TJES - 5011057-35.2023.8.08.0030
1ª instância - 2ª Vara Civel - Linhares
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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02/06/2025 14:11
Juntada de Petição de contrarrazões
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29/05/2025 13:18
Juntada de Petição de Petição (outras)
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28/05/2025 00:56
Publicado Sentença em 26/05/2025.
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28/05/2025 00:56
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 22/05/2025
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23/05/2025 13:58
Juntada de Petição de apelação
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22/05/2025 00:00
Intimação
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5011057-35.2023.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: G.
P.
S.
REQUERIDO: UNIMED NORTE CAPIXABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO Advogado do(a) REQUERENTE: PETRIUS ABUD BELMOK - ES10514 Advogado do(a) REQUERIDO: JOAO VICTOR CARAN BARBOSA - ES25622 SENTENÇA
I - RELATÓRIO GUILHERME PEREIRA DE SOUZA propôs a presente ação de obrigação de fazer com pedido de indenização por danos morais em face de UNIMED NORTE CAPIXABA – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, alegando que foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e necessita de tratamento multidisciplinar, incluindo sessões de psicopedagogia, prescritas por profissional médico.
Informa que a requerida autorizou parte do tratamento (ABA, fonoaudiologia e terapia ocupacional), mas negou cobertura às sessões de psicopedagogia, sob a justificativa de que tal procedimento não consta no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS.
Para reforçar sua alegação, aponta como causa de pedir que a negativa da requerida se mostra abusiva, contrariando o entendimento jurisprudencial atual e colocando em risco o desenvolvimento do autor, menor de idade e com vulnerabilidades agravadas.
Sustenta que a conduta da requerida caracteriza violação ao Código de Defesa do Consumidor e ao direito fundamental à saúde.
Ao final, pediu a obrigação de fazer consistente na cobertura do tratamento psicopedagógico, e a condenação por danos morais no valor de R$ 25.000,00, além das custas e honorários advocatícios (ID 33171467).
A parte autora anexou à petição inicial documentos comprobatórios, tais como laudos médicos, contrato de plano de saúde e a negativa administrativa da operadora (IDs 33171478 - 33172791).
A UNIMED NORTE CAPIXABA apresentou contestação (33938169), sustentando que não houve negativa indevida de cobertura, pois a prescrição apresentada indicava atendimento com psicopedagoga, que não possui qualificação reconhecida como profissional da área da saúde.
A operadora alegou que, se o tratamento fosse realizado por psicólogo com abordagem psicopedagógica, haveria cobertura.
Afirmou que atua de acordo com as normas da ANS e cláusulas contratuais, que excluem expressamente procedimentos fora do Rol.
Por fim, requereu a improcedência total dos pedidos e o indeferimento da inversão do ônus da prova.
Intimada para manifestação, a parte autora apresentou réplica à contestação em ID 40998673, oportunidade em que reiterou integralmente os fundamentos e pedidos iniciais, impugnou os argumentos da defesa e formulou expressamente pedido de julgamento antecipado da lide, alegando que a matéria era exclusivamente de direito e encontrava-se pacificada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
O juízo exarou decisão saneadora em 06/06/2024 (ID 44258398), na qual, após examinar os autos, declarou o processo saneado, fixando os pontos controvertidos: (a) responsabilidade civil da requerida; (b) negativa do tratamento de psicopedagogia; (c) existência de cobertura contratual para tal tratamento; (d) as condições e motivações da negativa administrativa; e (e) ocorrência de danos morais, nexo causal, sua extensão e quantificação.
Ainda, o juízo acolheu o pedido de inversão do ônus da prova, com fulcro no art. 6º, VIII, do CDC, reconhecendo a hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança das alegações.
Determinou-se a intimação das partes para manifestação sobre produção de provas.
Ambas as partes manifestaram desinteresse na produção de outras provas, tendo requerido o julgamento antecipado da lide (IDs 54685001 e 54746343) É o que havia a relatar.
Passo a decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO II.1 – DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE Dispõe o art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil que o juiz julgará antecipadamente o mérito sempre que a questão for unicamente de direito ou, sendo de fato, não houver necessidade de produção de outras provas além daquelas já constantes nos autos.
No presente caso, ambas as partes expressamente manifestaram desinteresse na produção de outras provas.
A parte autora, em sua réplica (Id 40998673), reiterou os fundamentos da inicial e requereu o julgamento antecipado da lide, por entender que a matéria é unicamente de direito e encontra respaldo nos documentos juntados.
A parte requerida, por sua vez, apresentou petição com idêntico requerimento (Id 54685001), informando não possuir provas adicionais a produzir e ratificando a suficiência da instrução documental já existente.
A parte autora confirmou essa posição também na petição de Id 54746343.
O juízo, ao proferir a decisão de saneamento e organização do processo (Id 44258398), consignou expressamente que o feito transcorreu regularmente, sem vícios processuais, com presença das condições da ação e dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo, declarando-o saneado.
Ainda, dispensou a audiência de saneamento e instrução, por não se tratar de causa de maior complexidade, nos termos do art. 357, §3º, do CPC.
Constatando-se que a controvérsia gira em torno da interpretação contratual, da análise jurídica da negativa de cobertura de procedimento de saúde e da incidência das normas consumeristas, e que a instrução documental é suficiente para o deslinde da controvérsia, mostra-se plenamente possível o julgamento imediato do mérito.
Nesse contexto, a produção de prova oral ou pericial é desnecessária, não havendo fatos controvertidos que dependam de esclarecimento técnico ou testemunhal.
Ademais, a instrução documental contempla os elementos essenciais: prescrição médica, contrato, negativa administrativa e fundamentos da recusa.
Portanto, preenchidos os requisitos do art. 355, I, do CPC, impõe-se o julgamento antecipado da lide, conforme requerido pelas partes e reconhecido por este juízo.
II.2 – DO DIREITO À SAÚDE E DA OBRIGAÇÃO CONTRATUAL DAS OPERADORAS O direito à saúde é consagrado como direito social fundamental pela Constituição Federal de 1988, nos termos dos arts. 6º e 196, impondo a toda a coletividade, e especialmente aos entes privados que exploram a assistência médica suplementar, o dever jurídico de colaborar para a preservação, promoção e recuperação da saúde dos indivíduos, sob pena de responsabilização em caso de omissão ou recusa indevida.
No plano infraconstitucional, a prestação de serviços de saúde suplementar é regulada pela Lei nº 9.656/1998, que disciplina os contratos firmados com operadoras de planos de saúde, como também pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), cuja aplicação foi reafirmada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula 608, segundo a qual: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.” No caso em análise, como expressamente reconhecido na decisão de saneamento (ID 44258398), é cabível a incidência das normas consumeristas, especialmente diante da hipossuficiência do autor e da verossimilhança de suas alegações.
A relação contratual entabulada entre GUILHERME PEREIRA DE SOUZA e a UNIMED NORTE CAPIXABA deve, portanto, ser interpretada à luz dos princípios da boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil), da função social do contrato (art. 421 do Código Civil) e da interpretação mais favorável ao consumidor (art. 47 do CDC), como forma de assegurar equilíbrio material entre as partes.
A negativa de cobertura de procedimento clinicamente indicado, como o tratamento psicopedagógico prescrito ao autor, pode configurar prática abusiva vedada pelo art. 51, IV, e §1º, I e II, do CDC, sobretudo quando compromete a efetividade da assistência à saúde e esvazia a finalidade principal do contrato, que é garantir acesso adequado aos cuidados prescritos por profissional habilitado.
Quanto aos limites da cobertura assistencial, o art. 10 da Lei nº 9.656/1998, com redação atualizada pela Lei nº 14.454/2022, esclarece que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS constitui referência básica para os planos contratados a partir de 1º de janeiro de 1999, não sendo exaustivo de maneira absoluta: § 12.
O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.
A lei estabelece, ainda, hipóteses de cobertura obrigatória mesmo para tratamentos não listados no Rol, desde que presentes critérios objetivos de validade clínica e respaldo técnico: § 13.
Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que: I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde de renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais. (Incluído dada pela Lei nº 14.454, de 2022) No presente caso, o autor apresentou prescrição médica expressa para o acompanhamento psicopedagógico (ID 33172777), no contexto de terapia do espectro autista (ABA), fundamentada clinicamente como necessária ao seu desenvolvimento neurocognitivo.
Trata-se de modalidade terapêutica amplamente reconhecida pela literatura médica e incorporada em diversos protocolos clínicos voltados ao TEA, conforme reiteradamente reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça.
Assim, a ausência da psicopedagogia no rol da ANS não autoriza, por si só, a negativa automática de cobertura, cabendo à operadora avaliar a prescrição apresentada, a viabilidade técnica do procedimento e a existência de evidências científicas que justifiquem sua realização — ônus que, no presente caso, não foi satisfeito pela requerida.
Adotar uma interpretação literal e estanque do rol da ANS representa afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, além de contrariedade ao objetivo protetivo do contrato de assistência à saúde, devendo prevalecer, em nome da efetividade do direito fundamental à saúde, a interpretação finalística das normas protetivas do consumidor.
Portanto, a recusa da operadora, baseada unicamente na ausência de previsão formal do procedimento no rol da ANS e na classificação profissional do prestador, desconsiderando a prescrição médica fundamentada, configura conduta abusiva e ilícita, vedada pelo ordenamento jurídico, e revela violação ao dever contratual e legal de cobertura assistencial.
II.3 – DA NEGATIVA DE COBERTURA DO TRATAMENTO PSICOPEDAGÓGICO A controvérsia central do presente feito gravita em torno da recusa (ID 33172782), por parte da ré, UNIMED NORTE CAPIXABA – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, em autorizar o tratamento psicopedagógico prescrito ao autor GUILHERME PEREIRA DE SOUZA, menor diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Cabe, neste capítulo, a análise do conteúdo e das circunstâncias em que se deu essa negativa, bem como sua configuração enquanto ato jurídico relevante para fins de responsabilização.
Conforme se extrai da inicial (ID 33171467), o autor é beneficiário de plano de saúde mantido pela requerida, e apresentou prescrição médica emitida por profissional habilitado, recomendando o acompanhamento psicopedagógico como parte do plano terapêutico baseado no método ABA (Applied Behavior Analysis), tratamento de reconhecida eficácia para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, comportamentais e sociais em pessoas com TEA.
Em ID 33172777, consta documento de solicitação médica do referido tratamento, e em ID 33172782, a parte autora junta a resposta administrativa da operadora, na qual a requerida nega a cobertura do atendimento de psicopedagogia, sob o argumento de que não há previsão contratual para atendimento com psicopedagoga e de que o procedimento não está incluído no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS.
A negativa se deu de forma expressa e objetiva, sem menção a qualquer diligência no sentido de apurar a qualificação do profissional que realizaria o atendimento (se psicólogo ou pedagogo), tampouco houve proposta alternativa por parte da operadora que indicasse a possibilidade de atendimento com psicólogo com habilitação em psicopedagogia, o que poderia, eventualmente, ser objeto de cobertura.
O comportamento da requerida, além de não estar lastreado em perícia técnica ou em análise individualizada do caso, revela uma resistência administrativa padronizada, fundada apenas na literalidade do rol da ANS e na qualificação formal do profissional indicado, sem levar em conta a condição clínica do autor, a prescrição médica fundamentada e a jurisprudência consolidada sobre o tema. É oportuno registrar que não houve controvérsia sobre a veracidade da prescrição médica apresentada nem sobre o diagnóstico de TEA, circunstâncias reconhecidas pela própria ré, que inclusive cobriu parte do tratamento ABA, autorizando fonoaudiologia e terapia ocupacional.
A exclusão apenas da psicopedagogia, portanto, carece de coerência interna no contexto do mesmo protocolo terapêutico.
A negativa, tal como documentada nos autos, configura recusa expressa de cobertura de procedimento essencial, fundada exclusivamente em critérios formais e sem respaldo técnico ou clínico suficiente, razão pela qual deve ser reconhecida como inequívoca, relevante e juridicamente lesiva, apta a ensejar a análise de sua legalidade nos capítulos seguintes.
II.4 – DA EXISTÊNCIA DE COBERTURA CONTRATUAL PARA O TRATAMENTO PSICOPEDAGÓGICO A controvérsia posta neste capítulo reside em verificar se o tratamento psicopedagógico prescrito ao autor encontra amparo no contrato firmado entre as partes, e se, ainda que não previsto expressamente no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, pode ser enquadrado como de cobertura obrigatória à luz da regulação setorial e da jurisprudência consolidada.
O contrato de plano de saúde firmado entre GUILHERME PEREIRA DE SOUZA (representado por seus responsáveis legais) e a operadora UNIMED NORTE CAPIXABA – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO encontra-se juntado ao processo sob o ID 33172758.
Trata-se de plano na modalidade ambulatorial + hospitalar com obstetrícia, com cobertura de terapias multiprofissionais nos moldes da regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Não há, no referido instrumento contratual, cláusula de exclusão expressa do tratamento psicopedagógico, tampouco se demonstra de forma inequívoca que a modalidade terapêutica solicitada seria executada por profissional desqualificado ou fora da área da saúde.
O contrato remete, de forma geral, ao cumprimento do rol da ANS e às diretrizes do plano terapêutico indicado.
Ainda que a psicopedagogia não esteja expressamente incluída no Rol de Procedimentos da ANS, sua exclusão não é automática nem absoluta, conforme dispõe a Lei nº 14.454/2022, que alterou a redação do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, conferindo ao Rol da ANS caráter de referência básica, e não de taxatividade absoluta.
Dessa forma, o §13 do referido artigo estabelece que procedimentos não incluídos no Rol devem ser cobertos quando houver: prescrição por profissional habilitado, com fundamento técnico e plano terapêutico individualizado; e comprovação de eficácia do tratamento à luz das ciências da saúde, com respaldo técnico ou por recomendações de órgãos reguladores ou de avaliação de tecnologias em saúde.
No presente feito, tais requisitos estão plenamente atendidos.
O autor juntou aos autos prescrição médica clara, emitida por profissional habilitado, recomendando a inclusão da psicopedagogia como parte do tratamento integrado ao método ABA – abordagem reconhecida como de alta eficácia no tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento da chamada “taxatividade mitigada do rol da ANS”, reconhecendo que as operadoras devem garantir tratamentos não listados quando indispensáveis à saúde do beneficiário, desde que indicados por profissional competente e sustentados por evidência científica.
A alegação da ré de que o procedimento seria conduzido por “pedagogo”, e, portanto, fora da cobertura, não foi comprovada nos autos, ônus que lhe cabia, especialmente após a inversão probatória determinada na decisão saneadora (ID 44258398).
Não se demonstra que o profissional que executaria a psicopedagogia no caso concreto seria desprovido de qualificação técnica ou registro em conselho de saúde.
Importa frisar que a própria requerida autorizou parcialmente o tratamento ABA, permitindo sessões de fonoaudiologia e terapia ocupacional, o que demonstra reconhecimento da abordagem terapêutica como cobertura obrigatória.
A exclusão isolada da psicopedagogia, sem critério clínico ou contratual claro, revela seletividade injustificada.
Assim, à luz da regulação contratual, das normas da ANS, da legislação de saúde suplementar e da jurisprudência vinculante do STJ, deve-se reconhecer que o tratamento psicopedagógico se enquadra na cobertura contratual devida, sendo indevida a negativa promovida pela ré.
II.5 – DO DANO MORAL, NEXO CAUSAL, EXTENSÃO E QUANTIFICAÇÃO Resta analisar se a conduta da ré, consubstanciada na negativa de cobertura do tratamento psicopedagógico prescrito ao autor, configura ato ilícito indenizável na esfera extrapatrimonial, e, em caso positivo, a extensão do dano moral e os critérios para sua quantificação.
A jurisprudência pátria é firme no sentido de que a recusa indevida ou abusiva de cobertura por operadora de plano de saúde, sobretudo em situações que envolvem tratamentos essenciais à saúde e à dignidade do consumidor, configura dano moral in re ipsa, ou seja, presumido, independentemente de prova do prejuízo concreto.
Trata-se de entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, que reiteradamente reconhece que a injustificada negativa de procedimento médico indicado por profissional habilitado extrapola o mero inadimplemento contratual, por representar risco concreto à saúde, à integridade física e ao bem-estar do beneficiário.
Tal jurisprudência encontra fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal) e da efetividade dos direitos fundamentais à saúde e à proteção contratual (arts. 6º e 196 da CF/88; art. 14 do CDC).
No caso sob exame, o autor GUILHERME PEREIRA DE SOUZA é menor de idade diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), condição que exige tratamento precoce, contínuo e multidisciplinar, conforme amplamente reconhecido por protocolos clínicos e pela própria legislação nacional (Lei nº 12.764/2012).
A psicopedagogia foi expressamente indicada por profissional habilitado, como parte essencial do plano terapêutico integrado à metodologia ABA.
A ré UNIMED NORTE CAPIXABA, por sua vez, negou a cobertura com base em critérios exclusivamente formais, sustentando a ausência do procedimento no Rol da ANS e a suposta inadequação da qualificação profissional do prestador, sem realizar qualquer diligência para apurar tecnicamente o caso concreto, tampouco oferecer alternativas que viabilizassem o atendimento dentro dos parâmetros regulatórios.
Tal conduta gerou inegável insegurança, angústia e frustração aos responsáveis legais do autor, diante do risco de interrupção do desenvolvimento neurocognitivo da criança em fase crucial de evolução terapêutica.
A vulnerabilidade acentuada do autor, enquanto pessoa com deficiência e dependente integral de cuidados médicos, potencializa a gravidade do dano experimentado.
O nexo causal entre a conduta da requerida (recusa indevida) e o abalo extrapatrimonial sofrido é evidente.
A expectativa legítima de recebimento do tratamento necessário, frustrada por uma decisão administrativa unilateral e desarrazoada, constitui violação a direito da personalidade, plenamente indenizável.
Quanto à quantificação do dano moral, deve-se considerar os critérios da proporcionalidade, razoabilidade, condição das partes, gravidade da lesão, vulnerabilidade do autor e função pedagógica da indenização, com atenção à vedação ao enriquecimento sem causa.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo também reconhece, em jurisprudência pacificada, que a recusa indevida de cobertura por plano de saúde configura dano moral presumido, e que a indenização deve ser fixada segundo os critérios de razoabilidade, proporcionalidade e extensão do abalo: DIREITO DO CONSUMIDOR E CIVIL.
PLANO DE SAÚDE.
RECUSA INDEVIDA DE COBERTURA.
DANO MORAL CONFIGURADO .
QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO.
PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO.
I.
CASO EM EXAME Apelação Cível interposta em face de sentença que condenou operadora de plano de saúde ao pagamento de indenização por danos morais em decorrência de recusa indevida de cobertura médico-assistencial .
A sentença fixou o valor da indenização em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
A operadora de saúde alega excesso no quantum indenizatório e pede a sua redução.
II .
QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se a recusa indevida de cobertura pelo plano de saúde configura dano moral; e (ii) estabelecer se o valor fixado para a indenização por danos morais é adequado e proporcional às circunstâncias do caso.
III.
RAZÕES DE DECIDIR A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que a recusa indevida de cobertura por plano de saúde gera dano moral in re ipsa, uma vez que agrava o sofrimento psíquico do usuário, especialmente em situações de fragilidade de saúde, não se configurando mero inadimplemento contratual (AgInt no AREsp n. 2 .441.772/PE, rel.
Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva) .
A Súmula 597 do STJ dispõe que é abusiva a cláusula de plano de saúde que prevê carência superior a 24 horas em situações de emergência ou urgência, o que reforça a caracterização da ilicitude na negativa de cobertura.
No que se refere ao quantum indenizatório, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em casos análogos, tem fixado valores inferiores a R$ 15.000,00, usualmente estabelecendo a indenização por danos morais em torno de R$ 5.000,00 (TJES, Apelação Cível n . 0003498-63.2020.8.08 .0048; Apelação Cível n. 5008241-35.2022.8 .08.0024).
Considerando os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, bem como a inexistência de consequências mais graves à saúde do apelado, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) é suficiente para reparar o abalo moral e cumprir a função pedagógica da condenação .
IV.
DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido.
Tese de julgamento: 1.
A recusa indevida à cobertura médico-assistencial por plano de saúde configura dano moral in re ipsa . 2.
O valor da indenização por danos morais deve ser fixado de acordo com os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto e a jurisprudência consolidada.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, X; CC, art . 186; CDC, art. 14; STJ, Súmula 597.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp n. 2 .441.772/PE, rel.
Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j . 26.08.2024; STJ, AgInt no AREsp 1.573 .618/GO, Rel.
Min.
Luis Felipe Salomão, j. 22 .06.2020; TJES, Apelação Cível n. 0003498-63.2020 .8.08.0048; TJES, Apelação Cível n. 5008241-35 .2022.8.08.0024.(TJ-ES - APELAÇÃO CÍVEL: 50078471020228080030, Relator.: MARIANNE JUDICE DE MATTOS, 1ª Câmara Cível) À luz desses parâmetros, revela-se adequado o arbitramento da indenização no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), valor que atende aos objetivos compensatório, punitivo e pedagógico da reparação civil, em consonância com precedentes da jurisprudência para casos análogos envolvendo recusa indevida de tratamento de saúde a menor com TEA.
III – DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para: Condenar a requerida UNIMED NORTE CAPIXABA – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO a custear integralmente as sessões semanais de psicopedagogia prescritas ao autor, desde que realizadas por profissional habilitado da área da saúde (psicólogo com abordagem psicopedagógica), como parte do plano terapêutico destinado ao tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA); Condenar a requerida ao pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) a título de indenização por danos morais, com correção pelo índica CGJ-ES desde a fixação e juros de mora de 1% desde a negativa administrativa.
A parte requerida, sucumbente em maior parte, será responsável pelo pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
No cálculo, devem ser observadas as orientações constantes dos índices da CGJ/ES.
Ficam as partes advertidas, desde já, de que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com finalidade meramente infringente as sujeitará à imposição da multa prevista no art. 1.026, § 2º, do CPC.
Preclusa a via impugnativa, certifique-se o trânsito em julgado e arquivem-se os autos com as anotações de praxe.
Publique-se.
Registre-se.
Intime-se.
Cumpra-se.
Linhares/ES, data registrada no sistema.
EMÍLIA COUTINHO LOURENÇO Juíza de Direito -
21/05/2025 11:28
Expedição de Intimação Diário.
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21/05/2025 10:59
Julgado procedente em parte do pedido de G. P. S. - CPF: *63.***.*62-75 (REQUERENTE).
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21/05/2025 10:59
Processo Inspecionado
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28/03/2025 18:18
Conclusos para julgamento
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14/11/2024 18:08
Juntada de Petição de Petição (outras)
-
14/11/2024 12:42
Juntada de Petição de Petição (outras)
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14/11/2024 09:57
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
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06/06/2024 20:18
Processo Inspecionado
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06/06/2024 20:18
Decisão de Saneamento e de Organização do Processo
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09/05/2024 16:40
Conclusos para decisão
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09/04/2024 13:46
Juntada de Petição de réplica
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25/03/2024 15:44
Expedida/certificada a intimação eletrônica
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25/03/2024 15:42
Juntada de Certidão
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25/03/2024 15:41
Expedição de Certidão.
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12/12/2023 03:05
Decorrido prazo de UNIMED NORTE CAPIXABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO em 06/12/2023 23:59.
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15/11/2023 16:20
Juntada de Petição de contestação
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09/11/2023 17:13
Expedição de Mandado - citação.
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07/11/2023 12:58
Concedida a Medida Liminar
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07/11/2023 12:58
Concedida a Assistência Judiciária Gratuita a G. P. S. - CPF: *63.***.*62-75 (REQUERENTE).
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30/10/2023 17:04
Juntada de Petição de Petição (outras)
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30/10/2023 17:00
Conclusos para decisão
-
30/10/2023 17:00
Expedição de Certidão.
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30/10/2023 16:55
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
30/10/2023
Ultima Atualização
02/06/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão - Carta • Arquivo
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