TRF1 - 1004470-96.2023.4.01.4200
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gab. 09 - Des. Fed. Neviton Guedes
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Polo Passivo
Partes
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Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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25/06/2024 00:00
Intimação
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1004470-96.2023.4.01.4200 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004470-96.2023.4.01.4200 CLASSE: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) POLO ATIVO: EBERSON RODRIGO GASSNER REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: DANIEL PULCHERIO FENSTERSEIFER - RS68593-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) RELATOR(A):NEVITON DE OLIVEIRA BATISTA GUEDES PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 09 - DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES Processo Judicial Eletrônico RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) n. 1004470-96.2023.4.01.4200 R E L A T Ó R I O O EXMO.
SR.
DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES (Relator): Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Eberson Rodrigo Gassner e Gassnetti Materiais de Construção Ltda.
ME contra sentença prolatada pelo Juízo da 4ª Vara da Seção Judiciária de Roraima, que, nos autos de Habeas Corpus, não conheceu da impetração em favor da pessoa jurídica, dada a impossibilidade de sofrer restrições no seu direito de ir e vir, e denegou a ordem quanto a Eberson Rodrigo Gassner.
Os recorrentes impetram Habeas Corpus contra ato atribuído ao Delegado de Polícia Federal da Superintendência Regional de Roraima, objetivando, liminarmente, o trancamento do inquérito policial autuado sob o nº 1005902-58.2020.4.01.4200.
Alegam os recorrentes que, contrariamente ao decidido, a investigação criminal exige justa causa para ser implementada, não havendo qualquer tipo de autorização para que as autoridades investiguem os cidadãos sem que haja pelo menos algum indício de materialidade ou de autoria; que não houve no caso dos autos constatação de mínima verossimilhança que autorizasse a instauração de um procedimento investigativo; que, embora o tema 990 do STF estabeleça que não há necessidade de autorização judicial para que a Receita Federal encaminhe relatórios de inteligência às autoridades investigativas, ele não previu que autorização judicial seja dispensada quando o compartilhamento é solicitado pela autoridade investigativa à Receita Federal.
Afirmam que a investigação policial se iniciou a partir de denúncia anônima, a qual remeteu a possível prática de comércio de ouro, o que levou a autoridade policial a investigar possível crime de lavagem de dinheiro, sem que houvesse qualquer justificativa legal para isso.
Sustenta, assim, que houve desvio do objeto da denúncia anônima, quando ao não descobrir nada sobre comércio ilegal de ouro na empresa de material de construção, o Delegado de Policial resolveu investigar possível lavagem de dinheiro na referida empresa.
Diz que a decisão de instaurar o IP deve ser motivada, fundamentada e em fatos que guardem relação com a portaria de instauração.
Afirma, ainda, que a Lei 13.869/2019, que tipifica o crime de abuso de autoridade, veda tais condutas.
Sustentam a prática de fishing expedition, uma vez que a autoridade policial requereu, sem autorização judicial, o Relatório de Inteligência Financeira-RIF, para “pescar” alguma informação que pudesse ser utilizada contra os investigados na tentativa de legitimar o procedimento investigativo que já estava fadado ao arquivamento.
Tal proceder, a seu ver, deu continuidade à coação ilegal, pela forma como obtido o RIF, o qual pode, inclusive, ensejar uma representação por prisão preventiva, colocando-se em risco a liberdade do paciente.
Asseveram a ilegalidade da postura da autoridade policial, porque requisitou o RIF diretamente ao COAF, quebrando o sigilo das movimentações financeiras dos suspeitos sem a necessária apreciação judicial, sem que houvesse suspeita fundada em indícios de algum crime, o que tornou a rotina investigativa violadora de direitos fundamentais.
Afirma que tal procedimento não está albergado no tema 990, julgado pelo STF.
Além disso, não foi trazido aos autos solicitação formal ao COAF, com as informações da suspeita de prática ilícita.
Alegam, por fim, que, dessa ilegalidade inúmeros prejuízos significativos atingiram os investigados, como a quebra do seu sigilo bancário e fiscal, busca e apreensão, sequestro de ativos financeiros e compartilhamento dos elementos informativos (nulos) com a Receita Federal; e que a decisão recorrida deve ser reformada para o fim de trancar a investigação criminal, em decorrência da ausência de justa causa.
Pedem, dessa forma, provimento do recurso, para a) o desentranhamento e inutilização do RIF e de todos os documentos dele decorrentes; b) a restituição imediata dos bens apreendidos; c) o levantamento do sequestro determinado; d) seja informada a Receita Federal sobre a nulidade e impossibilidade de utilização dos elementos compartilhados (ID 401221742).
Com contrarrazões (ID 401221744).
A Procuradoria Regional da República da 1ª Região manifesta-se pelo desprovimento do recurso (ID 403764653). É o relatório.
Desembargador Federal NÉVITON GUEDES Relator PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 09 - DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) n. 1004470-96.2023.4.01.4200 V O T O O EXMO.
SR.
DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES (Relator): O recurso é cabível, nos termos do art. 581, X, do Código de Processo Penal.
Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto por Eberson Rodrigo Gassner e Gassnetti Materiais de Construção Ltda.
ME contra sentença prolatada pelo Juízo da 4ª Vara da Seção Judiciária de Roraima, que, nos autos de Habeas Corpus, não conheceu da impetração em favor da pessoa jurídica, dada a impossibilidade de sofrer restrições no seu direito de ir e vir, e denegou a ordem quanto a Eberson Rodrigo Gassner.
Este o teor da decisão impugnada (ID 401221737): (...) Segundo o art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal, conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
Já o art. 647 do Código de Processo Penal estatui que dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.
Dito isso, em primeiro lugar, registro ser a hipótese de não conhecer da impetração de habeas corpus em favor da pessoa jurídica GASSNETTI MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LTDA.
ME, dada a impossibilidade de sofrer restrições no seu direito de ir e vir (HC 92921/BA, rel.
Min.
Ricardo Lewandowski, 19/08/2008).
Logo, o referido remédio constitucional não constitui meio adequado à tutela pretendida em favor da pessoa jurídica.
Em relação ao paciente EBERSON RODRIGO GASSNER, importante destacar as considerações deduzidas pelo MPF no feito: Inicialmente, cumpre destacar que a submissão a uma investigação criminal, assim como ao processo penal, traz inegável carga negativa.
Apesar da presunção de inocência constitucionalmente garantida, é fato que ter as medidas decorrentes da persecução penal, por si sós, já representam um estigma perante a sociedade.
Dessa forma, é indispensável que a investigação criminal – objeto específico de análise no presente Habeas Corpus – tenha suporte em elementos informativos e provas mínimas que a justifiquem, sob pena de dar azo à ilegalidade, passível de ser corrigida a partir da intervenção do Poder Judiciário para o encerramento anômalo do procedimento investigatório.
Por outro lado, importa ressaltar que o trancamento das investigações, normalmente materializadas no bojo do Inquérito Policial, é providência de caráter excepcional, somente adequada em hipóteses de ilegalidade escancarada.
Do contrário, inviabilizar-se-ia a apuração de infrações penais, o que afetaria indevidamente o poder-dever de punir do Estado e macularia a proteção aos bens jurídicos consagrados nas normas penais incriminadoras. [...] Feitas essas considerações e analisados os argumentos apresentados pelos impetrantes, em cotejo com as investigações atacadas, verifica-se que, no caso em análise, não estão presentes as hipóteses excepcionais que autorizam o trancamento do Inquérito Policial.
Convém destacar que os argumentos expostos pelos impetrantes, quando afirmam a inexistência do delito, demandam dilação probatória para o devido enfrentamento, o que seria inviável pela via do Habeas Corpus.
Em suma, são defesas de mérito a respeito de uma ainda inexistente acusação formalizada.
A via estreita do Habeas Corpus, como se sabe, não comporta análise dessa natureza, pois é reservada aos casos de demonstração cabal da ilegalidade suscitada – o que, conforme descrito até então, não se verifica na presente situação.
No tocante à justa causa, cumpre dizer que se trata de um requisito indispensável à propositura da ação penal, consistente na existência de indício de autoria e materialidade capazes de legitimar a instauração do processo penal.
Dito isso, destaca-se que o momento atual é de tão somente investigar os fatos levados ao conhecimento da polícia, que, ao final, poderá apontar pela ocorrência ou não dos crimes apurados.
Ademais, é importante salientar a definição dos requisitos para a instauração do inquérito policial, de modo a não se reprimir a atividade investigatória.
Para a instauração formal da investigação, basta que exista um mínimo de informações preliminares que indiquem a possível ocorrência do delito – requisito este devidamente preenchido pelas diligências preliminares realizadas pela polícia.
Assim, mediante tais diligências, foi possível observar uma movimentação financeira incompatível com a atuação empresarial do paciente, principalmente considerando o recebimento excessivo de valores derivados de empresas do ramo da mineração.
Não por outro motivo, o paciente, no curso da busca e apreensão realizado em sua residência, destruiu seu próprio aparelho celular, na tentativa clara de eliminar provas.
Nessa ocasião, inclusive, foram encontrados fragmentos de ouro em seu quarto.
Outrossim, quando ao compartilhamento do Relatório de Inteligência Financeira, tem-se a seguinte tese consolidada no Tema 990 do STF: 1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. 2.
O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
Logo, não há falar em nulidade da prova em decorrência da ausência de autorização judicial no compartilhamento do RIF, sendo tal questão já consolidada como entendimento pacífico dos tribunais superiores.
Diante de tais termos, verifica-se que as argumentações levantadas pelos impetrantes não são suficientes para justificar o encerramento precoce da investigação policial, de modo que o presente Habeas Corpus deverá ser denegado. (id 1704808493 - grifei) Como apontado na decisão de id 1660917493, ressalta-se que a jurisprudência da Suprema Corte se direciona no sentido de que a extinção prematura da ação penal em curso (bem como do antecedente inquérito policial), pela via do habeas corpus, “só é possível em situações excepcionais, nas quais seja patente (a) a atipicidade da conduta; (b) a ausência de indícios mínimos de autoria; e (c) a presença de causa extintiva da punibilidade” (HC 122434 AgR/SP, 1ª Turma, Rel.
Min.
Rosa Weber, julgado em 15/12/2015; HC 132170 AgR/SP, 2ª Turma, Rel.
Min.
Teori Zavascki, julgado em 16/02/2016).
Feitos esses apontamentos, vê-se que a ordem pleiteada não merece acolhimento, já que o impetrante não traz evidências cabais de patente (i) atipicidade da conduta sob investigação; (ii) ausência de indícios mínimos de autoria, valendo anotar a existência de informações em sentido contrário ao id 1652422970, p. 105/126, conforme abaixo transcrito; e (iii) presença de causa extintiva da punibilidade, tese que sequer foi ventilada pelo impetrante.
A materialidade e autoria dos ilícitos tipificados no Art. 2°, §1°, da lei 8.176/91 e Art. 1°, CAPUT, da lei 9.613/98 está presente em: - Análise bancária que demonstra o recebimento de expressivos valores, por meio de transferências bancárias, para as contas bancárias de EBERSON RODRIGO GASSNER (*89.***.*89-49), GLEIQ MARCAL NICOMEDES (*86.***.*72-72) e GASSNETTI MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LTDA ME (19.287.867/0001- 06), dinheiro proveniente de empresas ligadas ao ramo de mineração; - Na tentativa de dissimular a origem desse dinheiro, ele era movimentado por meio das constas da pessoa jurídica, misturado a valores aparentemente lícitos, provenientes da atividade empresarial; - No fracionamento das retiradas, técnica usada pelos investigados, aparentemente, para não chamar a atenção dos órgãos financeiros de controle.
A materialidade e autoria do ilícito tipificado no Art. 347, PARAGRAFO ÚNICO, do CPB, está consubstanciada na destruição e ocultação do aparelho celular.
O sr.
Eberson ao perceber a presença da Polícia Federal destruiu seu aparelho celular e o ocultou dentro de um armário, com a finalidade de produzir efeito em eventual processo penal.
O montante recebido não foi justificado pelo sr.
EBERSON RODRIGO GASSNER, que em seu depoimento se limitou a dizer que não se lembrava da maioria das transferências recebidas, valores expressivos provenientes de empresas ligadas à exploração de minério.
Para esta investigação, também é frágil a justificativa dada por ele para o fracionamento realizado na retirada de dinheiro de suas contas, ele justificou a conduta dizendo que os saques/transferências, ou pagamentos de boletos, eram feitos à medida que havia necessidade.
No que diz respeito a relação entre EBERSON RODRIGO GASSNER (*89.***.*89-49) e GLEIQ MARCAL NICOMEDES (*86.***.*72-72), aquele diz que teria remetido dinheiro para Gleiq, mais de três milhões de reais, apenas porque teria comprado veículos dele.
Ocorre que na casa de Eberson foram encontrados documentos, dentre eles procurações e contratos, que demonstram vínculo entre os dois, fls. 520 a 540.
Dos documentos infere-se que eles estariam, inclusive, promovendo compra e venda de imóveis em Boa Vista/RR, com utilização de pessoas que podem ser laranjas.
Mais um indício de que eles, com intenção de distanciar a origem do dinheiro dos atos ilícitos, estariam adquirindo imóveis, provavelmente, em nome de terceiros.
A investigação demonstra que no período de 01/12/2017 a 27/01/2022, eles teriam recebido em suas contas pessoais e da pessoa jurídica, sem justificativa, valor que somado supera R$ 107.000.000,00 (cento e sete milhões de reais).
Nesse ponto a oitiva de EBERSON RODRIGO GASSNER foi importante tendo em vista que ele se limita a dizer que não se recorda de ter recebido diversas transferências de dinheiro de empresas ligadas a mineração.
Ele também não consegue explicar o motivo de ter realizado diversos saques de dinheiro, alguns deles, em regra, ocorridos no mesmo dia, com valores abaixo de R$50.000,00.
Importa mencionar que, quando da chegada da Polícia Federal ao endereço de EBERSON RODRIGO GASSNER, ele destruiu seu aparelho celular, fato que demonstra sua intenção em destruir provas que o pudessem incriminar.
Com relação a GLEIQ MARCAL NICOMEDES (*86.***.*72-72), ele não foi encontrado no endereço no dia do cumprimento do Mandado de Busca e Apreensão.
Feita nova diligência objetivando intimá-lo, não se logrou êxito em localizá-lo.
Ele também não se apresentou à Polícia Federal para fornecer sua versão a respeito dos fatos, presumindo-se que tem interesse de permanecer em silêncio. (id 1652422970, p. 123/125 - grifei) Não se depreende a alegada ausência de justa causa a partir do argumento de que “foi instaurado Inquérito Policial com objeto diverso daquele constante na ‘denúncia anônima’ levada à autoridade policial” (id 1652398489).
Ademais, cabe frisar que a justa causa sequer é requisito para o início ou a continuação de investigações, as quais visam, justamente, a busca de elementos de informação relativos à materialidade delitiva e aos indícios de autoria, a fim de subsidiar eventual ação penal.
Importante consignar, ainda, a possibilidade de início de atos investigativos a partir de notícia de fato anônima.
Nesta hipótese, a autoridade policial deve realizar diligências preliminares, as quais foram efetivadas a partir da análise documental acostada ao id 1652422967 (p. 15 e seguintes).
Nesse sentido, segue precedente judicial da Terceira Turma do egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região: PENAL E PROCESSUAL PENAL.
PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA E INÉPCIA DA DENÚNCIA.
REJEIÇÃO.
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA.
MOTIVAÇÃO ADEQUADA.
PRORROGAÇÕES SUCESSIVAS.
LEGALIDADE.
CORRELAÇÃO DA SENTENÇA COM A ACUSAÇÃO.
OBSERVÂNCIA.
CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO.
ART. 35.
LEI 11.343/06.
AUTORIA E MATERIALIDADE.
MAJORANTE.
ART. 40.
TRANSNACIONALIDADE COMPROVADA.
FRAÇÃO SUPERIOR À MÍNIMA.
NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO CONCRETA.
PARCIAL PROVIMENTO. 1.
Condenação pelo juízo da 4ª vara federal de Palmas (TO) pelo crime do art. 35 c/c 40, I da Lei 11.343/2006, com pena de 4 anos e 6 meses de reclusão no regime semiaberto e 1050 dias-multa, por ter se associado de forma permanente com outras pessoas com vistas ao auxílio ao tráfico internacional de drogas provenientes da Bolívia e do Paraguai, nos estados de Tocantins, Goiás, Rondônia e Mato Grosso, em meados de outubro de 2009 e entre agosto e setembro de 2010. 2.
Rejeitada a preliminar de incompetência da Justiça Federal, visto que a instrução processual demonstrou, sem qualquer margem de dúvida, que a associação tinha como objetivo propiciar o tráfico de entorpecentes advindos do exterior.
Também rejeitada a preliminar de inépcia da denúncia, pois o titular da ação penal pública descreveu de maneira objetiva os fatos e fundamentos jurídicos necessários para a compreensão da controvérsia penal, possibilitando à acusada a produção de suas defesas de forma ampla. 3.
O Supremo Tribunal Federal tem admitido a denúncia anônima para deflagrar investigação criminal ou medidas de prevenção ou repressão ao crime que não impliquem em métodos invasivos de investigação.
O que não se admite é o emprego de medidas como a interceptação telefônica ou a busca e apreensão com base em comunicação apócrifa de crime, exigindo indícios concretos previamente colhidos que justifiquem estas constrições. (ARE 1120771 AgR-segundo, Relator(a): Min.
ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 05/10/2018; ARE 1069179 AgR, Relator(a): Min.
GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 22/06/2018) 4.
No caso em questão, a decretação da interceptação telefônica também se deu com base em prévias investigações no âmbito de outro inquérito policial que investigava parte da associação criminosa. 5. É possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessiva, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua.
Precedentes do STF, do STJ e desta 3ª Turma. [...] 13.
Parcial provimento da apelação para modificar a fração da causa de aumento de pena do art. 40 da Lei 11.343/06 para o mínimo legal de 1/6. 14.
Refeita a dosimetria da pena, esta se tornou definitiva em 3 anos e 6 meses de reclusão no regime aberto, substituída por restritivas de direito, mais 816 dias-multa no valor diário de 1/30 do salário-mínimo vigente ao tempo do crime, corrigido monetariamente. (ACR 0008131-14.2011.4.01.4300, JUIZ FEDERAL JOSÉ ALEXANDRE FRANCO (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA, PJe 18/04/2022 – grifei) Tal como frisado pelo Juízo anteriormente e pelo MPF, quanto ao compartilhamento do Relatório de Inteligência Financeira, tem-se a seguinte tese, com repercussão geral, estabelecida no âmbito do Supremo Tribunal Federal: 1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. 2.
O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios. (Tema 990/STF) Desse modo, prejudicada resta a tese do impetrante de que “a utilização de Relatório de Inteligência Financeiras-RIF, a requerimento da autoridade policial, sem a devida autorização judicial - o que caracteriza manifesta causa de nulidade e da qual derivam todos os demais atos produzidos no Inquérito Policial” (id 1652398489).
Portanto, não havendo elementos a subsidiar o alegado o constrangimento ilegal, a denegação da ordem é medida que se impõe. (...) — grifo nosso.
A decisão está correta e deve ser mantida.
Inicialmente, como bem posto pelo Ministério Público Federal, em contrarrazões, este recurso é repetição da petição do Habeas Corpus denegado; logo, não enfrenta exatamente a decisão que impugna, senão genericamente.
Assim, de plano, embora não questionado, convém repisar o não cabimento a impetração de Habeas Corpus em favor da pessoa jurídica, pelo simples fato de que não pode ser ela restringida na sua liberdade de ir e vir, objeto que a medida visa a proteger.
Nesse sentido, entendimento do Supremo Tribunal Federal: EMENTA: HABEAS CORPUS.
NEGATIVA DE SEGUIMENTO.
AGRAVO REGIMENTAL.
PESSOA FÍSICA.
REPRESENTANTE LEGAL DE PESSOA JURÍDICA QUE SE ACHA PROCESSADA CRIMINALMENTE POR DELITO AMBIENTAL.
AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL A SER REPARADO.
CABIMENTO DO HC.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
O habeas corpus é via de verdadeiro atalho que só pode ter por alvo -- lógico -- a "liberdade de locomoção" do indivíduo, pessoa física.
E o fato é que esse tipo de liberdade espacial ou geográfica é o bem jurídico mais fortemente protegido por uma ação constitucional.
Não podia ser diferente, no corpo de uma Constituição que faz a mais avançada democracia coincidir com o mais depurado humanismo.
Afinal, habeas corpus é, literalmente, ter a posse desse bem personalíssimo que é o próprio corpo.
Significa requerer ao Poder Judiciário um salvo-conduto que outra coisa não é senão uma expressa ordem para que o requerente preserve, ou, então, recupere a sua autonomia de vontade para fazer do seu corpo um instrumento de geográficas idas e vindas.
Ou de espontânea imobilidade, que já corresponde ao direito de nem ir nem vir, mas simplesmente ficar.
Autonomia de vontade, enfim, protegida contra "ilegalidade ou abuso de poder" -- parta de quem partir --, e que somente é de cessar por motivo de "flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei" (inciso LXI do art. 5º da Constituição). 2.
Na concreta situação dos autos, a pessoa jurídica da qual o paciente é representante legal se acha processada por delitos ambientais.
Pessoa Jurídica que somente poderá ser punida com multa e pena restritiva de direitos.
Noutro falar: a liberdade de locomoção do agravante não está, nem mesmo indiretamente, ameaçada ou restringida. 3.
Agravo regimental desprovido. (HC 88747 AgR, Relator(a) Ministro Carlos Britto, Primeira Turma, DJe-204 de 29-10-2009).
No mesmo sentido são os seguintes julgados desta Terceira Turma: PROCESSO PENAL.
ORDEM DE HABEAS CORPUS.
IMPETRAÇÃO EM FAVOR DE PESSIA JÚRIDICA.
NÃO CABIMENTO.
PEDIDO DE LIBERAÇÃO DE MERCADORIA.
INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.
TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL E/OU DE AÇÃO PENAL.
MEDIDA EXCEPCIONAL.
INOCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES AUTORIZADORAS DA CONCESSÃO.
RECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ.
ORDEM DENEGADA. 1.
In casu, a impetração, em favor de pessoa jurídica, objetiva a concessão da ordem, com a expedição do alvará destinado à liberação das mercadorias, bem como o trancamento do curso do inquérito policial e/ou de eventual ação penal. 2.
Conforme consignado pelo Juízo de origem, que extinguiu o feito originário, sem resolução do mérito, ante a falta de condição da ação interesse de agir , afigura-se inadequada a via escolhida pela parte ora impetrante, haja vista a impossibilidade de pessoa jurídica figurar como paciente em sede de habeas corpus. 3.
A via estreita do habeas corpus é remédio constitucional utilizado para proteger a liberdade de locomoção, razão pela qual por óbvio, só pode ser impetrado em favor de pessoa física e não de pessoa jurídica, na medida em que esta não dispõe do direito de ir e vir. 4. É cediço que a pessoa jurídica não possui legitimidade para figurar como paciente na ação de habeas corpus, remédio constitucional dedicado exclusivamente à preservação do direito individual à liberdade de locomoção contra ilegalidade ou abuso de poder. (TRF1.
HC 1033384-68.2020.4.01.0000, Terceira Turma, Rel.
Des.
Federal Mônica Sifuentes, e-DJF1 de 17/03/2022). 5.
No que pertinente ao pedido de liberação das mercadorias, a via processual eleita também não se mostra a mais indicada, dispondo as partes de outros meios na nossa sistemática processual penal. 6.
O pretendido trancamento do IPL ou de eventual ação penal só pode ocorrer à evidência da constatação de ser o fato atípico ou com a demonstração de que, sendo típico, não tenha o indiciado relação com ele, circunstâncias que configurariam a falta de justa causa, sempre à consideração de ser a ordem de trancamento medida excepcional.
In casu, não se verifica dita situação de excepcionalidade. 7.
Ordem de habeas corpus denegada. (HC 1013371-77.2022.4.01.0000, relatora convocada Juiza Federal Claudia Oliveira Da Costa Tourinho Scarpa, PJe de 14/07/2023 — grifo nosso).
PROCESSUAL PENAL.
HABEAS CORPUS.
NÃO CABIMENTO EM FAVOR DE PESSOA JURÍDICA.
CRIMES DO ART. 2º, § 1º, DA LEI 8.176/91; ART. 55 DA LEI 9.605/98 E ART. 304 DO CÓDIGO PENAL.
CAUTELAR DIVERSA DA PRISÃO.
PROIBIÇÃO DE TRANSPORTE DE MANGANÊS.
PROPORCIONALIDADE DA MEDIDA, APLICADA PARA EVITAR A REITERAÇÃO DELITIVA.
ILEGALIDADE NÃO CONFIGURADA.
ORDEM DENEGADA. 1. É cediço que a pessoa jurídica não possui legitimidade para figurar como paciente na ação de habeas corpus, remédio constitucional dedicado exclusivamente à preservação do direito individual à liberdade de locomoção contra ilegalidade ou abuso de poder. 2.
O art. 319, VI, do Código de Processo Penal prevê a imposição da medida cautelar de suspensão do exercício de atividade de natureza econômica ou financeira, se houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais.
Dessa forma, afigura-se proporcional a medida cautelar determinada pelo juízo impetrado consistente na proibição do transporte de manganês, visto que o paciente foi preso em flagrante por transportar o minério sem autorização legal e mediante uso de documentos inidôneos.
Ao mesmo tempo, não foi vedado o transporte de cargas em geral, mas apenas do manganês. 3.
Ordem denegada. (HC 1033384-68.2020.4.01.0000, relatora Desembargadora Federal Monica Sifuentes, PJe 17/03/2023 — grifo nosso).
Quanto à denúncia anônima, sua aptidão em dar início a investigações policiais, e até mesmo à instauração de inquérito policial, é reconhecida pela jurisprudência deste Tribunal, contanto que a autoridade policial diligencie no sentido de obter mais informações sobre os fatos, como ocorreu no caso.
Nesse sentido, também há julgados desta Terceira Turma: PENAL.
PROCESSO PENAL.
APELAÇÃO.
TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS.
COCAÍNA.
AUTORIA.
DENÚNCIA ANÔNIMA.
ABERTURA DE INQUÉRITO.
INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES.
INEXISTÊNCIA.
PRISÕES EM FLAGRANTE.
PROVAS MATERIAIS.
FILMAGENS E FOTOGRAFIAS.
PERÍCIA NO LOCAL.
AUSÊNCIA.
AUTOS DE PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO.
DIREITO AO SILÊNCIO.
NEGATIVA DE AUTORIA. 1.
Denúncia anônima serve como indício de crime para abertura de inquérito policial, caso este seja precedido de investigações preliminares como campanas, escutas telefônicas, oitivas de informantes. 2.
A inexistência de provas materiais obtidas pela Polícia Militar na hora do flagrante delito, como filmagens e fotografias ou perícia no local, quando era possível fazê-lo, não pode ser superada por provas testemunhais. 3.
Autoria não comprovada nos autos, impondo-se a manutenção da sentença absolutória. 4.
Apelação não provida. (ACR 1004901-92.2020.4.01.3600, relator Desembargador Federal Ney Bello, Terceira Turma, PJe 04/04/2024 — grifo nosso).
PENAL.
PROCESSUAL PENAL.
OPERAÇÃO CORRÓ.
CONCUSSÃO.
CORREGEDORIA DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL.
COMPETÊNCIA.
DENÚNCIA ANÔNIMA.
PRELIMINARES AFASTADAS.
MATERIALIDADE.
AUTORIA.
COMPROVADAS.
DOSIMETRIA DA PENA.
CULPABILILIDADE.
CIRCUNSTÂNCIAS.
PERDA DO CARGO PÚBLICO. 1.
Apelante condenado nas penas do tipo penal do art. 316, caput, do CP (concussão) em razão de, no contexto da denominada "Operação Corró", ter sido preso em flagrante, após monitoramento efetuado no posto da Polícia Rodoviária Federal de Castanhal/PA, por determinação da Corregedoria Regional da PRF, constatar que, no exercício da função de policial rodoviário federal, o acusado exigiu e recebeu vantagem econômica indevida de transportador de produto florestal irregular. 2.
De acordo com o art. 10, IV, do "Regimento Interno do Departamento de Polícia Rodoviária Federal", vigente à época do fato (aprovado pela Portaria do Ministério da Justiça 1.375, de 02/08/2007) e art. 12, IV, do atual (aprovado pela Portaria nº 6, de 04/01/2018, em vigor a partir de 12/02/2018, do Ministério da Justiça e Segurança), a Corregedoria da PRF tem competência para apurar infrações funcionais praticadas pelos policiais rodoviários federais. (Precedente do TRF3). 3. "A denúncia anônima é apta a deflagrar procedimentos de investigação, em razão do poder-dever de autotutela imposto à Administração Pública.
O que não se admite é o processo, menos ainda a condenação, com base apenas em denúncia anônima." (ACR 0014403-31.2009.4.01.3900, DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 19/08/2014 PAG 62.). 4.
Não merece prosperar a alegação de insuficiência ou fragilidade do contexto probatório ou incidência do princípio in dubio pro reo, quando as provas documentais e testemunhais produzidas em fase policial, submetidas ao contraditório e à ampla defesa, aliadas à coletadas em fase instrutória, demonstram a materialidade e autoria da conduta. 5.
A pena-base do crime de concussão pode ser exacerbada sob o fundamento de que a culpabilidade (art. 59 do CP) ultrapassa o normal para do tipo penal da concussão (art. 316, caput, do CP), quando o agente retém os documentos da vítima por um longo período, exigindo-lhe, em 13/02/2016, o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), obtendo efetivamente a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 6.
As circunstâncias do crime (art. 59 do CP) também são mais gravosas, quando se demonstra que o agente se utilizou de equipamento oficial (viatura policial), a fim de conferir maior efetividade na exigência de valores à vítima. 7.
Dosimetria da pena reformada para melhor refletir o grau de reprovabilidade da conduta do réu. 8.
Reduzido o valor do dia-multa de 1/10 (um décimo) para 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, em observância às condições econômicas do réu. 9.
Não se verifica ausência de motivação no decreto da perda do cargo público quando o Juízo a quo, além da adequação jurídica, delito praticado por servidor público, com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública cuja pena privativa de liberdade é superior a um ano, conforme prevê o art. 92, I, do CP, esclarece que a providência é necessária, levando em consideração as circunstâncias materiais da conduta. 10.
Apelação parcialmente provida. (ACR 0006186-40.2016.4.01.3904, relatora Desembargadora Federal Monica Sifuentes, Terceira Turma, E-Djf1 05/03/2021 — grifo nosso).
No ponto, convém anotar que não há óbice a que a autoridade policial, a partir da denúncia anônima, sobre a qual promoveu investigações que ensejaram a instauração de inquérito policial, aprofunde a investigações com a solicitação, à Receita Federal, de informações financeiras sobre os investigados.
Tal proceder não constitui desvirtuamento da investigação, como querem fazer crer os recorrentes, mas, sim, sua continuidade, tanto é verdade que, como adiante se verá, a partir dos dados obtidos junto à Receita Federal foi possível desvendar movimentação financeira atípica e aparentemente ilícita.
Outro ponto relevante, sobre o qual se debruçam o impetrantes, ora recorrentes, como argumento de defesa, é a impossibilidade de a autoridade policial requerer aos órgãos de controle de atividades financeiras, como Receita Federal e Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf (Unidade de Inteligência Financeira – UIF), informações a respeito de pessoas sob investigação.
Tal alegação, todavia, esbarra na jurisprudência pátria.
O Superior Tribunal de Justiça, a partir de interpretação do Tema 990, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, entendeu pela possibilidade de a autoridade policial solicitar, no bojo de investigação formalmente instaurada, diretamente ao COAF, o envio dos relatórios de inteligência financeira, a fim de subsidiar a apuração da prática do crime de lavagem de dinheiro, como no caso.
Confira-se: PENAL E PROCESSO PENAL.
LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º, § 2º, I, DA LEI N. 9.613/1998).
RELATÓRIO DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA DO COAF.
OBSERVÂNCIA DO DECIDIDO PELO STF NO RE N. 1.055.941/SP.
TEMA N. 990/RG.
RELATÓRIOS SOLICITADOS PELA AUTORIDADE POLICIAL DIRETAMENTE AO COAF SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.
POSSIBILIDADE.
RECURSO DESPROVIDO. 1.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 1.055.941/SP, em âmbito de repercussão geral, fixou as seguintes teses: "1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil - em que se define o lançamento do tributo - com os órgãos de persecução penal para fins criminais sem prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional; 2.
O compartilhamento pela UIF e pela RFB referido no item anterior deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios." 2.
Posteriormente, ao julgar a Reclamação n. 61.944/PA, assinalou que, "pela análise do inteiro teor do acórdão do RE 1.055.491/SP, que originou o verbete do Tema 990/RG, percebe-se claramente que este Supremo Tribunal Federal declarou constitucional o compartilhamento de dados entre o Coaf e as autoridades de persecução penal, sem necessidade de prévia autorização judicial, também em casos em que o relatório tenha sido solicitado pela autoridade". 3.
No presente caso, a autoridade policial solicitou, no bojo de investigação formalmente instaurada, diretamente ao COAF, o envio dos relatórios de inteligência financeira, a fim de subsidiar a apuração da prática do crime de lavagem de dinheiro.
E, segundo entendimento firmado pelo STF, mesmo sem a existência de autorização judicial, tal prática revela-se legítima. 4.
Recurso em habeas corpus desprovido. (RHC n. 147.707/PA, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 7/5/2024, DJe de 14/5/2024 — grifo nosso).
Descabe falar, ainda, em ausência de formalidade no pedido de informações à Receita Federal.
O Delegado de Polícia, após investigação preliminar, determinou, no despacho constante do ID 401221730, fl. 21, que fosse solicitada a RIF, a fim de verificar se há indícios de lavagem envolvendo a compra e venda de ouro.
O documento juntado aos autos, ID 401221730, fl. 26-57, deixa claro que: 1.
As comunicações de operações financeiras de que trata a Lei nº 9.613/98 disponíveis neste relatório, bem como em seus anexos, referem-se aos alvos do Procedimento nº 2020.0042129, e restringem-se ao período informado no SEI-C nº 72839. 2.
As comunicações detalhadas no anexo.pdf deste relatório são aquelas em que os alvos do SEI-C nº 72839 estão relacionados como titulares, as demais comunicações de operações financeiras, cujo envolvimento das pessoas mencionadas é diferente de titular, encontram-se detalhadas nas planilhas.CSV anexas.
Consta, ainda, em rodapé, o seguinte carimbo: Este relatório de inteligência financeira é sigiloso.
Constitui crime divulgar seu teor à margem das hipóteses legais. (LC 105, de 2001, art. 10 e Código Penal, arts. 153, § 1º-A, 154 e 325).
COAF >>> DPF/RR >>> 54750.2.8700.9412 >>> 62918 RIF 54750.2.8700.9412 em 20/10/2020 às 16:38:38 — grifo nosso.
Logo, verifica-se, que o procedimento se reveste de formalidades legais.
No tocante ao pedido de trancamento do inquérito policial, pela via do Habeas Corpus, sabe-se que tal somente é admissível quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que, conforme se demonstrará, não é o caso dos autos.
A respeito, cito os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS.
PROCESSO PENAL.
FURTO SIMPLES.
TRANCAMENTO.
INSIGNIFICÂNCIA.
SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA MATÉRIA.
VALOR DA RES.
REITERAÇÃO DELITIVA.
RECURSO DESPROVIDO. 1.
Os temas suscitados no remédio constitucional - aplicação do princípio da insignificância e o consequente trancamento da ação penal - não foram debatidos pelas instâncias estaduais.
Assim, fica impossibilitada a manifestação deste Sodalício, sobrepujando a competência da Corte estadual, sob pena de configuração do chamado habeas corpus per saltum, a ensejar verdadeira supressão de instância e violação aos princípios do duplo grau de jurisdição e do devido processo legal substancial. 2.
Ademais, destaca-se que o "trancamento de inquérito policial ou de ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito" (RHC n. 70.596/MS, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 1º/9/2016, DJe de 9/9/2016). 3.
Nessa toada, conforme devidamente destacado na peça acusatória, revela-se prematuro o trancamento da ação penal pela incidência do princípio da insignificância, uma vez que o valor dos bens subtraídos - R$ 396,00 (trezentos e noventa e seis reais) - supera o valor equivalente aos 10% do salário mínimo aceitos pela jurisprudência desta Corte Superior, o que evidencia a expressividade da lesão jurídica, ainda que os bens tenham sido restituídos. 4.
Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 880.245/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 29/4/2024, DJe de 3/5/2024 — grifo nosso).
PROCESSUAL PENAL.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS.
TRÁFICO DE DROGAS.
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE.
INOCORRÊNCIA.
NULIDADE.
BUSCA PESSOAL.
TRANCAMENTO.
INVIABILIDADE.
CONTROVÉRSIA A SER DIRIMIDA NO ÂMBITO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A "decisão monocrática proferida por Relator não afronta o princípio da colegialidade e tampouco configura cerceamento de defesa, ainda que não viabilizada a sustentação oral das teses apresentadas, sendo certo que a possibilidade de interposição de agravo regimental contra a respectiva decisão [...] permite que a matéria seja apreciada pela Turma, o que afasta absolutamente o vício suscitado pelo agravante" (AgRg no HC 485.393/SC, Rel.
Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 28/3/2019). 2.
Está consolidado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o trancamento de ação penal, inquérito policial ou procedimento investigativo por meio do habeas corpus é medida excepcional.
Por isso, será cabível somente quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito. 3.
O trancamento da ação penal, com base no reconhecimento da nulidade pela busca pessoal, por esta Corte, subtrairia da ação penal, em última análise, a materialidade do crime, por reconhecer que as provas foram colhidas em desrespeito à Constituição.
Nesse particular, deve-se reservar tal providência apenas aos casos de inequívoca e irrefutável demonstração, sob pena de usurpação da competência própria das instâncias ordinárias, soberanas que são na análise da prova processual, cujo teor, inclusive, não se revisa pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal. 4.
Conclui-se, pois, pela impossibilidade de exame, no caso e por ora, da alegada nulidade pela busca pessoal, com vistas ao trancamento da ação penal, pois controversa a alegação ora formulada, haja vista que a atuação policial teria se dado nos estritos limites legais autorizadores da busca pessoal, sendo necessário que as instâncias ordinárias, à luz do contraditório, delineiem o quadro fático sobre o qual se aponta a nulidade, tanto em sentença quanto em acórdão de apelação, a fim de que esta Corte, no momento oportuno, sobre ele se manifeste. 5.
Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 876.215/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 22/4/2024, DJe de 25/4/2024 — grifo nosso).
O juízo a quo, trouxe, na decisão impugnada, os fatos que ensejaram o início das investigações (ID 401221735).
Cito: "(...) De acordo com o Ofício nº 47/2020/DELEMAPH/DRCOR/ SR/PF/RR, no dia 12/04/2020 foi recebida uma denúncia anônima informando que "uma pessoa de nome WEBER compra ouro de garimpeiros.
WEBER é proprietário da loja de materiais de construção GASLETTI, situada na rua Izidio Galdino da Silva, n° 971, bairro Senador Hélio Campos, (antiga rua N21).
WEBER compra ouro e guarda em um escritório nos fundos desta loja e tem uma picape Fiat Touro" (ID 388624401, p. 5).
Requeridas diligências para apurar a verossimilhança da denúncia anônima recebida, o Delegado despachou nos autos aduzindo que “A informação policial produzida pode confirmar que no local indicado existe a citada loja de materiais de construção e que um de seus sócios se chama EBERSON RODRIGO GASSNER - CPF *89.***.*89-49 (possivelmente WEBER citado na denúncia).
Verificou-se também a existência de um fiat touro perto da loja.
Todavia, não foi possível identificar a compra e venda de ouro através de vigilância.
Porém, cabe destacar que o comércio de ouro como envolve pequenas peças, dificilmente será flagrado por técnicas convencionais de polícia judiciária.
Caso haja comércio de ouro no local, possivelmente a loja é utilizada para lavar o dinheiro do comércio ilegal de ouro, dessa forma, sugere-se a instauração de IPL e solicitação de RIF, a fim de verificar se há indícios de lavagem envolvendo a compra e venda de ouro” (grifos nossos) (ID 388624401, pp. 11-15).
No dia 16 de outubro de 2020 foi instaurado o Inquérito Policial n° 2020.0042129 (ID 388624401 - pp. 1-2) e trazido o RIF aos autos.
Houve representação por medida cautelar de afastamento de sigilo bancário e fiscal (ID 1525148470, p. 20-26).
A representação foi deferida pelo nobre magistrado de primeiro grau (ID 1525148470, p. 85-98).
A Polícia Federal elaborou o Relatório de Análise Bancária e Fiscal e trouxe aos autos do inquérito (ID 1525148470, p. 100 - ID 1525148472, p. 34 e p. 52-63).
Houve representação por Busca e Apreensão, Suspensão da Atividade Econômica e Sequestro de Ativos Financeiros (PBACrim 1007859-26.2022.4.01.4200 e ID 1525148472, p. 65-81 destes autos).
Em decisão, o magistrado deferiu o pedido de busca e apreensão e do compartilhamento dos elementos informativos com a Receita Federal (ID 1525148474 pp. 51-88) Os Mandados de Busca e Apreensão foram executados (ID 1525148474, p. 93 - 1525148477, p. 20).
Entendendo que a atribuição da polícia já havia se encerrado, o Delegado de Polícia Federal apresentou o Relatório da investigação (ID 1525021902 e 1525148477, fl. 41 - 1525148478).
O Ministério Público requereu a prorrogação das investigações por mais 120 dias para que as diligências pendentes fossem trazidas aos autos (ID 1537958908).
Por conta disso, as investigações ainda não se encerraram.
Adiante, citou o Relatório do Inquérito Policial nº 1005902-58.2020.4.01.4200, elaborado pelo Delegado da Superintendência Regional em Mato Grosso, antes do declínio de atribuição à Polícia Federal em Roraima (ID 401221735).
Cito: (...) A materialidade e autoria dos ilícitos tipificados no Art. 2°, §1°, da lei 8.176/91 e Art. 1°, CAPUT, da lei 9.613/98 está presente em: - Análise bancária que demonstra o recebimento de expressivos valores, por meio de transferências bancárias, para as contas bancárias de EBERSON RODRIGO GASSNER (*89.***.*89-49), GLEIQ MARCAL NICOMEDES (*86.***.*72-72) e GASSNETTI MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LTDA ME (19.287.867/0001- 06), dinheiro proveniente de empresas ligadas ao ramo de mineração; - Na tentativa de dissimular a origem desse dinheiro, ele era movimentado por meio das constas da pessoa jurídica, misturado a valores aparentemente lícitos, provenientes da atividade empresarial; - No fracionamento das retiradas, técnica usada pelos investigados, aparentemente, para não chamar a atenção dos órgãos financeiros de controle.
A materialidade e autoria do ilícito tipificado no Art. 347, PARAGRAFO ÚNICO, do CPB, está consubstanciada na destruição e ocultação do aparelho celular.
O sr.
Eberson ao perceber a presença da Polícia Federal destruiu seu aparelho celular e o ocultou dentro de um armário, com a finalidade de produzir efeito em eventual processo penal.
O montante recebido não foi justificado pelo sr.
EBERSON RODRIGO GASSNER, que em seu depoimento se limitou a dizer que não se lembrava da maioria das transferências recebidas, valores expressivos provenientes de empresas ligadas à exploração de minério.
Para esta investigação, também é frágil a justificativa dada por ele para o fracionamento realizado na retirada de dinheiro de suas contas, ele justificou a conduta dizendo que os saques/transferências, ou pagamentos de boletos, eram feitos à medida que havia necessidade.
No que diz respeito a relação entre EBERSON RODRIGO GASSNER (*89.***.*89-49) e GLEIQ MARCAL NICOMEDES (*86.***.*72-72), aquele diz que teria remetido dinheiro para Gleiq, mais de três milhões de reais, apenas porque teria comprado veículos dele.
Ocorre que na casa de Eberson foram encontrados documentos, dentre eles procurações e contratos, que demonstram vínculo entre os dois, fls. 520 a 540.
Dos documentos infere-se que eles estariam, inclusive, promovendo compra e venda de imóveis em Boa Vista/RR, com utilização de pessoas que podem ser laranjas.
Mais um indício de que eles, com intenção de distanciar a origem do dinheiro dos atos ilícitos, estariam adquirindo imóveis, provavelmente, em nome de terceiros.
A investigação demonstra que no período de 01/12/2017 a 27/01/2022, eles teriam recebido em suas contas pessoais e da pessoa jurídica, sem justificativa, valor que somado supera R$ 107.000.000,00 (cento e sete milhões de reais).
Nesse ponto a oitiva de EBERSON RODRIGO GASSNER foi importante tendo em vista que ele se limita a dizer que não se recorda de ter recebido diversas transferências de dinheiro de empresas ligadas a mineração.
Ele também não consegue explicar o motivo de ter realizado diversos saques de dinheiro, alguns deles, em regra, ocorridos no mesmo dia, com valores abaixo de R$50.000,00.
Importa mencionar que, quando da chegada da Polícia Federal ao endereço de EBERSON RODRIGO GASSNER, ele destruiu seu aparelho celular, fato que demonstra sua intenção em destruir provas que o pudessem incriminar.
Com relação a GLEIQ MARCAL NICOMEDES (*86.***.*72-72), ele não foi encontrado no endereço no dia do cumprimento do Mandado de Busca e Apreensão.
Feita nova diligência objetivando intimá-lo, não se logrou êxito em localizá-lo.
Ele também não se apresentou à Polícia Federal para fornecer sua versão a respeito dos fatos, presumindo-se que tem interesse de permanecer em silêncio. (id 1652422970, p. 123/125 - grifei) Verifica-se, portanto, que os fatos indicam a possibilidade de práticas criminosas – comércio ilegal de ouro – e sua autoria.
Do relatório, colhem-se, entre outros, os seguintes fatos: recebimento de valores expressivos provenientes de empresas de mineração pelo recorrente Eberson Rodrigo Gassner e sua empresa, Gassnetti Materiais de Construção Ltda ME; fracionamento de retiradas de dinheiro vivo, em valores de R$ 50.000,00, alguns saques em um mesmo dia; destruição, por Eberson, de seu aparelho celular, e sua ocultação, quando percebeu a presença da Polícia Federal no recinto para cumprir decisão judicial; falta de justificativa para os montantes financeiros recebidos – remessa de R$ 3.000.000,00 para terceiro – sem justificativa aparente, e, ainda, a movimentação de quantia superior a R$ 107.000.000,00 (cento e sete milhões de reais), no período de 01/12/2017 a 27/01/2022.
Tais fatos, apontados no relatório da Polícia Federal são relevantes sob o ponto de vista penal, e merecem ser elucidados, para se concluir, ou não, pela prática do crime previsto no art. 2°, §1°, da Lei 8.176/1991: Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpacão, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.
Pena: detenção, de um a cinco anos e multa. § 1° Incorre na mesma pena aquele que, sem autorização legal, adquirir, transportar, industrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima, obtidos na forma prevista no caput deste artigo.
E, também, do crime previsto no art. 1°, caput, da Lei 9.613/1998: Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
No tocante à possibilidade de a ação da autoridade policial vir a caracterizar abuso de autoridade (art. 25 da Lei 13.869/2019), o recorrente também não traz nenhuma evidência, a não ser a mera insurgência, que, na verdade, incorre, nas suas alegações, sobre todo o procedimento investigativo, que busca, sem fundamentos idôneos, abortar.
Assim, contrariamente ao alegado, não há justificativa para o trancamento do inquérito policial, porque não demonstradas, de plano, atipicidade da conduta, ausência de indícios mínimos de autoria ou a presença de causa extintiva da punibilidade.
Ademais, não se pode acolher a tese defensiva de ausência de justa causa para instauração do inquérito policial, pois tal análise demandaria o aprofundado reexame do conjunto probatório, providência vedada em sede de habeas corpus, procedimento de cognição sumária e rito célere.
Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
ARTIGO 89 DA LEI N. 8.666/1993.
ARTIGO 337-E DO CÓDIGO PENAL.
CONTINUIDADE NORMATICO-TÍPICA.
DESCRIÇÃO ADEQUADA DA CONDUTA NO ACUSADO.
INICIAL ACUSATÓRIA APTA.
PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO.
RÉU SE DEFENDE DOS FATOS E NÃO DA CAPITUAÇÃO LEGAL.
DOLO ESPECÍFICO.
DESCRIÇÃO ADEQUADA.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal, inquérito policial ou procedimento investigativo por meio do habeas corpus é medida excepcional.
Por isso, será cabível somente quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito. 2.
A nova lei não descriminalizou a conduta descrita no art. 89 da Lei n. 8.666/1993, e o cotejo do art. 337-E do Código Penal com o art. 89 da Lei 8.666/1993 evidencia uma continuidade normativo-típica, já que o caráter criminoso do fato foi mantido. 3.
No caso, a denúncia imputa ao recorrente a prática do delito descrito no art. 89, caput, da Lei n. 8.666/1993, c.c. o art. 29, caput, do Código Penal.
Os verbos incriminadores do novo art. 337-E do Código Penal são: admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei.
A conduta imputada ao recorrente na exordial acusatória se enquadra no tipo penal em análise, na medida em que foi descrito que ele concorreu para a dispensa indevida de licitação. 4. É assente o entendimento nesta Corte no sentido de que, segundo o princípio da correlação entre denúncia e sentença, o réu se defende dos fatos e não da capitulação jurídica indicada na inicial acusatória, não havendo que se falar em cerceamento de defesa nesse ponto. 5.
Verifica-se dos autos a existência de descrição exaustiva e pormenorizada da atuação do agravante, sugestiva da prática do crime previsto no art. 89, caput, da Lei n. 8.666/1993, com todas as suas elementares, deixando entrever o dolo específico de causar dano ao Erário, bem como o efetivo prejuízo causado à Administração Pública, pois a alegada situação emergencial invocada para autorizar a dispensa de licitação não restou caracterizada, uma vez que a aquisição de equipamentos de informática "servidor de rede" e software configura situação rotineira e previsível.
Dentro desse contexto, a exordial atende aos requisitos necessários para a deflagração da ação penal. 6. "Na linha dos precedentes desta Corte, não é necessário que a denúncia apresente detalhes minuciosos acerca da conduta supostamente perpetrada, pois diversos pormenores do delito somente serão esclarecidos durante a instrução processual, momento apropriado para a análise aprofundada dos fatos narrados pelo titular da ação penal pública." (AgRg no AREsp n. 1.831.811/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 22/6/2021, DJe de 29/6/2021). 7.
O reconhecimento da ausência de justa causa e atipicidade da conduta é providência inviável na via estreita do writ, por exigir profundo exame do contexto probatório dos autos.
Referida tarefa é reservada ao Juízo processante que, no decorrer da instrução processual, analisará as teses suscitadas pela defesa. 8.
Hipótese em que o trancamento da ação penal com relação ao corréu Marcelo Ornelas Fragoso se deu "unicamente em razão da opinião manifestada em seu parecer de fls. 92/93 dos autos originais, sem que exista qualquer outro indício de que ele estivesse agindo em coautoria com os demais acusados". (e-STJ, fl. 1271).
Segundo o acórdão, ele "sequer participou de todo o procedimento licitatório, uma vez que assumiu o cargo de assessor jurídico durante a realização do ato administrativo, revelando que não concorreu para a solicitação do pedido de dispensa indevida de licitação." (e-STJ, fl. 1271).
Tal situação é de ordem estritamente pessoal e não tem o condão de atingir a situação do ora recorrente, contra o qual, ainda nos termos do acórdão, "subsiste justa causa para o recebimento da denúncia" (e-STJ, fl. 1270). 9.
Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC n. 186.866/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 28/2/2024 — grifo nosso.
Deve-se ter presente, ainda, que o inquérito policial destina-se a colher elementos de convicção a fim de subsidiar futura persecução criminal, sendo certo que a documentação nele reunida será objeto de análise pelo titular da ação penal, que poderá ou não deflagrá-la, só se podendo obstar o curso das investigações quando não houver prova da existência de crime ou sequer indícios da participação do acusado no evento criminoso noticiado, ou, ainda, quando se estiver diante de flagrante causa de exclusão da ilicitude ou da tipicidade, ou se encontrar extinta a punibilidade, o que não restou demonstrado nos autos.
E, como visto, o inquérito policial se faz acompanhar de elementos mínimos de prova, e nada justifica, neste momento, seu trancamento.
Como dito, ademais, o Habeas Corpus de que se origina este recurso em sentido estrito não é o instrumento adequado à discussão aprofundada a respeito de provas e fatos, por ser instrumento de cognição limitada, sua utilização é reservada para casos de demonstração cabal, de plano, da ilegalidade.
Assim, não é meio adequado para valorar os elementos probatórios até então colacionados, e perquirir se há, ou não, indícios suficientes da prática de crime pelo paciente ou pela empresa que representa.
Com efeito, para debate dessa natureza reserva-se ao investigado o processo criminal, ocasião em que as partes podem produzir as provas que melhor entenderem para alicerçar seus respectivos interesses, além daquelas que podem ser produzidas pelo Juiz da causa.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito. É como voto.
Desembargador Federal NÉVITON GUEDES Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 09 - DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 1004470-96.2023.4.01.4200 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004470-96.2023.4.01.4200 CLASSE: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) POLO ATIVO: EBERSON RODRIGO GASSNER REPRESENTANTES POLO ATIVO: DANIEL PULCHERIO FENSTERSEIFER - RS68593-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) E M E N T A PENAL.
PROCESSUAL PENAL.
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CONTRA SENTENÇA PROLATADA EM SEDE DE HABEAS CORPUS.
ART. 581, X, DO CPP.
ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA NA ORIGEM.
TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL.
MEDIDA EXCEPCIONAL.
SUPOSTA PRÁTICA DOS DELITOS TIPIFICADOS NO ART. 2°, §1°, DA LEI 8.176/1991, E ART. 1°, CAPUT, DA LEI 9.613/1998.
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO NÃO PROVIDO. 1.
Recurso em sentido estrito interposto contra sentença, que, nos autos de Habeas Corpus, não conheceu da impetração em favor da pessoa jurídica, dada a impossibilidade de sofrer restrições no seu direito de ir e vir, e denegou a ordem quanto à pessoa física. 2.
Os recorrentes impetram Habeas Corpus contra ato atribuído ao Delegado de Polícia Federal da Superintendência Regional de Roraima, objetivando, liminarmente, o trancamento do inquérito policial autuado sob o nº 1005902-58.2020.4.01.4200. 3.
Não cabe a impetração de Habeas Corpus em favor da pessoa jurídica, pelo simples fato de que não pode ser ela retringida na sua liberdade de ir e vir, objeto que a medida visa a proteger.
Precedente do STF: HC 88747 AgR, Relator Min.
Carlos Britto, DJe de 29-10-2009; e deste Tribunal: HC 1033384-68.2020.4.01.0000, relatora Desembargadora Federal Monica Sifuentes, Terceira Turma, PJe de 17/03/2023. 4.
A aptidão da denúncia anônima em dar início a investigações policiais, e até mesmo à instauração de inquérito policial, é reconhecida pela jurisprudência deste Tribunal, contando que a autoridade policial diligencie no sentido de obter mais informações sobre os fatos, como ocorreu no caso.
Precedentes: ACR 1004901-92.2020.4.01.3600, Desembargador Federal Ney Bello, Terceira Turma, PJe 04/04/2024; e ACR 0006186-40.2016.4.01.3904, relatora Desembargadora Federal Monica Sifuentes, Terceira Turma, E-DJF1 de 05/03/2021. 5.
Não há óbice a que a autoridade policial, a partir da denúncia anônima, sobre a qual promoveu investigações que ensejaram a instauração de inquérito policial, aprofunde a apuração com a solicitação, à Receita Federal, de informações financeiras sobre os investigados.
Tal proceder não constitui desvirtuamento da investigação, mas continuidade delas. 6.
O Superior Tribunal de Justiça, a partir de interpretação do Tema 990, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, entendeu pela possibilidade de a autoridade policial solicitar, no bojo de investigação formalmente instaurada, diretamente ao COAF o à Receita Federal, o envio dos relatórios de inteligência financeira, a fim de subsidiar a apuração da prática do crime de lavagem de dinheiro.
Precedente: RHC n. 147.707/PA, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe de 14/05/2024. 7.
O trancamento de ação penal ou inquérito, pela via do Habeas Corpus, somente é admissível quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que, não é o caso dos autos. 8.
O Habeas Corpus, de que origina este recurso em sentido estrito, não é o instrumento adequado à discussão aprofundada a respeito de provas e fatos, por ser instrumento de cognição limitada, sua utilização é reservada para casos de demonstração cabal, de plano, da ilegalidade.
Assim, não é meio adequado para valorar os elementos probatórios até então colacionados, e perquirir se há, ou não, indícios suficientes da prática de crime pelo paciente ou pela empresa que representa. 9.
Recurso em sentido estrito a que se nega provimento.
A C Ó R D Ã O Decide a Terceira Turma do TRF da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do voto do Relator.
Brasília-DF, 10 de junho de 2024.
Desembargador Federal NÉVITON GUEDES Relator -
08/05/2024 00:00
Intimação
Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 1ª Região , 7 de maio de 2024.
Intimação da Pauta de Julgamentos Destinatário: Ministério Público Federal (Procuradoria) RECORRENTE: EBERSON RODRIGO GASSNER Advogado do(a) RECORRENTE: DANIEL PULCHERIO FENSTERSEIFER - RS68593-A RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA) O processo nº 1004470-96.2023.4.01.4200 (RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426)) foi incluído na sessão de julgamento abaixo indicada, podendo, entretanto, nesta ou nas subsequentes, serem julgados os processos adiados ou remanescentes.
Sessão de Julgamento Data: 28-05-2024 a 10-06-2024 Horário: 09:00 Local: Sala virtual (Resolução 10118537) - Observação: Informamos que a sessão virtual terá duração de 9 (nove) dias úteis, com início no dia 28/05/2024, às 9h, e encerramento no dia 10/06/2024, às 23h59.
A sessão virtual de julgamento no PJe, instituída pela Resolução Presi - 10118537, regulamenta a atuação dos advogados da seguinte forma: Art. 6º A sessão virtual terá o prazo de duração definido pelo presidente do órgão julgador, quando da publicação da pauta de julgamento, com duração mínima de 03 (três) dias úteis e máxima de 10 (dez) dias úteis. §1º A sustentação pelo advogado, na sessão virtual no PJe, quando solicitada e cabível, deverá ser apresentada via e-mail, à coordenadoria processante, em até 48 (quarenta e oito) horas da data de início da sessão virtual, por qualquer mídia suportada pelo PJe, cuja duração não poderá ultrapassar o prazo regimental.
Art. 7º Será excluído da sessão virtual, a qualquer tempo, enquanto não encerrada, o processo destacado a pedido de qualquer membro do colegiado, para julgamento em sessão presencial ou presencial com suporte de vídeo.
Parágrafo único - As solicitações formuladas por qualquer das partes ou pelo Ministério Público Federal - MPF de retirada de pauta da sessão virtual e inclusão em sessão presencial ou sessão presencial com suporte de vídeo, para fins de sustentação oral, deverão ser apresentadas, via e-mail, à coordenadoria processante, até 48 (quarenta e oito) horas (dois dias úteis) antes do dia do início da sessão virtual.
E-mail da Terceira Turma: [email protected] -
01/03/2024 13:15
Recebidos os autos
-
01/03/2024 13:15
Recebido pelo Distribuidor
-
01/03/2024 13:15
Juntada de Certidão
-
01/03/2024 13:15
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
01/03/2024
Ultima Atualização
25/06/2024
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
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