TRF1 - 1006046-29.2024.4.01.3315
1ª instância - Bom J. da Lapa
Polo Ativo
Advogados
Polo Passivo
Partes
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Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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01/04/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Bom Jesus da Lapa-BA Juizado Especial Cível e Criminal Adjunto à Vara Federal da SSJ de Bom Jesus da Lapa-BA SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1006046-29.2024.4.01.3315 CLASSE: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) POLO ATIVO: M.
N.
D.
M.
POLO PASSIVO:MUNICIPIO DE COCOS e outros SENTENÇA Dispensado o relatório na forma do artigo 38 da Lei nº 9.099/95.
Benefício da assistência judiciária gratuita concedida ao evento 2141906274.
FUNDAMENTAÇÃO Trata-se de ação ordinária com pedido de tutela provisória de urgência ajuizada por M.
N.
D.
M., menor impúbere representado por sua genitora SUZETE DE JESUS NEVES, em face do MUNICÍPIO DE COCOS/BA, do ESTADO DA BAHIA e da UNIÃO FEDERAL, objetivando o fornecimento do medicamento ADRENALINA AUTOINJETÁVEL 150mcg (EpiPen/Anapen/Penepin), para tratamento de anafilaxia (CID-10: T78.2) devido à alergia grave a leite de vaca e derivados.
Alega a parte autora que é portadora de quadro grave de anafilaxia (CID-10: T78.2), apresentando reações alérgicas severas quando em contato com leite de vaca e derivados.
Informa que a condição requer o uso de adrenalina autoinjetável em casos de crise, sendo que a ausência do medicamento pode levar rapidamente ao óbito.
Afirma ter buscado administrativamente o fornecimento do medicamento junto ao Município, sem sucesso, e que sua família não possui condições financeiras para arcar com os custos do tratamento.
Juntou aos autos documentos pessoais, laudos médicos e demais documentos (ID 2138682149 e 2138682255).
Em decisão de ID 2141906274, datada de 08/08/2024, foi deferida a tutela de urgência para determinar que o Estado da Bahia fornecesse duas doses do medicamento na apresentação "caneta" ou, alternativamente, realizasse depósito judicial do valor correspondente para compra, no prazo de 10 dias.
Devidamente citada, a União apresentou contestação (ID 2143855873), arguindo, preliminarmente, a inviabilidade de conciliação e a falta de registro do medicamento na ANVISA.
No mérito, sustentou que: a) o medicamento não possui registro na ANVISA; b) não foram preenchidos os requisitos do tema 500 do STF e do tema 106 do STJ; c) existem alternativas terapêuticas fornecidas pelo SUS; d) em caso de procedência, o cumprimento deve ser direcionado conforme as regras de repartição de competências no SUS (tema 793 do STF).
O Estado da Bahia apresentou diversas manifestações (IDs 2144870827, 2145138705, 2149527752, 2150642370 e 2165182636), informando o cumprimento da tutela antecipada e, na contestação, arguindo argumentos similares aos da União Federal.
Em 13/11/2024, a parte autora informou via e-mail (ID 2158369364) que o medicamento recebido estava com prazo de validade próximo do vencimento (30/11/2024).
Em decisão de ID 2158647934, determinou-se que os réus comprovassem o devido cumprimento da tutela, sanando o problema da proximidade do vencimento do medicamento.
Posteriormente, o Estado da Bahia comprovou o fornecimento de nova remessa do medicamento com validade estendida até 30/06/2025 (ID 2165182637).
Os autos foram conclusos para sentença (ID 2177533515).
DA PRELIMINAR DE INVIABILIDADE DE CONCILIAÇÃO A União sustentou a inviabilidade de conciliação na presente demanda.
De fato, em se tratando de ações que envolvem políticas públicas de saúde, a competência dos entes federados é estabelecida por lei, não havendo margem para transação.
Portanto, acolho a preliminar para reconhecer a inviabilidade de conciliação no presente caso.
DO MÉRITO A controvérsia principal reside na obrigação do Poder Público em fornecer o medicamento ADRENALINA AUTOINJETÁVEL 150mcg, o qual não possui registro na ANVISA nem está incorporado às listas oficiais do SUS.
DA LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES FEDERADOS Quanto à legitimidade passiva dos entes federados, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 855.178/SE (Tema 793 de Repercussão Geral), firmou a seguinte tese: "Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro." Portanto, resta clara a legitimidade passiva dos três entes federados acionados na presente demanda.
DO DIREITO À SAÚDE E DO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS SEM REGISTRO NA ANVISA O direito à saúde encontra-se consagrado no art. 196 da Constituição Federal, que estabelece ser "a saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação." Contudo, o art. 19-T, II, da Lei nº 8.080/90 veda expressamente "a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na ANVISA." Sobre esse tema, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 657.718/MG (Tema 500), fixou a seguinte tese: "1.
O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2.
A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido de registro (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4.
As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União." Ademais, a jurisprudência pátria tem admitido o fornecimento off label, hipótese em que o medicamento tem registro mas com indicação em bula para tratamento diverso, quando houver prova que demonstre a imprescindibilidade do fármaco e a existência de estudos ou experiência de sucesso no tratamento indicado, ou seja, para fazer jus ao fornecimento pelo Poder Público, a parte autora deve evidenciar a necessidade e a adequação do medicamento e, ainda, a ausência de alternativa terapêutica.
Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.657.156/RJ (Tema 106), fixou os seguintes requisitos para fornecimento de medicamentos não incorporados aos atos normativos do SUS: "(i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento, observados os usos autorizados pela agência." DO CASO CONCRETO No presente caso, restou devidamente comprovado, por meio de documentação médica, que o autor é portador de anafilaxia (CID-10: T78.2), apresentando alergia grave a leite de vaca e derivados, cuja manifestação pode levar rapidamente ao óbito em caso de crise não tratada adequadamente.
Conforme as notas técnicas juntadas aos autos (IDs 2141906783, 2141906837 e 2141906951), a adrenalina é considerada a droga de primeira linha para tratamento da anafilaxia, sendo essencial sua administração imediata para evitar complicações graves ou até mesmo o óbito.
Embora o SUS disponibilize a adrenalina na forma de solução injetável (1mg/mL), essa apresentação exige conhecimento técnico para aplicação, o que não se mostra viável em situações de emergência fora do ambiente hospitalar, especialmente tratando-se de paciente pediátrico.
A apresentação autoinjetável, pleiteada nos autos, permite a aplicação por leigos em situações de emergência, sendo, portanto, indispensável para garantir o tratamento adequado do autor em casos de crise anafilática.
Quanto aos requisitos estabelecidos pelo STF no Tema 500, observa-se que, embora não haja prova da existência de pedido de registro no Brasil, as notas técnicas informam que o medicamento possui registro em agências reguladoras estrangeiras como a FDA (EUA) e a EMA (Europa).
Além disso, as notas técnicas confirmam que não há substituto terapêutico adequado disponível no SUS para uso em ambiente não hospitalar, considerando a necessidade de aplicação imediata em casos de crise anafilática. É importante ressaltar, ainda, que não se trata de medicamento experimental.
A adrenalina é amplamente reconhecida como tratamento padrão para anafilaxia, sendo a apresentação autoinjetável utilizada internacionalmente para esse fim.
Por fim, cabe destacar que o autor é uma criança, gozando de proteção especial garantida pelo art. 227 da Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que asseguram o direito à vida e à saúde com absoluta prioridade.
DA EXCEPCIONALIDADE DO CASO CONCRETO Diante das particularidades do caso, entendo que, excepcionalmente, estão presentes os requisitos que justificam o fornecimento do medicamento pleiteado, apesar da ausência de registro na ANVISA, pelas seguintes razões: Trata-se de paciente pediátrico com condição que pode levar ao óbito em caso de crise não tratada adequadamente; O medicamento possui registro em renomadas agências internacionais; Não há substituto terapêutico adequado disponível no SUS para uso em ambiente não hospitalar; Não se trata de medicamento experimental, mas de apresentação específica de fármaco já aprovado e utilizado no Brasil; Há comprovação da hipossuficiência financeira da família para arcar com os custos do tratamento.
Nesse sentido, em situações excepcionais como a presente, em que está em jogo o direito à vida, é possível flexibilizar a regra do art. 19-T da Lei 8.080/90, em consonância com o entendimento do STF no Tema 500, bem como com o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à saúde previstos na Constituição Federal.
DO DIRECIONAMENTO DO CUMPRIMENTO Conforme estabelecido pelo STF no Tema 793, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento da decisão conforme as regras de repartição de competências no âmbito do SUS.
No caso em análise, considerando que o medicamento não possui registro na ANVISA e não está incorporado às listas oficiais do SUS, a responsabilidade pelo seu fornecimento, em caso de judicialização, recai prioritariamente sobre a União, conforme item 4 da tese fixada no Tema 500 do STF: "As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União." Contudo, na presente ação, o Estado da Bahia já assumiu o encargo de fornecer o medicamento, tendo cumprido integralmente a tutela antecipada concedida, inclusive com a substituição do medicamento com prazo de validade próximo do vencimento.
Desse modo, em atenção ao princípio da efetividade processual e considerando a situação já consolidada nos autos, entendo por bem manter o direcionamento do cumprimento da obrigação ao Estado da Bahia, ressalvado seu direito de ressarcimento pelos demais entes federados, conforme regras de financiamento do SUS.
DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para CONDENAR os réus, solidariamente, ao fornecimento do medicamento ADRENALINA AUTOINJETÁVEL 150mcg (EpiPen/Anapen/Penepin), na quantidade e periodicidade prescritas pelo médico assistente, enquanto houver necessidade e prescrição médica, direcionando o cumprimento da obrigação ao ESTADO DA BAHIA.
CONFIRMO a tutela antecipada concedida (ID 2141906274).
Considerando a condição de vulnerabilidade do autor e a excepcionalidade da situação, determino que o fornecimento do medicamento seja acompanhado de monitoramento da data de validade, devendo o Estado da Bahia providenciar a substituição do medicamento com, no mínimo, 30 (trinta) dias de antecedência ao vencimento, de modo a garantir a eficácia do tratamento em caso de necessidade.
Sem custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95.
Sentença não sujeita ao reexame necessário, nos termos do art. 496, § 3º, do CPC.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, não havendo outros requerimentos, arquivem-se os autos.
Bom Jesus da Lapa/BA, data da assinatura eletrônica.
JUIZ(A) FEDERAL (assinado eletronicamente) -
22/07/2024 14:01
Recebido pelo Distribuidor
-
22/07/2024 14:01
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
22/07/2024
Ultima Atualização
01/04/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
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