TRF1 - 1007661-54.2023.4.01.3100
1ª instância - 6ª Macapa
Processos Relacionados - Outras Instâncias
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Polo Passivo
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Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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21/11/2023 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Amapá 6ª Vara Federal Cível da SJAP PROCESSO: 1007661-54.2023.4.01.3100 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) POLO ATIVO: GABRIEL CANELA BARROSO REPRESENTANTES POLO ATIVO: NADSON RODRIGO DOS SANTOS COLARES - AP2740 POLO PASSIVO:FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ DESPACHO.
AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL.
INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO.
JUÍZO DE RETRATAÇÃO.
MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA.
CIÊNCIA AO AUTOR.
PEDIDO DE PROVA ORAL.
INDEFERIMENTO.
ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
DESPACHO 1 - Mantenho os fundamentos da decisão agravada. 2 - Indefiro o pedido de designação de audiência de instrução, porquanto a implícita pretensão de oitiva pessoal do Autor encontra-se em desacordo com o disposto no art. 385 do CPC.
Outrossim, a parte não especificou a utilidade da prova oral requerida.
Outrossim, a prova documental se revela suficiente, razão pela qual declaro encerrada a instrução processual. 3 - Assim, após a intimação das partes acerca deste ato, venham os autos conclusos para julgamento.
Macapá/AP, data da assinatura eletrônica. (assinado eletronicamente) JUCELIO FLEURY NETO Juiz Federal -
09/08/2023 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Amapá 6ª Vara Federal Cível da SJAP PROCESSO: 1007661-54.2023.4.01.3100 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) POLO ATIVO: GABRIEL CANELA BARROSO REPRESENTANTES POLO ATIVO: NADSON RODRIGO DOS SANTOS COLARES - AP2740 POLO PASSIVO:FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ DECISÃO EMENTA: PROCESSO SELETIVO.
UNIVERSIDADE PÚBLICA.
SISTEMA DE COTAS.
PARDO.
COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO.
TUTELA DE URGÊNCIA.
INDEFERIMENTO.
I - RELATÓRIO Trata-se de ação de conhecimento com pedido de tutela de urgência ajuizada por GABRIEL CANELA BARROSO em face da Fundação Universidade Federal do Amapá – Unifap, objetivando “sustar os efeitos da decisão da Comissão de heteroidentificação e determinar que a UNIFAP proceda à matricula do requerente até ulterior deliberação deste juízo, eis que presentes o perigo da demora considerada a exiguidade do tempo e a fumaça do bom direito consistente no formal e expresso reconhecimento por autoridade científica da presença dos fenótipos que a caracterizam parda”, sem prejuízo de sua final confirmação por sentença.
Narra a petição inicial que: “2.
O requerente é pardo, filho de pais pardos e avos negros.
Concorreu a vaga no curso de ciência da computação da Unifap e fez a autodeclaração de sua cor parda.
Tem sido indeferida sua matrícula eis que ao talante da comissão de heteroidentificação da UNIFAP, não preenchia os requisitos. 3.
Até a presente data não teve acesso aos fundamentos que levaram a comissão a negar sua matrícula.
Entregaram apenas a súmula da decisão sem a presença de fundamentação, o que viola o estatuído no artigo 93, IX da Constituição Federal. [...] não se permitiu contraditório prévio e efetivo a certamista, uma vez que não foram apresentados os fundamentos que levaram a comissão a concluir pela ausência do fenótipo e com isso o prejuízo é latente.” No mérito, pugnou para que “seja julgado totalmente procedente o pedido aqui veiculado, para declarar a nulidade da decisão da Comissão de Hetero identificação e assim reconhecer o fenótipo autodeclarado pela requerente, convolando-se em definitiva a tutela de urgência que se espera ver concedida ao início da lide”.
Requereu a concessão de justiça gratuita.
A inicial veio acompanhada de documentos.
Juntou procuração judicial.
Determinou-se a intimação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a citação do Réu e a intimação do Autor para comprovação da condição de hipossuficiência, assim como para complementação de documentação (ID. 1571538894).
O Autor recolheu custas judiciais (ID. 1613026391).
A FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ apresentou contestação em ID. 1617784372.
Defendeu a legalidade da heteroidentificação.
Quanto à análise do fenótipo, ressaltou a impossibilidade de intervenção do Poder Judiciário.
No que diz respeito à motivação, argumentou que restou claro o não atendimento, pelo candidato, dos critérios exigidos pelo edital.
Rogou pela improcedência dos pedidos, ou subsidiariamente, o refazimento do ato.
Juntou documentos.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ingressou na ação como fiscal da ordem jurídica, emitindo parecer desfavorável aos pedidos do Autor (ID. 1656303962).
Réplica à contestação em ID. 1661650979, em que a parte, citando jurisprudência, enalteceu a “possibilidade de afastamento das conclusões da comissão do concurso quando, dos documentos acostados aos autos, é possível verificar que as características e aspectos fenotípicos do candidato são evidentes, de acordo com o conceito de negro (que inclui pretos e pardos) utilizado pelo legislador, baseado nas definições do IBGE.” Vieram os autos conclusos. É o que importa relatar.
Decido.
II - FUNDAMENTAÇÃO A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, nos termos do art. 300 do CPC.
Ao analisar a matéria, em conjunto com as provas coligidas até o momento, verifico que, não obstante a presença da urgência, decorrente do próprio contexto narrativo dos fatos, inexiste substrato suficiente a autorizar a concessão da tutela de urgência, pela ausência da probabilidade do direito sustentado.
Explico.
Ações afirmativas são práticas estatais que, por meio de “tratamentos preferenciais”, tentam reequilibrar e/ou redistribuir, num caráter efetivo, as oportunidades disponíveis entre segmentos sociais particularizados.
Com esse objetivo, a Constituição de 1988 estabeleceu vários princípios e regras que traduzem a preocupação do Estado com o aspecto positivo ou afirmativo do princípio da isonomia.
O princípio da isonomia, em tal cenário, representa o dever de favorecer e de criar pressupostos voltados à correção das distorções sociais, que atingem os menos favorecidos, seja por critérios biológicos, sociais, econômicos, culturais ou políticos, tratando igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. É com referência a esse esforço que hodiernamente muito se fala de “políticas afirmativas” por parte dos órgãos públicos, que buscam fornecer meios para reduzir ou compensar as dificuldades subjacentes às desigualdades enfrentadas pelo indivíduo dentro de um dado contexto social.
Exemplos de ações afirmativas são: o objetivo fundamental de erradicação das desigualdades regionais (art. 3º, III); o princípio da ordem econômica de redução das desigualdades sociais (art. 170, VII); o art. 7º, XX, que prevê tratamento especial de proteção do mercado de trabalho feminino e o art. 37, VIII, que manda reservar percentual dos cargos e empregos públicos a pessoas portadoras de deficiência física.
A Lei 12.990/2014 se insere, igualmente, entre os mecanismos de ação postos em favor daqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição em concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Entre muitos outros, os objetivos dessas ações consistem em: (a) coibir não só as discriminações do presente, mas, sobretudo, eliminar os efeitos persistentes (psicológicos, culturais e comportamentais) da discriminação do passado; (b) viabilizar uma certa “diversidade” que confira aos grupos minoritários uma maior representatividade nos domínios das atividades pública e privada; (c) criar personalidades emblemáticas, por meio dos representantes dos grupos discriminados que alcançarem posições de prestígio e poder, para servirem de modelo ao projeto de vida das pessoas que integram o restante da comunidade discriminada (GOMES, Joaquim B.
Barbosa.
Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: o direito como instrumento de transformação social.
A experiência dos EUA.
Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 47-49).
No julgamento da ADPF 186/DF, o Pleno do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL reforçou a legalidade das políticas afirmativas em alusão.
Vejamos: “ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.
ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR.
ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares.
II – O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade.
III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa.
IV – Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro.
V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição.
VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes.
VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem.
Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos.
VIII – Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente.” As ações afirmativas, entretanto, devem satisfazer critérios proporcionais e razoáveis, sob pena de o Estado incorrer em discriminações inversas. É dizer, o aspecto afirmativo do princípio da isonomia não exclui o negativo, daí por que o mesmo princípio da isonomia proíbe discriminações arbitrárias em matéria de ações afirmativas.
Nesse contexto, qualquer política de ação afirmativa deve considerar o princípio da proporcionalidade, inclusive aquelas previstas pela própria Constituição.
Logo, se a justificação da ação afirmativa está em atenuar ou superar determinadas dificuldades enfrentadas por cada qual para desenvolver as próprias capacidades que permitiriam disputar, com igualdade de condições, com aqueles que não encararam as mesmas dificuldades, é preciso atentar para o seguinte: a ação afirmativa só será constitucional à medida que os critérios utilizados na identificação dos respectivos beneficiários sejam condizentes com as dificuldades que a atuação estatal tente atenuar ou remediar.
A título exemplificativo, caso a desigualdade advenha de motivações financeiras, não haveria por que privilegiar outras pessoas que não as portadoras de dificuldades econômicas, pois a medida seria inadequada para atender à finalidade buscada.
Do mesmo modo, se a justificativa para reservar vagas em instituições públicas de ensino radicar na desigualdade entre os vestibulandos que frequentaram ou não escolas particulares – pois se presumiria que a qualidade destas é superior a das públicas – ou entre os que trabalharam ou não para ajudar a família – daí se presumindo que não tiveram o mesmo tempo útil de preparação para o vestibular –, não faz sentido que tais cotas sejam atribuídas conforme critérios diversos.
A presente ação ataca a decisão de comissão de verificação de autodeclaração (Comissão de Heteroidentificação) que indeferiu a matrícula do Requerente, sob o fundamento de que a IES não encontrou marcadores fenotípicos de negritude (parda).
Além disso,acusa suposta irregularidade formal na fundamentação do ato administrativo que excluiu o candidato da lista de vagas reservadas.
De início, consigno que para que um candidato seja considerado como da etnia-raça negra parda é necessário que apresente características fenotípicas do grupo étnico e que tais características sejam perceptíveis por si e por terceiros (critério de raça social), o que não é o caso do Autor, a princípio.
Extrai-se do Edital 14/2023, de ID. 1568870355 - Pág. 5, o seguinte: “[...] 14.
Para os candidatos aprovados nas cotas Pretos, Pardos e Indígenas, para que tenham sua matrícula homologada, deverão passar pela análise, da Comissão de Heteroidentificação da Unifap, com parecer DEFERIDO.
A Comissão usará como base para a avaliação, a autodeclaração, e promoverá a análise presencial dos candidatos autodeclarados Pretos, Pardos ou Indígenas, e que forem habilitados na Chamada Regular, conforme CRONOGRAMA DE MATRÍCULA (Anexo).
A lista dos candidatos indeferidos pela Comissão de Heteroidentificação será publicada na página principal da UNIFAP. 15.
O DERCA/UNIFAP em consonância com a Comissão de Heteroidentificação, e em obediência à Normativa nº 4, de 6 de abril de 2018, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão que regulamenta sobre o procedimento de Heteroidentificação complementar dos candidatos cotistas, exercerá procedimentos amparados pela citada regulamentação; 15.1.
As vagas destinadas às pessoas pretas e pardas compõem cotas raciais, devendo o(a) candidato(a) comprovar possuir traços fenotípicos de pessoas negras, frente à banca de Heteroidentificação, especificamente destinada para esse fim. 15.2.
Caso haja algum indeferimento diante das análises realizadas pela Comissão de Heteroidentificação, o candidato INDEFERIDO será comunicado por e-mail informado no ato da inscrição; 15.3.
Em caso de candidato INDEFERIDO pela COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO preencherá o requerimento de modelo ANEXO V; 15.4.
O (A) candidato (a) que tenha seu nome INDEFERIDO pela Comissão de Heteroidentificação terá prazo de 24h para interpor recurso junto à COMISSÃO RECURSAL, apresentando justificativa para o email [email protected]. 15.5.
A Comissão Recursal é a última instância de recurso administrativo, caso o recurso seja indeferido. 15.6.
A Comissão Recursal promoverá nova análise, feita presencialmente, a todos os candidatos que interporem recurso, conforme lista a ser publicada na página principal da UNIFAP;” A política de ação afirmativa concebida no edital do processo seletivo em questão atende às disposições contidas na Lei 12.990/2014 (aplicável por analogia), na parte em que prevê a possibilidade de eliminação do candidato se constatada a falsidade da declaração da condição de pessoa preta ou parda.
Pela lei, o benefício é destinado àqueles “que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE” (art. 2º, caput). À semelhança, o chamado Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) considera como população negra “o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga” (art. 1º, IV).
Ocorre que o IBGE também deixou ao alvedrio da autodeclaração a definição da própria cor ou raça.
O problema já foi alvo de julgamento do STF na ADPF 186/DF, quando se acolheu o voto do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, entre cujos fundamentos está: “(...) Em outras palavras, tratando-se da utilização do critério étnico-racial para o ingresso no ensino superior, é preciso analisar ainda se os mecanismos empregados na identificação do componente étnico-racial estão ou não em conformidade com a ordem constitucional.
Na prática, o Réu se utilizou de duas formas distintas de identificação: a autoidentificação e a heteroidentificação (identificação por terceiros).
Nessa sistemática, a identificação deve ocorrer primariamente pelo próprio indivíduo, enquanto que, em uma segunda oportunidade – tendo em vista o grau mediano de mestiçagem (por fenótipo) e as incertezas por ela geradas, assim como a necessidade de coibir possíveis fraudes na identificação, para fim de obtenção de benefícios – alguns mecanismos adicionais são utilizados como meio de confirmação, como o uso de entrevistas, exigência de documentos e fotos, até mesmo a submissão (presencial) a comitês de verificação da autodeclaração, a chamada Comissão de Heteroidentificação.
Tanto a autoidentificação, quanto a heteroidentificação, ou ambos os sistemas de seleção combinados, desde que respeitem a dignidade pessoal dos candidatos, são, a meu ver, plenamente aceitáveis do ponto de vista constitucional.
No caso, a Comissão Avaliadora indeferiu a matrícula do Autor por considerar que ele não apresentava características fenotípicas condizentes com a sua autodeclaração.
A Portaria Normativa n. 4, de 6 de abril de 2018, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão/Secretaria de Gestão de Pessoas, que baseia o edital (tópico 15, ID. 1568870355 - Pág. 5), e regulamenta o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros, para fins de preenchimento das vagas reservadas nos concursos públicos federais, nos termos da Lei n°12.990, de 9 de junho de 2014, traz as seguintes disposições: “Art.1º Esta Portaria Normativa disciplina o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros, a ser previsto nos editais de abertura de concursos públicos para provimento de cargos públicos da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, para fins de preenchimento das vagas reservadas, previstas na Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014.
Parágrafo único.
O procedimento de heteroidentificação previsto nesta Portaria Normativa submete-se aos seguintes princípios e diretrizes: [...] VI - garantia da efetividade da ação afirmativa de reserva de vagas a candidatos negros nos concursos públicos de ingresso no serviço público federal. [...] Art. 2º Para concorrer às vagas reservadas a candidatos negros, o candidato deverá assim se autodeclarar, no momento da inscrição no concurso público, de acordo com os critérios de raça e cor utilizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Art. 3º A autodeclaração do candidato goza da presunção relativa de veracidade. § 1º Sem prejuízo do disposto no caput, a autodeclaração do candidato será confirmada mediante procedimento de heteroidentificação; § 2º A presunção relativa de veracidade de que goza a autodeclaração do candidato prevalecerá em caso de dúvida razoável a respeito de seu fenótipo, motivada no parecer da comissão de heteroidentificação. [...] Art. 6º O procedimento de heteroidentificação será realizado por comissão criada especificamente para este fim. § 1º A comissão de heteroidentificação será constituída por cidadãos: I - de reputação ilibada; II - residentes no Brasil; III - que tenham participado de oficina sobre a temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo com base em conteúdo disponibilizado pelo órgão responsável pela promoção da igualdade étnica previsto no § 1º do art. 49 da Lei n° 12.288, de 20 de julho de 2010; e IV - preferencialmente experientes na temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo. § 2º A comissão de heteroidentificação será composta por cinco membros e seus suplentes. § 3º Em caso de impedimento ou suspeição, nos termos dos artigos 18 a 21 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, o membro da comissão de heteroidentificação será substituído por suplente. § 4º A composição da comissão de heteroidentificação deverá atender ao critério da diversidade, garantindo que seus membros sejam distribuídos por gênero, cor e, preferencialmente, naturalidade.
Art. 9º A comissão de heteroidentificação utilizará exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo candidato no concurso público. § 1º Serão consideradas as características fenotípicas do candidato ao tempo da realização do procedimento de heteroidentificação.” Por traços fenotípicos entendam-se as características externas, morfológicas, fisiológicas apresentadas pelo indivíduo.
Ao compulsar o feito, observo que o Autor foi submetido a avaliação presencial pela Comissão de Heteroidentificação.
Como resultado da análise, segundo manifestação do DERCA-UNIFAP, chegou-se à seguinte conclusão: “A análise da Comissão de Heteroidentificação utilizou os aspectos do fenótipo do autor.
O autor não apresentou sua condição de ser beneficiário da cota na modalidade etnia, em nenhuma das bancas das comissões as quais foi avaliado, pois em seu fenótipo não apresenta marcadores de negritude.
O candidato foi avaliado no dia 13/03/2023, impetrou recurso administrativo e foi reavaliado pela Comissão de Heteroidentificação no dia 21/03/2023” (ID. 1617784373) Portanto, a Comissão considerou a relativa veracidade e primazia da autoidentificação, com base nos marcadores fenotípicos apresentados pelo candidato, indeferindo a matrícula do Autor, sem que se possa, até o momento, considerar tal medida desproporcional.
Cumpre salientar que, ao que tudo indica, o processo seletivo em questão possui relação com o último edital aberto pela UNIFAP (Edital 1/2023, de 23 de fevereiro de 2023), no qual há descrição, com maior detalhe, acerca do processo de submissão à Comissão de Heteroidentificação.
Vejamos: “12.1 A comissão de heteroidentificação será gerida pela Superintendência de Políticas Afirmativas e de Direitos Humanos (SUPADH), destinada aos candidatos aprovados, que tenha se autodeclarado Pretos, Pardos ou Indígenas que, independentemente da renda (art. 14, II, Portaria Normativa nº 18/2012), tenham cursado integralmente o Ensino Médio em Escolas Públicas (Lei nº 12.711/2012). 12.2 Os candidatos aprovados nas cotas Pretos, Pardos e Indígenas, para que tenham sua matrícula homologada, deverão passar pela análise, da Comissão de Heteroidentificação da UNIFAP, com parecer DEFERIDO.
A Comissão usará como base para a avaliação, documentos como: autodeclaração, vídeo, fotos e documentos pessoais, enviados pelo candidato, no momento da matrícula on-line, além de avaliação por vídeo chamada, caso seja necessário, ou qualquer outro meio a ser publicado no Edital de convocação de matrícula do Derca 12.3 O DERCA/PROGRAD em consonância com a Comissão de Heteroidentificação, exercerá procedimentos amparados pela Normativa nº 4/2018, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão que regulamenta o procedimento de Heteroidentificação complementar dos candidatos cotistas; 12.4 As vagas destinadas às pessoas Pretas e Pardas compõem cotas raciais, devendo o(a) candidato(a) comprovar possuir traços fenotípicos de pessoas negras, frente à banca de Heteroidentificação, especificamente destinada para esse fim. 12.5 O candidato(a) com matrícula INDEFERIDA pela Comissão de Heteroidentificação, será comunicado(a) por e-mail informado no ato da inscrição, e terá prazo de 24h para interpor recurso junto à COMISSÃO RECURSAL. 12.6 A Comissão Recursal é a última instância de recurso administrativo, caso o recurso seja indeferido. 12.7 Os candidatos aprovados nas cotas de autodeclarados Pretos e Pardos, além da autodeclaração, precisam apresentar ao menos algumas características fenotípicas próprias de pessoas Pretas ou Pardas.
Não serão considerados na análise sua descendência, aprovação em comissões anteriores, documentos emitidos por Instituições, e nem documentos pretéritos. 12.8 Serão considerados na análise da Comissão de Heteroidentificação/Recursal, traços fenotípicos como a cor da pele, textura do cabelo e formato do nariz, lábios e face.” Diante dessas informações, entendo que a IES, ao concluir que não encontrou marcadores fenotípicos de negritude (preta ou parda), quis com isso dizer, ainda que de forma breve e direta, que não foram encontradas quaisquer das características descritas exemplificadamente no edital retrocitado, enquanto “traços de negritude”, como o cabelo crespo, nariz largo e lábios grossos.
O processo seletivo é claro quanto à necessidade de que o candidato preencha “ao menos alguns” dos marcadores ali mencionados de forma exemplificativa, isto é, não basta a presença de um único elemento característico, como o tom de pele, mas de outros, definidos e percebidos socialmente como “traços de negritude”.
Tal fato leva à conclusão de que a decisão da Comissão de Heteroidentificação, embora aparentemente emitida sem maior profundidade, foi no sentido de que o candidato não apresentou, aos olhos do colegiado, quaisquer das características fenotípicas compatíveis com as exigidas para o preenchimento das vagas destinadas às cotas raciais de negros de cor preta e parda.
Cumpre destacar que a parte autora acusa a ocorrência de vício de motivação que atingiria a própria validade do ato.
Contudo, analisando os autos observo que estes não foram instruídos com a cópia do parecer emitido pela comissão de heteroidentificação, nem mesmo aquele decorrente da última avaliação, que ocorreu sob a forma presencial.
Para aferir eventual prejuízo decorrente de vício de motivação, necessário se faz que a parte faça constar no processo os atos proferidos pela Comissão de Heteroidentificação, ou, em sendo o caso, provar que restou impossibilitado o seu acesso a esses documentos.
Com efeito, ao ser comunicado do indeferimento, por e-mail, se espera que o candidato solicite acesso à íntegra do ato, com vistas, inclusive, a exercer a correspondente intenção de recurso.
No caso em exame, não ficou claro se inexiste, de fato, motivação emanada por parte da Comissão designada pela IES, ou se o candidato sequer buscou acesso à íntegra do seu conteúdo.
Vale destacar, sobre o assunto, que o edital menciona que “o candidato INDEFERIDO será comunicado por e-mail”, o que não significa, necessariamente, que esse ato de comunicação encerra a íntegra da avaliação perpetrada pela Comissão de Heteroidentificação.
Por outro lado, a decisão colegiada, desde que demonstrado o contrário, foi tomada com base em análise realizada por membros designados para compor Comissão criada especialmente para esse fim, nos termos do art. 6º, incisos I a IV, da Instrução Normativa n. 4/2018 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão/Secretaria de Gestão de Pessoas, e que é definida por cidadãos de reputação ilibada, preferencialmente experientes na temática, atendendo ao critério da diversidade.
Na ocasião, em que seria considerada a aparência da pessoa como um todo, com ênfase na cor e outros atributos que permitem a associação à afrodescendência, como textura de cabelo e traços faciais, a manifestação negativa, tal como feita, associada à previsão do edital de regência, não deixa de estar fundamentada, porquanto nega, ainda que de forma sintética, a presença de qualquer traço de negritude.
O caso sequer se enquadra dentre aqueles em que a negritude declarada é controvertida ou ao menos posta em dúvida.
No documento de ID. 1568839879 (Declaração de Heteroidentificação Fenotípica), assinado pelo Diretor do Departamento de Identificação Civil e Criminal da Polícia Técnico Científica – POLITEC, Sr.
LUIGINO AMORIM MORO, afirma-se que o autor possui “características morfológicas fenotípicas” de pessoa parda.
Contudo, como resultado da análise acerca dos marcadores fenotípicos, foi anotado o seguinte: “Cutis: PARDA [...] Boca: Normal [...] Cabelos: Castanhos Escuros Lisos [...] Nariz: Pequeno Achatado [...] Olhos: Castanhos Normais [...] Orelhas: Pequenas Normais [...] Rosto: Ovalado [...] Sobrancelhas: Grossas Separadas [...] Traços: Regional” (ID. 1568839879 - Pág. 2) O prontuário civil de ID. 1568839879 - Pág. 2 refere a marcadores fenotípicos avaliados no ano de 2008, quando o Autor era menor “NÃO ALFABETIZADO”, ou seja, não reflete, com precisão, como o candidato é percebido hodiernamente.
Ademais, a pele, definida como Parda, é considerada como marcador isolado e trata unicamente do tom e pigmentação.
Nenhum dos outros elementos observados correspondem, tecnicamente, com os “traços de negritude” que estariam sujeitos à análise pela Comissão de Heteroidentificação.
Ao contrário, reforça-se a conclusão de que o candidato não possui marcadores compatíveis com as exigidas para o preenchimento das vagas destinadas às cotas raciais de negros de cor preta e parda.
Ressalto que a mera sustentação de afrodescendência é irrelevante, uma vez que a análise é feita com base em critérios fenotípicos individualizados e contemporâneos.
No que diz respeito a esses pontos, adoto, sem reparos, o parecer ministerial de ID. 1656303962, segundo o qual: “A norma editalícia é cristalina ao dispor que "Para candidatos aprovados nas cotas de autodeclarados Pretos, Pardos, além da autodeclaração, precisam apresentar ao menos algumas características fenotípicas próprias de pessoas Pretas ou Pardas", portanto, a avaliação se restringirá unicamente sobre as características físicas e visíveis dos candidatos, não havendo possibilidade de apreciação de fatores culturais, de pertencimento ou histórico familiar.
Importante apreciar o seguinte artigo da Portaria Normativa nº 4/2016: Art. 9º A comissão de heteroidentificação utilizará exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo candidato no concurso público. § 1º Serão consideradas as características fenotípicas do candidato ao tempo da realização do procedimento de heteroidentificação.
Outrossim, cita na inicial que o autor fora devidamente informado acerca da sua desclassificação, nessa toada, interpôs recurso questionando o conteúdo da decisão, conforme previsão editalícia: 15.2.
Caso haja algum indeferimento diante das análises realizadas pela Comissão de Heteroidentificação, o candidato INDEFERIDO será comunicado por e-mail informado no ato da inscrição; 15.3.
Em caso de candidato INDEFERIDO pela COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO preencherá o requerimento de modelo ANEXO V; 15.4.
O (A) candidato (a) que tenha seu nome INDEFERIDO pela Comissão de Heteroidentificação terá prazo de 24h para interpor recurso junto à COMISSÃO RECURSAL, apresentando justificativa para o email [email protected]. 15.5.
A Comissão Recursal é a última instância de recurso administrativo, caso o recurso seja indeferido. 15.6.
A Comissão Recursal promoverá nova análise, feita presencialmente, a todos os candidatos que interporem recurso, conforme lista a ser publicada na página principal da UNIFAP; Destarte, foi agendada a realização de avaliação presencial e, por meio da Lista de Resultado Final da Avaliação da Comissão de Heteroidentificação dos Candidatos Cotistas PPI’S do Sisu2023, o autor foi informado do indeferimento, sendo, portanto, devidamente comunicado.
Constata-se que os ditames legais foram corretamente cumpridos, com a "observância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal" e a "garantia da publicidade e do controle social do procedimento de heteroidentificação, resguardadas" (art. 1º, inciso II e IV, da Portaria Normativa supracitada).
Resta demonstrado que as autoridades impetradas observaram os procedimentos legais e regulamentares atinentes à matéria, além disso, agiram em consonância com os direitos fundamentais individuais da publicidade, do contraditório e ampla defesa (artigo 5º inciso LV e artigo 37, ambos da Constituição Federal).
Por outro lado, conforme questionado pela impetrante, a autodeclaração racial possui validade e grande estima, consoante art. 2º e 3º, do mesmo normativo: Art. 2º Para concorrer às vagas reservadas a candidatos negros, o candidato deverá assim se autodeclarar, no momento da inscrição no concurso público, de acordo com os critérios de raça e cor utilizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Art. 3º A autodeclaração do candidato goza da presunção relativa de veracidade.
Impossível negar que as cotas raciais foram instituídas nos mais diversos concursos com o propósito de permitir que essas minorias - no que diz respeito ao quantitativo de pretos e pardos dentro desses ambientes - ingressem no mercado de trabalho, em Instituições de Ensino Superior, e demais locais.
Em verdade, é para inibir que tais vagas sejam ocupadas por pessoas que pertencem à categoria de ampla concorrência que a Comissão de Heteroidentificação fora implantada.
Na ADPF 186/DF - STF, julgamento acerca do questionamento se o sistema de cotas representa ofensa aos princípios constitucionais da igualdade, dignidade da pessoas humana, livre iniciativa, sustou-se o seguinte argumento, em concordância com o exposto acima, "A referida banca não tem por propósito definir quem é ou não negro no Brasil.
Trata-se, antes de tudo, de um esforço da universidade para que o respectivo programa inclusivo cumpra efetivamente seus desideratos, beneficiando seus reais destinatários.” Em tal conjuntura, entendo que a comissão de aferição da validade da autodeclaração realizou a heteroidentificação tão somente no sentido de identificar se o autodeclarado negro (preto ou pardo) pode ser, pelo seu fenótipo, reconhecido como tendo a identidade étnico-racial negra deflagradora da discriminação e, por isso, destinatária da ação afirmativa, o que é, a meu ver, perfeitamente possível.
Nesse sentido: “MANDADO DE SEGURANÇA.
CONCURSO PÚBLICO.
EXCLUSÃO DA IMPETRANTE DE LISTA DE CANDIDATOS COTISTAS.
LEGITIMIDADE DA DECISÃO DA COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. 1.
O objetivo das ações afirmativas, cuja conformidade com a Constituição brasileira já foi afirmada pelo STF, é enfrentar a discriminação, buscando a igualdade de oportunidades para os grupos étnico-raciais discriminados.
A discriminação é que produz a negritude como raça social, construto social e político. 2.
A autodeclaração é modo preferencial na identificação étnico-racial, prevista no Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/10).
Além de privilegiar a subjetividade e guardar maior concordância prática com a liberdade, a privacidade e a dignidade humana, evita que sejam reforçados estereótipos estigmatizantes e impostas identidades raciais.
Mas a autodeclaração pode dar-se sob perspectivas diversas, denotanto a raça documental (como a pessoa está registrada), a raça privada (como a pessoa se percebe), a raça pública (como a pessoa está preparada para ser reconhecida) ou a raça social (como ela é identificada sob a perspectiva étnico-racial no âmbito social), quando, para os fins das políticas afirmativas, apenas a raça social é relevante, enquanto critério para a racialização subordinante que se visa superar. 3.
A identificação da raça social, para os fins das ações afirmativas, baseia-se exclusivamente nos critérios fenotípicos como se apresentam no momento presente. À comissão de aferição da validade da autodeclaração, realiza uma heteroidentificação, mas tão somente no sentido de identificar se o autodeclarado negro (preto ou pardo) pode ser, pelo seu fenótipo, reconhecido como tendo a identidade étnico- racial negra deflagradora da discriminação e, por isso, destinatária da ação afirmativa. 4.
No caso em exame a comissão realizou o seu trabalho seguindo o critério da raça social e decidiu de forma fundamentada e razoável pelo não preenchimento, pela impetrante, dos requisitos para participar do concurso público, nas vagas destinadas a candidatos negros, sendo a prova pré-constituída insuficiente para desautorizar o juízo administrativo. (TRF-4 - MS: 50065861820204040000 5006586-18.2020.4.04.0000, Relator: LEANDRO PAULSEN, Data de Julgamento: 29/07/2021, CORTE ESPECIAL).” Não há dúvidas de que a reserva de cotas é uma ação afirmativa importante no combate à desigualdade racial no Brasil.
Porém, a declaração do candidato como sendo de cor parda ou negra detém presunção relativa de veracidade, passível de avaliação para aferição de sua veracidade.
Cumpre ressaltar que a definição e a classificação da cor da pele na sociedade brasileira é tarefa complexa, vez que inexistem bases objetivas e totalmente seguras para a afirmação, em razão da grande miscigenação presente no território nacional.
Há uma especial dificuldade na avaliação realizada pelas Comissões de Heteroidentificação em relação às pessoas pardas, visto que em alguns casos o traço externo não é tão marcante, mas nem por isso significa dizer que o candidato não tenha sofrido os efeitos nefastos do preconceito racial ao longo de seu desenvolvimento como ser humano.
Apesar do esforço empreendido na adoção de critérios e métodos de avaliação, é forçoso reconhecer que o processo ainda possui forte carga subjetiva, algo inerente ao próprio sistema de cotas. É neste contexto que ganha relevância o papel das denominadas comissões de verificação ou de heteroidentificação.
De fato, a vasta jurisprudência sobre o tema autoriza a interferência, pelo Poder Judiciário, nas decisões das Comissões de Avaliação Étnico Racial, seja em concursos para ingresso no serviço público, seja em provas de vestibulares, quando demonstrada a irrazoabilidade de eventual avaliação que reprovou candidato autodeclarado negro/pardo.
A propósito, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região: “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
MANDADO DE SEGURANÇA.
ENSINO SUPERIOR.
SISTEMA DE COTAS ÉTNICO- RACIAIS.
PROCEDIMENTO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO.
CONSTITUCIONALIDADE.
ADPF 186/STF.
CANDIDATA ELIMINADA.
AUSÊNCIA DE CARACTERÍSTICAS FENOTÍPICAS PRÓPRIAS DOS ESTUDANTES DESTINATÁRIOS DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA.
AFERIÇÃO POR BANCA EXAMINADORA.
VALIDADE.
SENTENÇA MANTIDA 1.
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao declarar a constitucionalidade da Lei nº 12.990/2014, legitimou a utilização do critério da heteroidentificação como medida complementar à autodeclaração realizada pelo candidato no ato da inscrição de concurso, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa (ADC 41, Relator(a): Min.
Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado Em 08/06/2017, Processo Eletrônico Dje-180 Divulg 16-08-2017 Public 17-08-2017). 2.
Em que pese a autodeclaração possuir presunção de veracidade, ela, por si só, não é suficiente para que o candidato seja considerado pessoa negra, inexistindo ilegalidade na adoção de Comissão Avaliadora para atestar as características fenotípicas dos candidatos em certames públicos, conforme previsto no edital do processo seletivo e com o fim precípuo de se evitar o desvirtuamento da aludida política de ação afirmativa. 3.
Verificada por entrevista pessoal, junto a Comissão Avaliadora composta por 10 membros, e declarada que a apelante é inapta para concorrer ao sistema de cotas para negros/pardos, tendo em vista não ostentar as características fenotípicas (critério de avaliação estabelecido no edital), bem como observada que houve oportunidade para a interposição de recurso, garantindo o contraditório e ampla defesa, deve ser mantida a decisão administrativa que lhe negou matrícula a uma das vagas na condição de cotista, não cabendo ao Poder Judiciário adentrar no mérito administrativo, substituindo os critérios técnicos utilizados pela Comissão avaliadora. 4.
Apelação a que se nega provimento (AMS 1005337-67.2019.4.01.3800, DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, TRF1 - QUINTA TURMA, PJe 13/10/2020 PAG.)” No caso concreto, porém, o conjunto probatório não evidencia a existência de ilegalidade do procedimento e, tampouco, de irrazoabilidade na decisão da Comissão de Heteroidentificação, na medida em que o Autor, por ora, não logrou demonstrar que possui características (no plural) e aspectos fenotípicos marcantes de pessoa entendida e lida socialmente como da etnia-raça negra parda.
Pela apreciação das provas documentais, na visão de homem médio, não há evidências de que o Autor possui características fenotípicas de negro ou pardo.
Apenas o tom da pele - levemente moreno – e tipo de cabelo – aparentemente ondulado – não é suficiente para demonstrar que o candidato condiz com o grupo racial que autodeclara pertencer.
Veja que no processo em exame houve previsão expressa de que além da autodeclaração, o interessado deveria reunir características fenotípicas negroides; ainda, não bastaria a presença de um marcador, mas de “alguns traços de negritude”.
Logo, ainda que o tom de pele não seja branco e o cabelo não seja liso, tais características não são suficientes.
Isso porque o objetivo das políticas afirmativas é compensar prejuízos discriminatórios, e não criar privilégios.
Conforme votos proferidos no julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental 186/DF, que analisou a constitucionalidade do sistema de reserva de vagas com base no critério étnico-racial, “[...] no Brasil viceja o preconceito de marca, em que o fenótipo, a aparência racial é o critério da discriminação, consideradas não só as nuanças da cor como os traços fisionômico” (Ministra Rosa Weber) “[...] a discriminação negativa é, em qualquer parte do mundo, como fenômeno humano, ligada sobretudo às diferenças físicas, às diferenças ditas fenotípicas” (Ministro Cézar Peluso) “[...] em se levarem em conta elementos genotípicos para permitir a entrada, na universidade, de quem, pelas características fenotípicas, nunca foi por estas discriminado.
Ninguém discrimina alguém porque terá recorrido a exame genético e aí descoberto que a pessoa tenha gota de sangue negro.
Isso não faz sentido.
O candidato que sempre se apresentou na sociedade, por suas características externas, como não pertencente, do ponto de vista fenotípico, à etnia negra, mas que genotipicamente a ela pertença, a mim me parece que não deva nem possa ser escolhido e incluído na cota, pois nunca foi, na verdade, discriminado” (Ministro Gilmar Mendes) Sob essa perspectiva, o controle externo não é somente uma possibilidade, mas um dever do Estado, a fim de garantir a correta execução da política pública em questão, vale dizer, garantir que as vagas destinadas às cotas sejam ocupadas por seus reais destinatários, isto é, pessoas que, por suas características externas, convivem com o preconceito e a discriminação e/ou teve grande potencial de sofrê-la no curso de sua existência.
Sob esse aspecto, a ancestralidade assume pouco ou nenhum relevo.
Não passa despercebido por este Juízo que a autodeclaração é preponderante, como, aliás, verifica-se em diversos outros casos; contudo, deve ser considerada em conjunto com os demais elementos dos autos, que indicam, de fato, que o autor preenche os requisitos para a ação afirmativa.
No caso, o candidato deveria reunir elementos suficientes para ser lido socialmente como negro, e, considerando que de acordo com o IBGE pardo é negro, tenho, sob essa perspectiva, que quem se inscreve em um processo seletivo como pardo automaticamente está concorrendo a uma vaga destinada para negros, dada a necessidade de manifestar traços de negritude.
A propósito, para efeito da Lei 12.288/10, considera-se, de acordo com o inciso IV do § único do seu art. 10, que a população negra consiste no conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga.
Nessa esteira, permanecem, portanto, inabalados os fundamentos da decisão da Comissão Recursal de Heteroidentificação, impondo-se o indeferimento da tutela de urgência pleiteada.
Dessa forma, considerando a presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos e, principalmente, a presumida expertise da comissão formada para o fim exclusivo de proceder à avaliação dos aspectos fenotípicos do candidato, não se vislumbra na hipótese a alegada erro na rejeição da autodeclaração do autor como pessoa negra-parda.
No que diz respeito à suposta ilegalidade no aspecto formal da decisão, a motivação apresentada em Juízo, por meio da contestação, permite entendimento, sendo certo que a parte não instruiu a inicial com documentos suficientes e tampouco demonstrou comprovado prejuízo experimentado pelo candidato.
Por fim, vale rememorar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sedimentou orientação no sentido de que as regras editalícias, consideradas em conjunto como verdadeira lei interna do certame, vinculam tanto a Administração como os candidatos participantes (AgInt no RMS 65.561/BA, Rel.
Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 31/05/2021, DJe 02/06/2021).
No caso em exame, não basta ser pardo, mas ser pardo com marcadores fenótipos de indivíduo negro, o que não é o caso do Autor.
III - DECISÃO Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de concessão de tutela de urgência de natureza antecipada.
INTIMEM-SE as partes para especificarem provas, devendo, na oportunidade, justificar a efetiva utilidade para o processo, sob pena de indeferimento.
Prazo: 15 (quinze) dias.
Publique-se.
Intimem-se.
Macapá/AP, data da assinatura eletrônica. (assinado eletronicamente) JUCELIO FLEURY NETO Juiz Federal -
12/04/2023 10:48
Recebido pelo Distribuidor
-
12/04/2023 10:48
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
12/04/2023
Ultima Atualização
23/07/2024
Valor da Causa
R$ 0,00
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