobre a aplicabilidade das normas do CDC. Ademais, houve entendimento firmado pela Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.574.784, que, por unanimidade, considerou correta a equiparação de uma vítima de acidente a consumidor, nos termos do art.17 do CDC.
O dispositivo legal prevê que se equiparam aos consumidores "todas as vítimas do evento"; Significa dizer quer, sem entrar em pormenores, que o CDC estende o conceito de consumidor àqueles que, mesmo não tendo sido consumidores diretos, acabam por sofrer as consequências do acidente de consumo, sendo também chamados de bystanders.
Nesse sentido, na hipótese em que se vislumbra a demonstração satisfatória da alegada vulnerabilidade técnica ou econômica que justificasse o reconhecimento dessa condição.
A simples qualificação como microempresa ou a alegação genérica de dificuldades financeiras não são, por si, suficientes para caracterizar a vulnerabilidade exigida para a mitigação do conceito de consumidor.
Com efeito, ausentes elementos concretos que atestem a vulnerabilidade (instituto de direito material) ou a hipossuficiência (figura jurídica de direito processual) do consumidor "9"destinatário final") perante o fornecedor, não se revela possível o enquadramento da relação contratual sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, tampouco a inversão do ônus da prova com base no art. 6º, inciso VIII, do referido diploma legal.
IV.1.1 Da aplicação do código de defesa do consumidor e da "teoria finalista" ("open legis"), conquanto, para o superior tribunal de justiça, "mitigada" ou "aprofundada" ("open juris") A controvérsia acerca da incidência do Código de Defesa do Consumidor à presente relação contratual exige análise meticulosa da posição jurídica das partes e da função socioeconômica da contratação. Conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, o conceito de consumidor deve ser interpretado consoante o critério da teoria finalista, segundo a qual consumidor é aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final (CDC, art. 2º).
Entretanto, em casos excepcionais, admite-se a mitigação dessa teoria - fenômeno doutrinariamente conhecido como teoria finalista aprofundada ou mitigada - quando a pessoa jurídica, embora figure como contratante de um serviço ou produto, revele-se objetivamente vulnerável na relação, seja do ponto de vista técnico, econômico ou informacional. Esta excepcionalidade, todavia, não se presume, diferente da situação padrão ou regra geral da teoria finalista, uma vez que exige prova robusta e inequívoca da hipossuficiência, conceito do direito processual, apta a evidenciar o desequilíbrio concreto na relação, qualidade ou estado do que é, ou se encontra, em posição de desvantagem técnica, jurídica, informacional, econômica, etc.
Ou, em adendo, seria tecnicamente mais adequado empregar aqui o conceito jurídico de vulnerabilidade, instituto de direito material que, embora guarde semelhanças com a hipossuficiência - esta de natureza processual -, possui distinções relevantes.
A vulnerabilidade, conforme o art. 4º, § 1º, do CDC, é presumida relativamente em favor da pessoa física na condição de destinatária final.
Essa presunção, contudo, torna-se nebulosa quando aplicada a determinadas pessoas jurídicas, uma vez que se afasta a presunção legal ("ope legis") de vulnerabilidade, porém ainda possível de modo "ope judicis" (teoria finalista mitigada).
Nesses casos, exige-se a comprovação da condição de vulnerabilidade ("ope judicis"), nos termos do art. 373, I e II, do CPC.
Tanto a vulnerabilidade quanto à hipossuficiência - aplicáveis a pessoas físicas ou jurídicas - demandam demonstração pela parte interessada, de forma a justificar a adequação das normas e princípios de ambos os institutos ao caso concreto.
Nesse ponto, porém, em outras palavras, cabe recordar que o Superior Tribunal de Justiça, em reiteradas decisões, tem afirmado que a legislação brasileira permite que pessoas jurídicas - assim como acontece com as pessoas físicas - sejam consideradas consumidoras. É o que diz o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, ao prever - adotando a chamada teoria finalista - que "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".
Segundo explicou a ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp 2.020.811, o Superior Tribunal de Justiça adota a teoria finalista mitigada - ou aprofundada - para a definição de consumidor.
Significa dizer, em ilação ou parafraseando-a, que o conceito abrange também o comprador que, embora não seja o destinatário final do produto ou serviço (no sentido de encerrar a cadeia de produção), se enquadre em condição de vulnerabilidade capaz de causar desequilíbrio na relação econômica.
Assim, o sistema protetivo do CDC pode ser aplicado no caso de quem, mesmo adquirindo produtos ou serviços para o desenvolvimento de sua atividade empresarial, apresente hipossuficiência técnica ou fática diante do fornecedor. A dificuldade surge na hora de reconhecer a vulnerabilidade: enquanto para o consumidor pessoa física ela é presumida, no caso da pessoa jurídica é necessário comprovar essa condição especial que autoriza a aplicação das regras protetivas do CDC - avaliação que, conforme a jurisprudência do tribunal, deve ser feita de acordo com o caso concreto.
Na hipótese dos autos, não há dúvida da caracterização da relação de consumo pela teoria finalista - "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" -, a contratação de serviços bancários é regida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, conforme estabelecido nos arts. 2º, 3º e 17, bem como pela Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça.
A aplicação do CDC às instituições financeiras impõe-lhes o dever de oferecer serviços de qualidade no mercado de consumo, garantindo segurança e proteção à integridade psicofísica e patrimonial dos consumidores.
A responsabilidade das instituições bancárias é objetiva, abrangendo danos decorrentes de fraudes ou delitos cometidos por terceiros (STJ, Súmula nº 479). Caso a instituição financeira não consiga demonstrar a regularidade de transações bancárias contestadas, será responsável pelos danos, conforme disposto no art. 14 do CDC.
Assim, ao proteger o consumidor contra práticas abusivas, também se preserva o equilíbrio nas relações de consumo, fortalecendo a segurança jurídica no mercado financeiro, bem como a confiança do público no sistema bancário.
V.2 Do julgamento liminar de improcedência O magistrado de primeiro grau julgou liminarmente improcedentes os pedidos formulados na inicial, com fundamento nos arts. 332, I e II, e 487, I, do CPC, que autorizam a prolação de sentença de improcedência quando a matéria for exclusivamente de direito ou quando o pedido estiver em confronto com jurisprudência dominante.
No caso, a controvérsia envolve a revisão de contrato bancário, com alegação de cláusulas abusivas e onerosidade excessiva.
Contudo, o juízo de origem entendeu, de forma fundamentada, que os elementos documentais trazidos aos autos - especialmente o contrato firmado entre as partes - eram suficientes para análise das questões suscitadas, afastando a necessidade de dilação probatória.
Com efeito, é prerrogativa do magistrado, como destinatário final da prova, indeferir diligências que se revelem desnecessárias ou protelatórias, nos termos do art. 370 do CPC: "Art. 370.
Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
Parágrafo único.
O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias".
Além disso, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacificado no sentido de que o julgamento antecipado da lide não configura cerceamento de defesa quando o conjunto probatório é suficiente para a formação do convencimento judicial.
Nesse sentido: "Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, devidamente fundamentado, sem a produção das provas tidas por desnecessárias pelo juízo, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e deferir a produção probatória que considerar necessária à formação do seu convencimento" (STJ - AgRg no AREsp: 636461 SP 2014/0328023-4, Relator: Ministra Maria Isabel Gallotti, Data de Julgamento: 03/03/2015, T4 - Quarta Turma, Data de Publicação: DJe 10/03/2015).
Dessa forma, restou demonstrada a regularidade do julgamento liminar, sem qualquer violação ao direito de defesa ou à ampla instrução probatória.
IV.3 Da Capitalização dos juros: regularidade contratual e limites da legalidade A alegação de ilegalidade na capitalização dos juros exige criterioso exame à luz do ordenamento jurídico vigente e da interpretação consolidada pela jurisprudência superior. Os apelantes sustentam que houve anatocismo, ou seja, a prática de juros sobre juros, sem que houvesse cláusula contratual expressa autorizando tal forma de incidência.
Defendem, por conseguinte, a nulidade da cláusula de capitalização e a revisão dos encargos financeiros incidentes sobre a dívida.
A controvérsia, contudo, não encontra respaldo no conjunto probatório dos autos.
O contrato objeto da presente demanda foi celebrado sob a vigência da Medida Provisória nº 2.170-36/2001, que, em seu art. 5º, autorizou a capitalização mensal de juros em contratos firmados com instituições financeiras, desde que haja estipulação expressa nesse sentido.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é uníssona ao estabelecer que a validade da capitalização mensal está condicionada à existência de cláusula contratual clara, específica e redigida de forma que não paire dúvida quanto à sua aceitação pelas partes. Em reforço, o referido Tribunal consolidou entendimento, por meio da Súmula 541, de que "a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada".
No caso concreto, o instrumento contratual colacionado aos autos contém, de maneira inequívoca, a indicação simultânea das taxas de juros mensal e anual, evidenciando a existência de pacto expresso quanto à capitalização.
A leitura conjugada dessas cláusulas permite concluir, sem margem para dúvidas, que a incidência de juros compostos foi validamente acordada entre as partes contratantes.
O STJ, ao analisar o REsp 973.827/RS (Tema 246, julgado sob o rito dos recursos repetitivos do art. 543-C do CPC/1973), estabeleceu que é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos bancários celebrados após 31 de março de 2000.
Essa decisão, consolidada pela Súmula 539 do STJ, exige apenas que a taxa de juros anual contratada seja superior ao duodécuplo da mensal.
Nesse contexto, descabe o acolhimento da tese de anatocismo, porquanto a pactuação da capitalização mensal restou incontroversa, tanto pela literalidade do contrato quanto pela ausência de elementos que infirmem a validade da cláusula.
Portanto, reconhecida a legalidade da capitalização de juros e ausente qualquer indício de abusividade ou de desequilíbrio contratual nesta cláusula específica, inexiste fundamento para acolher a pretensão revisional nesse ponto.
IV.4 Da teoria da imprevisão e da possibilidade de revisão contratual: diferenças entre o código civil e o código de defesa do consumidor no caso concreto A revisão judicial das cláusulas contratuais pactuadas, em hipótese, sustentada que o contrato se teria tornado excessivamente oneroso em razão de alterações econômicas supervenientes.
Tal alegação repousa sobre a chamada teoria da imprevisão, prevista no Direito Civil brasileiro, que permite, em situações excepcionais, o reequilíbrio das prestações contratuais por intervenção judicial.
A teoria da imprevisão diz respeito à possibilidade de ocorrência de fatos novos que não podiam ser previstos pelas partes nem podem ser imputados a elas, os quais trazem reflexos para a execução do contrato.
No Brasil, a aplicação da teoria está prevista, em especial, nos artigos 478 a 480 do Código Civil.
Essa teoria, consagrada no art. 478 do Código Civil, impõe quatro requisitos cumulativos para a revisão ou resolução do contrato: (i) o contrato deve ser de execução continuada ou diferida; (ii) deve ter havido um evento superveniente; (iii) esse evento deve ser imprevisível e extraordinário; e (iv) a prestação de uma das partes deve ter se tornado excessivamente onerosa, com vantagem extrema para a outra.
Esses critérios visam proteger a função social do contrato sem comprometer o valor da estabilidade jurídica.
A regra geral nas relações civis e empresariais é a de que os contratos devem ser cumpridos como foram firmados - o chamado princípio da força obrigatória ("pacta sunt servanda").
A revisão judicial, portanto, constitui exceção e somente pode ser admitida mediante rigorosa demonstração da ruptura do equilíbrio originalmente pactuado.
Não há nos autos laudos contábeis, fluxos de caixa negativos, perdas abruptas de receita, inadimplência generalizada ou qualquer outro dado concreto que justifique a intervenção judicial pretendida (CPC, art. 373, I).
Ao contrário do que ocorre nas relações civis e empresariais, o Código de Defesa do Consumidor - em seu art. 6º, inciso V - admite a revisão contratual por onerosidade excessiva com menor rigor.
Lá, o consumidor, enquanto parte presumidamente vulnerável, pode pleitear a revisão sempre que fatos supervenientes tornem a execução do contrato desproporcional ou excessiva.
O foco, nesse regime, desloca-se da análise do evento imprevisível para a proteção do equilíbrio material do contrato em face da fragilidade da parte hipossuficiente caracterizada no caso concreto.
No campo civil, essa presunção de vulnerabilidade inexiste.
Pelo contrário, nas relações entre empresários e instituições financeiras, o sistema jurídico parte do pressuposto de paridade entre as partes e de capacidade técnica para compreender e gerenciar os riscos contratuais. Em outras palavras, enquanto no CDC a revisão busca mitigar desigualdades estruturais, no Código Civil ela atua como válvula de escape apenas em face de acontecimentos excepcionais que fujam ao risco ordinário do negócio.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reafirmado essa distinção de forma enfática.
No julgamento do REsp REsp 945.166, a Quarta Turma entendeu que: "Para ensejar a aplicação da teoria da imprevisão - a qual, de regra, possui o condão de extinguir ou reformular o contrato por onerosidade excessiva -, é imprescindível a existência, ainda que implícita, da cláusula 'rebus sic stantibus', que permite a inexecução de contrato comutativo - de trato sucessivo ou de execução diferida - se as bases fáticas sobre as quais se ergueu a avença alterarem-se, posteriormente, em razão de acontecimentos extraordinários, desconexos com os riscos ínsitos à prestação subjacente".
Esse entendimento busca assegurar previsibilidade, segurança jurídica e integridade ao sistema de crédito, essenciais ao bom funcionamento da economia. A propósito, diante da relevância do termo "estando assim as coisas", em latim "rebus sic stantibus". É a ideia de que as partes assinam o contrato levando em conta as coisas como são naquele momento e, portanto, podem ter o direito de não cumpri-lo caso a situação sofra mudança profunda e imprevisível (teoria da imprevisão), a ponto de tornar sua execução excessivamente onerosa para um dos lados.
Por sua vez, os riscos assumidos pelo empresário incluem, naturalmente, a oscilação de custos, a retração do mercado e a dificuldade de acesso ao crédito - elementos que fazem parte do ciclo econômico e do risco do próprio negócio.
Ao julgar o REsp 1.998.206, a Quarta Turma negou provimento ao recurso especial interposto por uma mãe que pleiteava a redução proporcional das mensalidades escolares de seus filhos e a devolução parcial dos valores pagos durante o período de calamidade pública provocada pela pandemia da Covid-19.
O colegiado entendeu que a pandemia do coronavírus não constituiu fato superveniente apto a viabilizar a revisão judicial do contrato de prestação de serviços educacionais, com a redução proporcional do valor das mensalidades.
O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou que, para a revisão do contrato com base nas teorias da imprevisão ou da onerosidade excessiva, previstas no Código Civil, exige-se ainda que o fato (superveniente) seja imprevisível e extraordinário, e que desse fato, além do desequilíbrio econômico-financeiro, decorra situação de vantagem extrema para uma das partes.
Cabe pontuar que, mesmo diante de um cenário de adversidade econômica, a simples alegação de dificuldade no cumprimento das obrigações não basta.
A revisão contratual requer prova objetiva e detalhada do nexo causal entre o fato superveniente e o agravamento das prestações.
Ausente essa demonstração, não há como o Poder Judiciário intervir para alterar os termos livremente ajustados entre partes juridicamente capazes e atuantes no mercado.
Em síntese, não se encontram presentes os requisitos legais que autorizariam a revisão do contrato com base na teoria da imprevisão.
O contrato firmado deve ser preservado em sua integralidade, mantendo-se o equilíbrio originalmente pactuado e a confiança mútua entre os contratantes.
A estabilidade das relações jurídicas, sobretudo em ambiente empresarial e consumerista, é um valor que se sobrepõe à pretensão de revisão amparada em alegações genéricas e desprovidas de comprovação (CPC, art. 373, I).
IV.5 Ponto a ponto das questões em discussão A controvérsia recursal gira em torno de três pontos fulcrais: "(i) a pretensa abusividade das cláusulas contratuais relativas à taxa de juros, capitalização e encargos acessórios no contrato de financiamento de veículo celebrado entre o autor e a instituição financeira ré; (ii) a alegada necessidade de dilação probatória, com produção de prova pericial contábil para apurar suposto desequilíbrio contratual; e (iii) a pertinência da inversão do ônus da prova à luz da hipossuficiência técnica e informacional do consumidor, nos moldes do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor".
No que tange ao primeiro ponto, a sentença analisou detidamente o contrato juntado aos autos, reconhecendo que este apresentava de forma clara e destacada a taxa de juros mensal e anual, bem como o custo efetivo total da operação. Com base em entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça - notadamente nos julgamentos proferidos nos Recursos Especiais n. 1.112.879/PR e n. 1.061.530/RS, ambos sob o rito dos repetitivos -, o juízo de origem concluiu que a estipulação de taxa de juros acima de 12% ao ano, por si só, não caracteriza abusividade. A revisão judicial do pacto, nessa seara, só se justifica quando demonstrada efetiva onerosidade excessiva ou desequilíbrio contratual capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada, o que, na hipótese concreta, não se verificou. Assim, não se vislumbrou violação ao art. 51 do CDC, tampouco incidência da Súmula 381 do STJ, que impede a declaração ex officio de abusividade de cláusulas contratuais.
Quanto à alegação de cerceamento de defesa pela ausência de produção de prova pericial contábil, a sentença fundamentou-se de forma clara e técnica, ao destacar que, tratando-se de matéria essencialmente jurídica - a saber, a legalidade ou não de cláusulas contratuais padronizadas -, a perícia se revelaria inútil e inócua para a solução da lide. Ressaltou-se, com amparo em jurisprudência do TJCE e doutrina especializada, que a atividade pericial apenas se justificaria em eventual fase de liquidação de sentença, na hipótese de procedência do pedido revisional, o que não ocorreu.
Dessa forma, o indeferimento da prova técnica não implicou cerceamento de defesa, mas sim legítimo exercício do poder-dever do magistrado de indeferir diligências desnecessárias, à luz do art. 370, parágrafo único, do CPC.
Por fim, quanto ao pleito de inversão do ônus da prova, o juízo monocrático, embora reconhecendo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à hipótese, asseverou que a inversão prevista no art. 6º, VIII, do CDC não é automática nem decorre exclusivamente da alegada hipossuficiência do consumidor. Para a sua concessão, exige-se verossimilhança das alegações, o que não se evidenciou na presente demanda.
O autor sequer trouxe indícios concretos de que os encargos cobrados estivessem em desconformidade com os parâmetros legais e contratuais, limitando-se a impugnações genéricas e desprovidas de substrato probatório mínimo. Assim, não se justificava a redistribuição do ônus da prova, permanecendo o encargo probatório com a parte que alega os fatos constitutivos de seu direito, conforme o art. 373, inciso I, do CPC.
Portanto, a sentença confirmou a validade das cláusulas contratuais impugnadas, afastou a necessidade de dilação probatória e rejeitou o pedido de inversão do ônus da prova, julgando improcedente a ação revisional.
Esses fundamentos subsistem íntegros na instância recursal, não havendo qualquer elemento novo apto a infirmar o juízo de improcedência.
Assim, os três pontos nodais da apelação restaram adequadamente enfrentados e solucionados pela sentença, nos seguintes termos: "(i) não se reconhece abusividade nas cláusulas de taxa de juros, capitalização e encargos acessórios, dada a clareza do contrato e a ausência de demonstração de onerosidade excessiva; (ii) a produção de prova pericial contábil é dispensável diante do caráter jurídico das questões debatidas; e (iii) a inversão do ônus da prova é indevida por ausência de verossimilhança nas alegações do consumidor." Diante dessas razões, esses são os fundamentos que justificam a manutenção da sentença em sua integralidade e o consequente improvimento do recurso de apelação interposto.
V.
Honorários advocatícios Majoram-se os honorários sucumbenciais fixados na sentença para 10% sobre a quantia e o parâmetro (STJ, AgInt no AREsp 1.679.766/MS) nela anteriormente estabelecidos, a serem suportados pela parte vencida, o qual já abrange o acréscimo do art. 85, §§ 2º e 11, do CPC (STJ, Tema 1.059), sem olvidar eventual suspensão da exigibilidade, caso haja gratuidade da justiça (CPC, art. 98, § 3º).
Dispositivo Diante do exposto, conheço do recurso e nego-lhe provimento para manter a sentença íntegra.
Majoro os honorários fixados na sentença em desfavor da parte vencida em 10% sobre a quantia e o parâmetro nela estabelecidos (STJ, Tema 1.059; AgInt no AREsp 1.679.766/MS), respeitando-se eventual exigibilidade suspensa desta condenação, caso haja benefício da justiça gratuita preexistente (efeito ex nunc) em benefício da parte vencida (CPC, arts. 85, §§ 2º e 3º; e 98, § 3º). É como voto.
Fortaleza, data indicada no sistema.
Desembargador Everardo Lucena Segundo Relator (assinado digitalmente) LF -
26/06/2025 09:11
Expedida/certificada a comunicação eletrôinica Documento: 23877021
-
18/06/2025 15:58
Juntada de Petição de certidão de julgamento
-
18/06/2025 15:47
Conhecido o recurso de FABSON DE SOUSA SILVA - CPF: *12.***.*69-19 (APELANTE) e não-provido
-
18/06/2025 15:24
Deliberado em Sessão - Julgado - Mérito
-
09/06/2025 00:00
Publicado Intimação de Pauta em 09/06/2025. Documento: 22878812
-
06/06/2025 00:00
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 06/06/2025 Documento: 22878812
-
06/06/2025 00:00
Intimação
ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª Câmara de Direito PrivadoINTIMAÇÃO DE PAUTA DE SESSÃO DE JULGAMENTOData da Sessão: 18/06/2025Horário: 09:00:00 Intimamos as partes do processo 3028247-55.2024.8.06.0001 para sessão de julgamento que está agendada para Data/Horário citados acima.
Solicitação para sustentação oral através do e-mail da secretaria até as 18h do dia útil anterior ao dia da sessão. E-mail: [email protected] -
05/06/2025 16:06
Expedida/certificada a comunicação eletrôinica Documento: 22878812
-
05/06/2025 15:47
Inclusão em pauta para julgamento de mérito
-
05/06/2025 12:21
Pedido de inclusão em pauta
-
05/06/2025 10:57
Conclusos para despacho
-
02/04/2025 09:36
Conclusos para julgamento
-
02/04/2025 09:36
Conclusos para julgamento
-
01/04/2025 15:15
Conclusos para decisão
-
31/03/2025 15:56
Proferido despacho de mero expediente
-
19/02/2025 11:38
Recebidos os autos
-
19/02/2025 11:38
Conclusos para decisão
-
19/02/2025 11:38
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
19/02/2025
Ultima Atualização
27/06/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
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