TJRN - 0814122-79.2025.8.20.0000
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Dilermando Mota
Polo Passivo
Partes
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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30/08/2025 07:47
Publicado Intimação em 22/08/2025.
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30/08/2025 07:47
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 21/08/2025
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28/08/2025 13:57
Conclusos para decisão
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28/08/2025 13:29
Juntada de Petição de petição
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28/08/2025 00:32
Publicado Intimação em 28/08/2025.
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28/08/2025 00:32
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 27/08/2025
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27/08/2025 08:00
Expedição de Outros documentos.
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27/08/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Gabinete do Desembargador Dilermando Mota AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) 0814122-79.2025.8.20.0000 AGRAVANTE: LUSITANIA MARIA DA SILVA FONSECA ADVOGADO(A): GERSON BRENDO MESQUITA FERREIRA, CARLOS DANIEL MANICOBA DA SILVA AGRAVADO: BANCO DO BRASIL S/A, UP BRASIL - POLICARD SYSTEMS E SERVICOS S.A., COMPREV VIDA E PREVIDENCIA S.A., EQUATORIAL PARTICIPACAO E NEGOCIOS S/A, CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CREDITO DIRETO S.A, CLICKBANK INSTITUICAO DE PAGAMENTOS LTDA ADVOGADO(A): Relator: Desembargador Dilermando Mota DECISÃO Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por Lusitania Maria da Silva Fonseca contra decisão proferida pelo juízo de origem que, nos autos de ação de repactuação de dívidas fundamentada na Lei nº 14.181/2021, indeferiu o pedido de tutela de urgência formulado pela recorrente.
No seu recurso, a agravante narra que se encontra em situação de severo superendividamento, tendo ajuizado ação de repactuação de dívidas em face de instituições financeiras com o objetivo de buscar a preservação de seu mínimo existencial.
Relata que, embora aufira renda líquida mensal de R$ 19.872,91, tem comprometidos mensalmente R$ 17.456,82 com empréstimos consignados e débitos automáticos, o que representa 87% de sua renda líquida, restando-lhe apenas R$ 2.416,09 para custear despesas básicas de sobrevivência.
Afirma que tal comprometimento extrapola qualquer limite razoável de endividamento e sacrifica totalmente seu mínimo existencial, impedindo-a de prover necessidades básicas como alimentação, moradia, transporte e saúde.
Assevera que a situação configura um colapso financeiro contínuo, gerando um ciclo de miséria e inadimplemento que se retroalimenta mensalmente.
Argumenta que requereu em sede de tutela de urgência a limitação imediata dos descontos mensais ao patamar de 35% de sua renda líquida, bem como a suspensão da exigibilidade dos valores excedentes até a realização da audiência prevista no art. 104-A do CDC, pleiteando ainda que seu nome não fosse inscrito em cadastros restritivos de crédito durante o trâmite da ação.
Alega que o juízo a quo indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência sob o fundamento de que não estariam preenchidos os requisitos do art. 300 do CPC, especialmente quanto à probabilidade do direito invocado, por entender que a Lei nº 14.181/2021 não impõe obrigatoriedade de limitação de descontos ou suspensão de exigibilidade de dívidas antes da realização da audiência conciliatória com os credores.
Sustenta que a decisão merece reforma imediata por não considerar os elementos objetivos e jurídicos que demonstram sua real situação de vulnerabilidade, bem como a jurisprudência consolidada nos tribunais pátrios, notadamente no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, que reconhece a possibilidade de limitação judicial dos descontos com base no princípio da dignidade da pessoa humana e no direito ao mínimo existencial.
Argumenta que a situação fática de superendividamento extremo está devidamente comprovada nos autos, com comprometimento de 87% da renda líquida, valor superior ao que efetivamente aufere mensalmente.
Menciona que tal circunstância retira sua capacidade de prover subsistência própria e familiar, caracterizando grave violação ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e ao direito fundamental ao mínimo existencial, agora positivado expressamente pela Lei nº 14.181/2021.
Contesta a interpretação excessivamente formalista do art. 104-A do CDC adotada pela decisão agravada, ao concluir que a limitação de descontos somente poderia ser discutida no contexto de audiência conciliatória com os credores.
Aduz que tal entendimento desconsidera que, para além do rito previsto para repactuação de dívidas, a própria lei do superendividamento reconhece a necessidade de tutela jurisdicional prévia e urgente quando o comprometimento da renda compromete a própria existência digna do consumidor.
Questiona a ausência de reconhecimento da probabilidade do direito pela decisão recorrida, argumentando que esta decorre não apenas da prova documental robusta, mas também do amparo legal conferido pelo CDC e da jurisprudência dominante que reconhece a limitação de descontos como instrumento de proteção ao consumidor superendividado.
Aborda o perigo de dano irreparável, sustentando que se mostra manifesto, tendo em vista que a cada mês em que os descontos integrais são mantidos, se vê privada do acesso a itens básicos de sobrevivência, recaindo em espiral de endividamento ainda mais grave, o que compromete a utilidade do processo e acarreta violação imediata ao direito ao mínimo existencial.
Impugna a manutenção da decisão agravada, alegando que implica continuidade de situação insustentável e degradante, capaz de comprometer seu mínimo existencial, levando-a a estado de miséria financeira e exclusão social.
Defende que a urgência da medida se impõe com vigor diante do caráter alimentar da remuneração, que não pode ser preterido por débitos bancários, sob pena de afronta direta à Constituição Federal.
Requer ainda os benefícios da gratuidade da justiça, alegando que embora aufira a referida remuneração mensal, encontra-se em situação de severo superendividamento, com comprometimento superior a 100% da renda líquida, evidenciando hipossuficiência financeira atual que inviabiliza o custeio de despesas processuais sem prejuízo direto de sua sobrevivência digna.
Ao final, requer o recebimento e processamento do agravo de instrumento, a concessão de antecipação dos efeitos da tutela recursal para autorizar o depósito em juízo do valor mensal de R$ 6.955,52, equivalente a 35% de sua renda líquida mensal, com suspensão da exigibilidade dos valores excedentes, e para impor às partes agravadas o dever de se absterem de incluir seu nome em cadastros de inadimplência.
Pleiteia o provimento do recurso para reformar a decisão agravada com a concessão definitiva da tutela de urgência pleiteada na origem, bem como a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça. É o relatório.
Decido.
Conheço do agravo, uma vez preenchidos seus requisitos extrínsecos de admissão.
No que se refere ao pedido antecipatório, a teor do disposto nos artigos 995, parágrafo único, e 1.019, I, do Código de Processo Civil, o relator poderá atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
A pretensão recursal, portanto, destina-se ao deferimento da tutela antecipada pleiteada pela agravante, que objetiva a limitação dos descontos efetuados em sua remuneração ao patamar de 35% dos seus rendimentos líquidos, sob a égide da lei do superendividamento, em face da alegação de comprometimento do seu mínimo existencial.
Da análise dos autos, observa-se que a agravante sustenta, em apertada síntese, a necessidade imperiosa de concessão da tutela provisória de urgência, aduzindo que os encargos mensais perante os agravados correspondem a mais de 87% de sua renda líquida, situação que compromete sobremaneira sua subsistência e dignidade.
Alega estarem presentes os requisitos autorizadores da medida, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora, consubstanciados na manifesta impossibilidade de adimplemento da totalidade de suas dívidas e no perigo de dano decorrente da perpetuação da situação financeira insustentável que se encontra.
Pois bem.
A ação de repactuação de dívidas tem procedimento próprio previsto no art. 104-A, do CDC que determina que: A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, no qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e a forma de pagamento originalmente pactuadas. (Grifos acrescidos).
Isso possibilita ao consumidor superendividado a repactuação das dívidas, mediante apresentação de plano de pagamento com prazo máximo de 05 (cinco) anos.
O Juízo de 1º grau indeferiu o pedido de tutela de urgência ao argumento de que há a necessidade de instauração do procedimento previsto no artigo 104-A do Código de Defesa do Consumidor, o qual foi elaborado justamente para que o consumidor e seus credores discutam em conjunto quanto ao pagamento do total das dívidas existentes, sendo necessária a devida instrução processual para a concessão do pedido.
O sobredito artigo cristaliza, em nosso ordenamento jurídico, a concepção de que o superendividamento do consumidor demanda uma abordagem holística e conciliatória, mediante a qual todos os credores são chamados a uma mesa de negociação para, em conjunto com o devedor, deliberarem acerca da repactuação global das dívidas pendentes, preservando-se, assim, o mínimo existencial.
Nessa toada, é imperioso reconhecer que o procedimento estabelecido pelo legislador foi elaborado precisamente para que o consumidor e seus credores discutam, de maneira concertada e dialógica, quanto ao pagamento do total das dívidas existentes, visando à consecução de um plano de pagamento em condições adequadas à situação financeira do devedor, sem prejuízo à manutenção do seu sustento e de sua família.
A mens legis do dispositivo em comento reside justamente na premissa de que o tratamento do superendividamento exige uma solução global e coordenada, que contemple a totalidade dos débitos e credores, evitando-se, por conseguinte, que o deferimento de medidas individualizadas e fragmentárias possa comprometer o equilíbrio e a eficácia do procedimento conciliatório estabelecido pela lei.
In casu, observa-se que o pleito antecipatório formulado pela agravante busca, em síntese, a limitação unilateral dos descontos realizados em sua remuneração, sem a prévia oitiva dos credores e sem a instauração do procedimento conciliatório preconizado pelo artigo 104-A do CDC, o que, a toda evidência, contraria a sistemática legal instituída para o tratamento do superendividamento. É curial assinalar que o deferimento da tutela pleiteada, neste momento processual, poderia subverter a lógica conciliatória idealizada pelo legislador, além de impossibilitar a apreciação global da situação financeira do consumidor e a elaboração de um plano de pagamento que equilibre adequadamente os interesses de todas as partes envolvidas.
Ademais, impende destacar que a instauração do procedimento previsto no artigo 104-A do CDC não impede que, posteriormente, caso verificada a necessidade de salvaguarda do mínimo existencial do consumidor, sejam adotadas medidas mais incisivas para a proteção de sua dignidade, após a devida instrução processual e a tentativa de conciliação.
Destarte, afigura-se acertada a decisão vergastada ao estabelecer a necessidade de prévia instauração do procedimento conciliatório específico, com a convocação de todos os credores, antes da apreciação do pedido de limitação dos descontos, em estrita observância à sistemática legal estabelecida para o tratamento do superendividamento.
Noutro giro, no tocante à alegação de comprometimento do mínimo existencial, cumpre salientar que, conquanto seja inegável a relevância jurídica da preservação da dignidade do consumidor, a apreciação desse argumento demanda cognição mais aprofundada e a instrução adequada do feito, não sendo recomendável, por conseguinte, a concessão da tutela antecipada com base em alegações unilaterais, sem a devida dilação probatória e sem a oitiva dos credores.
Dentro desse contexto, a Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021) não prevê expressamente a automática suspensão das cobranças dos valores devidos, ela somente indica a possibilidade de negociação das dívidas.
Trata-se de procedimento específico que diverge da dinâmica do processo de conhecimento comum.
Com base no exposto, seguem os seguintes julgados deste Tribunal de Justiça, que bem se adequam ao caso sub judice: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL.
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO DE LIMITAÇÃO DE DESCONTOS E REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS.
DECISÃO QUE INDEFERIU O PLEITO LIMINAR.
AÇÃO PROPOSTA COM BASE NA LEI DO SUPER ENDIVIDAMENTO.
PRETENSÃO DE LIMITAÇÃO EM 30% (TRINTA POR CENTO) DOS DESCONTOS REFERENTES A TODAS AS DÍVIDAS CONTRAÍDAS PELA AUTORA.
NECESSIDADE DE ATENDIMENTO AO PROCEDIMENTO PREVISTO NOS ARTIGOS 104-A E 104-B DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
PACTUAÇÃO QUE EXIGE PRÉVIA TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO ENTRE CREDORES E CONSUMIDOR.
LIMITAÇÃO DE MARGEM CONSIGNÁVEL EM 30% (TRINTA POR CENTO) DA REMUNERAÇÃO QUE NÃO É POSSÍVEL.
LIMITAÇÃO RESTRITA AOS EMPRÉSTIMOS COM PAGAMENTO POR MEIO DE CONSIGNAÇÃO EM FOLHA.
MANUTENÇÃO DA DECISÃO.
CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJRN, Agravo de Instrumento nº 0800997-15.2023.8.20.0000, Gabinete da Desembargadora Maria de Lourdes Azevedo, 2ª Câmara Cível, j. em 23/05/2023).
EMENTA: CIVIL.
PROCESSUAL CIVIL.
CONSUMIDOR.
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS.
DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO LIMINAR.
ALEGAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO.
NATUREZA DA AÇÃO QUE NÃO PERMITE A APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO §1º DA LEI Nº 10.820/2023.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJRN, Agravo de Instrumento nº 0802286-17.2022.8.20.0000, Gabinete do Desembargador Cláudio Santos, 1ª Câmara Cível, j. 27/10/2022).
EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
OBRIGAÇÃO DE FAZER.
LIMITAÇÃO EM 30% (TRINTA POR CENTO) DOS DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E CONTA-CORRENTE DO AGRAVANTE.
INVIABILIDADE.
HIPÓTESE DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO NA MODALIDADE COM PAGAMENTO EM DÉBITO NA CONTA-CORRENTE.
INAPLICABILIDADE DO ART. 1º, §1º, DA LEI N° 10.820/2003.
APLICAÇÃO DA TEORIA DO SUPERENDIVIDAMENTO.
INVIABILIDADE.
AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO DO PROCEDIMENTO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS POR MOTIVO DE SUPERENDIVIDAMENTO NA FORMA DO ART. 104-A DO CDC.
CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO PRECEDENTES. (TJRN, Agravo de Instrumento nº 0801116-73.2023.8.20.0000, Gab.
Desembargador João Rebouças, 3ª Câmara Cível, j. em 25/05/2023).
Assim, pelo menos nesse momento processual, de análise perfunctória anterior à instrução probatória, não deve ser acolhida a limitação dos descontos na ficha financeira do recorrente, motivo pelo qual persiste a decisão do Juízo de Primeiro Grau.
Ante o exposto, indefiro o pedido de antecipação de tutela recursal.
Comunique-se ao Magistrado a quo o teor desta decisão.
Intime-se a parte agravada para, querendo, oferecer resposta ao presente recurso, sendo-lhe facultado juntar as cópias que reputar convenientes.
Em seguida, encaminhem-se os autos à Procuradoria de Justiça, para os devidos fins.
Cumpridas as diligências, à conclusão.
Publique-se.
Data registrada digitalmente.
Desembargador Dilermando Mota Relator B -
26/08/2025 18:29
Juntada de Petição de contrarrazões
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26/08/2025 13:24
Expedição de Outros documentos.
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26/08/2025 12:37
Juntada de documento de comprovação
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26/08/2025 12:26
Expedição de Ofício.
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26/08/2025 09:50
Juntada de Petição de petição
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21/08/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Gabinete do Desembargador Dilermando Mota AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) 0814122-79.2025.8.20.0000 AGRAVANTE: LUSITANIA MARIA DA SILVA FONSECA ADVOGADO(A): GERSON BRENDO MESQUITA FERREIRA, CARLOS DANIEL MANICOBA DA SILVA AGRAVADO: BANCO DO BRASIL S/A, UP BRASIL - POLICARD SYSTEMS E SERVICOS S.A., COMPREV VIDA E PREVIDENCIA S.A., EQUATORIAL PARTICIPACAO E NEGOCIOS S/A, CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CREDITO DIRETO S.A, CLICKBANK INSTITUICAO DE PAGAMENTOS LTDA ADVOGADO(A): Relator: Desembargador Dilermando Mota DECISÃO Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por Lusitania Maria da Silva Fonseca contra decisão proferida pelo juízo de origem que, nos autos de ação de repactuação de dívidas fundamentada na Lei nº 14.181/2021, indeferiu o pedido de tutela de urgência formulado pela recorrente.
No seu recurso, a agravante narra que se encontra em situação de severo superendividamento, tendo ajuizado ação de repactuação de dívidas em face de instituições financeiras com o objetivo de buscar a preservação de seu mínimo existencial.
Relata que, embora aufira renda líquida mensal de R$ 19.872,91, tem comprometidos mensalmente R$ 17.456,82 com empréstimos consignados e débitos automáticos, o que representa 87% de sua renda líquida, restando-lhe apenas R$ 2.416,09 para custear despesas básicas de sobrevivência.
Afirma que tal comprometimento extrapola qualquer limite razoável de endividamento e sacrifica totalmente seu mínimo existencial, impedindo-a de prover necessidades básicas como alimentação, moradia, transporte e saúde.
Assevera que a situação configura um colapso financeiro contínuo, gerando um ciclo de miséria e inadimplemento que se retroalimenta mensalmente.
Argumenta que requereu em sede de tutela de urgência a limitação imediata dos descontos mensais ao patamar de 35% de sua renda líquida, bem como a suspensão da exigibilidade dos valores excedentes até a realização da audiência prevista no art. 104-A do CDC, pleiteando ainda que seu nome não fosse inscrito em cadastros restritivos de crédito durante o trâmite da ação.
Alega que o juízo a quo indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência sob o fundamento de que não estariam preenchidos os requisitos do art. 300 do CPC, especialmente quanto à probabilidade do direito invocado, por entender que a Lei nº 14.181/2021 não impõe obrigatoriedade de limitação de descontos ou suspensão de exigibilidade de dívidas antes da realização da audiência conciliatória com os credores.
Sustenta que a decisão merece reforma imediata por não considerar os elementos objetivos e jurídicos que demonstram sua real situação de vulnerabilidade, bem como a jurisprudência consolidada nos tribunais pátrios, notadamente no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, que reconhece a possibilidade de limitação judicial dos descontos com base no princípio da dignidade da pessoa humana e no direito ao mínimo existencial.
Argumenta que a situação fática de superendividamento extremo está devidamente comprovada nos autos, com comprometimento de 87% da renda líquida, valor superior ao que efetivamente aufere mensalmente.
Menciona que tal circunstância retira sua capacidade de prover subsistência própria e familiar, caracterizando grave violação ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e ao direito fundamental ao mínimo existencial, agora positivado expressamente pela Lei nº 14.181/2021.
Contesta a interpretação excessivamente formalista do art. 104-A do CDC adotada pela decisão agravada, ao concluir que a limitação de descontos somente poderia ser discutida no contexto de audiência conciliatória com os credores.
Aduz que tal entendimento desconsidera que, para além do rito previsto para repactuação de dívidas, a própria lei do superendividamento reconhece a necessidade de tutela jurisdicional prévia e urgente quando o comprometimento da renda compromete a própria existência digna do consumidor.
Questiona a ausência de reconhecimento da probabilidade do direito pela decisão recorrida, argumentando que esta decorre não apenas da prova documental robusta, mas também do amparo legal conferido pelo CDC e da jurisprudência dominante que reconhece a limitação de descontos como instrumento de proteção ao consumidor superendividado.
Aborda o perigo de dano irreparável, sustentando que se mostra manifesto, tendo em vista que a cada mês em que os descontos integrais são mantidos, se vê privada do acesso a itens básicos de sobrevivência, recaindo em espiral de endividamento ainda mais grave, o que compromete a utilidade do processo e acarreta violação imediata ao direito ao mínimo existencial.
Impugna a manutenção da decisão agravada, alegando que implica continuidade de situação insustentável e degradante, capaz de comprometer seu mínimo existencial, levando-a a estado de miséria financeira e exclusão social.
Defende que a urgência da medida se impõe com vigor diante do caráter alimentar da remuneração, que não pode ser preterido por débitos bancários, sob pena de afronta direta à Constituição Federal.
Requer ainda os benefícios da gratuidade da justiça, alegando que embora aufira a referida remuneração mensal, encontra-se em situação de severo superendividamento, com comprometimento superior a 100% da renda líquida, evidenciando hipossuficiência financeira atual que inviabiliza o custeio de despesas processuais sem prejuízo direto de sua sobrevivência digna.
Ao final, requer o recebimento e processamento do agravo de instrumento, a concessão de antecipação dos efeitos da tutela recursal para autorizar o depósito em juízo do valor mensal de R$ 6.955,52, equivalente a 35% de sua renda líquida mensal, com suspensão da exigibilidade dos valores excedentes, e para impor às partes agravadas o dever de se absterem de incluir seu nome em cadastros de inadimplência.
Pleiteia o provimento do recurso para reformar a decisão agravada com a concessão definitiva da tutela de urgência pleiteada na origem, bem como a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça. É o relatório.
Decido.
Conheço do agravo, uma vez preenchidos seus requisitos extrínsecos de admissão.
No que se refere ao pedido antecipatório, a teor do disposto nos artigos 995, parágrafo único, e 1.019, I, do Código de Processo Civil, o relator poderá atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
A pretensão recursal, portanto, destina-se ao deferimento da tutela antecipada pleiteada pela agravante, que objetiva a limitação dos descontos efetuados em sua remuneração ao patamar de 35% dos seus rendimentos líquidos, sob a égide da lei do superendividamento, em face da alegação de comprometimento do seu mínimo existencial.
Da análise dos autos, observa-se que a agravante sustenta, em apertada síntese, a necessidade imperiosa de concessão da tutela provisória de urgência, aduzindo que os encargos mensais perante os agravados correspondem a mais de 87% de sua renda líquida, situação que compromete sobremaneira sua subsistência e dignidade.
Alega estarem presentes os requisitos autorizadores da medida, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora, consubstanciados na manifesta impossibilidade de adimplemento da totalidade de suas dívidas e no perigo de dano decorrente da perpetuação da situação financeira insustentável que se encontra.
Pois bem.
A ação de repactuação de dívidas tem procedimento próprio previsto no art. 104-A, do CDC que determina que: A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, no qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e a forma de pagamento originalmente pactuadas. (Grifos acrescidos).
Isso possibilita ao consumidor superendividado a repactuação das dívidas, mediante apresentação de plano de pagamento com prazo máximo de 05 (cinco) anos.
O Juízo de 1º grau indeferiu o pedido de tutela de urgência ao argumento de que há a necessidade de instauração do procedimento previsto no artigo 104-A do Código de Defesa do Consumidor, o qual foi elaborado justamente para que o consumidor e seus credores discutam em conjunto quanto ao pagamento do total das dívidas existentes, sendo necessária a devida instrução processual para a concessão do pedido.
O sobredito artigo cristaliza, em nosso ordenamento jurídico, a concepção de que o superendividamento do consumidor demanda uma abordagem holística e conciliatória, mediante a qual todos os credores são chamados a uma mesa de negociação para, em conjunto com o devedor, deliberarem acerca da repactuação global das dívidas pendentes, preservando-se, assim, o mínimo existencial.
Nessa toada, é imperioso reconhecer que o procedimento estabelecido pelo legislador foi elaborado precisamente para que o consumidor e seus credores discutam, de maneira concertada e dialógica, quanto ao pagamento do total das dívidas existentes, visando à consecução de um plano de pagamento em condições adequadas à situação financeira do devedor, sem prejuízo à manutenção do seu sustento e de sua família.
A mens legis do dispositivo em comento reside justamente na premissa de que o tratamento do superendividamento exige uma solução global e coordenada, que contemple a totalidade dos débitos e credores, evitando-se, por conseguinte, que o deferimento de medidas individualizadas e fragmentárias possa comprometer o equilíbrio e a eficácia do procedimento conciliatório estabelecido pela lei.
In casu, observa-se que o pleito antecipatório formulado pela agravante busca, em síntese, a limitação unilateral dos descontos realizados em sua remuneração, sem a prévia oitiva dos credores e sem a instauração do procedimento conciliatório preconizado pelo artigo 104-A do CDC, o que, a toda evidência, contraria a sistemática legal instituída para o tratamento do superendividamento. É curial assinalar que o deferimento da tutela pleiteada, neste momento processual, poderia subverter a lógica conciliatória idealizada pelo legislador, além de impossibilitar a apreciação global da situação financeira do consumidor e a elaboração de um plano de pagamento que equilibre adequadamente os interesses de todas as partes envolvidas.
Ademais, impende destacar que a instauração do procedimento previsto no artigo 104-A do CDC não impede que, posteriormente, caso verificada a necessidade de salvaguarda do mínimo existencial do consumidor, sejam adotadas medidas mais incisivas para a proteção de sua dignidade, após a devida instrução processual e a tentativa de conciliação.
Destarte, afigura-se acertada a decisão vergastada ao estabelecer a necessidade de prévia instauração do procedimento conciliatório específico, com a convocação de todos os credores, antes da apreciação do pedido de limitação dos descontos, em estrita observância à sistemática legal estabelecida para o tratamento do superendividamento.
Noutro giro, no tocante à alegação de comprometimento do mínimo existencial, cumpre salientar que, conquanto seja inegável a relevância jurídica da preservação da dignidade do consumidor, a apreciação desse argumento demanda cognição mais aprofundada e a instrução adequada do feito, não sendo recomendável, por conseguinte, a concessão da tutela antecipada com base em alegações unilaterais, sem a devida dilação probatória e sem a oitiva dos credores.
Dentro desse contexto, a Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021) não prevê expressamente a automática suspensão das cobranças dos valores devidos, ela somente indica a possibilidade de negociação das dívidas.
Trata-se de procedimento específico que diverge da dinâmica do processo de conhecimento comum.
Com base no exposto, seguem os seguintes julgados deste Tribunal de Justiça, que bem se adequam ao caso sub judice: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL.
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO DE LIMITAÇÃO DE DESCONTOS E REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS.
DECISÃO QUE INDEFERIU O PLEITO LIMINAR.
AÇÃO PROPOSTA COM BASE NA LEI DO SUPER ENDIVIDAMENTO.
PRETENSÃO DE LIMITAÇÃO EM 30% (TRINTA POR CENTO) DOS DESCONTOS REFERENTES A TODAS AS DÍVIDAS CONTRAÍDAS PELA AUTORA.
NECESSIDADE DE ATENDIMENTO AO PROCEDIMENTO PREVISTO NOS ARTIGOS 104-A E 104-B DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
PACTUAÇÃO QUE EXIGE PRÉVIA TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO ENTRE CREDORES E CONSUMIDOR.
LIMITAÇÃO DE MARGEM CONSIGNÁVEL EM 30% (TRINTA POR CENTO) DA REMUNERAÇÃO QUE NÃO É POSSÍVEL.
LIMITAÇÃO RESTRITA AOS EMPRÉSTIMOS COM PAGAMENTO POR MEIO DE CONSIGNAÇÃO EM FOLHA.
MANUTENÇÃO DA DECISÃO.
CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJRN, Agravo de Instrumento nº 0800997-15.2023.8.20.0000, Gabinete da Desembargadora Maria de Lourdes Azevedo, 2ª Câmara Cível, j. em 23/05/2023).
EMENTA: CIVIL.
PROCESSUAL CIVIL.
CONSUMIDOR.
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS.
DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO LIMINAR.
ALEGAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO.
NATUREZA DA AÇÃO QUE NÃO PERMITE A APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO §1º DA LEI Nº 10.820/2023.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJRN, Agravo de Instrumento nº 0802286-17.2022.8.20.0000, Gabinete do Desembargador Cláudio Santos, 1ª Câmara Cível, j. 27/10/2022).
EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
OBRIGAÇÃO DE FAZER.
LIMITAÇÃO EM 30% (TRINTA POR CENTO) DOS DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E CONTA-CORRENTE DO AGRAVANTE.
INVIABILIDADE.
HIPÓTESE DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO NA MODALIDADE COM PAGAMENTO EM DÉBITO NA CONTA-CORRENTE.
INAPLICABILIDADE DO ART. 1º, §1º, DA LEI N° 10.820/2003.
APLICAÇÃO DA TEORIA DO SUPERENDIVIDAMENTO.
INVIABILIDADE.
AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO DO PROCEDIMENTO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS POR MOTIVO DE SUPERENDIVIDAMENTO NA FORMA DO ART. 104-A DO CDC.
CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO PRECEDENTES. (TJRN, Agravo de Instrumento nº 0801116-73.2023.8.20.0000, Gab.
Desembargador João Rebouças, 3ª Câmara Cível, j. em 25/05/2023).
Assim, pelo menos nesse momento processual, de análise perfunctória anterior à instrução probatória, não deve ser acolhida a limitação dos descontos na ficha financeira do recorrente, motivo pelo qual persiste a decisão do Juízo de Primeiro Grau.
Ante o exposto, indefiro o pedido de antecipação de tutela recursal.
Comunique-se ao Magistrado a quo o teor desta decisão.
Intime-se a parte agravada para, querendo, oferecer resposta ao presente recurso, sendo-lhe facultado juntar as cópias que reputar convenientes.
Em seguida, encaminhem-se os autos à Procuradoria de Justiça, para os devidos fins.
Cumpridas as diligências, à conclusão.
Publique-se.
Data registrada digitalmente.
Desembargador Dilermando Mota Relator B -
20/08/2025 15:36
Expedição de Outros documentos.
-
14/08/2025 16:26
Recebido o recurso Sem efeito suspensivo
-
12/08/2025 10:14
Conclusos para decisão
-
12/08/2025 10:14
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
12/08/2025
Ultima Atualização
27/08/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
Acórdão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Documento de Comprovação • Arquivo
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