TJMA - 0801555-74.2021.8.10.0116
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gabinete Do(A) Desembargador(A) Raimundo Moraes Bogea
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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14/02/2023 16:38
Baixa Definitiva
-
14/02/2023 16:38
Remetidos os Autos (outros motivos) para Instância de origem
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14/02/2023 16:38
Expedição de Certidão de trânsito em julgado.
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14/02/2023 13:43
Decorrido prazo de ANTONIO VITOR NETO em 13/02/2023 23:59.
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09/02/2023 09:34
Juntada de petição
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25/01/2023 04:21
Publicado Decisão (expediente) em 23/01/2023.
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25/01/2023 04:21
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 30/12/2022
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30/12/2022 00:00
Intimação
Quinta Câmara Cível Apelação Cível nº 0801555-74.2021.8.10.0116 Juízo de Origem: Vara Única da Comarca de Santa Luzia do Paruá 1º Apelante / 2º Apelado: Banco Bradesco S/A Advogado: Antonio de Moraes Dourado Neto (OAB/MA 11.812-A) 1º Apelado / 2º Apelante: Antonio Vitor Neto Advogado: Thairo Silva Souza (OAB/MA 14.005) Relator: Des.
Raimundo Moraes Bogéa DECISÃO Banco Bradesco S/A e Antonio Vitor Neto interpuseram Apelações contra a sentença proferida pelo juízo da Vara Única da Comarca de Santa Luzia do Paruá, que julgou procedentes os pedidos formulados na inicial da demanda em epígrafe.
Na origem, afirma a parte autora ter sofrido descontos indevidos em seu benefício previdenciário, referentes ao Contrato de Empréstimo Consignado nº 0123313907987, no valor de R$ 900,00, a ser pago em 72 parcelas de R$ 27,67.
Negando a contratação, pede que seja o suplicado condenado ao pagamento de indenização por danos morais e à devolução em dobro das parcelas indevidamente descontadas.
Em contestação, o réu defende que foram adotadas todas as normas atinentes à celebração válida do negócio jurídico, juntando o contrato com aposição de digital atribuída ao autor, todavia sem assinatura a rogo e sem a assinatura de duas testemunhas (Id. 21558790).
Em réplica, a parte autora reitera o pedido de procedência, destacando a ausência da assinatura a rogo e de duas testemunhas no instrumento contratual (Id. 21558795).
Sobreveio, então, a sentença julgando procedentes os pedidos autorais, sob o fundamento de não ter o demandado comprovado a validade da contratação, por descumprimento ao art. 595 do CC (Id. 21558803).
Irresignado, o banco demandando interpôs o presente recurso, pugnando pela reforma da sentença, sob a alegação de validade da contratação, com os mesmos fundamentos utilizados na contestação.
Suscitou, também, preliminares de ausência de interesse de agir e impugnação à gratuidade de justiça (Id. 21558807).
Ato contínuo, a parte autora também interpôs Apelação, pugnando pela majoração da indenização por danos morais para o valor de R$ 10.000,00 (Id. 21558816).
Contrarrazões apresentadas pelo 1º recorrido (autor), solicitando o desprovimento do recurso (Id. 21558818).
Contrarrazões ofertadas pelo 2º recorrido (réu), solicitando o desprovimento do recurso (Id. 21558823).
Os autos vieram conclusos após a regular distribuição. É o relatório.
Decido.
Passo à análise individualizada dos recursos interpostos.
DO RECURSO APRESENTADO PELO BANCO BRADESCO S/A (1º APELO).
Presentes os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso, ressaltando recolhido o preparo do 1º Apelo (Id. 21558809).
Entendo que o caso deve ser julgado de forma monocrática, em atendimento ao art. 932, V, ‘c’ do CPC e Súmula 568 do STJ, porque já existente precedente qualificado firmado no âmbito desta Corte de Justiça no IRDR nº 53.983/2016.
Antes, contudo, analiso as questões preliminares suscitadas pelo 1º apelante (réu).
IMPUGNAÇÃO À GRATUIDADE DE JUSTIÇA.
A preliminar suscitada pelo 1º recorrente não merece conhecimento, pois observo que não foi arguida em contestação, razão pela qual se encontra acobertada pela preclusão.
PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR.
Entendo que não merece acolhimento a presente questão, pois é indiscutível que não é necessário o prévio requerimento em sede administrativa para ingressar em juízo, prevalecendo o princípio do acesso ao Judiciário.
Afastada, portanto, a segunda preliminar.
Passando agora à análise do mérito, adianto que não merece provimento o 1º Apelo (interposto pelo réu).
NULIDADE DO CONTRATO.
Conforme se infere dos autos, o banco demandado, em sua contestação, juntou o contrato com aposição de digital atribuída ao autor, todavia sem assinatura a rogo e sem a assinatura de duas testemunhas (Id. 21558790).
Nesse viés, entendo que há patente nulidade do instrumento, pois ausente requisito essencial de validade.
No IRDR nº 53.983/2016, o Tribunal Pleno desta Corte de Justiça foi provocado a proferir decisão vinculante sobre os requisitos de validade do contrato de empréstimo bancário celebrado por pessoa analfabeta, em especial, sobre a necessidade de utilização de procuração pública ou escritura pública para a validade da contratação desses empréstimos.
No que concerne à Tese nº 02 do IRDR, as duas correntes formadas no seu julgamento assentaram o entendimento de que, para ser válido, o contrato bancário celebrado por pessoa analfabeta está condicionado à observância da formalidade prevista no art. 595 do CC, verbis: Art. 595.
No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.
De frisar que, embora divergindo sobre a necessidade de instrumento público, as duas correntes compartilharam o mesmo entendimento sobre a necessidade de respeito à forma prescrita pelo art. 595 do CC, acima transcrito.
Portanto, a ratio decidendi no acórdão proferido no IRDR seria a de que a escritura pública não é essencial à validade do contrato de empréstimo consignado pactuado por pessoa analfabeta, porque aquela formalidade pode ser substituída pela contratação a rogo, prevista no art. 595 do CC.
A Tese nº 02 do IRDR nº 53.983/2016 ficou assim assentada: A pessoa analfabeta é plenamente capaz para os atos da vida civil (CC, art. 2º) e pode exarar sua manifestação de vontade por quaisquer meios admitidos em direito, não sendo necessária a utilização de procuração pública ou de escritura pública para a contratação de empréstimo consignado, de sorte que eventual vício existente na contratação do empréstimo deve ser discutido à luz das hipóteses que autorizam a anulação por defeito do negócio jurídico (CC, arts. 138, 145, 151, 156, 157 e 158). (grifos nossos) O caso objeto deste recurso apresenta elementos de fato que se amoldam perfeitamente à Tese nº 02 do IRDR.
No presente processo, no contrato consta somente digital atribuída ao autor, sem assinatura a rogo e sem a assinatura de duas testemunhas (Id. 21558790).
Com efeito, sem atender à formalidade essencial prevista no art. 595 do CC, não é possível considerar válido o contrato de empréstimo celebrado.
Portanto, entendo que o 1º Apelo não merece ser provido, com fundamento no art. 166, IV e V do CC – não se revestir da forma prescrita em lei, bem assim desrespeitar solenidade que a lei considera essencial para a validade da avença.
Oportuno destacar que a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP 1.862.324 (julgado em 2020), da relatoria do ministro Marco Aurélio Bellize, ao fundamentar a distinção com a assinatura por mera aposição de digital, traçou contornos precisos do que deve ser entendido por assinatura a rogo, litteris: Tratando-se de consumidor impossibilitado de ler e escrever, a vulnerabilidade própria do mercado de consumo é ainda mais agravada pela dificuldade de acesso às disposições contratuais expostas em vernáculo.
O ato contratual, nesses casos, é mais inseguro, e o desequilíbrio da relação obrigacional é potencializado.
Com vistas a reduzir o acentuado desequilíbrio que exsurge da dificuldade particular de acesso aos termos constantes de contrato é que se previu a possibilidade de formalização de contratos de prestação de serviço por meio de assinatura a rogo, nas hipóteses em que uma das partes não puder ler e escrever, conforme texto expresso do já mencionado art. 595 do CC/2002.
Nessas hipóteses, a participação do contratante, embora formalizada pela mera assinatura do terceiro indicado e identificado, assegura às partes que todos os contratantes têm o conhecimento exato das prestações e contraprestações, e que efetivamente anuíram à substância das cláusulas, minimizando a insegurança jurídica até mesmo quanto a eventuais questionamentos judiciais posteriores.
Nessa trilha, a redação do art. 595 do CC/2002 não deve ser lida de forma restritiva, mas sim interpretada teleologicamente de forma a viabilizar sua aplicação sempre que, não obstante a liberdade de forma, optar-se pela formalização escrita do contrato.
Isso porque a referida regra viabiliza o exercício pleno da liberdade contratual àqueles consumidores hipervulneráveis, que por razões sócio-culturais não tiveram acesso a educação básica e, no mais das vezes, acabam mantidos à margem da sociedade brasileira, além de contribuir para a segurança jurídica e para a confiança nos contratos firmados. […] Outrossim, optando as partes por exercer o livre direito de contratação pela forma escrita, a participação de analfabeto na formação do instrumento, por si só, é causa de desequilíbrio entre as partes contratantes, passando a se fazer necessária a participação de terceiro a rogo do contratante hipossuficiente como forma de se realinhar o balanço entre as partes.
Nos casos em que a indicação desse terceiro não se fizer perante autoridade notarial, ou seja, quando não for ele intitulado procurador público do analfabeto, o ato negocial assinado a rogo deverá ser ainda presenciado por duas testemunhas.
Desse modo, na hipótese legal específica e excepcional dos contratos de prestação de serviços, haverá a participação de outras três pessoas estranhas ao contrato - duas testemunhas e o assinante a rogo.
No entanto, a aposição de digital é manifestamente insuficiente para assegurar o conhecimento das cláusulas e o consentimento aos termos escritos a que se vincularam as partes, o que afasta por consequência sua recepção como expressão inequívoca da vontade livre de contratar - elemento essencial ao negócio jurídico.
Para tanto, tratando-se de consumidor que sabidamente está impossibilitado de assinar – tanto que manifestou-se por meio de aposição de digital –, passa a ser imprescindível a atuação de terceiro assinante a rogo, ou procurador público, cuja prova de participação deve ser imputada à instituição financeira, dada a condição de hipossuficiência do consumidor concretamente hipervulnerável.
Destarte, pode-se concluir que é válida a contratação de empréstimo consignado por analfabeto mediante a assinatura a rogo, a qual, por sua vez, não se confunde, tampouco poderá ser substituída pela mera aposição de digital ao contrato escrito.
A ministra Nancy Andrighi acompanhou o relator, acrescentando essas razões: De proêmio, destaco que pedi vista dos autos ante a extrema complexidade da problemática posta em julgamento, haja vista as alarmantes taxas de analfabetismo no Brasil, sobretudo no âmbito da população idosa na região Nordeste do país, associadas ao já conhecido fenômeno de assédio aos aposentados e pensionistas do INSS para a contratação de serviços bancários. […] Como é possível apreender, esses dados indicam uma evidente correlação entre os índices de analfabetismo e as situações de pobreza, exclusão e baixo desenvolvimento econômico, fatores que redundam, no plano jurídico, no reconhecimento da hipervulnerabilidade das pessoas analfabetas, em especial os idosos.
Em primoroso artigo dedicado à delicada questão ora em exame, Cláudia Lima MARQUES ressalta que a alfabetização é uma habilidade social, correspondente à capacidade de “usar o texto escrito ou o 'alfabeto' para se comunicar e receber comunicação com outros na sociedade”, podendo incluir “a comunicação pela escrita (saber escrever ou usar afirmativamente o alfabeto daquela cultura) ou simplesmente a de 'ler' textos dos outros (saber ler ou entender passivamente o que está escrito)”. […] Como destaca a autora, a análise da vulnerabilidade do contratante pode ser um “bom caminho” para uma decisão mais justa nas demandas envolvendo os analfabetos, haja vista que, embora sejam plenamente capazes para exercer os atos da vida civil, necessitam, ao menos no que perquire à forma de declarar sua vontade, de serem protegidos de maneira especial. […] Nessa linha, se, de forma geral, sofrem os consumidores de um déficit informacional controlado e, tantas vezes, manipulado pelos fornecedores, essa vulnerabilidade é ainda mais potencializada em relação aos analfabetos, ante sua inaptidão para ler e compreender textos escritos, usualmente utilizados para a contratação de serviços em massa.
A propósito, embora o CDC não mencione expressamente os analfabetos em seu texto atual, inclui na política nacional a educação do consumidor (art. 4º, IV), prevendo ser direito básico deste “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (art. 6º, III).
Ainda, dispõe o CDC que cabe ao fornecedor “assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa”, sendo as cláusulas contratuais redigidas de maneira clara e compreensível (arts. 46 e 54, § 3°).
II.
Da forma a ser observada nos contratos escritos firmados por analfabetos.
A par dessas considerações – e novamente voltando os olhos à controvérsia jurídica posta em análise –, mostra-se irrepreensível a conclusão do e.
Min.
Relator no sentido de que os analfabetos detêm plena capacidade civil, sendo que a validade dos negócios jurídicos por si firmados não depende, em regra, de forma especial.
Com efeito, nos termos do art. 104 do Código Civil, a validade dos negócios jurídicos em geral está condicionada, entre outros requisitos, à observância da “forma prescrita ou não defesa em lei”.
No entanto, a regra geral existente no ordenamento jurídico pátrio é a da liberdade das formas: salvo quando exigido por lei, a exteriorização da vontade dos contratantes pode ocorrer sem forma especial ou solene.
Dessa maneira, realmente não comporta acolhimento a argumentação deduzida pela parte recorrente, no sentido de que a validade do contrato firmado por pessoa analfabeta depende de instrumento público ou de outorga de procuração pública a terceiro para assinar a seu rogo, haja vista a inexistência de qualquer exigência legal ou regulamentar nesse sentido.
O que a lei exige é que, nos contratos de prestação de serviços firmados com quem não saiba ler ou escrever, seja o respectivo instrumento assinado a rogo por terceiro e subscrito por duas testemunhas, nos termos do art. 595 do CC/02: “Art. 595.
No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas”.
Embora o referido dispositivo legal se refira exclusivamente a contratos de prestação de serviços, é razoável que sua aplicação seja estendida a todos os contratos firmados por escrito com pessoas analfabetas, “na medida em que materializa o acesso à informação imprescindível ao exercício da liberdade de contratar por aqueles impossibilitados de ler e escrever”, como muito bem pontuado pelo i.
Min.
Relator. […] Não obstante, intervindo no negócio jurídico terceiro de confiança da pessoa analfabeta, capaz de lhe certificar acerca do conteúdo do contrato escrito e de assinar em seu nome, tudo isso testificado por duas testemunhas, compensa-se, em algum grau, o desequilíbrio inicial entre os contratantes, diminuindo a assimetria informacional existente entre eles.
Assim, entendo que, no tocante à forma, a validade do contrato escrito firmado por analfabeto está condicionada à observância da formalidade prevista no art. 595 do CC/02, ou seja, à assinatura do respectivo instrumento a rogo por terceiro, com a participação de mais duas testemunhas. […] Nesses termos, em suma, acompanho o voto do e.
Min.
Relator, concluindo que, no tocante à forma, é válido o contrato escrito celebrado por analfabeto, desde que: (i) assinado a rogo por terceiro, na presença de duas testemunhas ou, (ii) assinado por procurador da pessoa analfabeta constituído por meio de procuração pública, ou, ainda, (iii) firmado em instrumento público, por convenção das partes.
No mesmo sentido: RESP 1868099/CE, rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. em 15/12/2020; e RESP 1868103/CE, rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. em 15/12/2020.
Portanto, como se vê nos autos, a instituição financeira não demonstrou, na condição de fornecedora do serviço adquirido, a regular contratação do empréstimo, ônus que lhe competia, ou seja, apresentou contrato com aposição de digital atribuída ao autor, todavia sem assinatura a rogo e sem a assinatura de duas testemunhas, requisito indispensável em razão da presença de pessoa analfabeta no negócio jurídico.
Nesse viés, o defeito na prestação dos serviços por parte do 1º recorrente (réu) caracterizou ato ilícito, sendo devida a restituição dos valores descontados ao 1º recorrido (autor).
REPETIÇÃO DO INDÉBITO.
Na Tese nº 03 do IRDR nº 53.983/2016, este Tribunal assentou o seguinte: Nos casos de empréstimos consignados, quando restar configurada a inexistência ou invalidade do contrato celebrado entre a instituição financeira e a parte autora, bem como, demonstrada a má-fé da instituição bancária, será cabível a repetição de indébito em dobro, resguardadas as hipóteses de enganos justificáveis.
Esse entendimento pende de confirmação pelo STJ, no Tema/Repetitivo 929, onde será decidido, com efeitos vinculantes, sobre os casos de repetição de indébito fundados no art. 42, parágrafo único, do CDC (“O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”).
Apesar de ainda não ter havido o julgamento do referido Tema, já existe tese firmada sobre a questão nos Embargos de Divergência no RESP nº 676.608, julgado em 21/10/2020.
Pondo fim à divergência entre a 1ª e a 2ª Turmas, a Corte Especial do STJ assentou a seguinte tese: [A] restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva.
A tese dispensa o consumidor da obrigação de provar o elemento volitivo (dolo/culpa) e, ao mesmo tempo, transfere ao banco o dever de provar “engano justificável” (ônus da defesa).
De relevo, destaco do acórdão proferido nos Embargos de Divergência trecho do voto do Ministro Luís Felipe Salomão: O código consumerista introduziu novidade no ordenamento jurídico brasileiro, ao adotar a concepção objetiva do abuso do direito, que se traduz em uma cláusula geral de proteção da lealdade e da confiança nas relações jurídicas, prescindindo da verificação da intenção do agente – dolo ou culpa – para caracterização de uma conduta como abusiva (...) Não há que se perquirir sobre a existência de dolo ou culpa do fornecedor, mas, objetivamente, verificar se o engano/equívoco/erro na cobrança era ou não justificável.
O 2º apelado (réu) não demonstrou nenhum dado capaz de justificar exceção ao dever anexo de cuidado, que decorre do princípio da boa-fé objetiva.
Assim, deve ser mantida a condenação à devolução, em dobro, dos descontos indevidos realizados no benefício previdenciário do 2º apelante (autor).
DANOS MORAIS.
A falha na prestação do serviço praticada pela instituição financeira é indiscutível, já que não atestou a legitimidade do negócio jurídico questionado.
Portanto, inegável o comportamento ilícito do 2º recorrido (réu) e a ocorrência do dano moral, ligados pelo nexo de causalidade, conforme exigência dos artigos 186 e 927, ambos do diploma substantivo.
Para o STJ, em casos de descontos indevidos em benefício previdenciário, o consumidor só não tem direito à reparação de danos morais quando os descontos lhe são posteriormente ressarcidos, porque, nesse caso, não haveria desfalque patrimonial capaz de lhe gerar abalo psicológico: Nos termos da jurisprudência dessa Corte, o desconto indevido em conta corrente, posteriormente ressarcido ao correntista, não gera, por si só, dano moral, sendo necessária a demonstração, no caso concreto, do dano eventualmente sofrido. (AgInt no AREsp 1833432, rel.
Ministro MARCO BUZZI, 4ª Turma, j. em 07/06/2021) Não há nos autos comprovação de que o banco tenha devolvido à 2ª recorrente (autora) qualquer valor, de modo que se consolidaram as consequências danosas da privação de renda indispensável à própria manutenção digna.
Em casos de descontos indevidos em benefícios previdenciários de pessoas pobres e analfabetas, social e economicamente vulneráveis, tenho adotado o entendimento de que existe sim o dever de reparar os danos morais sofridos por elas.
Esse é o posicionamento adotado na 5ª Câmara Cível desta Corte, colegiado que integro, que tem estabelecido o referido quantum indenizatório em casos similares, a exemplo dos feitos a seguir elencados: Apelação Cível nº 0802387-19.2017.8.10.0029, Apelação Cível nº 0808561-05.2021.8.10.0029, Apelação Cível nº 0830903-94.2021.8.10.0001, Apelação Cível nº 0827384-14.2021.8.10.0001, dentre inúmeros outros.
COMPENSAÇÃO.
Não é desconhecido por este julgador que, como consequência do reconhecimento da nulidade absoluta do contrato debatido nestes autos, por ter sido celebrado com pessoa analfabeta sem observância dos requisitos contidos no art. 595 do Código Civil, impõem-se o restabelecimento do estado em que as partes se encontravam anteriormente.
Trata-se, na realidade, de decorrência direta da norma legal insculpida no art. 182 da Lei Substantiva.
Fazê-lo de forma diversa implicaria, inclusive, o enriquecimento sem causa de uma das partes, prática expressamente vedada pelo ordenamento jurídico, nos termos dos arts. 884 e 885 do Código Civil, verbis: Art. 884.
Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único.
Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.
Art. 885.
A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir Debruçando-se sobre o assunto, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça: 1.
RECURSO ESPECIAL DE GABRIEL CONTINO.
CIVIL.
CONTRATO DE PARCERIA DE ATLETA DE FUTEBOL.
NULIDADE DECRETADA EX OFFICIO PELO JUIZ.
DIREITO À RESTITUIÇÃO DOS VALORES ADIANTADOS PELOS CONTRATANTES.
INDEPENDE DE PEDIDO DA PARTE.
RECURSO PROVIDO. 2.
RECURSO ESPECIAL DE LONDRINA ESPORTE CLUBE.
PEDIDO DE MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS.
PERDA DE OBJETO. 1.
A nulidade do contrato, por se operar ex tunc, acarreta o retorno das partes ao status quo ante, de maneira que o provimento jurisdicional de decretação de nulidade do ajuste contém em si eficácia restituitória -, nasce o direito de as partes serem ressarcidas pelo que despenderam na vigência do contrato nulo - e liberatória, pois desobriga ambos da relação contratual. 2.
No provimento judicial que decreta a rescisão ou a nulidade contratual está ínsito o direito de devolução das quantias eventualmente adiantadas pelos contratantes, independemente de requerimento expresso nesse sentido, sob pena de enriquecimento sem causa. 3.
O provimento do recurso especial de um dos recorrentes, com a inversão dos ônus sucumbenciais, torna prejudicado o recurso interposto pela parte contrária visando à majoração dos honorários advocatícios fixados na origem. 4.
Recurso especial de Gabriel Contino provido.
Recurso especial de Londrina Esporte Clube prejudicado. (STJ - REsp: 1611415 PR 2016/0169479-1, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 21/02/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/03/2017) Todavia, considero que a compensação somente poderia ser determinada se houvesse comprovação cabal de que o valor discutido foi creditado em favor da parte apelante.
Não há nos autos documento válido que ateste ter isso ocorrido, pois o extrato bancário somente foi juntado em sede recursal, de forma que não se pode considerá-lo, uma vez que não foi submetido ao juízo de origem, sob pena de ofensa ao duplo grau de jurisdição.
Dessa forma, mostra-se incabível a compensação.
DO RECURSO APRESENTADO PELO AUTOR (2º APELO).
De plano, constato a impossibilidade de conhecimento do 2º Apelo, porque intempestivo.
Preveem os arts. 219 e 1.003, §5° do CPC, que o prazo para a interposição do recurso de Apelação é de quinze dias úteis, ficando interrompido pela oposição de eventuais Embargos de Declaração (art. 1.026 do CPC).
Consoante o art. 5°, caput, §1° e §3° da Lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo digital, considerar-se-á realizada a intimação no dia em que aquele a ser intimado efetivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, ou, de forma ficta, após o decurso do prazo de dez dias.
Do cotejo dos autos, é possível verificar que a sentença atacada foi proferida em 01/06/2022, tendo sido intimada a parte apelante por meio da intimação eletrônica de Id. 69206516 dos autos de origem, cuja ciência foi registrada no sistema PJe em 24/06/2022.
O prazo recursal, portanto, iniciou em 27/06/2022 e teve como termo final o dia 15/07/2022.
Todavia, a presente Apelação somente foi interposta em 01/09/2022, quando já superado há muito o prazo recursal.
Ressalto que o 2º recorrente interpôs recurso dentro do prazo para apresentação de contrarrazões, todavia não fez menção expressa a ser o recurso adesivo, o que, em tese, poderia torná-lo tempestivo.
Pelo exposto, nos termos do art. 932, III do CPC, não conheço do 2º Apelo, em razão de sua intempestividade.
DISPOSITIVO.
Ante o exposto: a) conheço e nego provimento ao 1º Apelo (interposto pelo réu); b) não conheço do 2º Apelo (apresentado pelo autor).
Deixo de majorar a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios em razão de já terem sido estipulados no percentual máximo pelo juízo a quo.
Advirto as partes que a interposição de Agravo Interno manifestamente inadmissível ou improcedente e a oposição de Embargos de Declaração manifestamente protelatórios poderão ensejar a aplicação das multas previstas nos arts. 1.021, § 4º e 1.026, § 2º do CPC.
Serve a presente como instrumento de intimação.
São Luís, data registrada no sistema.
Desembargador Raimundo Moraes Bogéa Relator -
29/12/2022 12:52
Enviado ao Diário da Justiça Eletrônico
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29/12/2022 05:31
Não conhecido o recurso de Apelação de ANTONIO VITOR NETO - CPF: *09.***.*70-84 (APELANTE)
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29/12/2022 05:31
Conhecido o recurso de BANCO BRADESCO S.A. - CNPJ: 60.***.***/0001-12 (APELADO) e não-provido
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27/11/2022 00:09
Conclusos para decisão
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10/11/2022 11:28
Conclusos para decisão
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09/11/2022 16:38
Recebidos os autos
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09/11/2022 16:38
Conclusos para despacho
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09/11/2022 16:38
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
09/11/2022
Ultima Atualização
29/12/2022
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
DECISÃO (EXPEDIENTE) • Arquivo
DECISÃO • Arquivo
ATO ORDINATÓRIO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
ATO ORDINATÓRIO • Arquivo
SENTENÇA • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
ATO ORDINATÓRIO • Arquivo
ATO ORDINATÓRIO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
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