TRF1 - 1017000-87.2022.4.01.4000
1ª instância - 3ª Teresina
Polo Ativo
Partes
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Polo Passivo
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
14/10/2024 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Piauí 3ª Vara Federal Criminal da SJPI SENTENÇA TIPO "D" PROCESSO: 1017000-87.2022.4.01.4000 CLASSE: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:GENTIL SOARES SILVA FILHO REPRESENTANTES POLO PASSIVO: MICAELLE CRAVEIRO COSTA - PI12313 SENTENÇA O MPF ofereceu denúncia contra GENTIL SOARES SILVA FILHO (brasileiro, casado, produtor rural e atravessador, inscrito no CEI sob nº 51 236 90096/85, CPF *66.***.*68-00, RG 1.595.871 – SSP/PI, residente e domiciliado na Rua Coronel Eulálio Filho, nº 637, Centro, Campo Maior/PI, CEP 64280-000, telefone (86) 9 8193-9470) pelo cometimento do crime de submissão à condição análoga à escravidão envolvendo 08(oito) trabalhadores, delito previsto no art. 149 do Código Penal (id. 1731005079).
De acordo com a denúncia: “No ano de 2021, GENTIL SOARES SILVA FILHO manteve as pessoas de ANTÔNIO JOSÉ DA COSTA (carregador e lastreiro) ANTÔNIO MAURÍCIO OLIVEIRA SILVA (cozinheiro) ANTÔNIO WENDELL DA COSTA (aparador) JOAQUIM DA SILVA BRITO (derrubador e encarregado) JOSÉ FERREIRA NETO, (aparador) JOSÉ FRANCISCO DA COSTA (aparador) LAÉRCIO BRENO DE SOUZA QUEIRÓZ (aparador) e RAIMUNDO GOMES DOS SANTOS (derrubador) em condições análogas à escravidão, caracterizando a prática do delito tipificado no art. 149 do Código Penal por oito vezes em concurso formal impróprio, na forma do art. 70 do Código Penal.
A situação degradante a que os trabalhadores eram submetidos está descrita e comprovada pelo Relatório de Atividades do Grupo Especial de Fiscalização Móvel – GEFM (id 1125614279, fls. 8-17), Relatório de Fiscalização do Ministério da Economia(id 1125614279, fls. 48-86 e anexos), e Termos de Depoimento de JOSÉ FERREIRA NETO e RAIMUNDO GOMES DOS SANTOS (id 1125614279, fls. 91-94).
No carnaubal, todos os trabalhadores reconheciam GENTIL SOARES SILVA FILHO como sendo o dono do pó das palhas que eles estavam extraindo, ainda que este não estivesse à frente dos serviços pessoalmente, uma vez que, no campo, o encarregado era JOAQUIM DA SILVA BRITO, que arrendava a terra (a título gratuito, uma vez que o proprietário é parente seu), organizava os trabalhos, laborava junto aos demais como derrubador, e repartia entre os oito trabalhadores o valor entregue a ele semanalmente por GENTIL, que variava entre R$ 4.800,00 a R$ 5.000,00. (id 1125614279, fl. 56).
A produção era vendida à empresa Indústria Brasil Ceras Ltda, CNPJ: 04.***.***/0001-12 por GENTIL, sob a falsa alegação de que se tratava de agricultura familiar, sendo que de fato não havia ali uma família trabalhando, mas sim diversos empregados em verdadeiro vínculo trabalhista (id 1125614279, fls. 57-58).
Em suma, GENTIL SOARES SILVA FILHO exercia o controle da extração da palha da carnaúba, desde o financiamento da produção até a venda final dos produtos, sendo o detentor de fato das máquinas de processamento da palha de carnaúba, que estão em nome de seu pai e de seu irmão; portanto, GENTIL é o verdadeiro responsável pela situação degradante vivida pelos empregados.”.
Concluindo, pois, pela autoria e materialidade dos delitos denunciados, pugnou o MPF pelo recebimento da denúncia e regular tramitação até final condenação, que incluiria a reparação do dano às vítimas.
Sustentou não se tratar de oferta de ANPP diante da natureza do delito.
Arrolou testemunhas.
A denúncia foi recebida na data de 28.07.2023 em decisão constante do id. 1733571074.
Citado, o réu apresentou sua resposta à acusação apresentada, vide id. 1764406549.
Em decisão de id. 1770255061 foi rejeitada a absolvição sumária e determinada a realização de audiência de instrução para oitiva das testemunhas arroladas pelas partes, bem como o interrogatório do réu.
Termo de audiência de oitiva das testemunhas arroladas pela acusação no id. n. 2006639172; foram ouvidos: ADROALDO MOTA LIMA JÚNIOR, JOAQUIM DA SILVA BRITO e RAIMUNDO GOMES DOS SANTOS, sendo que os dois últimos também foram arrolados pela defesa, que os dispensou, posteriormente.
Arquivo de vídeo no id. 2013258155.
Termo de audiência de interrogatório do réu no id. 2125741407.
Arquivo de vídeo de id. 2128080574.
Alegações finais do MPF pela condenação no id. 2128863782.
Alegações finais do réu, especialmente, pela absolvição no id. 2131702652.
Subsidiariamente, em caso de condenação, pediu que fosse aplicada a pena mínima, com reconhecimento do crime continuado e com substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.
Era o que importava relatar.
Fundamento e DECIDO. À míngua de preliminares, sigo ao mérito.
O tipo penal do qual o réu está sendo acusado ostenta a seguinte redação: REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO “Art. 149.
Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de 2(dois) a 8(oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência." Segundo Nucci, o núcleo do tipo objetivo “reduzir” significa subjugar, transformar à força, impelir a uma situação penosa. “(...) Destarte, para reduzir uma pessoa a condição análoga à de escravo pode bastar submetê-la a trabalhos forçados ou jornadas exaustivas, bem como a condições degradantes de trabalho.
De resto, nas outras figuras, deve-se fazer algum tipo de associação à restrição de liberdade de locomoção, sob pena de se confundir este delito com as formas previstas no art. 203 deste Código”(in Código Penal Comentado, 7ª edição revista, atualizada e ampliada.2.tir.- São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2007).
Para a configuração do tipo objetivo descrito no art. 149 do CP, é necessária a sujeição da vítima ao poder de disposição do agente, impossibilitando ou dificultando a sua livre circulação, a busca de outro emprego e, até mesmo, a procura de socorro junto às autoridades.
A acusação foi embasada em depoimentos de duas vítimas perante os Auditores Fiscais do Trabalho, bem como nas constatações do relatório de fiscalização empreendida por uma equipe formada por servidores/autoridades do Ministério da Economia, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal e Polícia Federal(constante às págs. 48/86 do id. n. 1125614279) em um carnaubal da Fazenda Cascalho, localizado na zona rural de Jatobá do Piauí/PI, descrevendo que os trabalhadores arregimentados pelo réu, em um total de 08(oito), foram contratados para realizar serviços de extração de palhas e pó de carnaúbas, em propriedade de um dos parentes das vítimas, Joaquim da Silva Brito.
Sustentou-se que tais trabalhadores estariam submetidos, pelo réu, a condições de trabalho degradantes, assim consideradas porque eles dormiam ao relento sob uma árvore, sem acesso a água potável e sem qualquer instalação sanitária, além de não contarem com refeitório, sendo obrigados a fazerem sua alimentação e comerem sem qualquer conforto mínimo.
Igualmente assentou-se a inexistência de kits de primeiros socorros.
Convém registrar que o preceito penal primário do art. 149 do CP contém cláusulas indeterminadas (a exemplo de “condições degradantes de trabalho”), que podem ser utilizadas indevidamente para alargar, de forma exacerbada, o suporte fático normativo, e permitir seu enquadramento em todo e qualquer caso em que trabalhadores são submetidos a condições aparentemente indignas de trabalho, sem levar em conta a realidade interiorana do Brasil.
Assim, filio-me ao entendimento de que a interpretação do dispositivo deve ser realizada tendo como pressuposto a restrição à liberdade de locomoção mediante a coação absoluta ou física (vis absoluta) ou, pelo menos, a relativa ou moral (vis compulsiva).
Aquela, por aniquilar a vontade; esta, por aliada a um contexto de descumprimento da legislação atinente às condições mínimas de trabalho, restringir parcialmente a liberdade. É o caso da situação de extrema dificuldade de locomoção em razão da distância do local de trabalho à cidade mais próxima, da existência de dívidas com o próprio patrão (usadas para impedir que sejam dispensados), retenção de documentos ou objetos pessoais, etc., o que não se verifica no caso em apreço, eis que a permanência no local de trabalho era opção de cada um dos trabalhadores, não havendo qualquer imposição quanto a sua continuidade no local de trabalho, conforme declarado pelos dois trabalhadores ouvidos em Juízo, bem como assentado pelo fiscal do trabalho, outrossim, inquirido em Juízo.
Por pertinente, ressalto a não constatação de: a) trabalhos forçados; b) jornada exaustiva; c) restrição, por qualquer meio, de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto, no momento da contratação ou no curso do contrato de trabalho; bem como d) de retenção no local de trabalho em razão de cerceamento do uso de qualquer meio de transporte, de manutenção de vigilância ostensiva, ou mesmo, apoderamento de documentos ou objetos pessoais, tópicos sequer cogitados no Relatório de Fiscalização do Ministério do Trabalho, notadamente dentre o que foi relatado às págs. 59/75 do id. 1125614279.
Oportuno salientar que a verificação da submissão a trabalhos forçados, à jornada exaustiva ou a condições degradantes de trabalho deve pressupor a não aquiescência voluntária pelo trabalhador, seja ela tácita ou por coação, esta mediante uma de suas várias manifestações, no caso, inocorrentes.
Ademais, é certo que as declarações dos agentes públicos de fiscalização gozam de presunção de veracidade/legitimidade e não podem ser desconsideradas quando da formação do convencimento do juízo acerca da materialidade e autoria delitivas.
Porém, não é a conclusão a que chego.
Nem mesmo os fiscais apontaram a existência de qualquer coação quanto à liberdade de locomoção, jornadas exaustivas de trabalho ou escravidão por dívidas, conforme assinalado linhas atrás.
Em Juízo as testemunhas inquiridas sequer foram confrontadas com tais aspectos pela acusação.
Ao contrário, disseram que trabalhavam por conta própria, tendo se reunido com o propósito de vender a produção que alcançassem com a coleta das palhas e o pó de carnaúba, não se submetendo ao comando de ninguém.
O ponto nodal indicado pelos auditores diz respeito às condições alegadamente degradantes, notadamente, segundo percebo da oitiva do depoimento do auditor Adroaldo Mota Lima Júnior em Juízo, porque eles dormiriam ao relento, sob uma árvore, e sem instalações sanitárias, além da questão atinente à inexistência de água potável e em condições normais de consumo, dentre outras irregularidades trabalhistas.
Seu foco, pontuo, restou voltado às irregularidades trabalhistas.
Porém, a jornada de trabalho não se afasta das comumente utilizadas na atividade desempenhada, não tendo sequer digna de registro no relatório da fiscalização.
De outro lado, não há qualquer dúvida quanto à situação de irregularidade no tocante à relação empregatícia, que, aliás, não restou ter como uma das partes o réu, porquanto, segundo colhido em audiência, este apenas adquiria a produção, transação que seria acertada posteriormente com um dos trabalhadores, Joaquim da Silva Brito, o responsável por arregimentar os demais e oferecer o trabalho.
Igualmente, não há dúvida quanto à situação precária das acomodações.
Inclusive, segundo a testemunha Joaquim da Silva Brito, o réu apenas “cortaria” a palha que eles colhessem, uma espécie de melhoramento da produção – entre 7”00’ e 7”10’ do arquivo de vídeo de id. 2013258155.
Sequer restou confirmada a cogitada aquisição das palhas e o correspondente pó.
De todo modo, ainda que ocasionalmente caracterizada a contratação com o réu, mesmo que indiretamente, tal fato não sustenta uma condenação criminal relativa à submissão dos trabalhadores à condição análoga ao trabalho escravo.
Nesse sentido, segundo a testemunha Raimundo Gomes, os trabalhadores dispunham de motocicletas para irem para suas casas diariamente, nem mesmo corroborando o quanto arguido quanto ao fato de pernoitarem no local em que foram encontrados, o que pode ser conferido entre os 29”10’ e 29”40’ do arquivo de vídeo de id. 2013258155.
Assim, inexistente qualquer vigilância que impedisse tal locomoção ou escravidão por dívidas.
Sobre o ponto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região já externou posicionamento nos seguintes termos: “A 14ª sessão da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho editou a Convenção 29 que, em seu artigo 2º, conceitua trabalho forçado ou obrigatório como aquele exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer castigo e para o qual ele não se tenha oferecido de livre vontade.” (TRF 1ª Região, ACR 0000388-16.2007.4.01.3904/PA, Rel.
Desembargador Federal NEY BELLO, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 de 12/08/2016.) Em linha com o precedente acima: “O preceito penal primário do art. 149 do CP contém cláusulas indeterminadas - como, por exemplo, ‘condições degradantes de trabalho’ - que podem ser utilizadas indevidamente para permitir um alargamento exacerbado do suporte fático normativo, abrangendo todo e qualquer caso em que trabalhadores são submetidos a condições aparentemente indignas de trabalho.
Tenha-se em mente, por exemplo, os fatos muito comuns em que as autoridades relatam como sendo caso de ‘trabalho escravo’ a existência de trabalhadores em local sem instalações adequadas, como banheiro, refeitório etc., sem levar em conta que o próprio empregador utiliza-se das mesmas instalações e que estas são, na maioria das vezes, o retrato da própria realidade interiorana do Brasil.
Há que se estar atento, portanto, para a possibilidade de abusos na tipificação de fatos tidos como de ‘trabalho escravo’. (Ministro Gilmar Mendes - RE 398.041/PA)”. (TRF 1ª Região, ACR 1748-25.2008.4.01.4300/TO, Rel.
Desembargador Federal TOURINHO NETO, Terceira Turma, e-DJF1 p. 41 de 05/11/2010).
De todo exposto, inexistem provas da submissão a situação análoga à de escravidão, notadamente pela ausência de segregação por dívidas ou permanência involuntária mediante algum tipo de coação, física ou psicológica.
Persistem, ademais, dúvidas sobre a existência quanto ao vínculo de subordinação com o réu.
Mais uma vez, transcrevo precedentes do Tribunal Regional Federal da 1ª Região: “PENAL E PROCESSO PENAL.
OMISSÃO DE ANOTAÇÃO EM CTPS (ART. 297, §4º, DO CP).
REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO (ART. 149, DO CP).
MATERIALIDADE E AUTORIA NÃO COMPROVADAS.
APELAÇÃO DO MPF NÃO PROVIDA.
SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA. (...) (...) 2.
Não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo.
Se a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua dignidade. (Inq 3412, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 29-03-2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-222 DIVULG 09-11-2012 PUBLIC 12-11-2012 RTJ VOL-00224-01 PP-00284). 3.
Não restou comprovado, com a necessária segurança para fundamentar uma condenação, que o réu tinha a intenção de praticar ou praticou as condutas vedadas pelo art. 149 do CP.
A exposição dos trabalhadores às condições inapropriadas de trabalho, embora configure irregularidades e violações à legislação trabalhista, não é suficiente para caracterizar o crime de redução a condição análoga à de escravo.
Revela-se, portanto, desproporcional a repressão da conduta do réu no âmbito criminal. 4.
A Defensoria Pública da União cumpriu um de seus papéis institucionais, não se tratando de atuação atípica, o que impede remuneração excedente ao que já recebe.
Precedentes do TRF1. 5.
Apelação não provida. (ACR 0002626-41.2012.4.01.3901, DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA, TRF1 - DÉCIMA TURMA, PJe 22/03/2024 PAG.)” (grifei). “PENAL.
PROCESSUAL PENAL.
APELAÇÃO.
REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO.
ART. 149, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL.
AUSÊNCIA DE PROVAS.
ART. 386, INCISO VII DO CPP.
APELAÇÃO DO MPF DESPROVIDA. 1.
Possíveis irregularidades e violações à legislação trabalhista não são suficientes para caracterizar o crime descrito no art. 149 do Código Penal, exigindo-se prova contundente de pelo menos uma das elementares do tipo. 2.
O Supremo Tribunal Federal tem entendimento de que não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo.
Se a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua dignidade (Inq 3412, Rel.
Min.
Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min.
Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/2012). 3, In casu, a partir da documentação colacionada e das narrativas apresentadas pelas testemunhas e transcritas na sentença, não foi possível inferir que os trabalhadores eram obrigados a se manterem no local de trabalho, tampouco restaram comprovados os trabalhos forçados, a falta de alimentos, a jornada exaustiva, a restrição da liberdade de locomoção, a retenção de documentos, o isolamento físico ou a vigilância ostensiva, o uso de armas ou emprego de instrumentos que reduzissem a liberdade. 4.
Sem provas inequívocas de que os empregados tenham sido forçados a trabalhar ou a cumprir jornadas extenuantes a contragosto, em condições degradantes de trabalho ou tenha-lhes sido restringida a liberdade de locomoção por servidão de dívida ou qualquer outra elementar do tipo, não há como imputar ao réu a conduta do delito capitulado no art. 149 do Código Penal. 5.
Na seara penal vigora a regra do juízo de certeza, ou seja, as provas devem demonstrar de forma contundente, indene de qualquer dúvida, a materialidade e autoria delitivas, não deixando margem para meras suposições ou indícios.
Para a lavratura de um decreto condenatório, faz-se necessária a certeza acerca da responsabilidade penal do agente, dado que meros indicativos e suposições não bastam para um édito condenatório. 6.
Apelação do MPF desprovida. (ACR 0005612-07.2012.4.01.3500, JUIZ FEDERAL ITAGIBA CATTA PRETA NETO, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 06/11/2023 PAG.)” (realcei).
Ademais, igualmente válido assentar que, como salientado anteriormente, restaram dúvidas sobre a autoria.
Nesse sentido, segundo os depoimentos das vítimas colhidos em Juízo, elas teriam convencionado entre si no tocante à coleta das palhas e o respectivo pó da carnaúba, sendo que o resultado da coleta seria “para elas próprias” – vide depoimento da testemunha Raimundo Gomes entre 41”40 e 41”50’ do arquivo de vídeo de id. 2013258155.
Não restou, assim, sequer, demonstrada, cabalmente, a necessária sujeição para ocasional condenação do crime de submissão em comentário.
O entendimento segue, como acima colocado, precedentes do Tribunal Regional Federal da 1ª Região: "PENAL E PROCESSUAL PENAL.
CP, ART. 149.
REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO.
MATERIALIDADE E AUTORIA NÃO COMPROVADAS.
DOLO NÃO CONFIGURADO.
MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO.
CPP, ART. 386, III.
APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1.
Esta Corte considera trabalho escravo ou forçado toda modalidade de exploração do trabalhador em que este esteja impedido, moral, psicológica e/ou fisicamente, de abandonar o serviço, no momento e pelas razões que entender apropriados, a despeito de haver, inicialmente, ajustado livremente a prestação dos serviços. 2.
O delito de redução a condição análoga à de escravo, previsto no art. 149 do Código Penal, por se tratar de norma penal em branco, impõe que o intérprete alcance a definição pretendida pelo legislador quanto ao que significa reduzir alguém à condição análoga à de escravo, evidenciada como um estado de fato em que os trabalhadores sejam tratados como coisas e estejam privados de seus direitos fundamentais porque submetidos à pessoa de um "senhor". 3.
No caso, embora conste na denúncia que o apelado, na condição de "gato", contratava trabalhadores para a Fazenda Cabaceiras, os quais eram submetidos a condições degradantes de trabalho, não restou comprovado, no curso da instrução criminal, que realmente fosse o responsável pela contratação ou que tivesse qualquer asserção sobre os demais trabalhadores, tampouco que os trabalhadores estivessem privados da liberdade de sair daquele local ou que fossem submetidos à vigilância armada ou a consumir alimentação fornecida para se endividarem e, com isso, ficarem impossibilitados de sair do ambiente de trabalho. 4.
Apesar de comprovada a precariedade da situação a que os trabalhadores da Fazenda Cabaceiras estavam submetidos, tal fato não comprova a realização do tipo do art. 149 do CP.
Ademais, a acusação não comprova a responsabilidade do apelado sobre os demais trabalhadores, tampouco o elemento subjetivo do tipo penal em análise, até porque constatado que, também ele, estava submetido às mesmas condições de trabalho. 5.
Apelação do Ministério Público Federal não provida. (ACR 0008589-64.2011.4.01.3901, DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA, TRF1 - CORTE ESPECIAL, PJe 16/03/2024 PAG.)" Assim, impõe-se a absolvição do réu da imputação do delito descrito no art. 149 do Código Penal.
De todo o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente Ação Penal e absolvo o acusado GENTIL SOARES SILVA FILHO do cometimento dos crimes do art. 149, caput, do Código Penal, com base no art. 386, II e VII, do Código de Processo Penal - CPP.
Intimem-se.
Não antevendo razões para tanto, levanto o sigilo dos autos.
Uma vez transitada em julgado a presente sentença, arquivem-se os autos.
Teresina/PI, 13.10.2024.
AGLIBERTO GOMES MACHADO Juiz Federal da 3ª Vara da SJPI -
09/09/2022 19:57
Expedição de Outros documentos.
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09/09/2022 19:57
Juntada de documento da polícia em procedimento investigatório
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09/06/2022 14:28
Expedição de Outros documentos.
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09/06/2022 14:28
Juntada de documento do ministério público em procedimento investigatório
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06/06/2022 10:36
Iniciada a tramitação direta entre MP e autoridade policial
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06/06/2022 10:36
Expedição de Outros documentos.
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06/06/2022 10:36
Expedição de Outros documentos.
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06/06/2022 09:16
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
06/06/2022
Ultima Atualização
14/10/2024
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Sentença Tipo D • Arquivo
Sentença Tipo D • Arquivo
Despacho • Arquivo
Ata de Audiência • Arquivo
Despacho • Arquivo
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Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
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