TJDFT - 0735663-26.2025.8.07.0000
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gabinete do Exmo. Sr. Desembargador Mauricio Silva Miranda
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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10/09/2025 02:16
Publicado Decisão em 10/09/2025.
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10/09/2025 02:16
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 09/09/2025
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09/09/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador Mauricio Silva Miranda Número do processo: 0735663-26.2025.8.07.0000 Classe judicial: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: RICARDO CARVALHO GOMES AGRAVADO: BANCO DO BRASIL S/A D E C I S Ã O Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido liminar, interposto por RICARDO CARVALHO GOMES contra decisão proferida pelo MM.
Juiz de Direito da 16ª Vara Cível de Brasília, Dr.
Cleber de Andrade Pinto, que, em sede de cumprimento de sentença proposto pelo BANCO DO BRASIL S.A., rejeitou a impugnação à penhora de valor bloqueado via SISBAJUD.
Em suas razões recursais (ID 75474998), o executado sustenta que “a decisão agravada viola frontalmente o art. 833, IV, do Código de Processo Civil, motivo pelo qual deve ser cassada, reconhecendo-se a impenhorabilidade da verba de natureza salarial e determinando-se a imediata liberação do valor de R$ 6.155,89 constrito.” Diz que “a impenhorabilidade, neste caso, é presumida.
Cabe ao credor (Agravado), e não ao devedor (Agravante), demonstrar a existência de má-fé, fraude ou abuso de direito que justifique a quebra dessa proteção.
Portanto, diversamente do consignado na decisão agravada, a proteção conferida pelo art. 833 do CPC é automática e presumida, não se restringindo exclusivamente aos valores mantidos em caderneta de poupança.” Requer, inclusive liminarmente, a reforma da r. decisão agravada para que seja reconhecida a impenhorabilidade do valor constrito.
Indeferida a gratuidade de justiça vindicada pelo executado agravante (ID 75547722), o agravante efetuou o pagamento do preparo (ID 75922187). É o breve relatório.
DECIDO.
A legislação processual outorga ao Relator o poder de atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal quando houver risco de dano grave, de difícil ou de impossível reparação, e desde que demonstrada a probabilidade do provimento do recurso (art. 932, II c/c art. 995, parágrafo único c/c art. 1.019, I, do CPC).
No caso, o executado agravante se insurge contra decisão que rejeitou a impugnação à penhora de valor de R$ 6.155,89 bloqueado via SISBAJUD.
Contudo, em sede de juízo de cognição sumária, não vislumbro presentes elementos cumulativos que evidenciem suficiente probabilidade recursal do direito vindicado e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo à parte agravante, senão vejamos.
Eis o teor da r. decisão agravada, in verbis: “Trata-se de cumprimento de sentença ajuizado por Banco do Brasil S.A. em face de Ricardo Carvalho Gomes, visando a satisfação de crédito no valor atualizado de R$ 126.972,73, oriundo de contrato bancário, estando em discussão a participação em concurso de credores.
Nos autos, foi determinada a constrição de valores por meio do sistema SISBAJUD, resultando no bloqueio de R$ 11.531,95 na conta salário do executado e de R$ 6.155,89 em conta mantida no Banco do Brasil.
Por decisão anterior, reconheceu-se a impenhorabilidade da verba de R$ 11.531,95, por se tratar de salário, determinando-se, contudo, a transferência do montante de R$ 6.155,89 para conta judicial, ante a ausência de manifestação do executado a respeito desse último bloqueio.
O executado, por meio de seu patrono, apresentou impugnação à penhora, alegando, em síntese, que não teve ciência prévia do bloqueio do valor de R$ 6.155,89, visto que o resultado do SISBAJUD ainda não havia sido juntado aos autos no momento da primeira manifestação defensiva.
Sustenta que a quantia também possui natureza salarial, correspondendo à devolução de parcelas de empréstimo consignado descontadas de seus vencimentos, razão pela qual se enquadra na impenhorabilidade prevista no art. 833, IV, do CPC.
Invoca precedentes do Superior Tribunal de Justiça que asseguram a proteção de valores de natureza alimentar, inclusive quando depositados em conta corrente, até o limite de 40 salários-mínimos, ressalvadas hipóteses de má-fé, abuso ou fraude, não verificadas no caso.
Ao final, requer o reconhecimento da impenhorabilidade do valor de R$ 6.155,89, com sua imediata liberação e a suspensão de futuras ordens de bloqueio sobre contas de natureza salarial.
Decido.
A impugnação não merece acolhida.
A proteção conferida pelo art. 833, IV, do Código de Processo Civil alcança, em regra, vencimentos, salários, remunerações e demais verbas de natureza alimentar, desde que mantida a sua destinação essencial ao sustento do devedor e de sua família.
No caso concreto, a quantia bloqueada de R$ 6.155,89 decorre de ressarcimento de parcelas de empréstimo consignado.
Tal verba não se confunde com salário propriamente dito, pois não se trata de contraprestação paga diretamente pelo empregador como retribuição ao trabalho, mas sim de devolução de valores anteriormente descontados em razão de contrato de mútuo.
Para que tal quantia pudesse gozar da impenhorabilidade prevista no inciso IV do art. 833 do CPC, incumbia ao executado demonstrar que, além de ser proveniente de ressarcimento de empréstimo consignado, também seria imprescindível para o sustento próprio e de sua família — ônus do qual não se desincumbiu.
Ressalte-se que, paralelamente, houve o ressarcimento ao executado de aproximadamente R$ 11.000,00, valor este que, em tese, poderia suprir suas necessidades imediatas.
Tal circunstância enfraquece o argumento de imprescindibilidade do montante ora constrito.
No que tange à alegação de que valores depositados em conta-corrente, até o limite de 40 salários-mínimos, seriam impenhoráveis por força de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, cumpre esclarecer que tal entendimento não possui caráter vinculante.
A impenhorabilidade automática de valores até tal limite encontra previsão expressa apenas no inciso X do art. 833 do CPC, e, ainda assim, quando depositados em caderneta de poupança, o que não é a hipótese dos autos.
Diante do exposto, rejeito a impugnação à penhora, mantendo-se hígida a constrição sobre o valor de R$ 6.155,89.
Aguarde-se decurso de prazo para o exequente se manifestar acerca da decisão de id. 245929945.” Sobre a matéria, impõe-se observar o posicionamento pacificado pela Corte Especial do colendo STJ, no julgamento do EREsp n. 1.518.169/DF, admitindo a relativização da impenhorabilidade da verba salarial, inclusive para satisfação de débito não alimentar, desde que não comprometida a subsistência do devedor, de modo a preservar o mínimo existencial do núcleo familiar.
Confira-se: DIREITO PROCESSUAL CIVIL.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL.
PENHORA DE PERCENTUAL DE SALÁRIO.
DÍVIDA DE CARÁTER NÃO ALIMENTAR.
RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DE IMPENHORABILIDADE.
POSSIBILIDADE. 1.
Ação de execução de título executivo extrajudicial - nota promissória. 2.
Ação ajuizada em 13/10/1994.
Recurso especial interposto em 29/10/2009.
Embargos de divergência opostos em 23/10/2017.
Julgamento: CPC/2015. 3.
O propósito recursal é definir sobre a possibilidade de penhora de vencimentos do devedor para o pagamento de dívida de natureza não alimentar. 4.
Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família.
Precedentes. 5.
Na espécie, a moldura fática delineada nos autos - e inviável de ser analisada por esta Corte ante a incidência da Súmula 7/STJ - conduz à inevitável conclusão de que a constrição de percentual de salário da embargante não comprometeria a sua subsistência digna. 6.
Embargos de divergência não providos.” (EREsp n. 1.518.169/DF, relator Ministro Humberto Martins, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 3/10/2018, DJe de 27/2/2019.) “PROCESSUAL CIVIL.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL.
EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL.
PENHORA.
PERCENTUAL DE VERBA SALARIAL.
IMPENHORABILIDADE (ART. 833, IV e § 2º, CPC/2015).
RELATIVIZAÇÃO.
POSSIBILIDADE.
CARÁTER EXCEPCIONAL. 1.
O CPC de 2015 trata a impenhorabilidade como relativa, podendo ser mitigada à luz de um julgamento principio lógico, mediante a ponderação dos princípios da menor onerosidade para o devedor e da efetividade da execução para o credor, ambos informados pela dignidade da pessoa humana. 2.
Admite-se a relativização da regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial, independentemente da natureza da dívida a ser paga e do valor recebido pelo devedor, condicionada, apenas, a que a medida constritiva não comprometa a subsistência digna do devedor e de sua família. 3.
Essa relativização reveste-se de caráter excepcional e só deve ser feita quando restarem inviabilizados outros meios executórios que possam garantir a efetividade da execução e desde que avaliado concretamente o impacto da constrição na subsistência digna do devedor e de seus familiares. 4.
Ao permitir, como regra geral, a mitigação da impenhorabilidade quando o devedor receber valores que excedam a 50 salários-mínimos, o § 2º do art. 833 do CPC não proíbe que haja ponderação da regra nas hipóteses de não excederem (EDcl nos EREsp n. 1.518.169/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe de 24.5.2019). 5.
Embargos de divergência conhecidos e providos.” (EREsp n. 1.874.222/DF, relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 19/4/2023, DJe de 24/5/2023.) “PROCESSUAL CIVIL.
BLOQUEIO DE DINHEIRO VIA BACEN JUD.
DINHEIRO DISPONÍVEL EM CONTA-CORRENTE, NÃO EM CADERNETA DE POUPANÇA.
IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA.
ART. 833, X, DO CPC (ANTIGO ART. 649, X, DO CPC/1973).
NORMA RESTRITIVA.
INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA.
IMPOSSIBILIDADE.
PRESTÍGIO À JURISPRUDÊNCIA FIRMADA NESSE SENTIDO.
AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA EXCEPCIONAL OU RELEVANTES RAZÕES PARA ALTERAÇÃO.
DEVER DOS TRIBUNAIS SUPERIORES DE MANTER SUAS ORIENTAÇÕES ESTÁVEIS, ÍNTEGRAS E COERENTES.
DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA 1.
A controvérsia cinge-se ao enquadramento das importâncias depositadas em conta-corrente até 40 (quarenta) salários-mínimos na impenhorabilidade prevista no art. 649, X, do CPC/1973, atual art. 833, X, do CPC/2015. 2.
O Tribunal de origem reformou a decisão de primeiro grau para considerar impenhorável o valor de R$ 40.816,42 depositado em conta-corrente do executado, mesmo que as verbas não tenham origem salarial ou alimentar e estivessem sendo usadas como disponibilidade financeira para pagamentos diversos, tais como "internet, cobranças bancárias, condomínio, saques, cheques, dentre outros", conforme identificado pelo juiz de piso (fls. 125-126, e-STJ).
JURISPRUDÊNCIA DO STJ A RESPEITO DA QUESTÃO CONTROVERTIDA 3.
A orientação cediça do STJ, desde a introdução do instituto no Código de Processo Civil de 1973, sempre foi no sentido de que a disposição contida no art. 649, X, do CPC/1973 - atual art. 833, X, do CPC/2015 - era limitada aos valores depositados em caderneta de poupança, consoante dicção expressa da lei.
Por todos: "O art. 649, X, do CPC, não admite intepretação extensiva, de modo a abarcar outras modalidades de aplicação financeira, de maior risco e rentabilidade, que não detêm o caráter alimentício da caderneta de poupança" (REsp 1.330.567/RS, Rel.
Ministra Nancy Andrighi, DJe 27.5.2013).
No mesmo sentido: AgRg no REsp 1.371.567/SP, Rel.
Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe 12.6.2013; AgRg no AREsp 385.316/RJ, Rel.
Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 14.4.2014; AgRg no AREsp 511.240/AL, Rel.
Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 30.3.2015; AgInt no AgInt no AREsp 886.532/SP, Rel.
Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 14.6.2017. 4.
Vale acrescentar que, nos casos em que os depósitos realizados eram utilizados mais para fins de movimentação financeira do que como poupança, o entendimento jurisprudencial era de que estava descaracterizada a proteção conferida pela regra da impenhorabilidade, pois destinada a conferir segurança alimentícia e familiar, o que deixava de ocorrer no caso de uso como fluxo de caixa para despesas diversas. 5.
Esse posicionamento começou a sofrer alteração a partir de alguns julgados do STJ que passaram a adotar posição diametralmente oposta, no sentido de que "a impenhorabilidade da quantia de até quarenta salários mínimos poupada alcança não somente as aplicações em caderneta de poupança, mas também as mantidas em fundo de investimentos, em conta-corrente ou guardadas em papel-moeda, ressalvado eventual abuso, má-fé, ou fraude, a ser verificado de acordo com as circunstâncias do caso concreto" (REsp 1.582.264/PR, Rel.
Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 28.6.2016).
No mesmo sentido: REsp 1.230.060/PR, Rel.
Ministra Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe 29.8.2014; AgRg no REsp 1.566.145/RS, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18.12.2015; e REsp 1.666.893/PR, Rel.
Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30.6.2017. 6.
O acórdão a quo se baseou em precedente da Segunda Seção, firmado por maioria, no REsp 1.230.060/PR, DJe 29.8.2014, Rel.
Ministra Isabel Gallotti, para desbloquear as verbas penhoradas da conta-corrente do executado.
INTERPRETAÇÃO DO ART. 833, X, DO CPC À LUZ DA CF/1988 E DO ART. 5º DA LINDB 7.
Originalmente, o Voto por mim apresentado adotava solução coerente com a posição jurisprudencial que vinha sendo aplicada pacificamente no STJ até 2014, isto é, restringindo a impenhorabilidade do montante de até 40 salários-mínimos para o dinheiro aplicado exclusivamente em cadernetas de poupança, com lastro na interpretação literal das normas do CPC/1973 e do atual CPC. 8.
Não obstante, dado o brilhantismo dos fundamentos lançados no Voto-Vista divergente apresentado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, pedi Vista Regimental para sobre eles refletir e apresentar solução intermediária. 9.
Saliento, conforme exposição abaixo, que a modificação adequada e ora submetida ao Colegiado possui abrangência menor do que a veiculada na proposta do eminente par. 10.
Primeiramente, reitero, com base nos precedentes acima citados, que o STJ procedeu à alteração jurisprudencial acerca do tema no ano de 2014, situação que não pode ser desconsiderada no julgamento da presente causa. 11.
Em segundo lugar, tenho como claro e incontroverso, pela leitura dos dois Votos até aqui apresentados, que a redação literal do Código de Processo Civil (tanto o de 1973 - art. 649, X - como o atual - art. 833, X) sempre especificou que é absolutamente impenhorável a quantia de até 40 salários-mínimos aplicada apenas em caderneta de poupança. 12.
Sucede que não é despropositado observar que realmente houve alteração na realidade fática atinente às aplicações financeiras. 13.
Na cultura generalizada vigente nas últimas décadas do século passado, o cidadão médio, quando pensava em reservar alguma quantia para a proteção própria ou de sua família, pensava naturalmente na poupança. 14.
Hoje em dia, não é incomum verificar a grande expansão de empresas especializadas em atender a um crescente mercado voltado ao investimento no mercado financeiro, sendo frequente que um segmento social (ainda que eventualmente pequeno) relativamente privilegiado saiba muito bem que, atualmente, a poupança é a aplicação que dá menor retorno. 15.
Exatamente por essa razão é que se entende, após melhor ponderação sobre o tema, que o nome da aplicação financeira, por si só, é insuficiente para viabilizar a proteção almejada pelo legislador.
Em outras palavras, a se considerar que a reserva de numerário mínimo, destinada a formar patrimônio necessário ao resguardo da dignidade da pessoa humana (aqui incluída a do grupo familiar a que pertence), constitui o fim social almejado pelo legislador, não seria razoável, à luz da Constituição Federal e do art. 5º da LINDB, consagrar entendimento no sentido de proteger apenas a parte processual que optou por fazer aplicação em "cadernetas de poupança", instituindo tratamento desigual para outros que, aplicando sua reserva monetária em aplicações com características e finalidade similares à da poupança, buscam obter retorno financeiro mais bem qualificado. 16.
No sentido acima, chama-se atenção para o fato de que a hipótese não é de interpretação ampliativa - incabível em relação às normas de exceção em um microssistema jurídico -, mas de sua exegese à luz da Constituição Federal de 1988 e do art. 5º da LINDB. 17.
Não sensibiliza, todavia, a genérica menção à ampliação da impenhorabilidade, que passaria a ser geral e irrestrita, a todo e qualquer tipo de aplicação financeira de até 40 salários-mínimos, com amparo na necessidade de se proceder à exegese da norma em conformidade com outros valores prestigiados constitucionalmente. 18.
Isso porque, embora evidentemente as normas não possam ser interpretadas contra outros valores constitucionais, a ciência jurídica impõe o acato e a observância à rigorosa técnica da hermenêutica e de ponderação de valores de normas aparentemente conflitantes.
Assim, a menção abstrata a outros valores de estatura constitucional, por si só, é insuficiente para justificar, como resultado exegético, interpretação que entre em atrito com outras máximas, ou princípios e fundamentos técnico-jurídicos, como os de que a lei não contém palavras inúteis, ou de que as normas de exceção devem ser interpretadas restritivamente. 19.
Dito de outro modo, o que se tem por razoável é considerar, na melhor das hipóteses, que a norma sobre a impenhorabilidade deve ser interpretada, à luz da CF/1988, sob a perspectiva de preservar direitos fundamentais, sem que isso autorize, entretanto, a adoção de interpretação ampliativa em relação a normas editadas com finalidade eminentemente restritiva (já que a impenhorabilidade, como se sabe, constitui exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial), pois, em tal contexto, não haveria interpretação buscando compatibilizar normas jurídicas, mas construção de um ordenamento jurídico sustentado por sistema hermenêutico autofágico, em que uma norma aniquilaria o espírito e a razão de existir de outra. 20. É precisamente por esse motivo que merece reprodução o seguinte excerto lançado no próprio Voto-Vista do Ministro Luis Felipe Salomão, o qual se reporta à "lapidar lição de Fredie Didier Jr" (destaques meus, em negrito): "(...) a restrição à penhora de certos bens apresenta-se como uma técnica processual tradicional e bem aceita pela sociedade contemporânea.
Mas essas regras não estão imunes ao controle de constitucionalidade in concreto e, por isso, podem ser afastadas ou mitigadas se, no caso concreto, a sua aplicação revelar-se não razoável ou desproporcional.". 21.
Como base no acima exposto, à luz do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, é inadequado formar-se posicionamento jurisprudencial que consubstancie orientação no sentido de que toda aplicação de até 40 (quarenta) salários-mínimos, em qualquer tipo de aplicação bancária ou financeira, estará sempre enquadrada na hipótese do art. 833, X, do CPC. 22.
A partir do raciocínio acima, a melhor interpretação e aplicação da norma é aquela que respeita as seguintes premissas: a) é irrelevante o nome dado à aplicação financeira, mas é essencial que o investimento possua características e objetivo similares ao da utilização da poupança (isto é, reserva contínua e duradoura de numerário até quarenta salários-mínimos, destinada a conferir proteção individual ou familiar em caso de emergência ou imprevisto grave) - o que não ocorre, por exemplo, com aplicações especulativas e de alto risco financeiro (como recursos em bitcoin, etc.); b) não possui as características acima o dinheiro referente às sobras que remanescem, no final do mês, em conta-corrente tradicional ou remunerada (a qual se destina, justamente, a fazer frente às mais diversas operações financeiras de natureza diária, eventual ou frequente, mas jamais a constituir reserva financeira para proteção contra adversidades futuras e incertas); c) importante ressalvar que a circunstância descrita no item anterior, por si só, não conduz automaticamente ao entendimento de que o valor mantido em conta-corrente será sempre penhorável.
Com efeito, deve subsistir a orientação jurisprudencial de que o devedor poderá solicitar a anulação da medida constritiva, desde que comprove que o dinheiro percebido no mês de ingresso do numerário possui natureza absolutamente impenhorável (por exemplo, conta usada para receber o salário, ou verba de natureza salarial); d) para os fins da impenhorabilidade descrita na hipótese "a", acima, ressalvada a hipótese de aplicação em caderneta de poupança (em torno da qual há presunção absoluta de impenhorabilidade), é ônus da parte devedora produzir prova concreta de que a aplicação similar à poupança constitui reserva de patrimônio destinada a assegurar o mínimo existencial ou a proteger o indivíduo ou seu núcleo familiar contra adversidades.
SÍNTESE DA TESE OBJETIVA AQUI APRESENTADA 23.
A garantia da impenhorabilidade é aplicável automaticamente, no patamar de até 40 (quarenta) salários-mínimos, ao valor depositado exclusivamente em caderneta de poupança.
Se a medida de bloqueio/penhora judicial, por meio físico ou eletrônico (Bacenjud), atingir dinheiro mantido em conta-corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, poderá eventualmente a garantia da impenhorabilidade ser estendida a tal investimento - respeitado o teto de quarenta salários-mínimos -, desde que comprovado, pela parte processual atingida pelo ato constritivo, que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinada a assegurar o mínimo existencial. (...) 26.
Recurso Especial provido.” (REsp n. 1.660.671/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/2/2024, DJe de 23/5/2024.) Sob esse enfoque, já decidiu este e.
Tribunal de Justiça que: “para que seja reconhecida a impenhorabilidade (CPC, art. 833, IV e X), deve haver satisfatoriamente comprovação da natureza da verba constrita, recaindo o ônus probatório sobre o devedor, após sua intimação acerca da indisponibilidade de ativos financeiros, conforme estabelece o art. 854, §§ 2º e 3º, do CPC, sendo a validade da penhora avaliada caso a caso.” (Acórdão 1962636, 0744041-05.2024.8.07.0000, Relator(a): ALFEU MACHADO, 6ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 29/01/2025, publicado no DJe: 13/02/2025.) Na espécie, contudo, verifica-se que a quantia bloqueada de R$ 6.155,89 decorre de ressarcimento de parcelas de empréstimo consignado.
No particular, já decidiu o colendo STJ, “in verbis”: “RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL.
VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL.
NÃO CABIMENTO.
VALORES DECORRENTES DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO.
DEPÓSITO EM CONTA SALÁRIO.
NATUREZA SALARIAL NÃO CONFIGURADA.
IMPENHORABILIDADE AFASTADA.
JULGAMENTO: CPC/2015. 1.
Ação de execução de título extrajudicial ajuizada em 2018, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 25/05/2020 e concluso ao gabinete em 08/04/2021. 2.
O propósito recursal é decidir sobre a penhora de valores oriundos de empréstimo consignado, depositados na conta salário do executado. (...) 4.
O fato de o pagamento das parcelas incidir diretamente sobre a contraprestação recebida como fruto do trabalho não equipara os valores oriundos de empréstimo consignado aos vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios, montepios, ou às quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, aos ganhos de trabalhador autônomo e aos honorários de profissional liberal, aos quais o legislador conferiu a proteção da impenhorabilidade (art. 833, IV, CPC/2015). 5.
Se nem mesmo o salário e verbas assemelhadas, que têm natureza alimentar, gozam de impenhorabilidade absoluta, não é razoável que se confira tal blindagem aos valores decorrentes de empréstimo consignado, apenas porque se encontram depositados na conta salário do devedor. 6.
Hipótese em que, diferentemente do decidido pela T erceira Turma no REsp 1.820.477/DF, (julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020), o Tribunal de origem, ao analisar o conjunto fático-probatório dos autos, registrou que a penhora recaiu sobre valores cuja origem não foi comprovada pelo devedor, não havendo, pois, falar em impenhorabilidade. 7.
Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido.” (REsp n. 1.931.432/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 8/6/2021, DJe de 15/6/2021.) “RECURSO ESPECIAL.
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO.
DESCONTO.
FOLHA DE PAGAMENTO.
NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
AUSÊNCIA.
PENHORABILIDADE.
REGRA.
IMPENHORABILIDADE.
EXCEÇÃO. (...) 2.
Cinge-se a controvérsia principal a definir se os valores oriundos de empréstimo consignado em folha de pagamento, depositados em conta bancária do devedor, recebem a proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos e pensões, conforme disposto no art. 833, IV, do CPC/2015. 3.
A quantia decorrente de empréstimo consignado, embora seja descontada diretamente da folha de pagamento do mutuário, não tem caráter salarial, sendo, em regra, passível de penhora. 4.
A proteção da impenhorabilidade ocorre somente se o mutuário (devedor) comprovar que os recursos oriundos do empréstimo consignado são necessários à sua manutenção e à da sua família. 5.
Na hipótese, o Tribunal de origem não analisou a necessidade do empréstimo para a manutenção do devedor e da sua família, limitando-se a concluir pela possibilidade da penhora do numerário em conta bancária, não havendo nos autos elementos que permitissem ao julgador verificar a condição financeira do devedor. 6.
Recurso especial parcialmente provido.” (REsp n. 1.820.477/DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 19/5/2020, DJe de 27/5/2020.) Posta a questão nestes termos, falece ao executado agravante o requisito da probabilidade da relevância da argumentação desenvolvida eis que não comprovou satisfatoriamente que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinada a assegurar o mínimo existencial.
Nessa conjuntura, considero não estarem caracterizados, nesse exame prefacial, os requisitos cumulativos autorizadores da atribuição de efeito suspensivo ao recurso.
Do exposto, INDEFIRO o pedido liminar.
Comunique-se ao Juízo de 1ª instância.
Intimem-se a parte agravada para, querendo, apresentar contrarrazões ao recurso, facultando-lhes, ainda, a juntada de documentos (art. 1.019, II, do CPC).
P.I.
Brasília/DF, 07 de setembro de 2025.
Desembargador Mauricio Silva Miranda Relator -
07/09/2025 15:38
Recebidos os autos
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07/09/2025 15:38
Não Concedida a Medida Liminar
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05/09/2025 13:23
Conclusos para Relator(a) - Magistrado(a) MAURICIO SILVA MIRANDA
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05/09/2025 13:23
Expedição de Certidão.
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04/09/2025 19:12
Juntada de Certidão
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02/09/2025 02:17
Publicado Decisão em 02/09/2025.
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02/09/2025 02:17
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 01/09/2025
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29/08/2025 15:03
Gratuidade da Justiça não concedida a RICARDO CARVALHO GOMES - CPF: *14.***.*72-03 (AGRAVANTE).
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25/08/2025 18:53
Redistribuído por prevenção em razão de modificação da competência
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25/08/2025 17:34
Remetidos os Autos (outros motivos) para Distribuição
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25/08/2025 17:34
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
25/08/2025
Ultima Atualização
08/09/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Decisão • Arquivo
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