TRF1 - 1015657-08.2025.4.01.3400
1ª instância - 21ª Brasilia
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Polo Passivo
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03/03/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Distrito Federal 21ª Vara Federal Cível da SJDF PROCESSO: 1015657-08.2025.4.01.3400 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) POLO ATIVO: MAYARA CRISTINA NUNES FERREIRA REPRESENTANTES POLO ATIVO: BEATRIZ LOPES RIBEIRO VASCONCELOS - DF76806 e BRUNA VASCONCELOS PEREIRA DIAS - DF62394 POLO PASSIVO: EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES - EBSERH e outros DECISÃO Trata-se de ação de procedimento comum ajuizada por MAYARA CRISTINA NUNES FERREIRA em face da EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES – EBSERH e OUTROS objetivando, em sede de tutela provisória de urgência, “anular o ato que eliminou a parte Requerente no procedimento de heteroidentificação, para que permaneça no certame junto às vagas de cotas raciais, sob a condição de sub judice, garantindo-lhe a possibilidade de participar adequadamente das demais fases do certame e ser convocada de acordo com a ordem de classificação.
E, subsidiariamente, que lhe seja garantida a reserva da vaga até o final do presente processo” (ID 2173337192, p. 27).
Alega a parte autora, em síntese, ser nulo o ato que a eliminou das vagas destinadas à pessoas negras, durante a etapa de heteroidentificação do Exame Nacional de Residência (ENARE), em decorrência do parecer genérico e desprovido de razoabilidade; da inobservância dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da motivação dos atos administrativos; e do descumprimento do que restou decidido pelo STF na ADC 41, ao impossibilitar a apresentação de documentação subsidiária à autodeclaração.
Requer a gratuidade judiciária.
Com inicial vieram documentos. É o que importa relatar.
DECIDO.
A autora se insurge contra a avaliação da sua condição de negra/parda, tendo em vista que se inscreveu no certame para as cotas raciais, contudo, não foi assim considerada pela banca examinadora, que fundamentou a sua decisão na aparência incompatível com as exigência estabelecidas pelo edital de abertura, levando-se em consideração aspectos da cor da pele e fisionomia que a caracterizasse como um indivíduo das etnias negras.
Assim, o pedido de tutela provisória de urgência visa tornar sem efeito essa decisão administrativa que excluiu a demandante das vagas reservadas aos candidatos negros/pardos na seleção para o Exame Nacional de Residência (ENARE).
De forma direta, o art. 2º e o seu parágrafo único da Lei nº 12.990/2014 assim estabelecem: Art. 2º Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Parágrafo único.
Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
A dicção legal deixa entrever que, para fins de enquadramento em cotas, os candidatos se utilizarão do critério da autodeclaração, não obstante tal critério possa ser questionado e refutado pela banca examinadora, pois a presunção de veracidade da autodeclaração é relativa.
Assim, considero possível haver questionamento a respeito da manifestação do candidato até para não nulificar, na prática, o sistema de cotas, já que, à luz de uma interpretação teleológica, o objetivo da norma é superar as deficiências sociais e as perdas históricas acumuladas, possibilitando, assim, o acesso de grupos de indivíduos a espaços públicos de que foram usualmente privados.
O Edital regente do certame também previu, no subitem 6.9 (ID 2173351052), a verificação da condição de cotista declarada pelo candidato por meio do procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos pretos ou pardos.
Confira-se: 6.9 Do Procedimento de Heteroidentificação ao candidato inscrito como negro. 6.9.1 Somente será convocado para realizar o Procedimento de Heteroidentificação o candidato inscrito como negro e aprovado na prova objetiva. 6.9.2 A FGV constituirá uma Banca examinadora para o Procedimento de Heteroidentificação com requisitos habilitantes, conforme determinado pela Instrução Normativa MGI nº 23, de 25 de julho de 2023, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. 6.9.2.1 A Banca Examinadora será responsável pela emissão de um parecer conclusivo favorável ou não à declaração do candidato, considerando os aspectos fenotípicos deste. 6.9.3 O Procedimento de Heteroidentificação será realizado eletronicamente.
O Edital de convocação, onde constarão os prazos e normas para envio da documentação, será publicado oportunamente no endereço eletrônico https://enare.ebserh.gov.br/. 6.9.3.1 Não haverá segunda chamada para o preenchimento do formulário de participação, seja qual for o motivo alegado para justificar a ausência do candidato ao preenchimento do formulário do Procedimento de Heteroidentificação. 6.9.3.2 O não envio das fotos, documentos e vídeo ou o indeferimento no Procedimento de Heteroidentificação acarretará a perda do direito às vagas reservadas aos candidatos negros. 6.9.4 Os candidatos convocados para o Procedimento de Heteroidentificação deverão enviar eletronicamente à FGV as fotos, documentos e vídeo para análise.
Para tanto, os candidatos deverão: a) acessar o link de “Procedimento de Heteroidentificação” disponível no site https://enare.ebserh.gov.br/; b) inserir o número de CPF para acessar o formulário; c) anexar imagens do documento de identidade (frente e verso); d) anexar 1 (uma) foto colorida de frente (com o fundo branco); e) anexar 1 (uma) foto colorida de perfil (com o fundo branco); f) anexar 1 (um) vídeo de no máximo 20 (vinte) segundos; o candidato deverá dizer o seu nome, o cargo a que concorre e os seguintes dizeres: “declaro que sou negro, da cor preta ou parda”. g) anexar a autodeclaração preenchida e assinada, conforme modelo anexo ao Edital de Convocação para o Procedimento de Heteroidentificação. 6.9.4.1 Os arquivos, contendo os documentos correspondentes para análise, deverão estar nas extensões e dimensões a seguir: a) os documentos e fotos devem estar na extensão JPG, JPEG, PNG ou PDF com o tamanho máximo de 20 MB (megabytes) por arquivo; a.1) ao anexar documentos em PDF, o candidato deve atentar-se para que os mesmos não estejam protegidos por senha, sendo este motivo passível de reprovação no Procedimento de Heteroidentificação; b) o vídeo deve estar na extensão MP4, com o tamanho máximo de 50 MB (megabytes). 6.9.4.2 Para os documentos que tenham informações frente e verso, o candidato deverá anexar as duas imagens para análise. 6.9.4.3 As imagens dos documentos deverão estar em perfeitas condições, de forma a permitir a análise da documentação com clareza. 6.9.4.4 É de inteira responsabilidade do candidato verificar se as imagens carregadas na tela de envio de documentos para o Procedimento de Heteroidentificação estão corretas. 6.9.4.5 Não serão considerados e analisados os documentos que não pertencem ao candidato. (…) 6.9.8 Quanto ao não enquadramento do candidato na reserva de vaga, conforme Procedimento de Heteroidentificação, caberá pedido de recurso, conforme data estabelecida no cronograma em anexo. 6.9.9 Haverá a previsão de Comissão Recursal, que será composta de três integrantes distintos dos membros da Comissão de Heteroidentificação, nos termos do respectivo edital e da Instrução Normativa MGI nº 23, de 25 de julho de 2023, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. 6.9.10 Das decisões da Comissão Recursal não caberá recurso. 6.9.11 Demais informações a respeito do Procedimento de Heteroidentificação constarão de edital específico de convocação para essa fase.
Ademais, no subitem 6.9.8, o edital prevê a possibilidade de interposição de recurso contra o resultado da decisão da comissão de não enquadramento do candidato na reserva de vaga.
De certo, os candidatos foram previamente advertidos de que seriam consideradas as características fenotípicas ao tempo de realização do procedimento de heteroidentificação.
Por isso não parece crível que documentação complementar que se pretendia juntar, ou mesmo a avaliação complementar, tivesse força probante superior à própria avaliação física da autora por fotos e vídeos, a ponto de desfazer a conclusão de examinadores distintos integrantes da comissão de heteroidentificação, a qual somente seria possível no caso de dúvida razoável.
De acordo com vasta doutrina, a iniciativa principal do legislador ordinário foi enfrentar a discriminação racial, conferindo privilégio positivo àqueles que se autodeclaram negros ou pardos a concorrerem às vagas destinadas em separado como instrumento de reparação discriminatória.
Nesse contexto, a rigor, pode-se dizer que, se as características fenotípicas da postulante, aos olhos da comissão avaliadora, não foram consideradas como suscetíveis à discriminação racial, a finalidade de proteção inerente às cotas não seria alcançada, o que valida a sua desclassificação para concorrer a uma das vagas destinadas a negros e pardos.
Ademais, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ADPF 186, entendeu ser legítima a adoção de mecanismos adicionais de apuração da autodeclaração para efetivamente constatar que está sendo cumprida a ação afirmativa racial, devendo, contudo, ser observados determinados preceitos.
Veja-se: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.
ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR.
ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
I - Não contraria - ao contrário, prestigia - o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares.
II - O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade.
III - Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa.
IV - Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro.
V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição.
VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes.
VII - No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem.
Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação - é escusado dizer - incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos.
VIII - Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente. (ADPF 186, Relator(a): Min.
RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 26/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 17-10-2014 PUBLIC 20-10-2014) Desse modo, não se antevê, primo ictu oculi, qualquer inadequação no proceder e na decisão adotada pela banca examinadora, diante das presunções várias e notórias que militam em prol da Administração Pública (legitimidade, veracidade e legalidade).
Por isso e por ora, o pêndulo da verossimilhança oscila em favor da manutenção da decisão administrativa combatida.
Com essas considerações, não pode a autora pretender que o Poder Judiciário substitua a banca avaliadora para, revendo os critérios por ela adotados, considerá-lo compatível com as exigências previamente estabelecidas para figurar como candidata cotista.
Nesse cenário, os argumentos apresentados na exordial, para serem acolhidos ou rejeitados, precisam ser submetidos ao contraditório da parte requerida e, quiçá, à produção de outras provas, porque, a documentação que instrui o feito foi produzida de forma unilateral e não foi submetida à parte adversa.
Firme nesses entendimentos, considero incabível, por ora, o acolhimento das pretensões acautelatórias formuladas pela autora, mormente altera pars.
Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de tutela de urgência. À míngua de elementos idôneos a comprovar a alegada hipossuficiência da parte autora, INDEFIRO a gratuidade de justiça.
Assim, comprove a parte demandante o recolhimento das custas judiciais, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de extinção do feito sem resolução de mérito.
Transcorrido o prazo acima in albis, venham os autos conclusos para sentença extintiva.
Considerando o teor dos Ofícios Circulares da PRU, PRF e PGFN, remetidos a esta Vara, deixo de realizar a audiência prévia de conciliação e mediação, nos termos do art. 334, § 4º, inciso II, do Código de Processo Civil.
Comprovado o recolhimento das custas processuais, cite-se.
Apresentada a defesa, à réplica.
Desde já, indefiro protestos e pedidos genéricos de produção de provas, devendo as partes, se assim desejarem, requerer a produção de provas específicas que entendam necessárias ao julgamento do feito, declinando os fatos que pretendam comprovar, devendo assim proceder em sede de contestação (parte ré) e réplica (parte autora).
Em caso de serem formulados pedidos de produção de provas específicas de natureza não documental, venham os autos conclusos para decisão sobre a instrução probatória.
Caso não sejam veiculados pedidos de produção de provas específicas ou no caso de as partes considerarem ser a prova documental suficiente para a elucidação dos pontos controvertidos, venham os autos imediatamente conclusos para sentença.
Brasília, data da assinatura digital. -
21/02/2025 13:36
Recebido pelo Distribuidor
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21/02/2025 13:36
Autos incluídos no Juízo 100% Digital
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21/02/2025 13:36
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
21/02/2025
Ultima Atualização
25/06/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Sentença Tipo C • Arquivo
Decisão • Arquivo
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