TRF1 - 1086464-24.2023.4.01.3400
1ª instância - 17ª Brasilia
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Partes
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Assistente Desinteressado Amicus Curiae
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Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
12/03/2025 00:00
Intimação
Seção Judiciária do Distrito Federal 17ª Vara Federal Cível da SJDF SENTENÇA: TIPO A PROCESSO: 1086464-24.2023.4.01.3400 CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) IMPETRANTE: AURAMEDI FARMACEUTICA LTDA - ME LITISCONSORTE: UNIAO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL) IMPETRADO: DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE LOGÍSTICA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE SENTENÇA Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por NANJING PHARMACARE CO LTD, representada no Brasil por AURAMEDI FARMACEUTICA LTDA, contra ato praticado pelo DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE LOGÍSTICA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, objetivando: “1.
Em sede liminar: - que suspenda a exigibilidade do crédito tributário (art. 151, inc.
IV do CTN), assegurando à IMPETRANTE o direito líquido e certo para que seja tributada unicamente em seu país de origem (cujo território tem sede), ou seja, na China, ou seja, para que não sofra retenção na fonte do IRRF incidente sobre os lucros decorrentes da venda de medicamentos ao Ministério da Saúde, referente ao Contrato 83/2023 vigente, bem como à eventual nova contratação, e, por fim, para que se afaste qualquer ato de constrição a ser realizado pela Autoridade Coatora, sob pena de multa a ser arbitrada por V.
Exa.; - que determine, com fulcro no art. 165 do CTN, o estorno do devido crédito retido no âmbito do Contrato 83/2023, com a complementação do valor das notas fiscais (invoices) referentes aos processos de pagamento 25000.086419/2023-76, 25000.087598/2023-69, e 25000.084061/2023-47, com a emissão de ordem de pagamento no montante de US$ 3.321.480,60 (três milhões, trezentos e vinte e um mil quatrocentos e oitenta dólares e sessenta centavos), ante ao eminente risco de prejuízo econômico da operacionalidade do fornecimento do medicamento ao Ministério da Saúde; 2. que se digne mandar notificar a autoridade impetrada para que, no prazo legal, preste as informações que tiver e, após ouvido o D.
Ministério Público – caso tenha interesse na demanda –, seja proferida sentença ratificando a liminar, com a concessão definitiva da segurança, a fim de OBSTAR o Departamento de Logística em Saúde da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde e a UNIÃO de proceder qualquer retenção de IRRF nos futuros pagamentos devidos à Nanjing Pharmacare em decorrência do cumprimento do Contrato 83/2023 e de eventual contratação futura; e ainda, proceder com a restituição dos valores retidos indevidamente a título de IRRF no âmbito do fornecimento de medicamentos ao Ministério da Saúde; 3. ademais, que seja o crédito tributário decorrente das indevidas retenções do IRRF sobre a remuneração pelos serviços prestados no Brasil corrigido monetariamente desde as datas dessas indevidas retenções (Súmula 1623 do STJ) e acrescido de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, nos termos do art. 39, §40 da Lei n° 9.250/95.”.
A parte impetrante alega, em síntese, que exerce a representação nacional da empresa chinesa Nanjing Pharmacare Co Ltd., contratada diretamente pelo Ministério da Saúde, por meio da Dispensa de Licitação 71/2023, para o fornecimento de um total de 293.538 (duzentas e noventa e três mil, quinhentas e trinta e oito) ampolas de “imunoglobulina humana 5g injetável”, na forma do Contrato 83/2023, cujo valor global estimado, em moeda nacional, é de R$ 285.809.144,46 (duzentos e oitenta e cinco milhões, oitocentos e nove mil, cento e quarenta e quatro reais e quarenta e seis centavos).
Contudo, o pagamento das 3 (três) primeiras parcelas avençadas foi realizado em montante 15% (quinze por cento) inferior ao previsto, “por força de indevido desconto a título retenção de imposto de renda na fonte (IRRF), conforme Despachos do dia 15 e 16 de agosto de 2023”.
Aduz que a retenção da exação é manifestamente ilegal, seja por consistir a pessoa jurídica contratada em empresa estabelecida e sediada na República Popular da China, não sujeita ao recolhimento de imposto de renda em território brasileiro, ou mesmo porque o fornecimento de medicamentos não se enquadra como fato gerador daquele tributo.
Sustenta que o ato apontado como coator “teve fundamento no Parecer n.º 329/2023 expedido pela Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde”, cujas conclusões não seriam aplicáveis ao caso telado, inclusive porque o produto ora adquirido – “imunoglobulina” – “não possui registro no Brasil, e atualmente NÃO TEM PATENTE, não havendo o que se falar em transferência de tecnologia”.
Acresce que se encontra em vigor acordo firmado entre os Países para, precisamente, evitar a bitributação, convalidado pela publicação do Decreto 762/93.
Prossegue a impetrante para tecer distinções entre os conceitos de receita de venda, rendimento e lucro, argumentando que não apura lucro neste País.
Defende que o “código utilizado pelo Ministério da Saúde quando da retenção do imposto (0422) [...é] utilizado para retenções relativas a remessas para pagamento de ‘Royalties, Serviços Técnicos e Pagamento de Assistência Técnica e Direitos Autorais’, sendo, portanto, inaplicável à situação presente (importação de medicamentos)”.
Donde pugna seja concedida a medida liminar para declarar a suspensão da exigibilidade do crédito tributário em comento, abstendo-se a autoridade impetrada de proceder a novas retenções nos pagamentos das parcelas contratuais remanescentes, bem como para determinar o estorno dos valores indevidamente retidos, “com a emissão de ordem de pagamento no montante de US$ 3.321.480,60 (três milhões, trezentos e vinte e um mil quatrocentos e oitenta dólares e sessenta centavos), ante ao eminente risco de prejuízo econômico da operacionalidade do fornecimento do medicamento ao Ministério da Saúde”.
Inicial instruída com procuração e documentos.
Por meio do despacho (id1791215567), foi determinada a intimação da parte autora para colacionar cópia do seu documento de CNPJ e emendar a petição inicial, complementando a sua qualificação e justificando a expressão econômica atribuída à causa, comando judicial que restou por ela atendido (id1798061678).
Na mesma oportunidade, determinou-se a notificação da autoridade impetrada para apresentar manifestação, exclusivamente, sobre o pedido de medida liminar formulado.
Contudo, devidamente notificado, o Diretor do Departamento de Logística em Saúde da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde deixou escoar in albis o prazo fixado para tal fim.
A União Federal, como pessoa jurídica interessada, manifestou-se pela necessidade de intimação da Procuradoria Regional da Fazenda Nacional desta 1.ª Região para integrar a lide (id1827785191).
Em petitório apartado (id1811879674), a parte postulante noticia a juntada do Parecer 3.098/2023 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, salientando que as conclusões veiculadas em tal documento superveniente encontram-se em convergência com a pretensão por ela deduzida.
Em nova peça processual (id1850829676), a parte demandante informa que a autoridade apontada como coatora, com base naquele novo pronunciamento consultivo do órgão fazendário, “concluiu por não mais proceder com a retenção do IRRF nos pagamentos a serem realizados, aconselhado juridicamente, portanto, pela Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde, da Advocacia-Geral da União, com a emissão da Nota Jurídica n.º 263/2023”.
Refere, contudo, que a presente demanda judicial não foi incluída na listagem formada para revisão dos correspondentes procedimentos administrativos, com vistas à restituição dos valores indevidamente retidos.
Donde a parte impetrante emenda a petição inicial, substituindo o pedido liminar originário de pronta emissão de ordem de pagamento para estorno do indébito por pleito pela inclusão do presente feito no rol aludido, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, nos seguintes termos: “1.
Em sede liminar: - que suspenda a exibilidade do crédito tributário (art. 151, inc.
IV do CTN), assegurando à IMPETRANTE o direito líquido e certo para que seja tributada unicamente em seu país de origem (cujo território tem sede), ou seja, na China, ou seja, para que não sofra retenção na fonte do IRRF incidente sobre os lucros decorrentes da venda de medicamentos ao Ministério da Saúde, referente ao Contrato 83/2023 vigente, bem como à eventual nova contratação, e, por fim, para que se afaste qualquer ato de constrição a ser realizado pela Autoridade Coatora, sob pena de multa a ser arbitrada por V.
Exa.; - que seja determinada a ILEGALIDADE das retenções a título de IRRF efetuadas pela autoridade coatora, e, consequentemente, para no prazo máximo de 15 (quinze) dias, sob pena de multa diária cominatória a ser fixada por V.
Exa., que o Ministério da Saúde, inclua a presente demanda judicial para que seja realizada a APRECIAÇÃO em processo administrativo de restituição referente ao Contrato 83/2023, do montante indevidamente retido de US$ 3.321.480,60 (três milhões, trezentos e vinte e um mil quatrocentos e oitenta dólares e sessenta centavos), e diligencie para efetuar a resolução da questão quanto à devolução dos valores, ante ao eminente risco de prejuízo econômico da operacionalidade do fornecimento do medicamento ao Ministério da Saúde; 2.
Em definitivo: - que se digne mandar notificar a autoridade impetrada para que, no prazo legal, preste as informações que tiver e, após ouvido o D.
Ministério Público – caso tenha interesse na demanda –, seja proferida sentença ratificando a liminar, com a concessão definitiva da segurança, a fim de se concluir pela ILEGALIDADE das retenções efetuadas pela autoridade coatora a título de IRRF, para, consequentemente, OBSTAR o Departamento de Logística em Saúde da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde e a UNIÃO de proceder qualquer retenção de IRRF nos futuros pagamentos devidos à Nanjing Pharmacare em decorrência do cumprimento do Contrato 83/2023 e de eventual contratação futura; e ainda, proceder, administrativamente, a inclusão da presente demanda judicial no âmbito dos processos de pagamento, para que se realize a APRECIAÇÃO em processo administrativo de resittuição dos valores indevidamente retidos a título de IRRF no âmbito do fornecimento de medicamentos pela IMPETRANTE, através do Contrato 83/2023, ao Ministério da Saúde.
Decisão (id1851258185) deferiu a medida liminar postulada, para suspender a exigibilidade de imposto de renda retido na fonte sobre os valores relativos ao Contrato 83/2023 do Ministério da Saúde, até ulterior julgamento de mérito desta lide, determinando à autoridade impetrada que se abstivesse de efetuar novos descontos a esse título no pagamento das parcelas contratuais restantes, bem como que procedesse à apreciação, em sede administrativa, do pleito autoral de restituição do indébito, conforme diligências empreendidas para a resolução de outras demandas de igual objeto.
Ingresso da UNIÃO (FAZENDA NACIONAL), conforme petição (id2125144934).
Informações da autoridade impetrada (id2125410842), nas quais afirma que, em setembro de 2023, houve revisão do entendimento jurídico pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN e Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde, assentando que “não há previsão legal que permita a incidência do imposto de renda na fonte sobre remessas ao exterior decorrentes da aquisição de mercadorias estrangeiras”.
Assim, com fulcro no referido entendimento jurídico, o DLOG absteve-se em realizar quaisquer retenções do imposto de renda sobre remessas ao exterior, decorrentes da importação de mercadorias, e envidou tratativas para providenciar a restituição dos valores retidos no período.
Aduz que, em 12 de dezembro de 2023, foi possível ao Ministério da Saúde solucionar, de forma administrativa, o impasse ora narrado, de modo que foi possível realizar a restituição das quantias retidas a título de imposto de renda às empresas que tiveram a retenção do aludido tributo, inclusive da Impetrante, conforme se constata dos comprovantes que anexa.
O MPF não se manifestou sobre o mérito (id2136373341).
Vieram os autos conclusos.
Decido.
Adoto as mesmas razões do deferimento do pedido liminar como fundamento deste decisório. “(...).
Muito bem.
Inicialmente, no tocante à eventual antinomia jurídica entre a legislação interna e tratados internacionais tributários, tem se posicionado a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que as disposições previstas em tratados internacionais tributários devem prevalecer sobre as normas jurídicas de direito interno, por aplicação do princípio da especialidade, consoante inteligência do art. 98 do CTN, ressalvada a supremacia da Constituição Federal. (Cf.
REsp 1.618.897/RJ, Primeira Turma, da relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 26/05/2020; REsp 1.272.897/PE, Primeira Turma, da relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 09/12/2015, REsp 1.325.709/RJ, Primeira Turma, da relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 20/05/2014; REsp 1.161.467/RS, Segunda Turma, da relatoria do ministro Castro Meira, DJ 1.º/06/2012.) Ainda no tema, impende frisar ser essa a linha de entendimento adotada também pelo Supremo Tribunal Federal quanto à matéria, segundo se extrai do seguinte excerto do voto condutor proferido pelo ministro Teori Zavascki, no julgamento do RE 541.090/SC, que bem sintetizou a solução jurídica aplicável ao aparente conflito de normas, in verbis: Também não é o caso de fazer ressalvas quanto a acordos internacionais que eventualmente tenham, em relação aos Estados-partes, disciplina própria e distinta da que resulta do art. 74 da MP 2.158-35/2001.
Antinomia desse jaez tem solução natural no sistema de direito, já que se trata de antinomia entre norma geral e norma especial.
Com efeito, segundo a jurisprudência do STF, uma vez aprovados na forma prevista pela Constituição, os acordos internacionais assumem, no âmbito interno, condição jurídica idêntica à das leis especiais e como tais devem ser aplicados nas situações a que digam respeito. [Cf.
Tribunal Pleno, DJ 30/10/2014, grifo nosso.] Dentro desse panorama, e especificamente quanto aos tratados internacionais contra dupla tributação, a comunidade internacional adota o Modelo de Acordo Tributário sobre a Renda e o Capital da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, que prevê, em seu art.
VII, que os lucros de uma empresa de um Estado contratante só são tributáveis nesse mesmo Estado, a não ser que a empresa exerça sua atividade no outro Estado Contratante, por meio de um estabelecimento permanente ali situado (dependência, sucursal ou filial). (Cf.
STJ, REsp 1.325.709/RJ, julg. cit.; TRF1, AgR 1034196-13.2020.4.01.0000, decisão monocrática da desembargadora federal Gilda Sigmaringa Seixas, DJ 05/04/2021; AI 1001804-20.2020.4.01.0000, decisão monocrática do juiz federal convocado Marcelo Velasco Nascimento Albernaz, DJ 30/01/2020; TRF3, ApelRemNec 0016356-64.2012.4.03.6100, Quarta Turma, da relatoria da desembargadora federal Mônica Nobre, DJ 14/06/2017; ApelRemNec 0424839-98.1991.4.03.6182, Sexta Turma, da relatoria da desembargadora federal Consuelo Yoshida, DJ 13/04/2018; ApelRemNec 0003287-77.2003.4.03.6100, Terceira Turma, da relatoria do desembargador federal Carlos Muta, DJ 16/04/2015.) No ponto, vale consignar que a Corte Infraconstitucional, no que vem sendo acompanhada pelos Tribunais Regionais Federais, assentou orientação jurisprudencial pelo enquadramento dos pagamentos realizados no exterior em decorrência da prestação de serviços sem transferência de tecnologia – ou seja, sem pagamento de royalties – na hipótese contida no art. 7.º das convenções internacionais elaboradas conforme o precitado Modelo da OCDE, não se sujeitando à incidência do imposto retido na fonte. (Cf.
STJ, REsp 1.427.533/SP, decisão monocrática do ministro Benedito Gonçalves, DJ 18/04/2017; REsp 1.272.897/PE, julg. cit; REsp 1.325.709/RJ, julg. cit.; TRF3, ApelRemNec 4166-76.2012.4.03.6130, Terceira Turma, da relatoria do desembargador federal Antônio Cedenho, DJ 21/08/2017; ApelRemNec 8354-29.2013.4.03.6114, Quarta Turma, da relatoria da desembargadora federal Mônica Nobre, DJ 22/06/2017; ApelRemNec 7537-55.2014.4.03.6105, Terceira Turma, da relatoria do desembargador federal Antônio Cedenho, DJ 21/06/2017; ApelRemNec 16356-64.2012.4.03.6100, julg. cit.; TRF2, ApelRemNec 9895-59.2013.4.02.5101, Quarta Turma Especializada, da relatoria do desembargador federal Luiz Antônio Soares, DJ 29/08/2017.) Feitas tais considerações, na concreta situação dos autos, insurge-se a parte impetrante, na condição de representante legal da empresa chinesa Nanjing Pharmacare Co Ltd., contra a retenção de imposto de renda na fonte sobre os valores pagos a essa última no âmbito do Contrato 83/2023, por ela firmado com o Ministério da Saúde com vistas ao fornecimento de ampolas de “imunoglobulina humana 5g injetável”.
Alega, em síntese, que a retenção da exação é manifestamente ilegal, tendo em vista que a pessoa jurídica estrangeira contratada não se encontra obrigada a recolher imposto de renda neste País, no qual não possui estabelecimento permanente, e que a aquisição do medicamento não caracteriza fato gerador de tal exação.
Com efeito, conforme já destacado, havendo tratado internacional em matéria tributária, a despeito de eventual aparente antinomia, sobressai a sua aplicação em face da legislação interna, por aplicação do princípio da especialidade, nos temos do art. 98 do CTN.
Isso na consideração de que, em tal contexto, a norma de direito internacional não revoga a lei nacional, mas apenas suspende a sua aplicação enquanto o tratado não for denunciado.
Complementarmente, por possuírem força de lei, tais convenções internacionais assinadas pelo Brasil prevalecem também sobre os atos normativos infralegais editados pela Receita Federal.
Destarte, exsurge que a situação fática submetida a exame, por tratar da tributação de lucros auferidos por empresa chinesa no cumprimento de contrato firmado com a Administração Pública brasileira, deverá ser solucionada à luz do “Acordo Destinado a Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre a Renda, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da China”, celebrado em 05/08/1991 e internalizado em nosso ordenamento jurídico por meio do Decreto 762, em vigor desde 19/02/1993, data da sua publicação.
Nessa ótica, dispõe o “Artigo 7, item 1” do Acordo em comento, replicando o modelo de avenças internacionais estabelecido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, que “[o]s lucros de uma empresa de um Estado Contratante são tributáveis somente neste Estado Contratante, a menos que a empresa exerça sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento permanente aí situado.
Se a empresa exercer sua atividade nas condições acima mencionadas, seus lucros serão tributáveis no outro Estado Contratante, mas unicamente na medida em que corresponderem a esse estabelecimento permanente”.
Esse o cenário, merece guarida, nesta estreita via de cognição, a alegação autoral de que a empresa Nanjing Pharmacare Co Ltd. não possui estabelecimento permanente no Brasil, inclusive porque tal informação não restou contradita pela autoridade impetrada, que deixou escoar in albis o prazo ofertado para manifestação acerca do pleito de medida liminar em tela.
De fato, o próprio exercício da sua representação pela impetrante Auramedi Farmacêutica Ltda. atua para corroborar tal afirmação, sendo certo que, nos termos do “Artigo 5, item 4” do Acordo aludido, não configuram estabelecimentos permanentes os locais porventura utilizados para mera armazenagem do produto comercializado.
Dito isso, não se descuida que a retenção de valores na fonte a título de imposto de renda, operada, no caso, por força do Despacho do Departamento de Logística em Saúde de 15/08/2023 (fl. 131), deu-se sob o “Código Receita 0422”, relativo a “Royalties e Assistência Técnica - Residentes no Exterior”.
Ocorre que, como visto, o pagamento em questão foi realizado no âmbito do Contrato 83/2023 do Ministério da Saúde (fls. 123/129), firmado com dispensa de licitação e que tem por objeto, à toda evidência, apenas a aquisição de “imunoglobulina humana 5g injetável”.
Não obstante, consta da “Cláusula Décima” daquela avença que “[a]s obrigações da CONTRATANTE e da CONTRATADA são aquelas previstas no Termo de Referência” (fl. 126).
Nessa toada, depreende-se da leitura do “item 10” do Termo de Referência correlato (fls. 135/148) que as obrigações da Contratada limitam-se ao efetivo fornecimento da mercadoria em condições adequadas e à prestação de esclarecimentos eventualmente requisitados, contexto que não se amolda, ao menos nesta análise prefacial, à hipótese de contrato para a prestação de serviços, quanto mais de serviços que abrangessem transferência de tecnologia ou know how, aptos a classificarem a transferência como pagamento de royalties.
Nesse mesmo rumo de ideias, importa salientar que o retromencionado Despacho de 15/08/2023 veicula, expressamente, ter sido proferido “em atenção ao Parecer 329/2023-Imposto de Renda PJ Exterior (0034128249)” (fl. 131).
No entanto, consoante noticiado pela parte acionante em petitório apartado (fls. 295 e 296), foi supervenientemente exarado, no expediente administrativo em que produzido aquele documento de referência, o Parecer SEI 3.098/2023/MF, de 06/09/2023, emanado da Coordenação-Geral de Assuntos Tributários da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em resposta a consulta jurídica formulada pelo Ministério da Saúde.
Assim posta a questão, imperativo observar que a diretriz mais recentemente firmada pelo próprio Fisco, em exame de contexto fático análogo ao ora submetido a apreciação, é de que “não há previsão legal que permita a incidência do imposto de renda na fonte sobre remessas ao exterior decorrentes da aquisição de mercadorias estrangeiras (Solução de Consulta DISIT/SRRF09 no 71, de 18 de abril de 2013)” (fl. 316).
Não bastasse isso, extrai-se da documentação carreada aos autos pela parte autora em sede de emenda à vestibular que, desde então, a própria autoridade impetrada viria reconhecendo, em expedientes administrativos de mesmo objeto, a necessidade de “não mais reter o IRRF dos pagamentos realizados” (fl. 366), inclusive diligenciando junto ao órgão fazendário para averiguar “quais são os procedimentos que as empresas estrangeiras/representantes nacionais devem adotar para reaver ou compensar os valores retidos por este Ministério, nos últimos meses” (fl. 363), conforme listagem prévia dos procedimentos judiciais instaurados para a discussão da questão (fl. 358).
Desse modo, faz-se presente, neste exame perfunctório, a plausibilidade jurídica da tese autoral de ilegalidade da retenção de imposto de renda na fonte sobre os valores adimplidos na execução do Contrato 83/2023 do Ministério da Saúde.
Outrossim, reforça o periculum in mora a iminência da realização de novos pagamentos (fl. 143), relativos às parcelas contratuais remanescentes, conformando-se risco concreto de que sejam efetuados novos descontos.
Ainda, vale registrar que o medicamento adquirido por intermédio da avença em discussão é destinado ao tratamento de múltiplas doenças graves (rol de fls. 137 e 138) junto ao Sistema Único de Saúde – SUS.”.
Neste juízo de cognição exauriente, peculiar à prolação de uma sentença, inexiste razão para modificar o entendimento anteriormente adotado.
Assim, o retromencionado decisum deve ser mantido in totum, pelos seus exatos fundamentos.
Isso posto, CONCEDO A SEGURANÇA e torno definitiva a medida liminar deferida (id1851258185), que suspendeu a exigibilidade de imposto de renda retido na fonte sobre os valores relativos ao Contrato 83/2023 do Ministério da Saúde e determinou à autoridade impetrada que se abstivesse de efetuar novos descontos a esse título no pagamento das parcelas contratuais restantes, bem como que procedesse à apreciação, em sede administrativa, do pleito autoral de restituição do indébito, conforme diligências empreendidas para a resolução de outras demandas de igual objeto, ficando obstado qualquer tipo de retenção no referido contrato.
Custas de lei.
Sem honorários advocatícios, conforme art. 25, da Lei 12.016/2009 e nos termos dos enunciados da Súmula n. 512, do STF e n. 105 do STJ.
Intimem-se a parte impetrante e a autoridade coatora.
Vista à PGFN e ao MPF.
Sentença sujeita ao reexame necessário.
Interposto recurso, deverá a Secretaria do Juízo certificar o recolhimento do preparo (caso necessário), até as quarenta e oito horas seguintes à interposição do recurso.
Após, intime-se a parte recorrida para apresentar contrarrazões no prazo legal.
Em seguida, com ou sem contrarrazões, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se, com baixa na distribuição.
Publicada e registrada eletronicamente.
Brasília/DF, 11 de março de 2025.
ALAÔR PIACINI Juiz Federal -
05/09/2023 00:00
Intimação
Seção Judiciária do Distrito Federal 17ª Vara Federal Cível da SJDF INTIMAÇÃO VIA DIÁRIO ELETRÔNICO PROCESSO: 1086464-24.2023.4.01.3400 CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) POLO ATIVO: AURAMEDI FARMACEUTICA LTDA - ME REPRESENTANTES POLO ATIVO: TIAGO PONTES QUEIROZ - PE23719 POLO PASSIVO:DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE LOGÍSTICA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE e outros Destinatários: AURAMEDI FARMACEUTICA LTDA - ME TIAGO PONTES QUEIROZ - (OAB: PE23719) FINALIDADE: Intimar o(s) polo ativo acerca do(a) ato ordinatório / despacho / decisão / sentença proferido(a) nos autos do processo em epígrafe.
Prazo: 15 dias.
OBSERVAÇÃO: Quando da resposta a este expediente, deve ser selecionada a intimação a que ela se refere no campo “Marque os expedientes que pretende responder com esta petição”, sob pena de o sistema não vincular a petição de resposta à intimação, com o consequente lançamento de decurso de prazo.
Para maiores informações, favor consultar o Manual do PJe para Advogados e Procuradores em http://portal.trf1.jus.br/portaltrf1/processual/processo-judicial-eletronico/pje/tutoriais.
BRASÍLIA, 4 de setembro de 2023. (assinado digitalmente) 17ª Vara Federal Cível da SJDF -
31/08/2023 11:07
Recebido pelo Distribuidor
-
31/08/2023 11:07
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
31/08/2023
Ultima Atualização
11/03/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Sentença Tipo A • Arquivo
Sentença Tipo A • Arquivo
Petição intercorrente • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Despacho • Arquivo
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