TRF1 - 1014127-46.2023.4.01.3300
1ª instância - 14ª Salvador
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Assistente Desinteressado Amicus Curiae
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Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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22/02/2024 00:00
Intimação
Seção Judiciária do Estado da Bahia 14ª Vara Federal Cível da SJBA SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1014127-46.2023.4.01.3300 CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) IMPETRANTE: WILIAM COELHO PEREIRA IMPETRADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, MAGNIFICO REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA SENTENÇA
I - RELATÓRIO WILIAM COELHO PEREIRA impetrou mandado de segurança contra suposto ato coator do REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA e UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, objetivando provimento jurisdicional para determinar “que seja afastada a aplicação do Art. 6º, § 5º da Resolução 02/2008 do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão, bem como de quaisquer outras regras normativas que chancelem a aplicação do bis in idem às cotas no processo seletivo de transição dos egressos de B.I para o CPL 2023, em relação ao Impetrante e proceda a sua imediata matrícula no Curso de Progressão Linear – CPL de Medicina em Salvador/BA, sua primeira escolha no ato de inscrição, ou Vitória da Conquista/BA/BA, em caráter subsidiário, local sua segunda opção no ato de inscrição, com início no período letivo de 2023.1”.
Requereu, ainda, a gratuidade da justiça.
Alega a inconstitucionalidade do art. 6º, § 5º da Resolução nº 02/2008, uma vez que beneficia duas vezes o cotista que fez o Bacharelado interdisciplinar.
Salienta que o tratamento desigual deve ser considerado apenas para ingresso no Bacharelado Interdisciplinar, quando os candidatos ainda demonstram as desigualdades do ensino a que se submeteram – considerando que oriundos de escola pública e particular se sujeitam ao mesmo processo de seleção -, e não mais após a conclusão do curso do BI, eis que aí tiveram acesso ao mesmo nível de ensino.
Juntou procuração e documentos.
A liminar foi indeferida e deferida a gratuidade da justiça.
A UFBA e a autoridade impetrada pugnaram pela denegação da segurança.
O Ministério Público Federal apontou a ausência de interesse público a ensejar a intervenção no feito.
II - FUNDAMENTAÇÃO Ao examinar o pedido liminar, este Juízo assim se manifestou: "Discute-se, no caso, a constitucionalidade de normas editadas pela Universidade Federal da Bahia para disciplinar o ingresso de alunos em curso superior, por meio de seleção interna, que reservou vagas para alunos destinatários de política de cotas raciais e socioeconômicas.
Em especial, discute-se a validade do art. 6º, § 5º, da Resolução CONSEPE n. 02/2008 que assim dispõe: Art. 6º Os projetos político-pedagógicos dos cursos referidos no caput do artigo anterior determinarão o número de vagas regulares a serem anualmente/semestralmente oferecidas. § 1º Haverá vestibular específico para o curso organizado em regime de progressão linear e seu projeto político-pedagógico destinará, a partir de 2012, para alunos que concluíram o Bacharelado Interdisciplinar da área em que se insere o curso, um percentual, não inferior a 20 %, das vagas regulares oferecidas. § 2º As vagas oferecidas para o curso organizado em regime de dois ciclos, mencionado no artigo anterior, serão destinadas a diplomados nos cursos de Bacharelado Interdisciplinar, preferencialmente naquele incorporado pelo primeiro ciclo do curso, cabendo ao seu projeto político-pedagógico o detalhamento dos requisitos a serem exigidos aos candidatos a essas vagas. § 3º As vagas destinadas pelos cursos a alunos egressos do Bacharelado Interdisciplinar, mencionadas nos dois parágrafos anteriores, serão preenchidas: I - automaticamente pelos postulantes, caso estes sejam em número não superior às vagas oferecidas; II - mediante processo seletivo específico, cujos critérios serão definidos pela Câmara de Ensino de Graduação. § 4º No caso de cursos em regime de progressão linear, não sendo preenchidas por egressos do Bacharelado Interdisciplinar as vagas referidas no parágrafo anterior, serão convocados os classificados no processo seletivo externo, até a integralização do número de vagas. § 5º No preenchimento das vagas será mantida a política de reserva de vagas para grupos sociais específicos (cotas), prevista no processo seletivo externo.
A fim de melhor contextualizar a controvérsia, pontuo que, com a criação do Curso de Bacharelado Interdisciplinar, a UFBA passou a contemplar duas formas diferenciadas de acesso à educação superior: uma, denominada Progressão Linear, através do Concurso Vestibular (para pessoas que tenham apenas concluído o ensino médio ou que já tenham o ensino superior e optem por se submeter ao concurso externo); e outra, de progressão dividida em dois ciclos, sendo o primeiro constituído pelo Bacharelado Interdisciplinar na área do curso de interesse do estudante, e o segundo, de caráter facultativo, compreendendo o conjunto de componentes curriculares específicos, organizados de modo a completar a formação do estudante. É o que consta do art. 5º da Resolução CONSEPE n. 02/2008: Art. 5º De acordo com o respectivo projeto político-pedagógico, os cursos de graduação estruturados nas modalidades Licenciatura, Bacharelado e Formação Profissional poderão ser organizados nos seguintes regimes curriculares: I - de progressão linear, na qual os alunos integralizam a formação acadêmica num único percurso curricular até a obtenção do diploma; II - de dois ciclos, o primeiro constituído pelo bacharelado interdisciplinar na área do curso; e o segundo, compreendendo o conjunto de componentes curriculares específicos, organizados de modo a completar a formação de acordo com a legislação vigente.
Quanto à formação acadêmica composta por dois ciclos, o acesso ao ensino superior é realizado por meio de concurso vestibular para o Bacharelado Interdisciplinar, o qual, assim como os demais cursos (ex: medicina, psicologia etc.), submete-se à reserva de vagas para cotistas em observância à política nacional de educação.
A partir da conclusão do Bacharelado Interdisciplinar, se o discente optar por “completar sua formação de acordo com a legislação vigente”, haverá uma concorrência interna entre os bacharéis recém graduados pela UFBA, interessados na conclusão do segundo ciclo da graduação, conhecido como Curso de Progressão Linear – CPL.
De fato, uma vez indicados os três cursos para o qual o Bacharel tem preferência na continuidade dos estudos, a ordem de classificação observará, como critério, o rendimento do candidato nos componentes curriculares obrigatórios e optativos da área de Conhecimento do BI e do CPL pretendido, ou seja, o candidato será avaliado pelo conhecimento apreendido durante o Bacharelado Interdisciplinar.
No entanto, ao contrário do que pretende o impetrante, a definição das vagas que serão disputadas pelos recém graduados no BI deverá observar também o disposto na Lei nº 12.711/2012, no Decreto nº 7.824/2012, nas Portarias Normativas MEC nº 18/2012 e nº 9/2017, nas Resoluções CAE nº 04/2019 e nº 05/2015, como constou do item 3.2 do Edital 004/2023 do Processo Seletivo de Estudantes Graduados em Bacharelado Interdisciplinar (BI) UFBA para Ingresso nos Cursos de Progressão Linear (CPL) em 2023, que assim dispôs: “3.2.
Haverá reserva de vagas (cotas), tendo em vista o que dispõe a Lei nº 12.711/2012, o Decreto nº 7.824/2012, as Portarias Normativas MEC nº 18/2012 e nº 9/2017, as Resoluções CAE nº 04/2019 e nº 05/2015.” (id 1509469389 - Pág. 2).
Não há, portanto, controvérsia quanto à regra jurídica aplicável na espécie, mas unicamente a respeito de sua suposta inconstitucionalidade, pois, segundo entende o acionante, este “duplo benefício” violaria a meritocracia.
Ocorre que esta premissa vai de encontro às diretrizes constitucionais que inspiram a formulação e execução da política de cotas instituída pela UFBA, colocando em risco os resultados pretendidos.
Quando do julgamento do leading case no qual foi assentada a constitucionalidade da reserva de vagas com base em critério étnico-racial para acesso à universidade pública, o Supremo Tribunal Federal consignou que o objetivo da política pública não se limitava a equalizar o desnível de oportunidades entre candidatos que possuem histórias de vida marcada pela desigualdade, realizando o princípio da isonomia em nível individual, mas também de promover a reparação histórica de um passado escravagista ainda latente na sociedade e fomentar uma composição mais plural do corpo discente das instituições de ensino, o que corresponde, numa perspectiva coletiva, a transformação de uma realidade social na qual a maior parte da população negra e parda permanece relegada aos círculos de pobreza, baixa escolaridade e sub-representação nas esferas de participação política.
Esta conclusão está explícita na ementa do acordão proferido naquela ocasião: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.
ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR.
ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares.
II – O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade.
III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa.
IV –Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro.
V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição.
VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles (ADPF 186, DJe20/10/2014).
Da mesma forma, quando do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 41, a Suprema Corte assentou, em relação à reserva de vagas em concursos públicos, que “a desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia.
Ela se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente” (DJe 17/08/2017).
Naquela mesma oportunidade, ao examinar regra contida na Lei n. 12.990/2014 que dispunha sobre a reserva de vagas para candidatos autodeclarados negros em concurso público, o STF também ressaltou que “os concursos não podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para burlar a política de ação afirmativa” e que “a ordem classificatória obtida a partir da aplicação dos critérios de alternância e proporcionalidade na nomeação dos candidatos aprovados deve produzir efeitos durante toda a carreira funcional do beneficiário da reserva de vagas” (ADC 41, DJe 17/08/2017).
Deste modo, é inegável que a política destinada a assegurar maior participação de grupos sub-representados no ensino superior possui fundamento nos princípios da dignidade humana e da isonomia material (CF/88, arts. art. 1º, III, 3º, I, II e IV, e 5º, caput) e, simultaneamente, nos princípios da “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” e da autonomia universitária (CF/88, art. 206, I e 207).
Mais que isso, considerando que interpretação das normas consagradoras de direitos fundamentais deve buscar a sua máxima eficácia, a preservação do status de cotista ao longo da vida acadêmica possui pleno amparo nas diretrizes constitucionais que justificaram a concessão do “benefício” da reserva de vagas na seleção pública para acesso à universidade.
Em primeiro lugar, a expressão “duplo benefício” parte de uma premissa segundo a qual a reserva de vagas seria uma concessão graciosa, e não um direito reconhecido em lei, a qual, vale recordar, impõe às instituições federais de ensino superior a obrigação de destinar parte de suas vagas para alunos “autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE” (Lei n. 12.711/2012, art. 3º).
Logo, considerando o elevado percentual de pessoas autodeclaradas negras no Estado da Bahia, parece claro que o quantitativo de vagas reservadas pela UFBA para acesso aos seus cursos de graduação, via vestibular ou via CPL, não se mostra demograficamente desproporcional ou descolada do parâmetro objetivo previsto em lei.
Em segundo lugar, deve ser rejeitada a alegação segundo a qual os estudantes que ingressaram por meio do BI tiveram oportunidades idênticas de acessar ao segundo ciclo de progressão porque o fato de os alunos cotistas terem frequentado à mesma instituição de ensino não apaga todo o processo de exclusão, discriminação e preconceito enfrentado diariamente, nem a constatação de que tais alunos (em geral) também se inserem em grupos vulneráveis sob diversos outros aspectos sociais, econômicos e culturais.
Na prática, a avaliação baseada no desempenho acadêmico obedece ao princípio da isonomia quando compara estudantes que se encontram em situação idêntica, razão pela qual a destinação de vagas para determinados grupos visa, justamente, nivelar a disputa por vagas no ciclo de formação continuada.
Por óbvio, não se desconsidera o esforço individual da parte autora, nem se supõe que haja um antagonismo entre sua pretensão e o direito de outros estudantes que atendem aos requisitos definidos pela instituição de ensino.
Contudo, ainda que fosse correto falar em “duplo benefício” no acesso ao ensino superior, trata-se de medida destinada a atenuar, em um nível individual, o histórico e continuado “malefício” enfrentado por cada integrante dos grupos destinatários da política de cotas, editada com base em largo arcabouço normativo e décadas de estudos multidisciplinares.
Embora se trate de política pública que, como todas as outras, está sujeita a críticas e aperfeiçoamentos, trata-se de política legítima, não podendo ser suplantada pelo Poder Judiciário quando suas vulnerabilidades e incertezas não denotam ilegalidade evidente.
Em terceiro lugar, a interpretação defendida pela parte autora teria resultados contrários àqueles que ensejaram a formulação da política de cotas.
Além de colocar os alunos cotistas que ingressaram por meio do BI um uma condição menos favorável do que a dos alunos que não enfrentaram as mazelas do racismo – mesmo durante a primeira etapa de graduação – , caso se admita a erosão da ação afirmativa, a sociedade brasileira continuará a ver uma sub-representação de pessoas negras, indígenas, imigrantes/refugiados e transexuais em profissões cujas vagas na graduação são mais disputadas, perpetuando o ciclo de desigualdade que relega as chamadas minorias a ocupações de menor remuneração ou prestígio político.
Inclusive, a reserva de cotas socioeconômicas ou étnico-raciais nos cursos de medicina parece ser um exemplo emblemático, como se colhe de reportagem divulgado no Portal da rede BBC News Brasil: “Procurados pela reportagem, nem o Ministério da Educação, nem o Conselho Federal de Medicina dizem ter dados consolidados sobre o percentual de formandos negros em medicina no país.
Mas uma pesquisa da Universidade de São Paulo publicada em 2018 ilustra a disparidade na profissão.
Enquanto 56% dos brasileiros se declaram negros (pretos ou pardos), segundo o IBGE, apenas 18% dos médicos brasileiros diziam se encaixar neste grupo, de acordo com o estudo.
Mas se os médicos negros são minoria no país, os pacientes negros representam a maioria esmagadora dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e respondem por 76% dos atendimentos e 81% das internações no SUS, segundo o IBGE” (grifamos).
De fato, a pretensão à conversão das vagas originalmente destinadas para alunos cotistas do bacharelado interdisciplinar que desejam ingressar no curso de progressão linear em ampla concorrência em vagas para ampla concorrência subverte o sistema de cotas, pois, ao mesmo tempo em que amplia o percentual de vagas destinadas aos alunos do bacharelado interdisciplinar de ampla concorrência, diminui o percentual de vagas globais originalmente destinadas a alunos cotistas (transferidas do vestibular para o Bacharelado Interdisciplinar).
Entendo, pois, que a disposição contida no Edital, que determina a reserva de vaga para grupos sociais específicos (cotas) também para o processo seletivo interno, não ostenta qualquer inconstitucionalidade.
De revés, mantém coerência com o sistema de cotas adotado pela Universidade Federal da Bahia e com as disposições da Lei n. 12.711/2012 e do Decreto n. 7.824/2012.
Por este prisma, é de se concluir que para fins de assegurar aos iguais as garantias previstas no art. 5º, caput, e art. 206, I da Constituição Federal, o percentual de 43% de vagas, previsto na resolução sobredita, destinadas às cotas, deve ser reservado não apenas quando do acesso ao ensino superior, mas também, processo de seleção interna.
Portanto, admitida a sua verificação também nesta etapa.
Entender de outra forma, seria admitir que o sistema de cotas somente valeria para o primeiro ciclo constituído pelo bacharelado interdisciplinar (para os alunos que optaram pelo regime curricular previsto no art. 5º, II, da Res. n. 002/2008) e, não, para o segundo, que compreende o conjunto de componentes curriculares específicos, organizados de modo a completar a formação do discente, o que se não me afigura razoável, porque implicaria em tratamento discriminatório em relação aos alunos que ingressaram pelo BI, que não contariam com os sistema de cotas para ingresso no curso que intenta fazer, após a conclusão do bacharelado.
Por outro falar, as cotas só valeriam para o BI e não para o curso, o que não está em sintonia com o sistema de cotas, e redundaria, na prática, em dificultar o acesso dos cotistas aos cursos de graduação.
Isso também não se coaduna com a política de cotas implantada pela Universidade Federal da Bahia no âmbito de sua autonomia.
Em quarto lugar, a pretensão exposta na petição inicial terminaria por violar a autonomia de que dispõe a Universidade Federal da Bahia para organizar seus cursos e sua política de ações afirmativas destinadas a minimizar os prejuízos históricos sofridos por determinados grupos sociais.
Neste particular, ressalto que o art. 53 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação prevê que a autonomia universitária confere às instituições de ensino superior a competência para “criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior” (I), “fixar os currículos dos seus cursos e programas” (II) e “fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio” (IV), no que se insere a prerrogativa da UFBA em instituir formas diferenciadas de acesso a determinados cursos de graduação.
Dizendo de outro modo, mostra-se irrelevante a discussão a respeito da (in)dependência entre as seleções para ingresso no BI e acesso daqueles mesmos alunos/bacharéis a outros componentes curriculares ou à natureza dos cursos de graduação (se continuação de estudos, especialização ou nova graduação), conquanto a reserva de vagas em qualquer destas modalidades está acobertada pela autonomia universitária.
Ademais, é pertinente reafirmar que a norma impugnada foi editada pela autoridade competente, em deliberação colegiada,e está em vigor há mais de uma década, tempo suficiente para desestimular a crença segundo a qual haveria alguma espécie de direito adquirido a forma de acesso ao ensino superior ou a um nível considerado mínimo de vagas destinados à ampla concorrência (ambiente no qual a maioria dos alunos hoje cotistas, obviamente, ainda não teriam mínimas condições de concorrer em igualdade).
Por certo, ressalvada a hipótese de adoção de uma política de cotas flagrantemente incapaz de produzir algum efeito no combate à sub-representação étnico-racial (princípio da vedação à proteção insuficiente) ou de uma política manifestamente segregacionista, capaz de impedir completamente o acesso de algum grupo (minoritário ou não), não cabe ao Poder Judiciário interferir na autonomia da instituição superior de ensino para definir qual seria o percentual ótimo de reserva de vagas em suas seleções internas ou externas.
Nesse sentido orienta a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “A forma de implementação de ações afirmativas no seio de universidade e, no presente caso, as normas objetivas de acesso às vagas destinadas a tal política pública fazem parte da autonomia específica trazida pelo artigo 53 da Lei n. 9.394/96, desde que observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Portanto, somente em casos extremos a sua autonomia poderá ser mitigada pelo Poder Judiciário, o que não se verifica nos presentes autos” (REsp 1132476, DJe 21/10/2009).”.
Após o indeferimento da medida liminar, não houve argumentos novos ou fatos que pudessem ilidir os fundamentos acima transcritos, os quais ficam incorporados à presente sentença, por não se vislumbrar motivos que justifiquem conclusão diversa.
III - DISPOSITIVO Ante o exposto, denego a segurança.
Condeno o impetrante ao pagamento de custas, ficando suspensa a execução em face da gratuidade da justiça.
Sem honorários, porque incabíveis, a teor do art. 25 da Lei n. 12.016/2009.
Na hipótese de interposição voluntária de recurso de apelação, fica de logo determinada a intimação do apelado para, querendo, contrarrazoar, no prazo legal.
Ante eventual interposição de recurso adesivo, retornem os autos ao o apelante, nos termos do art. 1.010, § 2º, CPC.
Caso tenham sido suscitadas, em preliminar de contrarrazões, questões resolvidas na fase de conhecimento e insuscetíveis de impugnação via agravo de instrumento, fica, ainda, determinada a intimação da parte adversa para, querendo, manifestar-se a seu respeito em quinze dias (art. 1.009, § 2º, CPC).
Cumpridas as formalidades legais, os autos deverão ser imediatamente remetidos ao Tribunal ad quem.
Não havendo recurso voluntário, ou não se enquadrando a hipótese aos casos que exigem o duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 496, CPC), após o trânsito em julgado, arquivem-se com baixa na distribuição e anotações de estilo.
Publique-se.
Registre-se.
Intime-se.
Salvador (BA), na data da assinatura eletrônica.
CYNTHIA ARAÚJO LIMA Juíza Federal da 14ª Vara -
01/03/2023 07:40
Remetidos os Autos (em diligência) da Distribuição ao 14ª Vara Federal Cível da SJBA
-
01/03/2023 07:40
Juntada de Informação de Prevenção
-
28/02/2023 22:46
Recebido pelo Distribuidor
-
28/02/2023 22:46
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
28/02/2023
Ultima Atualização
15/09/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Cumprimento de Sentença • Arquivo
Petição intercorrente • Arquivo
Despacho • Arquivo
Juízo de Admissibilidade de Recurso Especial • Arquivo
Acórdão • Arquivo
Acórdão • Arquivo
Sentença Tipo A • Arquivo
Sentença Tipo A • Arquivo
Decisão • Arquivo
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