TJMA - 0805749-04.2023.8.10.0034
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gabinete Do(A) Desembargador(A) Luiz Gonzaga Almeida Filho
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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29/08/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO NAUJ - NÚCLEO DE APOIO ÀS UNIDADES JUDICIAIS Processo Judicial Eletrônico – PJe Processo nº.: 0800585-30.2021.8.10.0066 AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO RÉU: M.
D.
A.
D.
M., J.
O.
M.
G.
Advogado do(a) RÉU: ROMUALDO SILVA MARQUINHO - MA9166-A Advogados do(a) RÉU: RODRIGO REIS COSTA - MA17300-A, VERA GERMANA GOMES VIANA MARINHO OLIVEIRA - MA11486-A SENTENÇA Trata-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa c/c Pedido de Indisponibilidade de Bens (Tutela de Evidência), Obrigação de Fazer e Dano Moral Coletivo, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO em face do MUNICÍPIO DE AMARANTE DO MARANHÃO e de J.
O.
M.
G., ex-Prefeita do referido Município.
A Petição Inicial (ID: 44153852), protocolada em 15 de abril de 2021, narra que o Inquérito Civil Público, que deu origem à presente demanda, foi instaurado para apurar possível ocupação de servidores públicos em cargos sem previsão legal, em suposta infração à Lei Municipal nº 374/2013.
O Ministério Público, com base em notícia apócrifa (ID: 8712623 / 5 e ID: 8712623 / 6), listou nomes de servidores que, alegadamente, ocupavam cargos de direção, chefia ou assessoramento de forma indevida, por não possuírem correspondência na Tabela de Cargos da Lei Municipal nº 374/2013.
Foram especificamente apontados os cargos de Assessor especial em finanças, Assessor em planejamento, Assessor especial em educação, Assessor em arquitetura, Chefe de departamento e Coordenador do setor de compras como inexistentes na legislação municipal.
Adicionalmente, a peça exordial sustentou que, mesmo em relação aos cargos com previsão legal, os valores remuneratórios praticados pela Administração Pública eram incompatíveis com os previstos na Lei Municipal nº 374/2013, exemplificando com a situação da servidora Lidiane Kelly Nascimento R. de Aguiar Lopes, assessora de gabinete, cujo contracheque (ID: 8712623 / 27 a ID: 8712623 / 32) indicava salário base e gratificação superiores aos valores legais.
O Ministério Público imputou à Requerida Joice Gomes a prática de atos de improbidade administrativa que causaram lesão ao erário, nos termos do artigo 10, incisos VI, IX, X e XI, da Lei nº 8.429/92, e que atentaram contra os princípios da administração pública, conforme o artigo 11, incisos I e II, da mesma lei, em razão da contratação de pessoas sem concurso público para cargos inexistentes e do pagamento de verbas salariais sem correspondência legal.
Em sede de tutela de evidência, o Ministério Público requereu a indisponibilidade de bens da Requerida Joice Gomes no montante de R$ 1.372.000,00 (um milhão, trezentos e setenta e dois mil reais), valor calculado com base na multiplicação da remuneração da ex-Prefeita por cem, visando garantir o pagamento de eventual multa e o ressarcimento integral do dano.
Pleiteou, ainda, a condenação da Requerida Joice Gomes ao pagamento de danos morais coletivos em valor não inferior a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), a ser destinado ao Fundo Estadual de Direitos Difusos e Coletivos.
Por fim, requereu a notificação do Município de Amarante do Maranhão para comprovar o cumprimento da Lei Municipal nº 469/2020 (que revogou a Lei nº 374/2013) quanto ao preenchimento de cargos e pagamento de salários, sob pena de multa diária, e a condenação do Município à exoneração de servidores com vínculo precário e à abstenção de contratações irregulares.
A Decisão (ID: 62911435), proferida em 21 de maio de 2021, indeferiu o pedido liminar de indisponibilidade de bens.
O Juízo fundamentou sua decisão nas alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 na Lei nº 8.429/92, que modificaram substancialmente o regime da indisponibilidade de bens.
Destacou que, com a nova redação do artigo 16, § 3º, da Lei de Improbidade Administrativa, a medida de indisponibilidade passou a ser considerada uma tutela de urgência, exigindo a demonstração, no caso concreto, do periculum in mora (perigo de dano irreparável ou risco ao resultado útil do processo), não sendo mais presumido, como outrora admitido pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Tema Repetitivo 701).
Concluiu que, no caso dos autos, não restou demonstrado o perigo de dano irreparável ou risco ao resultado útil do processo, ressalvando a possibilidade de revisão da medida no decorrer da demanda.
A decisão, contudo, determinou a notificação do Município de Amarante do Maranhão para, no prazo de 10 (dez) dias, comprovar o cumprimento da Lei Municipal nº 469/2020, sob pena de multa diária, e a citação dos requeridos para apresentarem contestação.
O Município de Amarante do Maranhão apresentou Manifestação (ID: 76111120) em 14 de setembro de 2022, na qual informou a ausência de transição governamental por parte da gestão anterior, o que dificultou o acesso a documentos essenciais, como folhas de pagamento, para a verificação dos cargos e vencimentos.
Alegou que a antiga gestora ignorou a necessidade de operacionalização da transmissão de dados, causando prejuízos à atual gestão na localização de documentos.
Requereu sua integração à lide como litisconsorte ativo, nos termos do artigo 6º, § 3º, da Lei nº 4.717/1965 e artigo 17, § 3º, da Lei nº 8.429/1992.
A Requerida J.
O.
M.
G. apresentou Contestação (ID: 91687254) em 08 de maio de 2023, arguindo, preliminarmente, a tempestividade de sua defesa.
No mérito, sustentou a ausência de pressupostos caracterizadores do ato de improbidade, notadamente a falta de comprovação de dano ao erário e de dolo.
Afirmou que os cargos em questão eram de natureza comissionada (direção, chefia ou assessoramento), legitimados pela relação de confiança, e que as atividades inerentes a eles foram devidamente executadas, sem qualquer lesão ao erário.
Argumentou que os cargos apontados como "sem previsão legal" possuíam, na verdade, supedâneo na própria Lei Municipal nº 374/2013, ainda que com nomenclaturas incompletas ou omissões na tabela anexa, tratando-se, no máximo, de erro ou equívoco administrativo, e não de ato ímprobo.
A defesa da Requerida Joice Gomes enfatizou as profundas alterações trazidas pela Lei nº 14.230/2021 à Lei nº 8.429/92, que passou a exigir a comprovação de dolo específico para a configuração de atos de improbidade administrativa, afastando a possibilidade de responsabilização por conduta culposa ou por meras irregularidades formais sem perda patrimonial efetiva.
Citou os §§ 2º e 3º do artigo 1º da nova LIA, que definem dolo como "vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito" e excluem a responsabilidade pelo "mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito".
Alegou que a inicial não demonstrou o dolo ou má-fé da Requerida, nem a individualização de sua conduta, e que os serviços dos servidores foram devidamente prestados.
Requereu a improcedência da ação ou sua extinção sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 485, inciso IV, do Código de Processo Civil.
Em Despacho (ID: 119029085), o Ministério Público foi intimado para manifestação.
Em Petição (ID: 124851886), o Ministério Público informou que não possuía outras provas a produzir, considerando o feito apto a julgamento antecipado da lide, e pugnou pela procedência dos pedidos, alegando que os requeridos não arguiram preliminares ou fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.
Posteriormente, em Despacho (ID: 149590465), os promovidos foram intimados para, no prazo de 05 (cinco) dias, manifestarem-se sobre a pertinência de instruir o feito com outros elementos, sob pena de julgamento antecipado do mérito.
O Ministério Público, em Parecer de Mérito (ID: 153580581), reiterou que não possuía outras provas a produzir.
A Requerida J.
O.
M.
G., em Petição (ID: 155893924), protocolada em 30 de julho de 2025, requereu a produção de provas em audiência, especificamente o depoimento pessoal da parte, para que prestasse esclarecimentos sobre os fatos narrados na inicial e, principalmente, sobre o dolo em sua conduta, argumentando que a audiência é essencial para o esclarecimento dos fatos, permitindo o contraditório e a ampla defesa. É o relatório.
Decido.
Inicialmente, cumpre analisar a pertinência do julgamento antecipado da lide, considerando a manifestação do Ministério Público pela desnecessidade de produção de outras provas e o pedido da Requerida J.
O.
M.
G. para a realização de depoimento pessoal.
O Código de Processo Civil, em seu artigo 355, inciso I, autoriza o julgamento antecipado do mérito quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir outras provas.
Nesse contexto, é imperioso ressaltar que o Juiz, como destinatário das provas, possui a prerrogativa de avaliar a necessidade ou não de sua colheita, de modo que, dispondo o Magistrado de elementos suficientes à formação do seu livre convencimento à vista dos documentos apresentados pelas partes e da legislação aplicável, dispensável é a produção de qualquer outro ato instrutório.
A busca incessante por provas adicionais, quando o arcabouço probatório já se mostra robusto para a elucidação da controvérsia jurídica, pode, inclusive, arranhar os princípios da economia e da celeridade processual, postergando indevidamente a resolução da demanda.
A solicitação de depoimento pessoal da Requerida, embora legítima em tese, não se mostra indispensável para o deslinde da controvérsia, especialmente diante da natureza das alegações e da superveniente alteração legislativa que rege a matéria, a qual impõe requisitos objetivos para a configuração da improbidade administrativa, conforme será detalhado adiante.
A análise da conduta da Requerida, sob a ótica do dolo específico exigido pela nova Lei de Improbidade Administrativa, pode ser adequadamente realizada com base nos documentos já acostados aos autos e na interpretação da legislação pertinente, sem que isso configure cerceamento de defesa.
Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL.
DIREITO CIVIL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. 1.
PRELIMINARES DE NULIDADE DA SENTENÇA.
ERROR IN JUDICANDO E ERROR IN PROCEDENDO.
AUSÊNCIA DE DESPACHO SANEADOR QUE POR SI SÓ NÃO GERA NULIDADE DO PROCESSO.
AUSÊNCIA DE PREJUÍZO ÀS PARTES.
ARGUIÇÃO DE NULIDADE EM RAZÃO DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.
NÃO ACOLHIDA.
SUFICIÊNCIA DAS PROVAS DOCUMENTAIS CONSTANTES NOS AUTOS.
NÃO DEMONSTRADA A PERTINÊNCIA, RELEVÂNCIA E UTILIDADE DA PROVA ORAL.
DESNECESSIDADE DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO.
CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. (...) 1. É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido no sentido de que a falta de despacho saneador em julgamento antecipado da lide causa nulidade ao processo, excepcionando-se hipótese de prejuízo para o recorrente, o que não foi demonstrado no presente caso.
O posicionamento se justifica pela aplicação do brocardo pas de nullité sans grief, segundo o qual não há nulidade sem demonstração de prejuízo.
Precedentes do STJ (AgRg no REsp: 1428574 SP 2013/0397982-5; - REsp 1833243/CE).. 2.
Não se verifica cerceamento de defesa quando a questão prescinde de realização de outras provas além das constantes dos autos, porque vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz e não o sistema de tarifação legal de provas. (...) (TJPR - 19ª Câmara Cível - 0008563-98.2019.8.16.0194 - Curitiba - Rel.: JOSE AMERICO PENTEADO DE CARVALHO - J. 19.09.2023).
Adentrando ao mérito da questão, a presente Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa foi ajuizada sob a égide da Lei nº 8.429/1992, em sua redação original, que permitia a responsabilização por atos de improbidade administrativa na modalidade culposa, especialmente no que tange aos atos que causam lesão ao erário (artigo 10).
Contudo, o cenário jurídico foi profundamente alterado com a promulgação da Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, que promoveu significativas modificações na Lei de Improbidade Administrativa.
A Lei nº 14.230/2021, em seu artigo 1º, §§ 1º, 2º e 3º, estabeleceu de forma inequívoca que a configuração dos atos de improbidade administrativa, sejam eles por enriquecimento ilícito (art. 9º), lesão ao erário (art. 10) ou violação aos princípios da administração pública (art. 11), exige a comprovação de dolo específico.
O § 2º do artigo 1º define dolo como "a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente".
Mais adiante, o § 3º do mesmo artigo afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa quando houver "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito".
Essa alteração legislativa representa uma guinada paradigmática no sistema de responsabilização por improbidade administrativa, afastando a possibilidade de condenação por dolo genérico ou culpa, e exigindo uma análise mais rigorosa do elemento subjetivo do agente.
A ilegalidade, por si só, sem a presença do dolo qualificado, não mais configura ato de improbidade, conforme expressamente previsto no artigo 17-C, § 1º, da Lei nº 8.429/1992, com a redação dada pela Lei nº 14.230/2021.
A questão da aplicação da Lei nº 14.230/2021 aos processos em curso foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 1.199.
O Plenário da Suprema Corte firmou o entendimento de que as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, por serem mais benéficas ao réu, devem ser aplicadas retroativamente aos processos de conhecimento em curso, inclusive na fase recursal, desde que não haja trânsito em julgado.
Essa retroatividade alcança a exigência do dolo específico e a exclusão da modalidade culposa para os atos de improbidade, bem como a necessidade de comprovação de efetivo dano ao erário para a configuração dos atos do artigo 10 da LIA.
O paradigma foi assim ementado: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (LEI 14.230/2021) PARA A RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS CIVIS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92).
NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF.
INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 5º, XL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR POR AUSÊNCIA DE EXPRESSA PREVISÃO NORMATIVA.
APLICAÇÃO DOS NOVOS DISPOSITIVOS LEGAIS SOMENTE A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA LEI, OBSERVADO O RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI).
RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO COM A FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL PARA O TEMA 1199. 1.
A Lei de Improbidade Administrativa, de 2 de junho de 1992, representou uma das maiores conquistas do povo brasileiro no combate à corrupção e à má gestão dos recursos públicos. 2.
O aperfeiçoamento do combate à corrupção no serviço público foi uma grande preocupação do legislador constituinte, ao estabelecer, no art. 37 da Constituição Federal, verdadeiros códigos de conduta à Administração Pública e aos seus agentes, prevendo, inclusive, pela primeira vez no texto constitucional, a possibilidade de responsabilização e aplicação de graves sanções pela prática de atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da CF). 3.
A Constituição de 1988 privilegiou o combate à improbidade administrativa, para evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois, como já salientava Platão, na clássica obra REPÚBLICA, a punição e o afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretendem fixar uma regra proibitiva para que os servidores públicos não se deixem "induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesses do Estado”. 4.
O combate à corrupção, à ilegalidade e à imoralidade no seio do Poder Público, com graves reflexos na carência de recursos para implementação de políticas públicas de qualidade, deve ser prioridade absoluta no âmbito de todos os órgãos constitucionalmente institucionalizados. 5.
A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa. 6.
A Lei 14.230/2021 não excluiu a natureza civil dos atos de improbidade administrativa e suas sanções, pois essa “natureza civil” retira seu substrato normativo diretamente do texto constitucional, conforme reconhecido pacificamente por essa SUPREMA CORTE (TEMA 576 de Repercussão Geral, de minha relatoria, RE nº 976 .566/PA). 7.
O ato de improbidade administrativa é um ato ilícito civil qualificado – “ilegalidade qualificada pela prática de corrupção” – e exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente tipificado em lei, e que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas (artigo 9º da LIA) ou gerar prejuízos ao patrimônio público (artigo 10 da LIA), mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, apesar de ferir os princípios e preceitos básicos da administração pública (artigo 11 da LIA). 8.
A Lei 14.230/2021 reiterou, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º. 9.
Não se admite responsabilidade objetiva no âmbito de aplicação da lei de improbidade administrativa desde a edição da Lei 8 .429/92 e, a partir da Lei 14.230/2021, foi revogada a modalidade culposa prevista no artigo 10 da LIA. 10.
A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, § 4º). 11.
O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador. 12.
Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado. 13.
A norma mais benéfica prevista pela Lei 14 .230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes.
Observância do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. 14.
Os prazos prescricionais previstos em lei garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico; fixando termos exatos para que o Poder Público possa aplicar as sanções derivadas de condenação por ato de improbidade administrativa. 15.
A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela INÉRCIA do próprio Estado.
A prescrição prende-se à noção de perda do direito de punir do Estado por sua negligência, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo. 16.
Sem INÉRCIA não há PRESCRIÇÃO.
Sem INÉRCIA não há sancionamento ao titular da pretensão.
Sem INÉRCIA não há possibilidade de se afastar a proteção à probidade e ao patrimônio público. 17.
Na aplicação do novo regime prescricional – novos prazos e prescrição intercorrente –, há necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, com a IRRETROATIVIDADE da Lei 14.230/2021, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa. 18.
Inaplicabilidade dos prazos prescricionais da nova lei às ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, que permanecem imprescritíveis, conforme decidido pelo Plenário da CORTE, no TEMA 897, Repercussão Geral no RE 852 .475, Red. p/Acórdão: Min.
EDSON FACHIN. 19.
Recurso Extraordinário PROVIDO.
Fixação de tese de repercussão geral para o Tema 1199: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14 .230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei". (STF - ARE: 843989 PR, Relator.: ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 18/08/2022, Tribunal Pleno, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022).
No caso em tela, o Ministério Público imputa à Requerida J.
O.
M.
G. a prática de atos de improbidade administrativa por suposta ocupação de servidores em cargos sem previsão legal e pagamento de remunerações incompatíveis com a Lei Municipal nº 374/2013.
As alegações, conforme expostas na Petição Inicial (ID: 44153852), apontam para irregularidades na gestão de pessoal e na observância da legislação orçamentária e de cargos.
Contudo, a Requerida, em sua Contestação (ID: 91687254), argumentou que os cargos, embora com nomenclaturas que poderiam gerar dúvidas ou omissões na tabela anexa da Lei Municipal, possuíam previsão no corpo da legislação e que as funções de direção, chefia e assessoramento foram efetivamente exercidas, sem prejuízo ao erário.
A análise dos autos revela que as imputações do Ministério Público, embora graves, não foram acompanhadas de elementos probatórios que demonstrem, de forma inequívoca, o dolo específico da Requerida J.
O.
M.
G. em causar lesão ao erário ou em violar os princípios da administração pública com fim ilícito.
As alegações de "criação ilegal de cargos" e "remuneração de servidores de acordo com o seu entendimento" (ID: 44153852) configuram, no máximo, indícios de irregularidades administrativas ou de inobservância de formalidades legais.
A Requerida, por sua vez, defendeu que os cargos eram necessários para o funcionamento da administração municipal, que os serviços foram prestados e que a questão se resumia a uma possível falha na nomenclatura ou na completude da tabela anexa à lei, e não a uma conduta desonesta ou com o propósito deliberado de lesar o patrimônio público.
Essa argumentação, à luz da nova LIA, ganha relevância substancial.
A mera irregularidade formal, a inobservância de preceitos legais ou regulamentares, ou mesmo a inadequação na gestão, sem a comprovação de um propósito deliberado de obter vantagem indevida para si ou para outrem, ou de causar dano ao erário, não se amolda ao conceito de improbidade administrativa após as alterações da Lei nº 14.230/2021.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 1.010, já havia estabelecido requisitos rigorosos para a criação de cargos em comissão, exigindo que se destinem a funções de direção, chefia e assessoramento, que pressuponham relação de confiança, que guardem proporcionalidade com a necessidade e com o número de cargos efetivos, e que suas atribuições estejam descritas de forma clara e objetiva na própria lei que os institui.
A ementa adiante se transcreve: Criação de cargos em comissão.
Requisitos estabelecidos pela Constituição Federal.
Estrita observância para que se legitime o regime excepcional de livre nomeação e exoneração.
Repercussão geral reconhecida.
Reafirmação da jurisprudência da Corte sobre o tema. 1.
A criação de cargos em comissão é exceção à regra de ingresso no serviço público mediante concurso público de provas ou provas e títulos e somente se justifica quando presentes os pressupostos constitucionais para sua instituição. 2.
Consoante a jurisprudência da Corte, a criação de cargos em comissão pressupõe: a) que os cargos se destinem ao exercício de funções de direção, chefia ou assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais; b) necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; c) que o número de cargos comissionados criados guarde proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os institui; e d) que as atribuições dos cargos em comissão estejam descritas de forma clara e objetiva na própria lei que os cria. 3.
Há repercussão geral da matéria constitucional aventada, ratificando-se a pacífica jurisprudência do Tribunal sobre o tema.
Em consequência disso, nega-se provimento ao recurso extraordinário. 4.
Fixada a seguinte tese: a) A criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais; b) tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; c) o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os criar; e d) as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir. (STF - RE: 1041210 SP, Relator.: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 27/09/2018, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 22/05/2019).
Embora a Requerida tenha argumentado que os cargos estavam previstos na legislação municipal, ainda que com falhas na tabela anexa, a discussão central para a improbidade, sob a nova lei, desloca-se da mera ilegalidade para a presença do dolo específico e do efetivo dano.
No presente caso, o Ministério Público não logrou êxito em demonstrar o dolo específico da Requerida J.
O.
M.
G., ou seja, a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 ou 11 da Lei nº 8.429/1992.
As alegações, embora apontem para possíveis falhas na gestão, não evidenciam a má-fé, a desonestidade ou o propósito deliberado de lesar o erário ou violar os princípios administrativos com fim ilícito.
A ausência de comprovação de dolo específico, aliada à falta de demonstração de efetivo prejuízo à Administração Pública que não se confunda com a mera irregularidade formal, impede a condenação por ato de improbidade administrativa.
A Lei nº 14.230/2021, ao exigir o dolo específico e afastar a responsabilidade por atos culposos ou por meras irregularidades formais sem perda patrimonial efetiva, visa a proteger o gestor público de responsabilizações excessivas por falhas que não denotem desonestidade ou má-fé.
O sistema de improbidade administrativa, agora, foca na punição de condutas que realmente comprometam a integridade do patrimônio público e social, exigindo um grau de reprovabilidade subjetiva que não se confunde com a inabilidade ou o erro administrativo.
Diante da nova sistemática legal e do entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a retroatividade benéfica da Lei nº 14.230/2021, os fatos narrados na Petição Inicial, mesmo que considerados em sua integralidade, não se amoldam aos requisitos atualmente exigidos para a configuração de atos de improbidade administrativa.
A ausência de comprovação do dolo específico e do efetivo dano ao erário, nos termos da legislação vigente, impõe a improcedência da demanda.
Por fim, no que tange ao pedido liminar de indisponibilidade de bens, a decisão inicial (ID: 62911435) já havia indeferido a medida, fundamentando-se na necessidade de demonstração do periculum in mora após as alterações da Lei nº 14.230/2021.
A presente análise de mérito, que conclui pela ausência de probabilidade da ocorrência dos atos de improbidade, apenas reforça a correção daquela decisão, uma vez que a própria fumaça do bom direito, essencial para a concessão de tutelas de urgência, não se encontra presente.
DISPOSITIVO Ante o exposto, e por tudo o mais que dos autos consta, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, e em conformidade com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 na Lei nº 8.429/1992, bem como o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema de Repercussão Geral nº 1.199, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na presente Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa.
Em consequência, CONFIRMO a decisão de indeferimento do pedido liminar de indisponibilidade de bens (ID: 62911435), por ausência dos requisitos legais, notadamente a probabilidade da ocorrência dos atos de improbidade, conforme o artigo 16, § 3º, da Lei nº 8.429/1992.
Sem condenação em custas e honorários advocatícios, em conformidade com o disposto no artigo 23-B da Lei nº 8.429/92, com a redação dada pela Lei nº 14.230/2021, que isenta o autor de tal ônus, salvo comprovada má-fé, o que não se verificou no presente caso.
Sem reexame necessário, nos termos do artigo 17, § 19, inciso IV, da Lei nº 8.429/1992.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe. (documento assinado eletronicamente) Juíza JOSANE ARAUJO FARIAS BRAGA Auxiliar de Entrância Final NAUJ - Núcleo de Apoio às Unidades Judiciais Portaria–CGJ nº 3730/2024 -
16/05/2024 23:30
Expedição de Outros documentos.
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08/02/2024 09:18
Baixa Definitiva
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08/02/2024 09:18
Remetidos os Autos (por julgamento definitivo do recurso) para Instância de origem
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08/02/2024 09:18
Expedição de Certidão de trânsito em julgado.
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08/02/2024 00:08
Decorrido prazo de PROMIL PROMOTORA DE VENDAS LTDA em 07/02/2024 23:59.
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07/02/2024 16:55
Juntada de petição
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18/12/2023 00:04
Publicado Decisão (expediente) em 15/12/2023.
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18/12/2023 00:04
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 14/12/2023
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13/12/2023 22:50
Enviado ao Diário da Justiça Eletrônico
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09/12/2023 12:10
Conhecido o recurso de LUIZ BATISTA DE ANDRADE - CPF: *55.***.*50-44 (APELANTE) e não-provido
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06/12/2023 15:11
Conclusos para decisão
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01/12/2023 10:31
Conclusos para despacho
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01/12/2023 10:30
Recebidos os autos
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01/12/2023 10:30
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
01/12/2023
Ultima Atualização
29/08/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
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