TJES - 5007335-27.2022.8.08.0030
1ª instância - 2ª Vara Civel - Linhares
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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18/07/2025 15:29
Expedição de Certidão.
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15/07/2025 16:05
Juntada de Petição de contrarrazões
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15/07/2025 13:53
Juntada de Petição de Petição (outras)
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15/07/2025 00:00
Intimação
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5007335-27.2022.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: JOSE BARBOSA DOS SANTOS REQUERIDO: BANCO DO BRASIL SA Advogado do(a) REQUERENTE: ANDERSON DA SILVA MARQUES - ES30684 Advogado do(a) REQUERIDO: EDUARDO JANZON AVALLONE NOGUEIRA - SP123199 INTIMAÇÃO Intimo a(s) parte(s) recorrida(s) para ciência do Recurso de Apelação ID 72787472 e, querendo, apresentar(em) contrarrazões no prazo legal.
LINHARES/ES, data conforme assinatura eletrônica.
DIRETOR DE SECRETARIA / ANALISTA JUDICIÁRIO -
14/07/2025 12:32
Expedição de Intimação - Diário.
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11/07/2025 13:34
Juntada de Petição de apelação
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29/06/2025 00:09
Publicado Sentença em 18/06/2025.
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29/06/2025 00:09
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 17/06/2025
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17/06/2025 00:00
Intimação
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5007335-27.2022.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: JOSE BARBOSA DOS SANTOS REQUERIDO: BANCO DO BRASIL SA Advogado do(a) REQUERENTE: ANDERSON DA SILVA MARQUES - ES30684 Advogado do(a) REQUERIDO: EDUARDO JANZON AVALLONE NOGUEIRA - SP123199 SENTENÇA
I - RELATÓRIO JOSÉ BARBOSA DOS SANTOS propôs a presente ação declaratória de inexistência de débito, cumulada com nulidade contratual e pedido de indenização por danos morais e materiais em face de BANCO DO BRASIL S/A, alegando que jamais firmou contrato de empréstimo consignado com a instituição financeira ré, apesar da existência de descontos em seu benefício previdenciário.
Ressaltou sua condição de pessoa idosa, analfabeta e aposentada pelo Regime Geral de Previdência Social, além de apresentar comprovantes de renda e extratos de pagamentos que confirmariam sua hipossuficiência e a prática reiterada de descontos que comprometeriam sua subsistência.
A inicial foi distribuída eletronicamente em 11/07/2022, sob o número 50073352720228080030, com a juntada de diversos documentos: identificação do autor (ID 15868044), procuração (ID 15868049), comprovante de residência (ID 15868405), declaração de hipossuficiência (ID 15868408), isenção de IRPF (ID 15868411), extrato de empréstimos consignados (ID 15868417) e extrato de pagamentos (ID 15868419).
Após conferência inicial (ID 15880607), sobreveio despacho ordenando a citação da parte ré (ID 16035928), cumprida conforme mandado certificado sob ID 16443838.
O BANCO DO BRASIL S/A apresentou contestação (ID 17127598), sustentando a regularidade da contratação, juntando como suposto comprovante o contrato de número 98498846945647491 (ID 17127600), bem como documentos complementares: ficha de defesa (ID 17128004), comprovante de alteração de senha (ID 17128005), comprovantes de endereço (ID 17128007), comprovantes de renda (ID 17128010), declarações e autorizações do autor (ID 17128013), documento de identificação (ID 17128015) e extrato da operação (ID 17128018).
A parte autora apresentou réplica à contestação (ID 20873967), reiterando os fundamentos da inicial, com destaque à ausência de consentimento válido, especialmente em razão da condição de analfabeto.
Após manifestação do juízo determinando a especificação de provas (ID 20611637), ambas as partes declararam desinteresse na produção de outras provas.
O autor permaneceu silente; o réu, por sua vez, informou que suas provas eram exclusivamente documentais (ID 62994075).
Na sequência, foi proferida decisão de saneamento e organização do processo (ID 56177920), na qual a magistrada, reconhecendo a relação de consumo, determinou a inversão do ônus da prova em desfavor do réu, com base no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, diante da hipossuficiência técnica do autor e da ausência de comprovação inequívoca da contratação.
Foram fixados como pontos controvertidos: a existência e validade do contrato, a legalidade dos descontos, a ocorrência de danos morais e a responsabilidade da ré quanto à devolução dos valores descontados.
Determinou-se ainda a intimação das partes para especificação de provas, advertindo quanto à preclusão em caso de silêncio.
A parte autora ratificou suas manifestações anteriores e requereu o prosseguimento do feito (ID 49133811).
Sobreveio então sentença de mérito (ID 25588127), na qual foram acolhidos parcialmente os pedidos do autor, declarando-se a inexistência do contrato impugnado, a obrigação do réu de cessar os descontos, a condenação em danos morais fixados em R$ 5.000,00 e em danos materiais com restituição em dobro das parcelas descontadas.
O BANCO DO BRASIL S/A interpôs recurso de apelação (ID 28190951), sustentando, em síntese, que o contrato era válido, que a operação tratava-se de portabilidade de crédito, e que não houve ato ilícito ensejador de danos morais ou materiais.
Requereu a reforma integral da sentença e a condenação do autor em honorários.
A parte autora apresentou contrarrazões (ID 30349336), pugnando pela manutenção da sentença.
O feito foi remetido ao Tribunal de Justiça (ID 32957426), sendo a pauta da sessão de julgamento disponibilizada em 08/11/2023 (ID 38300132).
A Quarta Câmara Cível do TJES proferiu acórdão (IDs 38300133, 38300134, 38300135 e 38300137), anulando a sentença de primeiro grau, com fundamento em vício processual, uma vez que a inversão do ônus da prova foi determinada apenas na sentença, sem prévia intimação das partes, violando os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Foi citada a jurisprudência do STJ no sentido de que a inversão "ope judicis" deve ocorrer na fase de saneamento ou, ao menos, antes do encerramento da instrução, de modo a possibilitar à parte onerada o exercício de seu direito de defesa.
Assim, o recurso de apelação foi considerado prejudicado, determinando-se o retorno dos autos à origem para regular instrução e nova sentença.
O trânsito em julgado da decisão foi certificado em 25/01/2024 (ID 38300138).
Após o retorno dos autos, foi proferida nova decisão judicial com reabertura da fase instrutória (ID 56177920), reiterando-se a inversão do ônus da prova e concedendo novo prazo para produção de provas pelas partes.
A parte ré, então, apresentou nova petição requerendo a consideração dos documentos já acostados (ID 62994075) e solicitando julgamento antecipado da lide, o que foi seguido da juntada de novos documentos pela defesa (ID 64662118 e seguintes).
Posteriormente, certificou-se o decurso de prazo sem manifestação da parte autora (ID 67654437). É o que havia a relatar.
Passo a decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO A controvérsia principal nos presentes autos reside em verificar a validade jurídica de contrato de portabilidade de crédito bancário que gerou descontos mensais no benefício previdenciário do autor, pessoa idosa, analfabeta e hipossuficiente, beneficiária do INSS, sem que houvesse qualquer liberação de valores em seu favor.
A tese central da parte autora é a de que jamais contratou o referido empréstimo, tratando-se de negócio inexistente ou viciado, cuja formalização carece de vontade válida e informada.
Por sua vez, o Banco do Brasil sustenta a tese de regularidade da contratação, afirmando que a operação foi realizada presencialmente, tratando-se de portabilidade de crédito previamente existente, não havendo concessão de valores diretamente ao consumidor.
A questão jurídica, portanto, exige a análise de três eixos interdependentes: (i) a validade formal da contratação, diante da condição de analfabetismo do autor; (ii) a efetiva existência de consentimento informado e voluntário; (iii) a responsabilidade civil da instituição financeira, à luz da legislação consumerista.
II.1 - Dos requisitos de validade do negócio jurídico com analfabetos A validade do negócio jurídico, conforme expressamente disposto no art. 104 do Código Civil, exige a concomitância de três elementos essenciais: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e III – forma prescrita ou não defesa em lei.
Esses elementos não são meras formalidades abstratas, mas constituem garantias estruturais da segurança jurídica, assegurando que o pacto celebrado entre as partes decorra da livre manifestação de vontade, com plena ciência dos efeitos jurídicos e econômicos que dele derivam.
Quando qualquer desses requisitos se encontra comprometido — sobretudo a capacidade do agente ou a forma exigida por lei —, o negócio jurídico estará maculado por nulidade absoluta, conforme previsto no art. 166, IV e VII, do mesmo diploma legal.
No caso sob exame, a peculiaridade da situação do autor — pessoa idosa, analfabeta, beneficiária do INSS e hipossuficiente nas esferas econômica e informacional — impõe exigência reforçada de forma e de cuidado na contratação, por força do art. 595, § 1º do Código Civil, segundo o qual: “Se alguma das partes não souber escrever, o instrumento particular só valerá se assinado por duas testemunhas e por alguém a seu rogo.” Trata-se de regra cogente, de observância obrigatória, cuja finalidade é proteger pessoas em condição de vulnerabilidade cognitiva ou educacional contra vícios de vontade, práticas abusivas ou contratações simuladas.
Contudo, a instituição financeira ré descumpriu frontalmente tal exigência.
Limitou-se a apresentar um documento digitalizado, sem qualquer autenticação, sem a assinatura física do autor, sem assinatura a rogo, sem a presença de duas testemunhas, sem certificação notarial, sem gravação audiovisual, e sem qualquer outro meio capaz de suprir a formalidade legal exigida para a eficácia do negócio jurídico celebrado com pessoa analfabeta.
A ausência desses elementos invalida, desde sua origem, o suposto contrato bancário.
Tal deficiência formal não é um vício sanável.
Pelo contrário, trata-se de nulidade absoluta, que pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, conforme prevê o art. 168 do Código Civil.
Importa destacar que, em razão da assimetria estrutural entre as partes, especialmente em contratos bancários de adesão, o ônus da regularização documental recai sobre o fornecedor do serviço financeiro, o qual possui domínio técnico e institucional para observar os requisitos legais mínimos, sobretudo em situações que envolvem consumidores em condição especial de proteção, como é o caso do autor.
Logo, à míngua de demonstração da forma legalmente exigida para negócios com analfabetos, não há formação válida do vínculo contratual.
O documento apresentado pelo réu não ostenta sequer presunção de veracidade, e, portanto, não possui eficácia jurídica para legitimar os descontos praticados em prejuízo do autor.
Assim, a ausência de forma legal, aliada à inexistência de prova da manifestação válida de vontade, impõe o reconhecimento da nulidade absoluta do contrato, com todos os efeitos jurídicos daí decorrentes, inclusive a repetição do indébito em dobro (CDC, art. 42, parágrafo único), além da indenização por danos morais, como será analisado em capítulo próprio.
II.2 - Da Vulnerabilidade e Hipossuficiência do Consumidor O autor, idoso, analfabeto, beneficiário do INSS e sem qualquer domínio de meios digitais ou financeiros, enquadra-se plenamente como consumidor nos termos do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), sendo destinatário final dos serviços bancários fornecidos pela instituição ré.
Conforme a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 297), o CDC é integralmente aplicável às instituições financeiras, mesmo que sujeitas à regulação específica do Banco Central.
A análise da presente demanda impõe o reconhecimento de uma vulnerabilidade qualificada ou hipervulnerabilidade do consumidor, com fundamento não apenas na sua posição contratual, mas em sua condição pessoal: além da idade avançada e da baixa escolaridade, o autor é analfabeto funcional, condição confirmada nos autos e que o impossibilita de compreender cláusulas contratuais sem o auxílio de terceiros.
Soma-se a isso a dependência de renda exclusiva do benefício previdenciário, o que acentua o impacto de qualquer desconto indevido.
Essa configuração exige da instituição financeira o cumprimento de deveres reforçados de conduta, especialmente no que tange ao dever de informação clara, acessível e transparente (CDC, art. 6º, III), e à observância dos princípios da boa-fé objetiva, da confiança legítima e da função social do contrato (arts. 421 e 422 do Código Civil).
Tais deveres não foram observados pela ré, que, apesar da notória vulnerabilidade do contratante, não comprovou ter fornecido qualquer orientação compreensível ao autor, tampouco demonstrou a existência de manifestação válida de vontade no momento da contratação.
Do ponto de vista da responsabilidade civil, aplica-se o regime objetivo previsto no art. 14 do CDC, que prescinde de prova de culpa e se estrutura nos seguintes pressupostos: (i) o fato — descontos no benefício previdenciário; (ii) o dano — prejuízo financeiro ao consumidor; e (iii) o nexo de causalidade — inexistência de contrato válido e consentido.
Estando esses elementos comprovados, como no caso concreto, resta configurada a responsabilidade da instituição ré pelos prejuízos causados, inclusive de natureza extrapatrimonial.
O Superior Tribunal de Justiça é firme ao reconhecer que o fornecedor responde mesmo por fortuito interno decorrente de sua atividade, como falhas de segurança em contratações bancárias, sendo irrelevante eventual culpa de terceiros.
Assim, mesmo que o banco alegasse fraude (o que sequer fez), incumbiria a ele demonstrar ter tomado todas as cautelas devidas, o que manifestamente não ocorreu.
No presente caso, a conduta omissiva e negligente da instituição ré ao permitir uma suposta contratação sem validação formal adequada, sem assinatura legítima e sem liberação de valores em favor do autor, compromete não apenas a segurança do serviço bancário, mas viola frontalmente os direitos fundamentais do consumidor, especialmente sua dignidade, integridade econômica e autonomia patrimonial mínima.
Dessa forma, a hipossuficiência técnica e informacional do autor, aliada à ausência de comprovação da contratação válida, torna irrefutável a responsabilidade da instituição financeira pelos danos materiais e morais suportados.
Não se trata apenas de desequilíbrio contratual, mas de evidente ofensa à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF) e ao mínimo existencial do consumidor, que teve valores descontados de sua única fonte de subsistência sem qualquer respaldo jurídico válido.
II.3 - Da Ausência de Prova da Contratação e dos Efeitos Jurídicos A instituição financeira ré não logrou êxito em comprovar a existência, validade formal e eficácia jurídica do contrato bancário alegadamente firmado com o autor, contrato este que fundamentaria os descontos mensais no benefício previdenciário do demandante.
Trata-se de ônus que lhe incumbia, à luz do art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil, e também do art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, que autoriza a inversão do ônus da prova nas hipóteses de verossimilhança das alegações ou hipossuficiência do consumidor.
Não foi apresentada: qualquer via original ou cópia válida do contrato assinado; qualquer gravação audiovisual, áudio ou outro meio de comprovação de manifestação de vontade; qualquer documento hábil que demonstrasse ciência ou anuência do autor aos termos da contratação; e, especialmente, nenhum comprovante de liberação de valores em benefício do suposto contratante ou de quitação de contrato anterior, no caso de portabilidade.
O contrato impugnado aparece apenas como um registro eletrônico inserido unilateralmente no sistema bancário, sem qualquer respaldo documental autêntico ou formalidade mínima. É importante destacar que o autor é pessoa analfabeta, condição amplamente documentada nos autos.
Nesses casos, a lei civil impõe exigência específica de forma para a validade dos atos jurídicos, conforme estabelece o §1º do art. 595 do Código Civil.
Ainda que o dispositivo mais frequentemente citado pela doutrina para os efeitos formais do contrato seja o art. 215 do Código Civil, este se refere especificamente à lavratura de escritura pública.
No contexto de contratos privados, como os bancários, o que se exige é a assinatura a rogo com duas testemunhas, nos termos acima.
A ausência de tais requisitos macula o contrato com nulidade absoluta, conforme estabelece o art. 166, incisos IV (“o ato jurídico será nulo quando for ilícito, impossível ou indeterminado o seu objeto”) e VII (“por não revestir a forma prescrita em lei”).
Ademais, no julgamento da Apelação Cível nº 5007335-27.2022.8.08.0030, proferido em 22 de novembro de 2023, a Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo reconheceu a impropriedade processual da sentença anterior, que havia invertido o ônus da prova apenas na fase decisória, sem oportunizar contraditório à parte ré.
Destacou-se na ementa: "A inversão 'ope judicis' do ônus probatório deve ocorrer preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, ao menos, assegurando-se à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo, a reabertura de oportunidade para apresentação de provas." (TJES, Apelação Cível n.º 5007335-27.2022.8.08.0030, Rel.
Des.
Telêmaco Antunes de Abreu Filho, j. 22/11/2023) Ainda que a sentença tenha sido anulada por vício formal, o conteúdo do acórdão evidencia que a instituição bancária falhou em apresentar qualquer prova material idônea da contratação.
Como ressaltado no voto do relator, a parte requerida não comprovou a regularidade da contratação, mesmo após reabertura da instrução.
Diante desse contexto, impõe-se reconhecer que a ausência de prova da contratação — aliada à hipervulnerabilidade do consumidor — é, por si só, suficiente para declarar a inexistência da relação jurídica e a ilicitude dos descontos realizados.
O ordenamento jurídico brasileiro não admite a imposição de obrigações financeiras fundadas em meras presunções ou registros unilaterais, especialmente quando se trata de relação de consumo com pessoa analfabeta e hipossuficiente.
A exigência de consentimento informado, inequívoco e validamente manifestado é pressuposto inafastável para a eficácia de qualquer negócio jurídico oneroso.
Em conclusão, a ausência absoluta de prova do contrato, da anuência e da contraprestação, torna insustentável a tese defensiva da instituição financeira, impondo o reconhecimento da inexistência da relação jurídica e a consequente obrigação de reparação integral dos danos sofridos pelo consumidor.
II.4 - Da Devolução em Dobro e do Dano Moral Presumido Nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, o consumidor cobrado por quantia indevida tem direito à repetição do indébito em valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável — o que, no caso concreto, não foi alegado nem demonstrado pela instituição financeira.
Comprovou-se nos autos que foram realizados descontos mensais indevidos no benefício previdenciário do autor, sem que houvesse relação contratual válida.
Como bem pontuado na sentença de primeiro grau (Doc.
ID 56177920), que foi posteriormente anulada apenas por vício formal, a instituição financeira não apresentou o contrato assinado, nem qualquer meio de prova da manifestação válida da vontade do consumidor, tampouco comprovou a liberação de valores ou quitação de operação anterior que justificasse a alegada portabilidade.
Diante dessa ausência de prova e do inadimplemento do dever de informação, a cobrança mostrou-se claramente indevida.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido que a repetição do indébito em dobro é devida sempre que o fornecedor age sem respaldo contratual, de forma negligente ou abusiva, independentemente de comprovação de má-fé, e que o engano justificável é exceção a ser cabalmente comprovada, o que não se verificou na espécie.
No tocante ao dano moral, a jurisprudência majoritária reconhece que descontos indevidos em benefício previdenciário de consumidor hipossuficiente geram dano moral in re ipsa, isto é, presumido, dispensando a prova do abalo concreto.
Tal entendimento é adotado pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo em diversos precedentes, especialmente quando se trata de pessoa idosa, analfabeta ou em situação de vulnerabilidade agravada.
Veja-se, por exemplo: STJ, EREsp nº 1.413.542/RS, Rel.
Min.
Maria Thereza de Assis Moura, Rel. p/ acórdão Min.
Herman Benjamin, Corte Especial, j. 21.10.2020, DJe 30.03.2021; TJES, AC nº 5005409-23.2023.8.08.0047, Rel.
Desª Heloisa Cariello, 2ª Câmara Cível, j. 24.11.2024; TJES, AC nº 5004931-26.2023.8.08.0011, Rel.
Desª Eliana Junqueira Munhos Ferreira, 4ª Câmara Cível, j. 30.04.2024.
Além disso, o próprio juízo de origem, na sentença anulada (ID 56177920), reconheceu expressamente o cabimento da reparação extrapatrimonial, destacando que os descontos perpetrados comprometeram a subsistência do autor, que vive com um salário-mínimo e depende exclusivamente do benefício do INSS, situação que ultrapassa os limites do mero aborrecimento cotidiano e atinge a esfera da dignidade da pessoa humana.
A responsabilidade civil da instituição ré é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, e decorre da falha na prestação do serviço e da ausência de cautela em relação à formalização de contratos com consumidores hipervulneráveis, situação que impõe ao fornecedor de serviços o dever de agir com diligência qualificada, o que manifestamente não ocorreu neste caso.
Com base nos parâmetros firmados pela jurisprudência pátria, inclusive no acórdão da Apelação Cível nº 0000878-48.2019.8.08.0037, julgado pela 2ª Câmara Cível do TJES (Rel.
Des.ª Heloisa Cariello, j. 05.04.2025), revela-se razoável a fixação da indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
No referido julgado, reconheceu-se que descontos indevidos em benefício previdenciário, sobretudo de consumidor hipervulnerável, ensejam reparação moral in re ipsa, sendo esse o valor reputado adequado para compensar o abalo sofrido sem incorrer em enriquecimento sem causa, ao tempo em que também atende ao caráter pedagógico da medida.
Ressalte-se que, assim como no presente caso, ali também se tratava de cobrança indevida por ausência de comprovação de contratação válida de cartão consignado, situação em que a restituição em dobro e a reparação moral foram reconhecidas independentemente da demonstração de má-fé ou do efetivo uso do serviço, aplicando-se o entendimento consagrado no EREsp nº 1.413.542/RS (STJ).
A quantia ora arbitrada, portanto, observa os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e equidade, considerando a gravidade da conduta da instituição ré, a condição de vulnerabilidade do autor e a função preventiva da indenização civil.
Assim, reconhecidos o ilícito e o prejuízo, impõe-se a devolução em dobro dos valores indevidamente descontados, com correção monetária desde o respectivo desembolso e juros legais a partir da citação, conforme os arts. 405 e 884 do Código Civil e o parágrafo único do art. 42 do CDC; e a indenização por danos morais, arbitrada de forma proporcional, considerando-se a condição do autor, a gravidade da conduta da ré e o caráter preventivo-pedagógico da reparação.
II.5 - Conclusão lógica e jurídica Em conclusão: o autor é analfabeto e hipossuficiente, condição que exige forma especial para a validade da contratação; não houve consentimento válido nem comprovação de benefício concreto ao consumidor; a instituição bancária falhou em demonstrar a regularidade da operação, mesmo após reabertura da fase probatória; os descontos foram ilegítimos, e impõem reparação material e moral.
III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedente o pedido formulado por JOSÉ BARBOSA DOS SANTOS, para: Declarar a inexistência do contrato de empréstimo bancário identificado sob o n.º 984988469, reconhecendo, por consequência, a inexistência da dívida supostamente decorrente da referida operação; Determinar que a parte ré se abstenha, de forma definitiva: i) de realizar a negativação do nome do autor nos órgãos de proteção ao crédito, com fundamento no contrato declarado inexistente, sob pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais), para cada ato em caso de descumprimento; ii) de efetuar descontos no benefício previdenciário do autor, relacionados ao contrato em questão, sob pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por desconto indevido; Condenar o BANCO DO BRASIL S/A à restituição em dobro dos valores descontados indevidamente, com correção monetária desde a data de cada desconto, segundo os índices oficiais da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Espírito Santo, e com juros moratórios de 1% ao mês a partir da data do evento danoso; Condenar o BANCO DO BRASIL S/A ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigido monetariamente a partir da data desta sentença e acrescido de juros moratórios legais a contar do evento danoso, por se tratar de responsabilidade extracontratual; Condenar a parte ré, vencida em maior parte e causadora da demanda, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor total da condenação, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, inciso I, do CPC.
Considerando que a parte autora é beneficiária da gratuidade da justiça (ID 15868408), fica suspensa a exigibilidade da verba honorária, conforme disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil.
Ficam as partes advertidas de que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais ou com finalidade manifestamente protelatória poderá ensejar aplicação de multa, nos termos do art. 1.026, § 2º, do CPC.
Transitada em julgado, certifique-se e arquivem-se os autos com as anotações de praxe.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Cumpra-se.
Linhares/ES, data registrada no sistema.
EMÍLIA COUTINHO LOURENÇO Juíza de Direito -
16/06/2025 22:31
Expedição de Intimação Diário.
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16/06/2025 21:53
Julgado procedente em parte do pedido de JOSE BARBOSA DOS SANTOS - CPF: *32.***.*17-49 (REQUERENTE).
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06/05/2025 13:05
Conclusos para decisão
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05/05/2025 17:25
Expedição de Certidão.
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10/03/2025 14:19
Juntada de Petição de Petição (outras)
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26/02/2025 02:19
Decorrido prazo de JOSE BARBOSA DOS SANTOS em 17/02/2025 23:59.
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11/02/2025 19:53
Juntada de Petição de Petição (outras)
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25/01/2025 09:47
Expedida/certificada a intimação eletrônica
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10/12/2024 21:55
Proferida Decisão Saneadora
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04/12/2024 17:00
Conclusos para decisão
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04/09/2024 03:51
Decorrido prazo de BANCO DO BRASIL SA em 03/09/2024 23:59.
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21/08/2024 15:40
Juntada de Petição de Petição (outras)
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13/08/2024 18:26
Expedida/certificada a intimação eletrônica
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20/02/2024 15:36
Recebidos os autos
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20/02/2024 15:36
Juntada de Petição de relatório
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26/10/2023 10:25
Remetidos os Autos (em grau de recurso) para Tribunal de Justiça
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26/10/2023 10:24
Expedição de Certidão.
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04/09/2023 10:38
Juntada de Petição de contrarrazões
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22/07/2023 01:15
Decorrido prazo de ANDERSON DA SILVA MARQUES em 21/07/2023 23:59.
-
18/07/2023 16:17
Juntada de Petição de apelação
-
21/06/2023 12:41
Expedição de intimação eletrônica.
-
28/05/2023 23:22
Decorrido prazo de ANDERSON DA SILVA MARQUES em 28/04/2023 23:59.
-
24/05/2023 12:12
Julgado procedente em parte do pedido de JOSE BARBOSA DOS SANTOS - CPF: *32.***.*17-49 (REQUERENTE).
-
17/05/2023 17:37
Conclusos para julgamento
-
27/03/2023 15:30
Juntada de Petição de Petição (outras)
-
26/03/2023 09:20
Juntada de Petição de Petição (outras)
-
22/03/2023 12:34
Expedição de intimação eletrônica.
-
02/03/2023 17:04
Proferido despacho de mero expediente
-
06/02/2023 17:18
Conclusos para despacho
-
06/02/2023 17:16
Expedição de Certidão.
-
20/01/2023 16:21
Juntada de Petição de réplica
-
17/01/2023 15:24
Expedição de intimação eletrônica.
-
12/01/2023 16:30
Proferido despacho de mero expediente
-
26/10/2022 17:30
Conclusos para decisão
-
26/10/2022 17:28
Expedição de Certidão.
-
25/08/2022 13:40
Juntada de Petição de contestação
-
11/08/2022 14:12
Juntada de Petição de Petição (outras)
-
01/08/2022 15:25
Expedição de Mandado - citação.
-
27/07/2022 15:23
Proferido despacho de mero expediente
-
12/07/2022 12:44
Conclusos para decisão
-
12/07/2022 12:40
Expedição de Certidão.
-
11/07/2022 13:28
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
11/07/2022
Ultima Atualização
18/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
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