TRF1 - 1000429-88.2024.4.01.3606
1ª instância - Juina
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
27/05/2024 00:00
Intimação
EXCELENTÍSSIMO JUÍZO DA 1ª VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE JUÍNA/MATO GROSSO.
Numeração Única: 1000429-88.2024.4.01.3606 Requerentes: Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União Requeridos: Estado de Mato Grosso e Outros O ESTADO DE MATO GROSSO, pessoa jurídica de direito público interno, já qualificado nos autos do processo em epígrafe, por intermédio do procurador do Estado que esta subscreve, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência apresentar CONTESTAÇÃO aos pedidos formulados nesta Ação Civil Pública, baseado nos seguintes substratos fáticos e jurídicos: 1 – SÍNTESE DA DEMANDA Trata-se de Ação Civil Pública com pedido de liminar para suspender o processo de licenciamento da Usina Hidrelétrica ARN-120 (“UHE Castanheira), na qual se sustenta suposta ausência de competência administrativa do órgão licenciador estadual (Secretaria do Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso), a qual seria do órgão ambiental federal (IBAMA).
Aduz o Parquet federal que fora instaurado o Inquérito Civil Público nº 1.20.004.000101/2023-05-MPF, cujo objeto era “Investigar possíveis irregularidades no processo de licenciamento da Usina Hidrelétrica Castanheira no Rio Arinos em Mato Grosso, bem como a extensão dos impactos ambientais cumulativos do empreendimento”.
Assim, defende que o empreendimento planejado para a Bacia do Rio Juruena afetará severamente o meio ambiente ecologicamente equilibrado e, por consequência, impactará a sobrevivência digna dos povos indígenas, em especial os Rikbaktsa, Munduruku, Kayabi, Apiaká e Tapayuna, o que, em seu entender, atrairia a competência de licenciamento para o IBAMA.
Sustenta ainda que sem análise adequada dos efeitos cumulativos e sinérgicos pelo ente competente, obscurece-se a compreensão dos reais impactos sobre os povos indígenas da região e, em última análise, a própria conclusão acerca da viabilidade ambiental do empreendimento., o que também atrairia a competência do IBAMA para o respectivo licenciamento.
Dessa forma, pugna, ao final, pela procedência dos pedidos para que seja declarada a atribuição do IBAMA para o licenciamento ambiental da UHE ARN-120 (Castanheira) e, subsidiariamente, caso não seja acolhido o pedido principal, que durante todo o procedimento de licenciamento, seja ele conduzido pelo IBAMA ou pela SEMA-MT, sejam rigorosamente observados e avaliados todos os impactos sinérgicos decorrentes do empreendimento, em especial os efeitos que possam afetar as populações indígenas.
São os fatos que cumpria registrar.
A despeito da argumentação da parte autora, não merece prosperar sua pretensão. 2.
DAS RAZÕES PARA O JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS FORMULADOS NA PETIÇÃO INICIAL 2.1 – DA COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO ESTADUAL PARA O LICENCIAMENTO.
OBRA QUE NÃO EXPÕE HIPÓTESE DE EFEITOS DIRETOS SOBRE TERRAS INDÍGENAS.
ART. 8º, INCISO XIV, DA LC N. 140/2011.
A despeito da argumentação da parte autora, verifica-se que não há circunstância ou fator que acarrete a competência do órgão ambiental federal para o licenciamento do empreendimento em questão.
Em reforço a essa orientação, cumpre assinalar que a Lei Complementar nº 140/2011 fixa a competência administrativa dos entes federativos em matéria ambiental, inclusive em questão de licenciamento.
Como se sabe, coube aos estados membros a competência para promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvadas as competências fixadas pela mesma norma para a União e para os municípios: Art. 8o São ações administrativas dos Estados: XIV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7o e 9o; Como se vê, a competência dos estados membros tal qual prevista na norma é residual.
Em outras palavras, cabe ao Estado promover o licenciamento dos empreendimentos e atividades cuja competência para promove-la não é prevista expressamente pela lei como sendo da União ou dos municípios.
Conforme essa orientação, cumpre analisar as circunstâncias trazidas na exordial.
No que toca a eventual impacto em terra indígena, é de se destacar que a matéria foi recentemente regulada pelo artigo 7º, inciso XIV, alínea “c”, da LC n. 140/2011, que não prevê para a hipótese trazida aos autos, a iniciativa de licenciamento da autarquia federal, visto que, expressamente, confere a competência expressa ao IBAMA de “promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades localizados ou desenvolvidos em terras indígenas”.
A propósito, mencionado dispositivo, assim prevê: “Art. 7º São ações administrativas da União: XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas;” Tratando-se de competência remanescente do Estado-Membro, não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal, visto que não há lacuna a ser preenchida, já que as competências materiais se encontram devidamente expressas na legislação mencionada.
Sobre o tema é a orientação deste Tribunal Regional Federal: “DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL.
USINA HIDRELÉTRICA.
LICENCIAMENTO.
COMPETÊNCIA, EM REGRA, DE ENTIDADE ESTADUAL.
CONSTRUÇÃO FORA DE TERRA INDÍGENA E IMPACTOS REGIONAIS APENAS INDIRETOS.
COMPETÊNCIA FEDERAL TAXATIVAMENTE PREVISTA EM LEI E EM RESOLUÇÃO DO CONAMA.
AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE JUSTIFIQUEM COMPETÊNCIA DO IBAMA.
SENTENÇA.
ANULAÇÃO DO PROCESSO DE LICENCIAMENTO POR INCOMPETÊNCIA DA ENTIDADE ESTADUAL (FEMA/MT).
REFORMA. 1.
A ação civil pública foi proposta com a finalidade de afastar, por alegada incompetência, a Fundação Estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso - FEMA/MT do processo de licenciamento ambiental e, em conseqüência, levar para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, que seria a entidade competente, esse licenciamento.
O pedido, tal como feito, envolve, portanto, questão de interesse da referida autarquia, daí o litisconsórcio necessário, independentemente do final reconhecimento da competência federal.
Para a caracterização do litisconsórcio necessário, basta a possibilidade, em tese, da competência administrativa federal ser finalmente reconhecida. 2.
A competência administrativa - da FEMA/MT ou do IBAMA - é o mérito da causa.
Dito de outra forma, o IBAMA, em caso dessa espécie, será litisconsorte necessário, seja para efeito de negar sua competência, caso em que - como inicialmente procedeu - colocar-se-á ao lado da entidade estadual e contra o pedido do Ministério Público, seja para efeito de admitir sua competência, hipótese em que estará reconhecendo a procedência do pedido do autor e, em conseqüência, refutando a pretensão da entidade estadual. 3.
A legitimidade do IBAMA se confunde com o mérito.
Aliás, é o próprio mérito da causa, razão pela qual se rejeita a preliminar em que se pretende sua exclusão do processo e conseqüente declaração de incompetência da Justiça Federal. 4.
Em face do pedido e da causa de pedir, a que se ateve a sentença, as provas constantes dos autos são suficientes.
O indeferimento de outras provas requeridas pelas partes não implicou cerceamento de defesa.
Aplicação,
por outro lado, do disposto no art. 249, § 2º, do Código de Processo Civil.
Rejeitada, também, esta preliminar de anulação do processo. 5.
Só "o custo da obra é estimado em R$ 70.000.000,00 (setenta milhões de reais)".
O valor da causa - no caso, de R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) - deve corresponder, ainda que por estimativa, a seu conteúdo econômico.
Por isso, improvido o Agravo de instrumento interposto de decisão em que foi rejeitada impugnação ao valor da causa. 6.
Estabelece o art. 10 da Lei n. 6.938/81: "A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis".
O § 4º prevê: "Compete ao Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA o licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional". 7.
Por sua vez, dispõe o art. 4º da Resolução CONAMA n. 237/97: "Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental a que se refere o artigo 10 da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber: I - localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas (grifei) ou em unidades de conservação do domínio da União; II - localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados (grifei); III - cujos impactos ambientais diretos (grifei) ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados; ...". 8.
A PCH Paranatinga II não está projetada em rio da União (o que, aliás, não seria determinante de competência do IBAMA para o licenciamento) e nem em terras indígenas.
Apenas encontra-se a relativa distância de terras indígenas ("33,81 km da Terra dos Parabubure, 62,52 km da Marechal Rondon e 94,12 km do Parque Nacional do Xingu").
Também está evidenciado que o impacto ambiental em outro Estado é apenas indireto.
A pouca potencialidade para atingir gravemente, mesmo de forma indireta, terras indígenas, uma região inteira ou outro Estado-membro pode ser deduzida, além disso, do tamanho do lago (336,8 ha), área à qual foram reduzidos os 1.290 ha inicialmente previstos, questão esta não apreciada na sentença. 9.
Algum impacto a construção da usina trará à bacia do Rio Xingu e a terras indígenas, mas esses impactos são indiretos, não afastando a competência da entidade estadual para o licenciamento.
O impacto regional, para justificar competência do IBAMA, deve subsumir-se na especificação do art. 4º da Resolução n. 237/97, ou seja, deve ser direto; semelhantemente, justifica-se a competência do IBAMA quando o empreendimento esteja sendo desenvolvido em terras indígenas, não o que possa refletir sobre terras indígenas.
O próprio juiz diz que há "prova irrefutável de que o empreendimento questionado nesta lide trará conseqüências ambientais e sociais para os povos e terras indígenas que lhe são próximos" (grifei). 10.
Não foge desse critério a Constituição, no art. 231, § 3º, quando prevê que "o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas (grifei) só poderão ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficandolhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei". 11.
Na Constituição, as competências materiais da União vêm expressas (enumeradas), ficando para os Estados-membros e Distrito Federal as competências remanescentes.
Significa dizer que, em regra (por exclusão das competências da União, taxativamente previstas), as competências são dos Estados-membros.
Assim na Constituição, o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais.
Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal. 12.
Fatos supervenientes à propositura da ação devem ser considerados na sentença, regra que, sem prejuízo da ampla defesa, alcança o julgamento de recurso pelo Tribunal.
Mas o início da demarcação de outra terra indígena, com a possibilidade de esta alcançar a área em que construída a usina, não é fato suficiente para influenciar no julgamento do recurso.
Até o momento, a causa de pedir - cuja alteração, aliás, está excluída da referida regra - é o fato de a usina encontrar-se próxima a terra indígena. 13.
Providas as apelações da empresa-ré e do Estado de Mato Grosso, bem como a remessa oficial (tida por interposta).
Prejudicada a apelação do IBAMA e o agravo contra o respectivo recebimento. 14. À inteligência do art. 18 da Lei n. 7.347/85, ausente litigância de má-fé, não há condenação ao pagamento de honorários advocatícios. (AC 200536000002672, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:26/08/2011 PAGINA:153.) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.
CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICAS.
RIO MADEIRA.
LICENÇA PRÉVIA.
CONCESSÃO.
DANO AMBIENTAL.
NÃO EXISTÊNCIA.
LINHAS DE TRANSMISSÃO.
OBRA DISTINTA. 1.
A separação dos procedimentos de licenciamento ambiental para construção de usina hidroelétricas na Bacia do Rio Madeira e de suas respectivas linhas de transmissão atende às exigências da Resolução 1/86 do CONAMA, que reconhece as referidas obras como empreendimentos distintos. 2.
Não se cuidando de aproveitamento hidrelétrico em terras indígenas, não há necessidade de autorização do Congresso Nacional e nem de consentimento prévio de populações indígenas.
Precedentes do STF. 3.
Agravo de instrumento a que se nega provimento. (Agravo de Instrumento 0003066-42.2008.4.01.0000, Órgão Julgador: SEXTA TURMA, Juiz Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL VICE-PRESIDENTE).
Assim, tendo em vista que o empreendimento não se localiza no interior da terra indígena, não se trata de circunstância que impõe a competência do órgão ambiental federal no caso em tela. 2.2- DA COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL PARA LICENCIAMENTO – EMPREENDIMENTO QUE NÃO ESTÁ LOCALIZADO EM TERRA INDÍGENA – CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO ACARRETA A MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA: O autor alega que os empreendimentos desenvolvidos trariam impactos ambientais em terras indígenas e, portanto, deveriam ser licenciados pela União, nos termos do art. 7º da Lei Complementar nº 140/2011 prevê: Art. 7o São ações administrativas da União: XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; ; Acontece que o IBAMA, por meio do Ofício nº 391/2023, comunicou que não detém competência para promover o licenciamento ambiental da UHE Castanheira: ““3.
Ressalto que, de acordo com a Lei Complementar nº 140/2011, não há fundamento legal que possa atrair a competência do Ibama para promover o licenciamento ambienta da UHE Castanheira.
Com sabe no diploma normativo de regência, os casos de competência da União estão expressamente previstos no art. 7º, inciso XIV da LC Nº 140/211, a saber: (…) 4.
Conforme observada a redação da alínea “c” do inciso XVI do art. 7º da Lei Complementar 140/2011, o ente federal é competente somente se a localização do empreendimento que se pretende licenciar for dentro de terra indígena. 5.
Ademais, eventual sinergia entre empreendimentos hidrelétricos instalados na bacia do Rio Juruena não é critério adotado pela legislação para a fixação de competência do licenciamento ambiental.
Entende-se que cada empreendimento deve ser avaliado isoladamente para fins de fixação de competência para o licenciamento. É evidente que a sinergia entre fatores ambientais de diversos empreendimentos, se existentes, deve ser levada em consideração na promoção do licenciamento, o que não significa que o órgão licenciador deve ser necessariamente o Ibama.””.
Não se sustenta, desta forma, a argumentação dos autores, no sentido de que os empreendimentos desenvolvidos em terras indígenas devem ser licenciados pela União, tendo em vista que conforme amplamente demonstrado nos autos, o empreendimento NÃO TEM INÍCIO EM TERRAS INDÍGENAS E O IBAMA JÁ SE MANIFESTOU ACERCA DO TEMA EM COMENTO.
Portanto, não se verifica circunstância ou causa que atraia a competência do órgão ambiental federal para promover o licenciamento do empreendimento em questão.
Não por outra razão, o próprio IBAMA negou ter competência para realizar o referido licenciamento no já destacado Ofício nº 391/2023, de forma que os pedidos formulados pela parte autora na petição inicial devem ser julgados improcedentes.
DA INDEPENDÊNCIA DOS PODERES – INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE A ENSEJAR O CONTROLE JUDICIAL.
Por fim, resta nítido que a pretensão do autor em relação às medidas estatais que entende adequadas no quadro em questão, encontram nítido óbice no princípio da independência entre os poderes.
Verifica-se na Constituição Federal logo em seu artigo 2º, no capítulo dos princípios fundamentais que: “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Sua importância é tamanha que, no intuito de preservar a ordem institucional e o Estado Democrático de Direito, o legislador constituinte erigiu o princípio da separação dos Poderes à condição de cláusula pétrea, nos termos do art. 60, § 4º, III, in verbis: § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] III - a separação dos Poderes; Sobre o tema, leciona o renomado mestre constitucionalista José Afonso da Silva[1]: A divisão de Poderes consiste em confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes, que tomam os nomes das respectivas funções, menos o Judiciário (órgão ou poder Legislativo, órgão ou poder Executivo e órgão ou poder Judiciário).
Nesta senda, a Constituição delegou atribuições e competências às funções estatais e, convém ressaltar em relação a presente demanda, cabe ao Judiciário resolver litígios e ao Executivo promover as políticas públicas.
Isso porque, sob a égide do argumento genérico de efetivar os direitos constitucionais, progressivamente se verifica demandas que claramente importam em uma ingerência do Judiciário no Executivo.
Assentado na doutrina de separação dos Poderes, a atuação jurisdicional deve se limitar a observar a legalidade dos atos da administração pública e não, ao invés disso, atuar legislativamente e tomar decisões discricionárias da Administração.
Nesse sentido, leciona José Cretella Júnior[2]: (...) deve-se acentuar que o controle jurisdicional dos atos da Administração Pública incide, só e só, nos aspectos da ilegalidade e do abuso de poder das autoridades, ficando fora, totalmente, daquele controle o terreno do mérito do ato administrativo, imune à apreciação do Poder Judiciário, precisamente por tratar-se da discricionariedade administrativa, campo reservado à Administração, único juiz da oportunidade e da conveniência das medidas a serem tomadas, mas interdito a qualquer ingerência de outros Poderes.
Decerto, ninguém mais legitimado do que o administrador – eleito pela soberania popular - para discernir sobre a maneira de execução das políticas públicas a que o Poder Público deve se vincular; já quanto ao Judiciário, há evidente carência da referida legitimação.
Ilustrativamente, sobre a temática, o Supremo Tribunal Federal discutiu fartamente a separação de poderes por meio do julgamento do Recurso Extraordinário nº. 592.581/RS, em sede de repercussão geral.
Na oportunidade, tanto os fundamentos do julgamento do recurso extraordinário como a tese de repercussão geral foram discutidos largamente pelos Ministros do Pretório Excelso, sendo relevante destacar alguns trechos essenciais.
O Ministro Luis Roberto Barroso discorreu no seguinte sentido: E aqui, Presidente, na linha também do voto de Vossa Excelência, preservar aspectos mínimos da dignidade da pessoa humana não é uma escolha política, é uma imposição da Constituição (...).
E aqui eu gostaria de dizer isso de uma forma bem explícita: eu não acho – e penso que nenhum de nós ache – que o Poder Judiciário tem melhores capacidades institucionais para reformar o sistema penitenciário do que o Poder Executivo, porque nós não temos, o Judiciário não tem a visão sistêmica das demandas e o Judiciário normalmente é preparado para fazer micro-justiça, a justiça do caso concreto, com muita dificuldade de avaliar impactos sistêmicos das suas decisões pontuais.
Em um modelo ideal, quem tem que tomar essas decisões e implementá-las é o Poder Executivo.
Portanto, gostaria de deixar claro que a decisão do Ministro Lewandowski, à qual estou aderindo, não significa uma pretensão do Judiciário de governar o mundo, nem de ser ele próprio o elaborador de políticas públicas, não só porque seria problemático do ponto de vista da legitimidade democrática, como também porque nós não somos melhores do que os técnicos do Executivo para lidar, por exemplo, com questões penitenciárias. (...) Portanto, eu gostaria de dizer, Presidente, que a minha visão, em situações como esta, é que a regra geral – que não aplico neste caso pela razão que direi na minha conclusão – é que a decisão do Judiciário não deve ser a de ele se sobrepor ao Executivo e determinar como deve ser feito.
O Executivo é que tem que apresentar o seu plano para reforma ou do presídio, ou do sistema estadual, fazer um diagnóstico, um plano, um cronograma, uma estimativa de custos, como ele pretende obter o dinheiro, e aí o Judiciário monitora.
Acho que em situações-limite o Judiciário pode até determinar a inclusão de verba em orçamento, mas o Judiciário não pode ele próprio dizer como é que deve ser a obra do presídio, porque acho que nós não somos capacitados para isso. (...) Em resumo, o que se conclui é que, pela leitura do Supremo Tribunal Federal, a separação dos poderes não é estanque, absoluta, de modo que o Judiciário tem autonomia para intervir na esfera administrativa, impondo obrigações ao Poder Executivo, desde que: 1º) exista circunstância excepcional, emergencial, que demonstre “grave” violação ao “núcleo essencial” de direitos fundamentais ou o denominado “mínimo existencial”, por ação ou omissão das autoridades públicas; e 2º) não se imponha uma única solução quando existem várias possíveis, respeitando-se a competência e discricionariedade técnica dos órgãos públicos competentes para determinar “como” deve ser executada sua atribuição constitucionalmente reconhecida.
Pois bem.
No presente caso não há qualquer ilegalidade no ato administrativo impugnado.
O que se percebe é a mera discordância técnica da parte autora em relação ao posicionamento técnico do órgão estadual ambiental, que é quem possui competência constitucional para analisar o licenciamento do empreendimento.
Já se demonstrou, ao longo da presente defesa, que o empreendimento a ser licenciado NÃO TEM INÍCIO EM TERRAS INDÍGENAS e que o Licenciamento em questão fora indeferido por inércia do interessado, de acordo com o PT N° 174704/CLEIA/SUIMIS/2024, publicado no DOE 28.688 em 23/02/2024.
Ainda, busca-se impor uma única solução, quando o Estado de Mato Grosso já demonstrou que, no âmbito de sua competência e discricionariedade técnica, adotou outra solução igualmente suficiente a resguardar todos os direitos afetados pela disciplina do licenciamento ambiental.
Isso porque, conforme se verifica da documentação anexa, o órgão ambiental não se descuidou de seu dever constitucional de proteção ambiental, impondo diversas exigências e condicionantes para o prosseguimento do processo de licenciamento, visando efetivamente mitigar os impactos de sua implementação.
Neste caso, parece ser necessário rememorar que é o órgão ambiental quem detém a expertise para tanto, mediante o seu corpo técnico especializado.
Assim, as decisões de órgãos técnicos devem ser observadas e mantidas pelo Poder Judiciário, salvo em situações excepcionalíssimas de flagrante ilegalidade, o que não é o caso dos autos.
Neste sentido, é o que se extrai das razões de decidir do Egrégio STF em hipótese análoga: (...) ANÁLISE DO MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO.
IMPOSSIBILIDADE.
PRECEDENTES. (...) 1.
A capacidade institucional na seara regulatória, a qual atrai controvérsias de natureza acentuadamente complexa, que demandam tratamento especializado e qualificado, revela a reduzida expertise do Judiciário para o controle jurisdicional das escolhas políticas e técnicas subjacentes à regulação econômica, bem como de seus efeitos sistêmicos. 2.
O dever de deferência do Judiciário às decisões técnicas adotadas por entidades reguladoras repousa na (i) falta de expertise e capacidade institucional de tribunais para decidir sobre intervenções regulatórias, que envolvem questões policêntricas e prognósticos especializados e (ii) possibilidade de a revisão judicial ensejar efeitos sistêmicos nocivos à coerência e dinâmica regulatória administrativa. 3.
A natureza prospectiva e multipolar das questões regulatórias se diferencia das demandas comumente enfrentadas pelo Judiciário, mercê da própria lógica inerente ao processo judicial. 4.
A Administração Pública ostenta maior capacidade para avaliar elementos fáticos e econômicos ínsitos à regulação.
Consoante o escólio doutrinário de Adrian Vermeule, o Judiciário não é a autoridade mais apta para decidir questões policêntricas de efeitos acentuadamente complexos (VERMEULE, Adrian.
Judging under uncertainty: An institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006, p. 248–251). 5.
A intervenção judicial desproporcional no âmbito regulatório pode ensejar consequências negativas às iniciativas da Administração Pública.
Em perspectiva pragmática, a invasão judicial ao mérito administrativo pode comprometer a unidade e coerência da política regulatória, desaguando em uma paralisia de efeitos sistêmicos acentuadamente negativos. 6.
A expertise técnica e a capacidade institucional do CADE em questões de regulação econômica demanda uma postura deferente do Poder Judiciário ao mérito das decisões proferidas pela Autarquia.
O controle jurisdicional deve cingir-se ao exame da legalidade ou abusividade dos atos administrativos, consoante a firme jurisprudência desta Suprema Corte.
Precedentes: ARE 779.212-AgR, Rel.
Min.
Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 21/8/2014; RE 636.686-AgR, Rel.
Min.
Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 16/8/2013; RMS 27.934 AgR, Rel.
Min.
Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe de 3/8/2015; ARE 968.607 AgR, Rel.
Min.
Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 15/9/2016; RMS 24.256, Rel.
Min.
Ilmar Galvão, DJ de 18/10/2002; RMS 33.911, Rel.
Min.
Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 20/6/2016. (...) 10.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE detém competência legalmente outorgada para verificar se a conduta de agentes econômicos gera efetivo prejuízo à livre concorrência, em materialização das infrações previstas na Lei 8.884/1994 (Lei Antitruste). 11.
As sanções antitruste, aplicadas pelo CADE por força de ilicitude da conduta empresarial, dependem das consequências ou repercussões negativas no mercado analisado, sendo certo que a identificação de tais efeitos anticompetitivos reclama expertise, o que, na doutrina, significa que “é possível que o controle da “correção” de uma avaliação antitruste ignore estas decisões preliminares da autoridade administrativa, gerando uma incoerência regulatória.
Sob o pretexto de “aplicação da legislação”, os tribunais podem simplesmente desconsiderar estas complexidades que lhes são subjacentes e impor suas próprias opções” (JORDÃO, Eduardo.
Controle judicial de uma administração pública complexa: a experiência estrangeira na adaptação da intensidade do controle.
São Paulo: Malheiros – SBDP, 2016, p. 152-155). (..) (RE 1083955 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 28/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-122 DIVULG 06-06-2019 PUBLIC 07-06-2019) Em resumo, embora seja atribuição do Poder Judiciário a correção de ilegalidade e apreciação do direito posto, é certo que deve ser respeitada a competência e discricionariedade técnica dos órgãos públicos competentes acerca de como deve ser executada sua atribuição constitucionalmente reconhecida.
Portanto, por tudo que foi aqui exposto e levando-se em consideração a indevida pretensão de interferência do Poder Judiciário em âmbito estritamente administrativo, pugna-se pela improcedência dos pedidos formulados na exordial. 3 – PEDIDOS Ante o exposto, requer o Estado de Mato Grosso o julgamento de improcedência dos pedidos formulados pela parte autora em sua petição inicial.
Cuiabá (MT), 06 de Maio de 2024.
Ticiano Juliano Massuda Procurador do Estado de Mato Grosso [1] SILVA, José Afonso da.
Curso de direito constitucional positivo. 37. ed.
Malheiros: São Paulo, 2014. p. 110. [2] CRETELLA JÚNIOR, José.
Controle jurisdicional do ato administrativo. 4.ed..
São Paulo: Forense, 2002, p. 248. -
08/03/2024 19:26
Recebido pelo Distribuidor
-
08/03/2024 19:26
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
08/03/2024
Ultima Atualização
26/05/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Sentença Tipo A • Arquivo
Decisão • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
Decisão • Arquivo
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