TRF1 - 1023575-97.2024.4.01.3400
1ª instância - 17ª Brasilia
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Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
10/09/2024 00:00
Intimação
Seção Judiciária do Distrito Federal Juizado Especial Cível Adjunto à 17ª Vara Federal Cível da SJDF SENTENÇA: TIPO A PROCESSO: 1023575-97.2024.4.01.3400 CLASSE: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) AUTOR: JAIR MESSIAS BOLSONARO, MICHELLE DE PAULA FIRMO REINALDO BOLSONARO REU: UNIÃO FEDERAL SENTENÇA Cuida-se de ação proposta por Jair Messias Bolsonaro e por Michelle de Paula Firmo Reinaldo Bolsonaro em face da União Federal, cujos pedidos de mérito se encontram assim deduzidos, verbis: c) no mérito, seja julgado procedente o pedido para condenar a Ré a: a. indenizar os Autores pelos danos morais sofridos, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais); b. para fins de retratação, dar publicidade, por meio dos canais oficiais da Presidência da República, da sentença de procedência desta ação, bem como para que a União Federal emita nota à imprensa retratando-se com relação às pessoas dos Autores; [Id 2121403529, fl. 32.] Narra a parte acionante, em abono à sua pretensão, que, por ocasião do exercício do mandato presidencial entre os anos de 2019 e 2022, optou por guarnecer os ambientes do Palácio da Alvorada com os seus móveis pessoais, permanecendo armazenada em depósito a mobília integrante do Acervo Público do Palácio.
Alega que, a despeito disso, a parte ré – na figura do atual Presidente da República, o Sr.
Luiz Inácio Lula da Silva – emitiu declarações, em coletiva de imprensa e entrevista realizadas em jan./2023, dando conta de que os antigos ocupantes daquela residência oficial teriam “‘levado’ e ‘sumido’ com 83 móveis” (id 2121403529, fl. 7), apropriando-se dos bens públicos dela supostamente constantes.
Assevera que a posterior localização de tais itens pela Comissão de Inventário Anual da Presidência veio a demonstrar a falsidade das acusações formuladas.
Prossegue a parte autora para arguir que tais declarações, embora inverídicas, alcançaram grande repercussão na mídia nacional e internacional, acarretando mácula à sua imagem e reputação.
Defende a responsabilidade objetiva do ente estatal pelo resultado danoso, dado que o fato sob exame foi praticado pelo Chefe do Poder Executivo na condição de atual incumbente, circunstância que teria contribuído para uma maior reverberação daquelas imputações.
Argumenta que as falas em comento desbordam do mero exercício da liberdade de expressão.
Donde pugna pela reparação integral do dano causado mediante condenação da parte demandada em obrigações de indenizar e de fazer, na forma do pleito acima transcrito.
Com a inicial vieram procuração e documentos.
Determinada a citação da requerida (id 2132780303), foi apresentada contestação pela União Federal (id 2142995664), na qual essa sustenta “que o relato inicial da não localização de 261 itens do acervo do Palácio do Planalto foi atestado pela própria gestão do governo dos autores” (idem, fl. 3), somente tendo sido encerrado o processo de regularização patrimonial, com a localização de todos os bens, à data de 06/09/2023, conforme Termo de Ocorrência 2023/00013.
Acresce que, “em momento algum da peça vestibular, a parte autora descreve qualquer trecho de fala do atual Presidente da República onde ele imputaria diretamente aos autores qualquer conduta criminosa, mas ao contrário, argumenta que tais indicações decorreriam das inúmeras matérias jornalísticas nacionais e internacionais publicadas a partir das falas do atual mandatário” (idem, fl. 5).
Continua a parte ré para referir que os ocupantes de cargos públicos encontram-se sujeitos a especial escrutínio, ao que tece considerações acerca dos limites aplicáveis à liberdade de expressão de agente político, hipótese na qual deve prevalecer o interesse coletivo, conforme sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 562 da repercussão geral.
Aduz não restarem configurados, no caso, “quaisquer dos três requisitos indispensáveis à caracterização da responsabilidade civil do Estado” (id 2142995664, fl. 10).
Postula, assim, seja julgada improcedente a ação.
Vieram-me os autos conclusos. É o que tenho a relatar.
Seguem as razões de decidir.
Em síntese, versa a presente demanda acerca da possibilidade de responsabilização da ré, União Federal, pelo suposto dano moral decorrente de pronunciamentos que imputaram, à parte ora requerente, a conduta de apropriação indevida de bens pertencentes ao acervo patrimonial da Presidência da República.
Como se sabe, em consonância com a teoria do risco administrativo, consagrada no plano constitucional desde a Carta Política de 1946, o Poder Público responde objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros (CF/88, art. 37, § 6.º), independentemente da apuração de culpa ou dolo na sua atuação.
Com efeito, os elementos que compõem a responsabilidade objetiva do Estado compreendem: i) a alteridade do dano, ii) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, iii) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público, que, nessa condição funcional, tenha incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude ou não do seu comportamento funcional, e iv) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (o caso fortuito, a força maior ou a culpa exclusiva da vítima). (Cf.
STF, RE 136.861/SP, Tribunal Pleno, relator para o acórdão o ministro Alexandre de Moraes, DJ 22/01/2021, RE 608.880-RG/MT, Tribunal Pleno, relator para o acórdão o ministro Alexandre de Moraes, DJ 1.º/10/2020; RE 603.626-AgR-segundo/MS, Segunda Turma, da relatoria do ministro Celso de Mello, DJ 12/06/2012; ARE 655.277-ED/MG, Segunda Turma, da relatoria do ministro Celso de Mello, DJ 12/06/2012; RE 481.110-AgR-ED/PE, Segunda Turma, da relatoria do ministro Celso de Mello, DJ 25/09/2009; RE 495.740-AgR/DF, Segunda Turma, da relatoria do ministro Celso de Mello, DJ 14/08/2009.) Feitas tais considerações, verifico que a conduta comissiva apontada como causadora do dano, no presente feito, consiste em conjunto de declarações prestadas à imprensa pelo atual Chefe do Poder Executivo, no início do corrente mandato.
Nestas, noticiava que a parte autora, como anterior ocupante do Palácio da Alvorada, teria levado consigo, ao deixar a residência oficial, diversos itens que compunham a respectiva mobília.
No ponto, assinalo que a prática do ato e o próprio teor de tais falas presidenciais não foram objetivamente infirmadas pela parte ré, que inclusive replica, na sua peça defensiva, a transcrição realizada pela requerente na petição inicial (vide id 2142995664, fl. 5).
De fato, a demandada limita-se a arguir que “os trechos ali destacados tem o condão de demonstrar de maneira clara e irrefutável a inexistência de qualquer intenção maculadora, porquanto ali se faz ressalvas quanto à possibilidade de os bens ‘levados’ serem particulares, e nessa situação ainda, dando razão a tal conduta dos autores em retirar os seus pertences pessoais” (ibidem).
Ocorre que, de um lado, a responsabilização almejada prescinde de ulterior perquirição acerca da configuração ou não de dolo quanto ao resultado lesivo.
De outro, depreende-se do exame do excerto então carreado – e que aqui colaciono para melhor elucidação – que as ressalvas quanto à possibilidade de se tratarem de bens particulares foram seguidas por comentário no sentido de reforçar a natureza pública do local e dos itens situados no seu interior, senão vejamos: “E agora o Palácio está uma coisa assim, pelo menos a parte de cima está uma coisa como se não tivesse sido habitada, porque está tudo desmontado, não tem cama, não tem sofá.
Ou seja, não sei, possivelmente, se fosse dele, ele tinha razão de levar mesmo.
Mas ali é uma coisa pública, não sei por que tem que levar a cama embora.
Troca o colchão, troca a roupa de cama e dorme à vontade.” (01:20 a 01:45, vídeo anexo, documento 21) [Id 2142995664, fl. 5, grifei.] Assim, afastada a tese da ré quanto à descaracterização da conduta, é de se assinalar que a oficialidade da atividade resulta, na espécie, do fato de que tal manifestação do mandatário foi proferida em coletiva de imprensa denominada “Café da Manhã com o Presidente”, realizada no próprio Palácio da Alvorada e à qual, na data indicada (12/01/2023), compareceram 38 (trinta e oito) jornalistas.
Informações essas que, frise-se, também não foram contraditadas pela União Federal.
Referido isso, e adentrando no exame do dano alegado, verifica-se que constam deste caderno processual cópias de múltiplas reportagens publicadas em meios de comunicação nacionais e internacionais – id 2121403529, fls. 8/10; ids 2121404120 a 2121414596 – veiculando o referido “desaparecimento” de 83 (oitenta e três) móveis do Palácio da Alvorada e, concomitantemente, imputando a responsabilidade por tal fato à parte ora postulante.
Dessa maneira, à luz da subsequente comprovação de que os itens em referência sempre estiveram sob guarda da União durante todo o período indicado, entendo configurado dano à honra objetiva e subjetiva da requerente.
Isso porque, ainda que essa última se qualifique como pessoa pública, desborda do direito de crítica a externalização de comentário capaz de sugerir o seu envolvimento em desvio de móveis do palácio presidencial que, conforme apurado, sequer ocorreu.
Na mesma direção, entendo que não se presta para alterar tal conclusão a necessidade de conferir interpretação mais alargada à liberdade de expressão quando exercida, em prol da preservação do interesse coletivo, por agente político.
No tema, tem-se que a primazia do interesse da coletividade não atua para legitimar manifestações tendentes à responsabilização de mandatários antes mesmo do encerramento das correspondentes apurações no âmbito administrativo.
Noutra vertente, o nexo de causalidade entre a conduta apurada e o resultado lesivo vai demonstrada, in casu, pelas próprias menções, nas manchetes jornalísticas elencadas (id 2121403529, fls. 8/10; ids 2121404120 a 2121414596), de trechos da fala atribuída ao atual Presidente da República no contexto apresentado neste feito (vide, exemplificativamente, id 2121403529, fl. 9 – “Lula reclama de Alvorada e Torto abandonados: ‘Para que levar a cama?’”).
Encerrando o exame dos elementos ensejadores da responsabilização objetiva do Estado, não se descuida da alegação da demandada no sentido de que o registro de não localização de parcela do patrimônio constou de relatório iniciado ainda sob a gestão do governo anterior.
Refere, nessa vertente, que os itens faltantes somente foram encontrados mediante trabalhos de inventariança posteriores, encerrados em 06/09/2023.
Não obstante, consigno que tal linha defensiva – que se amolda à excludente de responsabilidade por culpa exclusiva da vítima – não comporta acolhimento no caso concreto.
No tópico, prevalece a compreensão de que, ainda que se constatassem irregularidades nos procedimentos administrativos de gestão patrimonial adotados ao longo do mandato anterior, isso não se revela capaz de convalidar as manifestações aqui em análise, mormente porque nada obstava que se aguardasse a elaboração de conclusão pela comissão responsável pelo respectivo acervo.
Destarte, reconhecido o dano extrapatrimonial, passo a quantificá-lo.
Nesse quadrante, o direito positivo brasileiro não estabelece critérios objetivos para a quantificação do dano moral.
Todavia, ganha corpo no âmbito dos Tribunais Superiores o entendimento de que cabe ao magistrado, ao fazê-lo, prestigiar o bom senso, a razoabilidade, a proporcionalidade, de modo que não haja a fixação de uma quantia exagerada ou totalmente inexpressiva, que não possibilite ao ofendido a mínima atenuação do seu sofrimento, sem contudo, gerar o seu enriquecimento indevido.
Ademais, não pode ter a aludida indenização natureza meramente punitiva, mas, também, preventiva e pedagógica, a qual certamente servirá para prevenir lesões semelhantes.
Considerando os aspectos acima elencados, bem como averiguando a extensão do dano exteriorizado e a condição pessoal da parte acionante, entendo com base em juízo de proporcionalidade como montante justo o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). À derradeira, examino a pretensão autoral de condenação da parte ré em obrigação de fazer, para que seja compelida a “dar publicidade, por meio dos canais oficiais da Presidência da República, da sentença de procedência desta ação, bem como para que a União Federal emita nota à imprensa retratando-se com relação às pessoas dos Autores” (id 2121403529, fl. 32).
No assunto, e tendo em vista a alegação expressa da parte autora de que o pleito em questão não se confunde com o direito de resposta ou retificação afeito ao rito especial da Lei 13.188/2015 (id 2121403529, fl. 4), assinalo que não comporta acolhimento tal pretensão formulada na petição inicial.
Atento ao contexto fático descrito neste caderno processual, realço que a conduta do atual incumbente ensejadora da reparação por dano extrapatrimonial não se deu pelas redes socias vinculadas à Presidência da República, nem mesmos pelos canais oficiais de comunicação do Governo Federal, não se revelando possível e adequado que eventual direito de retratação se manifeste por tal meio.
A mim me parece, ainda, que o acolhimento de tal pedido serviria tão somente para fomentar debate político e ideológico, o que se revela alheio ao domínio do Poder Judiciário, a teor da ordem constitucional vigente.
De toda sorte, ainda que assim não fosse, consta da peça exordial que “[a] verdade veio à tona em março de 2024, [...] de acordo com a ‘Nota à Imprensa sobre Patrimônio das Residências Oficiais’ publicada em 20/03/2024 no site do Governo Federal” (id 2121403529, fl. 10).
Complementa a demandante, em seguimento, que “sobrevieram as várias notícias, desta vez verdadeiras, dando conta de que o Presidente da República, acusou indevidamente os Autores de cometerem ato criminoso” (ibidem).
Em trecho diverso da mesma peça, novamente reconhece que “o próprio site oficial do Governo Federal, como amplamente noticiado a partir do dia 20/03/2024, afirma que os móveis foram localizados”, “se tratando de informação pública e notória” (idem, fl. 28).
Como bem se vê, portanto, a narrativa fática ventilada denota que os esclarecimentos alcançados na seara administrativa acerca do paradeiro dos bens patrimoniais foram oportunamente divulgados no sítio eletrônico do Governo Federal e também receberam cobertura jornalística nos principais canais de comunicação.
Assim, entendo que a reparação do dano dispensa quaisquer novas publicações, restando plenamente atendida a partir da obrigação de indenizar ora estabelecida, até mesmo porque já fixada em quantum capaz de fazer frente à lesão averiguada.
DISPOSITIVO Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC/2015, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO contido na inicial, tão somente para condenar a parte ré na obrigação de indenizar o dano extrapatrimonial sofrido pela parte autora, o qual vai desde já fixado no quantum de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a ser corrigido monetariamente a contar da data do seu arbitramento, nos termos da Súmula 362 do STJ.
Sem custas e sem honorários (art. 55 da Lei 9.099/95).
Interposto recurso inominado, intime-se a parte contrária para contrarrazoar, no devido prazo, e, em seguida, encaminhem-se os autos à egrégia Turma Recursal.
Não havendo interposição de recurso, certifique-se o trânsito em julgado e arquivem-se os autos, com baixa na distribuição.
Intimem-se.
Cumpra-se.
Brasília/DF, na data da assinatura. (Assinado Digitalmente) juiz Diego Câmara 17.ª Vara Federal - SJDF -
10/04/2024 15:49
Recebido pelo Distribuidor
-
10/04/2024 15:49
Juntada de Certidão
-
10/04/2024 15:49
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
10/04/2024
Ultima Atualização
09/09/2024
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Sentença Tipo A • Arquivo
Sentença Tipo A • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
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