TRF1 - 1006023-86.2020.4.01.4200
1ª instância - 2ª Boa Vista
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Partes
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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06/06/2021 11:25
Remetidos os Autos (em grau de recurso) para Tribunal
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28/05/2021 06:28
Juntada de Informação
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27/05/2021 18:38
Juntada de contrarrazões
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26/04/2021 16:07
Decorrido prazo de ANNE KAROLINE TOME BRIGLIA em 15/04/2021 23:59.
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26/04/2021 13:27
Expedição de Comunicação via sistema.
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25/04/2021 16:43
Decorrido prazo de ANNE KAROLINE TOME BRIGLIA em 15/04/2021 23:59.
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25/04/2021 00:12
Decorrido prazo de ANNE KAROLINE TOME BRIGLIA em 15/04/2021 23:59.
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07/04/2021 18:07
Decorrido prazo de REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA em 06/04/2021 23:59.
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07/04/2021 14:51
Decorrido prazo de REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA em 06/04/2021 23:59.
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07/04/2021 06:37
Decorrido prazo de REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA em 06/04/2021 23:59.
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18/03/2021 17:10
Juntada de apelação
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12/03/2021 12:58
Juntada de petição intercorrente
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12/03/2021 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Roraima 2ª Vara Federal Cível da SJRR SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1006023-86.2020.4.01.4200 CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) POLO ATIVO: ANNE KAROLINE TOME BRIGLIA REPRESENTANTES POLO ATIVO: CAIO TIRAPANI ADUM RESENDE - MG134317 POLO PASSIVO:REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA e outros SENTENÇA I.
RELATÓRIO Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por ANNE KAROLINE TOMÉ BRIGLIA contra suposto ato ilegal atribuído ao REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA, objetivando, liminarmente, a concessão de tutela antecipada para “anular ou suspender os efeitos do ato administrativo que cancelou a matrícula da impetrante, sendo determinada, de forma urgente, a manutenção de sua matrícula e a reintegração às atividades da graduação, de forma que volte a receber o mesmo tratamento dado aos demais alunos da instituição, sendo possibilitada, ainda, a reposição de todas as avaliações perdidas e abonadas as faltas” (ID 394257952).
De acordo com a inicial: A impetrante é aluna do curso de Medicina, oferecido pela Universidade Federal de Roraima-UFRR, e encontra-se cursando o 06º e último ano da graduação, nos termos do comprovante de matrícula anexo.
Nesse sentido, a impetrante ingressou na UFRR por meio de aprovação no vestibular de 2015, no qual concorreu às vagas oferecidas aos alunos de escola pública com renda familiar SUPERIOR a 1,5 salário mínimo autodeclarados pretos, pardos e indígenas, na qual se enquadra por ser parda, nos termos da autodeclaração apresentada na realização de sua matrícula, tendo sido cumpridos, também, os demais requisitos.
A despeito de se enquadrar devidamente no grupo em questão, vez que é parda e assim se autodeclarou, além de ter cursado integralmente o ensino médio em escola pública, exatamente nos termos exigidos pelo edital do Vestibular 2015 da UFRR, a sua condição de parda foi questionada por meio de denúncia anônima realizada à Ouvidoria da UFRR, o que ensejou à instauração de um procedimento administrativo.
No curso do processo administrativo, foi exigida da impetrante a apresentação de nova autodeclaração, sendo esta submetida à Comissão de Heteroidentificação, para análise do seu fenótipo, ao arrepio da legislação federal e do edital que regulamentou o certame.
Uma vez realizada a verificação de seu fenótipo, foi emitido parecer pela Comissão de Heteroidentificação indeferindo a autodeclaração prestada pela impetrante, sob a alegação de que ‘a candidata não se enquadra nas condições de pessoa preta ou parda nos termos da Lei de Cotas (Lei nº 12.990/2014), por não apresentar fenótipos característicos, a exemplo de pele, cabelo, boca e nariz’, conforme reproduzido abaixo: […] Após a emissão do resultado pela comissão de heteroidentificação, foi emitido o Parecer nº 224/2020 pelo Procurador-Chefe da PFE/UFRR, que opinou pela legalidade do procedimento adotado pela UFRR e recomendou: […] Uma vez emitido o referido parecer, que, diga-se de passagem, em 20/11/2020 a impetrante recebeu comunicado encaminhado pela Pró-Reitoria de Ensino e Graduação – PROEG-UFRR, pelo qual foi informada de que sua matrícula fora cancelada, a menos de um mês da data agendada para a sua colação de grau, conforme abaixo reproduzido: […] A anulação em comento ocorreu por conta da criação e aplicação ilegal de critério novos e não previstos em edital, para analisar a autodeclaração prestada pela impetrante no ano de 2015, qual seja a análise de fenótipo.
Assim, o presente mandamus presta-se à obtenção do reconhecimento de direito líquido e certo da impetrante relativo à anulação do ato administrativo em comento e manutenção de sua matrícula, frente à notória ilegalidade da aplicação retroativa de critérios criados de forma arbitrária.
Além disso, é flagrante a violação ao devido processo legal, vez que não foi concedida à impetrante qualquer oportunidade de se defender diante de tão graves acusações, tendo sido esta mera espectadora durante todo o trâmite processual realizado pela UFRR, ao arrepio da legislação pátria.
Conforme será demonstrado, não há dúvidas quanto ao enquadramento da impetrante como participante do sistema de cotas, por ser parda e assim ter se autodeclarado, seguindo fielmente todos os requisitos legais e editalícios e legais vigentes à época de seu ingresso na UFRR, nos termos que passa a expor. É patente a violação do direito que assiste à impetrante, dando ensejo à utilização do presente mandado de segurança, conforme é possível verificar a partir da leitura do art. 1º da Lei nº 12.016/2009, que assim disciplina: […] Portanto, tomando por base os dispositivos mencionados e, amparada ainda pelo artigo 5º, LXIX da Constituição Federal de 1988, não restou à impetrante alternativa outra que não a utilização do presente mandado de segurança, sob pena de infringir grave violação de direito líquido e certo, pelos fatos e fundamentos que seguem”. (ID 394257952 - grifei) A inicial veio instruída com procuração e documentos.
O pedido liminar foi indeferido (ID. 396898391).
Interposto Agravo de Instrumento em face da decisão que indeferiu o pedido liminar (ID. 401133858).
Proferida decisão nos autos do Agravo de Instrumento concedendo a antecipação da tutela (ID. 403829381).
Informações prestadas (ID. 424220885) Emenda à inicial (ID. 427067384).
O MPF registrou a regularidade formal do feito, mas não emitiu parecer quanto ao mérito, diante da ausência de interesse público primário ou social. É o que importa relatar.
Fundamento e DECIDO.
II.
FUNDAMENTAÇÃO A reserva de vagas nos vestibulares promovidos pelas instituições federais de ensino superior é disciplinada pela Lei nº 12.711/2012, que assim dispõe: Art. 1º As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.
Parágrafo único.
No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita . [...] Art. 3º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
O Edital N.º 104/2014-CPV, que regulamentou o processo seletivo no qual aprovada a impetrante, em relação à reserva de vagas estabeleceu o seguinte: 2.2 Para os fins do presente Edital os conceitos constantes do quadro acima devem ser entendidos da seguinte forma: [...] 2.2.6 Autodeclarado: no sistema de cotas, a autodeclaração significa que uma pessoa se considera e se declara como sendo preto, pardo ou indígena, sem necessitar de nenhum documento de comprovação. [grifei] [...] 2.4 As vagas reservadas de que trata este Edital serão preenchidas segundo a ordem de classificação, de acordo com as notas obtidas pelos candidatos, dentro de cada um dos seguintes grupos de inscritos: I – candidatos egressos de escola pública, com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 (um vírgula cinco) salário-mínimo per capita: a) que se autodeclararam pretos, pardos e indígenas; b) que não se autodeclararam pretos, pardos e indígenas.
II – candidatos egressos de escolas públicas, com renda familiar bruta superior a 1,5 (um vírgula cinco) salário-mínimo per capita: a) que se autodeclararam pretos, pardos e indígenas; b) que não se autodeclararam pretos, pardos e indígenas. 2.5 As vagas destinadas aos candidatos egressos de escolas públicas que não forem ocupadas pelos candidatos a que se destinam, após aplicação dos critérios estabelecidos na Portaria Normativa n.º 18/2012, serão preenchidas pelos demais candidatos aprovados pela ampla concorrência, obedecendo-se a estrita ordem de classificação.
Como visto, tanto a lei quanto o edital supracitado estabelecem que os candidatos podem concorrer às vagas da cota racial, desde que se autodeclarem pretos, pardos ou indígenas no ato da inscrição.
Outrossim, em que pese ser legítima a utilização de critérios subsidiários de heteroidentificação (ADI 41/STF), anoto que não houve previsão editalícia para submissão de todos os candidatos cotistas à avaliação de suas características fenotípicas por comissão designada para averiguar a veracidade da autodeclaração do candidato, com base em critérios de cor e raça definidos pelo IBGE, tendo sido privilegiada, no caso, a autodeclaração.
Nesse contexto, embora seja certo que o controle administrativo do preenchimento das vagas reservadas encontra-se compreendido no âmbito da autonomia universitária, sanções de ordem administrativa devem ser conjugadas com uma atuação assertiva e célere do agente público, com estrita observância ao princípio da legalidade.
Não pode a Administração inovar, criando uma comissão de heteroidentificação e estabelecendo critérios anos depois, sem que estes tenham sido objetivamente fixados no Edital.
Em verdade, não é razoável que as mesmas características fenotípicas exigidas em processos seletivos recentes sirvam à validação da condição de cotista de candidato aprovado em processo seletivo anterior, cujo Edital em momento algum definiu critério diverso ao da autodeclaração.
Ora, a atuação administrativa sancionadora deve ter como diretriz o princípio da legalidade estrita, de modo que a imputação de fraude e/ou falsidade na autodeclaração não pode prescindir do amparo normativo exaustivo da conduta (previsão editalícia), anterior à prática do ilícito, devendo ser comprovada a intenção de “alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”, isto é, de que o declarante agiu com dolo, plenamente ciente de que não se enquadrava como preto, pardo ou índio.
Não se trata, portanto, de interpretar a autodeclaração invalidada por comissão de heteroidentificação automaticamente como falsa.
Em outras palavras, deve ser diferenciado o sujeito que se reconhece e se autodeclara preto ou pardo daquele que presta falsa declaração, uma vez que a motivação da autodeclaração de ambos, no ato de inscrição, é evidentemente distinta, não cabendo, por conseguinte, nos casos em que seja afastada a autodeclaração, a mesma consequência. É relevante anotar, no ponto, que a autodeclaração tem caráter muito subjetivo e depende de vários aspectos próprios da personalidade de cada indivíduo e do meio social em que vive, nem sempre sendo influenciada exclusivamente por suas características fenotípicas.
Não por acaso, pontuou o Exmo.
Ministro Relator Luís Roberto Barroso, por ocasião do julgamento da mencionada ADC 41: Quanto à questão da autodeclaração, essa é uma das questões mais complexas e intrincadas em uma política de ação afirmativa, porque, evidentemente, você deve respeitar as pessoas tal como elas se autopercebem.
Assim, pode ser que alguém que eu não perceba como negro se perceba como negro, ou vice-versa. [...] Como regra geral, deve-se respeitar a autodeclaração, como a pessoa se percebe.
Porém, no mundo real, nem sempre as pessoas se comportam exemplarmente, e há casos - e, às vezes, eles se multiplicam - de fraude.
Portanto, o que a Lei 12.990 faz? Ela estabelece, como critério principal, a autodeclaração, mas permite que, no caso de uso irregular, inveraz, desonesto da autodeclaração, haja algum tipo de controle. É o que diz o parágrafo único do artigo 2º: 'Art. 2º, Parágrafo único - Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.' [...] 67.
Para dar concretude a esse dispositivo, entendo que é legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação para fins de concorrência pelas vagas reservadas, para combater condutas fraudulentas e garantir que os objetivos da política de cotas sejam efetivamente alcançados.
São exemplos desses mecanismos: a exigência de autodeclaração presencial, perante a comissão do concurso; a exigência de fotos; e a formação de comissões, com composição plural, para entrevista dos candidatos em momento posterior à autodeclaração.
A grande dificuldade, porém, é a instituição de um método de definição dos beneficiários da política e de identificação dos casos de declaração falsa, especialmente levando em consideração o elevado grau de miscigenação da população brasileira. 68. É por isso que, ainda que seja necessária a associação da autodeclaração a mecanismos de heteroidentificação, para fins de concorrência pelas vagas reservadas nos termos Lei nº 12.990/2014, é preciso ter alguns cuidados.
Em primeiro lugar, o mecanismo escolhido para controlar fraudes deve sempre ser idealizado e implementado de modo a respeitar a dignidade da pessoa humana dos candidatos.
Em segundo lugar, devem ser garantidos os direitos ao contraditório e à ampla defesa, caso se entenda pela exclusão do candidato.
Por fim, deve-se ter bastante cautela nos casos que se enquadrem em zonas cinzentas.
Nas zonas de certeza positiva e nas zonas de certeza negativa sobre a cor (branca ou negra) do candidato, não haverá maiores problemas.
Porém, quando houver dúvida razoável sobre o seu fenótipo, deve prevalecer o critério da autodeclaração da identidade racial. [...]" (grifei) Sobre a temática, ressalto as considerações feitas pelo eminente Desembargador Federal Carlos Augusto Pires Brandão, em decisão liminar proferida nos autos do Agravo de Instrumento nº 1040495-06.2020.4.01.0000: A autodeclaração é o ponto de partida para se definir a que etnia identitária pertence determinado cidadão, a fim de enquadrá-lo dentro das políticas sociais que resguardam as ações afirmativas, podendo a heteroidentificação atuar, como tarefa complementar, para resguardar a efetividade da autodeclaração, corrigindo eventuais equívocos isonômicos verificados pela comissão, ante a existência de possíveis fraudes pelos candidatos.
Insere-se, pois, na autonomia didático-científica das Universidades o direito de instituir o critério da heteroidentificação aos candidatos – complementar a autodeclaração, por intermédio de comissão que se limita a identificar, à luz dos fins e do horizonte da política pública, quem é o beneficiário das ações afirmativas.
Todavia, a Administração, ao publicar o edital do certame, deve previamente estabelecer todo o conteúdo de regras, fases e metodologias para a classificação dos candidatos, pois desperta neles a legítima expectativa de que somente se submeterá aos procedimentos ali previstos, cumprindo com os termos do edital e seguindo todas as suas regras previamente estabelecidas.
No caso, o edital do certame definiu apenas o critério da autodeclaração, tendo a agravante apresentado a autodeclaração no sentido de que se reconhece como parda.
Para a fiscalização das cotas raciais é de fundamental importância enfatizar que os editais dos processos seletivos devem prever expressamente as normas de verificação da autodeclaração racial, em respeito ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, que impõe a observância às regras previamente estipuladas no edital, não podendo ser modificada a regra com o certame já em andamento.
Em caso similar, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RMS 59.369/MA, publicado em 21/05/2019, de relatoria do Min.
HERMAN BENJAMIN, decidiu: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
CONCURSO PÚBLICO.
VAGAS RESERVADAS PARA CANDIDATOS NEGROS.
AUTODECLARAÇÃO. ÚNICA EXIGÊNCIA EDITALÍCIA.
AUSÊNCIA DE PREVISÃO EDITALÍCIA DOS MÉTODOS DE HETEROIDENTIFICAÇÃO QUE VIRIAM A SER UTILIZADOS POSTERIORMENTE PELA COMISSÃO AVALIADORA.
INOVAÇÃO DESCABIDA.
OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGÍTIMA CONFIANÇA.
FALTA DE AMPARO LEGAL.
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO. 1.
Em se cuidando de disputa de cargos públicos reservados pelo critério da cota racial, ainda que válida a utilização de parâmetros outros que não a tão só autodeclaração do candidato, há de se garantir, no correspondente processo seletivo, a observância dos princípios da vinculação ao edital, da legítima confiança do administrado e da segurança jurídica. 2.
O princípio da vinculação ao instrumento convocatório impõe o respeito às regras previamente estipuladas, as quais não podem ser modificadas com o certame já em andamento. 3.
Os critérios de avaliação capazes de infirmar a autodeclaração do candidato, declaração esta presumidamente verdadeira (item 1.4, do edital - fl. 62), embora mostrem-se legítimos como forma de supervisão, não foram previstos no edital do concurso em referência. 4.
Ao revés, o instrumento convocatório apenas previu, genérica e abstratamente, a possibilidade de conferência daquela declaração por uma comissão específica (item 1.5 - fl. 62), cuja composição ou formas de deliberação também não foram objeto de detalhamento no edital, o que torna ainda mais grave a lacuna normativa aplicável ao certame. 5.
Dito de outro modo, padece de ilegalidade o ato de não enquadramento da Recorrente nas vagas reservadas aos candidatos negros, visto que o edital não estabeleceu de antemão e objetivamente os critérios de heteroidentificação (ex. características fenotípicas) que viriam a servir de parâmetro para a comissão avaliadora.
Assim, forçoso reconhecer que houve indevida inovação, ao arrepio da proteção da confiança depositada pelos candidatos na estabilidade das regras do certame.
O edital, como se sabe, é a lei do concurso. À conta dessa conduta, restou afrontado pela Administração, dentre outros, o princípio da vinculação ao instrumento convocatório.
Precedente desta Corte em caso assemelhado: AgRg no RMS 47.960/RS, Rel.
Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Primeira Turma, DJe 31/05/2017. 6.
Recurso Ordinário em Mandado de Segurança provido para, reformando o acórdão recorrido, conceder a segurança, determinando-se a reinserção do nome do recorrente na lista dos candidatos que concorreram às vagas destinadas ao provimento por cota racial, respeitada sua classificação em função das notas que obteve no certame (RMS 59.369/MA, Min.
HERMAN BENJAMIN, publicado em 21/05/2019). [...] Na mesma diretriz, destaco ainda excerto da decisão proferida pelo MM Juiz Federal César Jatahy Fonseca, relator convocado do AI nº 1042528-03.2019.4.01.000: (...) Na decisão agravada, assim como na sentença, está dito que, na época da admissão do autor no curso de medicina pelo regime de cotas, a UFLA não estabeleceu critério estritamente fenótipo para seleção dos candidatos autodeclarados negros/pardos, admitindo, assim, em virtude da omissão de regra específica, a possibilidade de se autoidentificarem como negros também em função de seu sentimento de pertencerem à etnia parda/negra por motivos subjetivos.
Não há no edital informação a respeito da possível verificação do fenótipo durante o curso, com a probabilidade de desligamento (cancelamento da matrícula) a qualquer tempo.
O Edital n. 234/2017 dispôs apenas que compete exclusivamente ao estudante certificar-se de que cumpre os requisitos estabelecidos pela UFLA para concorrer às vagas reservadas em decorrência do disposto na Lei 12.711/12, sob pena de, caso selecionado, perder a vaga. É dessa disposição que a Universidade extrai a verificação do fenótipo e o desligamento do aluno a qualquer tempo, conforme se verifica da contestação (ID 11124470).
Para se evitar prejuízos a candidato autodeclarado da etnia preta, parda e indígena, com ulterior cancelamento da matrícula como no caso, o razoável seria a verificação do enquadramento por Comissão Especial de Verificação de Autodeclaração na fase de matrícula.
Não se afigura plausível o desligamento de aluno por falta de diligência da instituição de ensino, que, aparentemente, fica na dependência de eventual denúncia anônima sobre possível não enquadramento de aluno autodeclarado cotista.
Note-se que, na espécie, a própria Universidade admite que o processo administrativo foi instaurado a partir de denúncia anônima: Sucedeu que sobreveio denúncia anônima junto à ouvidoria da universidade dando conta de que referida aluna NÃO pertence às etnias preta, parda e indígena (contestação).
Ora, a prévia avaliação por Comissão Especial de Verificação de Autodeclaração deveria ser exigência para matrícula na vaga de cotista, como ocorre nos concursos públicos.
Confira-se o seguinte aresto deste Tribunal: ADMINISTRATIVO.
ENSINO SUPERIOR.
VESTIBULAR.
UNIVERSIDADE FEDERAL.
SISTEMA DE COTAS.
MATRÍCULA. 1.
Ainda que se entenda legítimo o Programa de Bônus de 10 e 15% sobre a nota final, em cada uma das etapas do concurso vestibular, destinado a alunos carentes e/ou negros ou pardos, é forçoso visualizar, na situação peculiar da causa, a questão essencial em debate sob outra ordem de consideração, uma vez que, na espécie, a aluna já ingressou na universidade, por decisão antecipatória da tutela que lhe garantiu a matrícula no segundo semestre/2010 no curso de medicina. 2.
Pode-se depreender, de forma clara e inequívoca, a perplexidade, insegurança e o extremo mal-estar acarretados à aluna no momento em que recebeu a notícia de que seria desligada do corpo discente da Universidade, até porque o semestre letivo por ela cursado na instituição de ensino resultou de provimento emanado de órgão do Estado, que possui o monopólio na prestação da tutela jurisdicional.
Sob essa perspectiva, cumpre ter presente que o legislador constituinte instituiu, com a atual Lei Fundamental, um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, (...), a segurança, o bem-estar, (...) e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social, conforme se extrai de seu preâmbulo. 3.
O cancelamento da matrícula não acarretaria o surgimento de uma vaga específica em ordem a possibilitar que outro aluno a assuma em lugar da estudante-autora, porque tal só ocorreria na hipótese de se tratar de vaga surgida no primeiro semestre; não, porém, no terceiro.
Então, o que viria a ocorrer, nesta hipótese, seria um vazio, sem razão plausível, dado que não será ele preenchido com a assunção da vaga por outro aluno em lugar da ora apelante.
Sob a ótica do princípio da razoabilidade, mostra-se também de todo impertinente e desaconselhável alijar a aluna do curso que frequenta na UFMG. 4.
Apelação da autora provida, para julgar procedente o pedido, confirmando seu direito à matrícula no curso de medicina da UFMG. (TRF1, AC 0023021-37.2010.4.01.3800/MG, Desembargador Federal Fagundes de Deus, 5T, e-DJF1 07/10/2011, p. 415).
Esse precedente foi considerado em conformidade com a posição do STF em regime de repercussão geral (RE 597-285/RS, sessão de 09/05/2012, DJe-053 18/03/2014): Pelo exposto, defiro o pedido de antecipação de tutela recursal para assegurar a manutenção do autor no curso supracitado até pronunciamento da Turma.
Comunique-se para imediato cumprimento.
Proceda-se na forma do art. 1.019, II, do CPC.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Juiz Federal CÉSAR JATAHY FONSECA Relator Convocado (PEDCONESUS 1042528-03.2019.4.01.0000, JUIZ FEDERAL CÉSAR JATAHY FONSECA, TRF1, PJE 19/12/2019 PAG.) Destarte, reputo ilegal e arbitrário o trâmite adotado no procedimento administrativo em questão, pois consubstancia ofensa ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório.
Não que se há falar em prerrogativa da Administração de revisar o ato com efeitos retroativos, na medida em que tal solução atentaria contra o princípio da segurança jurídica, afetando atos jurídicos já perfectibilizados e constituídos em face de critérios até então aceitos pela instituição de ensino superior (Precedente: APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 500032807.2017.4.04.7110/RS - RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR).
III.
DISPOSITIVO Posto isso, CONCEDO A SEGURANÇA para tornar sem efeito o ato administrativo que cancelou a matrícula da impetrante, com a consequente manutenção de sua condição de aluna matriculada no Curso de Medicina da UFRR.
Custas isentas.
Sem honorários advocatícios, nos termos do art. 25 da Lei nº 12.016/2009 c/c enunciado 105 da Súmula do STJ.
Sentença sujeita ao reexame necessário (art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/09).
Havendo interposição de recurso, intime(m)-se o(s) recorrido(s) para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias, remetendo em seguida os autos ao TRF (art. 1010, § 3º, do CPC), tudo independentemente de novo despacho. À míngua de recurso interposto pelas partes, remetam-se os autos ao e.
TRF, com as homenagens de estilo.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Boa Vista/RR, data da assinatura eletrônica.
FELIPE BOUZADA FLORES VIANA Juiz Federal -
11/03/2021 15:24
Juntada de Certidão
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11/03/2021 15:24
Expedição de Comunicação via sistema.
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11/03/2021 15:24
Expedição de Publicação ao Diário de Justiça Eletrônico Nacional.
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11/03/2021 15:24
Expedição de Publicação ao Diário de Justiça Eletrônico Nacional.
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11/03/2021 15:24
Concedida a Segurança
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09/03/2021 11:59
Conclusos para julgamento
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09/03/2021 10:14
Juntada de parecer
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02/03/2021 23:44
Expedição de Comunicação via sistema.
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18/02/2021 12:33
Redistribuído por sorteio em razão de alteração de competência do órgão
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04/02/2021 03:37
Decorrido prazo de REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA em 03/02/2021 23:59.
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27/01/2021 19:54
Juntada de petição intercorrente
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25/01/2021 20:34
Juntada de petição intercorrente
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21/12/2020 12:19
Mandado devolvido cumprido
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21/12/2020 12:19
Juntada de diligência
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18/12/2020 22:43
Juntada de Certidão
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18/12/2020 11:45
Recebido o Mandado para Cumprimento
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18/12/2020 10:02
Expedição de Mandado.
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18/12/2020 10:01
Expedição de Comunicação via sistema.
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18/12/2020 10:01
Expedição de Comunicação via sistema.
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18/12/2020 09:03
Outras Decisões
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17/12/2020 11:46
Conclusos para decisão
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17/12/2020 11:45
Juntada de termo
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16/12/2020 15:27
Expedição de Outros documentos.
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16/12/2020 12:36
Outras Decisões
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15/12/2020 12:01
Conclusos para decisão
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15/12/2020 00:09
Juntada de petição intercorrente
-
15/12/2020 00:07
Juntada de petição intercorrente
-
09/12/2020 18:43
Expedição de Outros documentos.
-
09/12/2020 18:31
Não Concedida a Medida Liminar
-
09/12/2020 16:15
Juntada de petição intercorrente
-
09/12/2020 16:10
Juntada de comprovante de recolhimento de custas
-
07/12/2020 16:11
Conclusos para decisão
-
07/12/2020 13:40
Remetidos os Autos (#Não preenchido#) da Distribuição ao 4ª Vara Federal Cível e Criminal da SJRR
-
07/12/2020 13:40
Juntada de Informação de Prevenção
-
06/12/2020 19:32
Recebido pelo Distribuidor
-
06/12/2020 19:32
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
18/02/2021
Ultima Atualização
08/05/2024
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
Acórdão • Arquivo
Sentença Tipo A • Arquivo
Decisão • Arquivo
Agravo de Instrumento • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
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