TRF1 - 1012842-79.2022.4.01.3000
1ª instância - 2ª Rio Branco
Polo Ativo
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Polo Passivo
Partes
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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28/05/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Acre 2ª Vara Federal Cível e Criminal da SJAC SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1012842-79.2022.4.01.3000 CLASSE: AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:ANDRE LUIS TAVARES DA CRUZ MAIA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ALVARES SANTIAGO DE OLIVEIRA FILHO - AC3904, CRISTOPHER CAPPER MARIANO DE ALMEIDA - AC3604 e SANDERSON SILVA MARIANO DE ALMEIDA - AC5896 SENTENÇA I O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL propôs a apresente ação civil de improbidade administrativa (ID n.º 1395274759) em face de ANDRÉ LUIS TAVARES DA CRUZ MAIA, DEUSDETE DE SOUZA CRUZ, GILSOMAR MARQUES AMÉRICO e MARKA COMÉRCIO EIRELI, objetivando, liminarmente, a decretação de indisponibilidade dos bens dos requeridos – até o limite de R$ 764.746,64.
No mérito, requer a condenação dos requeridos por atos de improbidade administrativa, por terem obtido enriquecimento ilícito, lesado o Erário e violado princípios administrativos.
Aduz que a presente ação tem por objeto apenas uma fração dos ilícitos cometidos na administração municipal de Senador Guiomard/AC, na gestão de André Luis Tavares da Cruz Maia, qual seja a adesão fraudulenta à Ata de Registro de Preços n.º 001/2017, originada do Pregão SRP n.º 001/2017 do Município de Feijó/AC e o enriquecimento ilícito ocasionado a partir da execução contratual dela decorrente.
Alega que se extrai dos autos da medida cautelar n.º 0100463-19.2018.8.01.0000 que, em 02/03/2017, André Luis Tavares da Cruz Maia, então prefeito do município de Senador Guiomard/AC, mediante ajustes e combinações com Gilsomar Marques Américo (proprietário da empresa Marka Comércio – Eireli) e Deusdete de Souza Cruz (Secretário Municipal de Finanças e tio do então prefeito), todos em conluio, dispensaram e/ou inexigiram licitação, sem a observância das formalidades legais, aderindo ou “tomando carona” na Ata do Pregão Presencial para Registro de Preços n.º 001/2017, promovido pelo Município de Feijó/AC, para beneficiar a empresa MARKA Comércio Ltda. (CNPJ n.º 63.***.***/0001-36), de propriedade de Gilsomar Marques Américo.
Menciona que, através do Termo de Adesão n.º 001/2017/Senador Guiomard, a empresa se tornou fornecedora de medicamentos e materiais médicos, hospitalares e odontológicos ao município, sendo que a avença previa o valor global de R$ 8.982.068,00.
Argumenta que o Pregão SRP n.º 001/2017 (em Feijó/AC) já fora fraudado na origem, isso com o fito de beneficiar a empresa MARKA, seguindo-se a negociação da ata com os outros municípios, tendo a ela “aderido” o município de Senador Guiomard/AC, por ato do então prefeito André Maia, devidamente coadjuvado pelo demandado Deusdete de Souza Cruz, tio e conselheiro deste, além de ser o então secretário municipal de finanças e, em razão de tal, o responsável pela liberação dos pagamentos à contratada.
Defende que o dolo dos agentes pode ser constatado, dentre outras coisas, por terem contratado empresa que havia sido declarada inidônea para contratar com o Poder Público – o que era de conhecimento da Secretaria Municipal de Saúde; e, terem assinado contrato com sobrepreço de 52%, quando comparado com outros presentes na base de dados do Tribunal de Contas do Estado do Acre.
Esclarece que a publicidade da adesão não legitima a fraude na origem e que como houve um gasto de R$ 1.470.666,62, entre 2017 e 2018, estima que o valor do prejuízo ao município foi de R$ 764.746,64.
Justifica que o ardil e a sua utilização foi bem explicada pelo colaborador Wellington Maciel Soares, com largos conhecimentos na matéria, e também demonstrado pelo Tribunal de Contas do Estado no procedimento administrativo de n.º 23.750.2017-50.
Juntou documentos.
Foi determinada a citação dos demandados antes da análise do pedido liminar (ID n.º 1399633781).
O requerido Deusdete de Souza Cruz foi citado e contestou (ID n.º 1466699392), na qual requereu, preliminarmente, a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita e o reconhecimento da impenhorabilidade de seu salário.
No mérito, alega, em resumo: (i) que não praticou nenhum ato de improbidade administrativa, pois apenas realizava os pagamentos conforme a ordem dos secretários; (ii) que não solicitava a compra de medicamentos ou insumos médicos e que o material era necessário devido à urgência no início da gestão, conforme requerido pela Secretaria Municipal de Saúde; (iii) que há justificativa para a dispensa de licitação neste caso; (iv) que a Secretaria Municipal de Saúde é o órgão responsável pela verificação da regularidade da licitação e neste caso a empresa forneceu os medicamentos e materiais; (v) que o colaborador Wellington Maciel Soares é mentiroso, conforme atestado pela própria Polícia Federal, tendo em vista que ele chegou a se passar por advogado mesmo sendo apenas estagiário de direito; (vi) que as investigações demonstraram que não há indícios de participação do demandado na prática de atos criminosos, tanto é que o Desembargador Relator (responsável pelo caso no TJAC) indeferiu o pedido de renovação da quebra de sigilo telefônico dele, em razão de não haver chamada telefônica que o comprometesse; e, (vii) que a ação controlada é ilegal, porque o colaborador “Gilson da Funerária” o atraiu para um flagrante preparado, sendo as provas colhidas ilegais em razão da aplicação da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, isto aconteceu porque o colaborador havia sido denunciado pelo requerido em um esquema de venda de urnas funerárias na cidade.
Os requeridos Gilsomar Marques Américo e Marka Comércio – Eireli também foram citados e contestaram (ID n.º 1488938357), alegando, em síntese: (i) que de fato há superfaturamento no contrato, mas em apenas alguns itens e no valor de R$ 296.297,54, conforme já reconhecido pelo Tribunal de Contas do Estado do Acre, tendo até já celebrado acordo com o município de Senador Guiomard/AC e quitado o débito, o que afasta qualquer prejuízo ao Erário e enriquecimento ilícito, bem como impede o deferimento de qualquer medida cautelar, sob pena de bis in idem; (ii) que não é o responsável pelo que houve em Feijó/AC, não há dolo, nem má-fé, não fraudou a competição, o que há são meras irregularidades; (iii) que a empresa é idônea para a contratação, pois o impedimento é apenas relativo aos Órgãos Federais e neste caso não havia recurso federal voluntário, mas verbas do Sistema Único de Saúde; e, (iv) que o colaborador Wellington Maciel Soares mentiu.
Juntou documentos.
O requerido André Luiz Tavares da Cruz Maia foi citado (ID n.º 1526713373), mas não contestou.
O pedido de indisponibilidade dos bens foi indeferido e o Ministério Público Federal foi intimado para apresentar réplica às contestações (ID n.º 1526713373).
O MPF apresentou manifestação (ID n.º 1558266353) defendendo a natureza inquisitiva do procedimento investigatório prévio instaurado e a inexistência de bis in idem quanto ao pedido de ressarcimento ao Erário.
Ao fim, requer a rejeição das preliminares levantadas e a decretação da revelia do demandado André Luis Tavares da Cruz Maia.
Sobreveio decisão (ID n.º 1681853984) rejeitando as preliminares de nulidade da ação e de bis in idem levantadas pelos demandados, decretando a revelia de André Luiz Tavares da Cruz Maia, registrando a tipificação imputável a cada um dos demandados e intimando as partes para a especificação de provas.
As partes não manifestaram interesse na produção de provas. É o relato.
Decido II Preliminarmente Da justiça gratuita Indefiro a gratuidade requerida por Deusdete de Souza Cruz, pois não foi demonstrada a hipossuficiência.
O art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição de 1988, determina que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.
O requerido não demonstrou documentalmente a insuficiência de recursos, antes limitou-se a juntar uma declaração de hipossuficiência, mesmo sendo servidor público efetivo do Tribunal de Justiça do Estado do Acre.
Da legalidade da ação controlada Rejeito o pedido de nulidade das provas colhidas com a ação controlada (fls. 135-156, da ID n.º 1395310795), tendo em vista que: (i) a ação foi realizada conforme os ditames legais (art. 8º e 9º da Lei 12.850/13); (ii) houve autorização judicial (fls. 108-121, da ID n.º 1395310795) – em decisão da lavra do e.
Des.
Laudivon Nogueira, do TJAC; e, (iii) todas as decisões e atos emanados do Tribunal de Justiça do Estado do Acre foram ratificados por este Juízo, no bojo da Ação Penal n.º 1005349-85.2021.4.01.3000, consoante decisão de ID n.º 1855913149 daqueles autos.
Parte destas provas colhidas na ação penal é usada nesta ação validamente, tendo em vista a possibilidade de compartilhamento, especialmente porque esta Ação Civil Pública decorre dos fatos apurados na Ação Penal mencionada e as partes (que são as mesmas) tiveram acesso ao contraditório e à ampla defesa em relação às provas produzidas na ação controlada, de modo que não há nulidade a ser declarada.
A propósito, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que não há óbice ao compartilhamento de provas nestas situações, quando oportunizado o contraditório.
Nessa linha, é o precedente cuja ementa possui o seguinte teor: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.
AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO DO JUIZ CRIMINAL QUE DEFERIU O COMPARTILHAMENTO DA PROVA PRODUZIDA NO INQUÉRITO POLICIAL PARA FIM DE INSTRUÇÃO DE AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
POSSIBILIDADE.
PRECEDENTES.
CONTRADITÓRIO DIFERIDO.
INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS PENAL, CÍVEL E ADMINISTRATIVA. 1.
Hipótese em que o impetrante se insurge contra decisão do juiz criminal que, após homologado o arquivamento do inquérito policial, deferiu o compartilhamento das provas produzidas para fim de instrução de ação cível de improbidade administrativa. 2. "É firme o entendimento jurisprudencial deste Sodalício no sentido da possibilidade de utilização, na seara cível, para fins de apuração de improbidade administrativa, de prova produzida na esfera penal." (AgRg no REsp 1714914/RS, Rel.
Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 27/02/2018, DJe 08/03/2018). 3.
O uso da prova emprestada estará sujeito à efetivação do contraditório no foro em que a prova vier a ser utilizada.
Precedentes. 4.
Agravo interno não provido. (STJ.
AgInt. no RMS n.º 61.408/RJ.
Rel.
Min.
Benedito Gonçalves.
Primeira Turma.
J.: 11/05/2020.
DJe.: 13/05/2020).
Do mérito A Lei n.º 14.230/21 efetuou inovações na Lei de Improbidade Administrativa.
Foram levantadas muitas controvérsias a respeito da aplicação da nova legislação, que restaram dirimidas pelo Supremo Tribunal Federal, através do Tema n.º 1.199 da Repercussão Geral, cujas teses foram assim fixadas: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.
O destaque fica por conta da revogação da modalidade culposa dos atos de improbidade administrativa, admitindo-se, agora, apenas a modalidade dolosa da improbidade, e quando o agente atuar movido por dolo específico.
No ponto, é oportuno consignar que a alteração legislativa na Lei de Improbidade Administrativa, na verdade, derivou de construção jurisprudencial que consagrou o entendimento de que, para que uma conduta seja tida por ímproba, além de se constatar irregularidade ou ilegalidade, é necessário comprovar a má-fé do administrador.
Assim, ao invés de se exigir dolo genérico e má-fé para a caracterização de ato administrativo, a Lei n.º 14.230/21 preferiu assentar que: Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei. § 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa.
Como pode ser visto, a nova redação da norma em referência cuida de definir o dolo específico como sendo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado em lei como ensejador de ocorrência de improbidade administrativa.
Só estará configurado o dolo específico se identificado o propósito viciado, com a consciência de se estar atuando ilicitamente, ou seja, agindo com a má-fé outrora exigida.
Na verdade, o dolo, cujo conceito é pertencente à Teoria Geral do Direito, embora mais estudado na dogmática penal – com valiosa contribuição doutrinária do alemão Claus Roxin, deve ser verificado na situação concreta.
Logo, não se pode concluir que é impossível identificar o dolo específico.
A doutrina destaca que: “Quando se condiciona a condenação do réu por uma conduta do art. 11 da LIA à presença da má-fé, essa medida acarretará na prática os mesmos efeitos que o de exigir a comprovação do dolo específico para que o réu responda por uma improbidade do art. 11.
Dizer que o réu agiu com dolo específico, vale dizer, atuou visando à prática da conduta com objetivos desonestos produz, na vida real, o mesmo efeito que dizer que o réu agiu com dolo genérico e com má-fé.” Assim, cabe ao autor demonstrar (art. 373, inciso I, do CPC) a ocorrência dos atos ímprobos e trazer aos autos provas para demonstração concreta do dolo, acompanhado dos elementos: má-fé, deslealdade, desonestidade ou objetivos espúrios na motivação dos atos questionados.
Isso porque o entendimento consagrado é que a improbidade administrativa só se configura diante de uma ilegalidade qualificada.
Não basta mera irregularidade, ilegalidade ou mesmo imoralidade, se o ato não está acompanhado de má-fé.
Postas estas premissas, passo à análise do caso concreto.
A tipificação imputável na decisão de ID n.º 1681853984 a cada um dos requeridos foi a seguinte: Art. 11, inciso V, da Lei n.º 8.429/92 - André Luiz Tavares da Cruz Maia, Deusdete de Souza Cruz, Marka Comércio – Eireli e Gilsomar Marques Américo, em relação à adesão fraudulenta à Ata de Registro de Preços n.º 001/2017, originada do Pregão SRP n.º 001/2017 do Município de Feijó/AC, que possibilitou o posterior desvio de recursos públicos, no montante de R$ 764.746,64.
Art. 10, inciso I, da Lei n.º 8.429/92 - André Luiz Tavares da Cruz Maia e Deusdete de Souza Cruz, em razão da contratação desvantajosa (itens com sobrepreço) para a Administração, porquanto concorreram/facilitaram para o enriquecimento ilícito de empresa requerida e do seu proprietário.
Art. 9º, inciso XI, da Lei n.º 8.492/92 - Marka Comércio – Eireli e Gilsomar Marques Américo, por incorporarem ao seu patrimônio rendas e valores da União, depois da fraude na adesão à Ata de Registro de Preços n.º 001/2017, originada do Pregão SRP n.º 001/2017 do Município de Feijó/AC.
A ação é procedente, pois foi demonstrado o nexo de causalidade entre as condutas indicadas e as ações dos requeridos, bem como o elemento subjetivo (dolo específico) necessário à configuração dos atos de improbidade.
Da violação aos princípios da administração pública.
Irregularidades na adesão à Ata de Registro de Preços.
Violação ao art. 11, inciso V, da Lei de Improbidade Administrativa.
Os requeridos André Luiz Tavares da Cruz Maia, Deusdete de Souza Cruz, Marka Comércio – Eireli e Gilsomar Marques Américo concorreram para a adesão fraudulenta à Ata de Registro de Preços n.º 001/2017, originada do Pregão SRP n.º 001/2017 do Município de Feijó/AC, frustrando o caráter competitivo de licitação, e isso possibilitou o superfaturamento do Contrato n.º 005/2017 em R$ 764.746,64, bem como o enriquecimento ilícito dos requeridos.
O requerido André Luiz Tavares da Cruz Maia solicitou a adesão (“carona”) à Ata de Registro de Preços n.º 001/2017, originada do Pregão SRP n.º 001/2017 do Município de Feijó/AC, em 14/02/2017 – pouco depois de assumir o mandato de Prefeito de Senador Guiomard/AC.
O objeto da adesão era a aquisição de medicamentos, material de consumo hospitalar, odontológico e instrumental.
As solicitações foram direcionadas ao Município de Feijó, à empresa Marka Comércio – Eireli e à empresa Odonto Plus Comércio LTDA (fl. 337-339, da ID n.º 1395310780), em 14/02/2017.
As respostas positivas do Município de Feijó/AC, da empresa Marka Comércio – Eireli e da empresa Odonto Plus Comércio LTDA vieram em 15/02/2017 (fl. 340-342, da ID n.º 1395310780), ou seja, no dia seguinte ao pedido.
O Termo de Adesão n.º 001/2017 (fls. 31-38, da ID n.º 1395310795) entre o Município de Senador Guiomard/AC e a empresa Marka Comércio – Eireli foi assinado em 03/03/2017, com a estimativa de despesa no valor de R$ 8.982.068,00.
A fraude na adesão (“carona”) à Ata de Registro de Preços n.º 001/2017, originada do Pregão SRP n.º 001/2017 do Município de Feijó/AC, possibilitou o direcionamento do certame em favor da empresa Marka Comércio – Eireli, evitando que outras concorressem, justamente porque os requeridos visavam à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto.
A adesão somente poderia ter sido feita, caso comprovado, por meio de ampla pesquisa de mercado (Lei n.º 8.666/1993, art. 15, inciso V, e § 1º), que os preços seriam manifestamente mais vantajoso, o que não ocorreu.
Os requeridos André Luiz Tavares da Cruz Maia e Deusdete de Souza Cruz (então prefeito e (Secretário de Finanças do Município, respectivamente) não efetuaram pesquisa de preços em busca da melhor proposta para a Administração e aderiram a uma Ata de Registro de Preços com itens superfaturados.
As cotações das empresas privadas datam de 17, 22 e 23 de fevereiro de 2017 (fl. 345-380, da ID n.º 1395310780), ou seja, não houve pesquisa de preços anteriormente à manifestação de adesão à ata de Feijó/AC.
O sistema do Tribunal de Contas do Estado do Acre foi consultado, no qual os requeridos encontrariam, pelo menos, outras 03 atas de registro de preços mais favoráveis à Administração do que aquela objeto da adesão (fl. 93, da ID n.º 1395310795).
Além da oferta de medicamentos superfaturados (como será detalhado em tópico próprio), o valor do frete – que altera o preço final do produto – foi ignorado, já que é incontroverso que um produto entregue em Feijó/AC, no ano de 2017, custaria mais do que o entregue em Senador Guiomard/AC, também em 2017.
Isso porque no ano em questão a BR 364 apresentava desafios de trafegabilidade, sendo até fechada em certos períodos do inverno amazônico.
Os requeridos aderiram, portanto, a uma Ata de Registro de Preços com os valores de medicamentos para Feijó/AC (mais caros), que foram entregues em Senador Guiomard/AC.
Outro ponto que foi ignorado, dolosamente, pelos requeridos André Luiz Tavares da Cruz Maia e Deusdete de Souza Cruz, foi a inaptidão da empresa Marka Comércio – Eireli para firmar contratos com o Poder Público, na medida em que havia sido declarada inidônea pelo Tribunal de Contas da União e o pagamento dela no contrato em análise se deu com verbas federais originárias do Sistema Único de Saúde (fls. 87-89, da ID n.º 1395310795).
Em outras palavras, a proibição de contratar com o poder público federal alcança as licitações e contratações diretas promovidas por Estados e Municípios cujos objetos sejam custeados por recursos oriundos de transferências voluntárias, tal como destacado pelo TCU (ID n.º 1395310795, fl. 88).
Tais condutas revelam a má-fé dos requeridos, pois estavam determinadas a fraudar a licitação, entregando o contrato à empresa Marka Comércio – Eireli, para depois se locupletarem dos desvios provenientes do superfaturamento.
Depois que a Ata de Registro de Preços n.º 001/2017 de Feijó/AC foi fraudada os requeridos puderam pegar “carona” nela, mesmo sendo uma contratação altamente desvantajosa à Administração.
Registre-se que embora mencionada fraude, na origem da licitação objeto da "carona", não esteja sendo tratada nos presentes autos, foi mencionada por Gilsomar Marques Américo quando depôs como colaborador (Gilsomar Marques Américo firmou um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público do Estado do Acre e Polícia Federal, nos autos da Ação Penal n.º 1005349-85.2021.4.01.3000 (ID’s n.º 2128391489, 2128391685 e 2128391873 daqueles autos)) O direcionamento na adesão (“carona”) à Ata de Registro de Preços n.º 001/2017, originada do Pregão SRP n.º 001/2017, do Município de Feijó/AC, também foi revelado pelo colaborador Willian Queiroz da Silva – que firmou acordo de colaboração premiada com o Ministério Público do Estado do Acre e a Polícia Federal, juntado nas fls. 20-45, da ID n.º 1550754883, da Ação Civil de Improbidade Administrativa n.º 1012841-94.2022.4.01.3000 – 2ª Vara Federal da JFAC.
O colaborador era uma espécie de “sócio oculto” do então Prefeito de Senador Guiomard/AC, André Luiz Tavares da Cruz Maia, revelando que a “carona” à Ata de Registro de Preços n.º 001/2017 de Feijó/AC foi previamente acordada entre o então Prefeito e o requerido Gilsomar Marques Américo (proprietário da empresa Marka Comércio – Eireli), pois o empresário teria auxiliado André Maia ainda na campanha.
O esquema consistia na fraude à licitação na origem (Feijó/AC) e o posterior oferecimento de caronas a outros municípios nos quais o empresário tinha ligação com o Chefe do Executivo.
Veja-se (fls. 27-31, da ID n.º 1550754883, da Ação Civil de Improbidade Administrativa n.º 1012841-94.2022.4.01.3000): O requerido Gilsomar Marques Américo firmou um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público do Estado do Acre e Polícia Federal, nos autos da Ação Penal n.º 1005349-85.2021.4.01.3000 (ID’s n.º 2128391489, 2128391685 e 2128391873 daqueles autos) – 2ª Vara Federal da SJAC, na qual figuram como réus os mesmos requeridos, além de outros.
Em um dos trechos (ID n.º 2128391873, da ação penal) de sua colaboração premiada, detalha que o Pregão SRP n.º 001/2017, do Município de Feijó/AC, foi fraudado desde a origem, pois teria atuado em conjunto com o então prefeito (Kiefer Cavalcante) para direcionar a licitação em favor da Marka Comércio – Eireli, em troca de pagamentos indevidos, efetuados antes do recebimento das notas fiscais pela empresa.
Os valores eram entregues pessoalmente e em espécie ao então prefeito de Feijó/AC, geralmente no escritório da empresa e na quantia de R$ 8.000,00.
Veja-se: Gilsomar Marques Américo também revela, em trechos (ID’s n.º 2128391489 e 2128391685, da Ação Penal n.º 1005349-85.2021.4.01.3000 – 2ª Vara Federal da SJAC) de sua colaboração premiada, que o requerido André Luiz Tavares da Cruz Maia valeu-se do mesmo modus operandi do então Prefeito de Feijó/AC – consoante se verá em tópico próprio – solicitando e obtendo vantagens indevidas depois do direcionamento na licitação em favor da empresa.
De igual modo, o requerido Deusdete de Souza Cruz (Secretário de Finanças do Município) recebeu dinheiro vivo do empresário, decorrente do contrato firmado com a empresa Marka Comércio – Eireli, como forma de complementação de renda, a pedido do então Prefeito.
Portanto, não foi por acaso a adesão fraudulenta à Ata de Registro de Preços n.º 001/2017, originada do Pregão SRP n.º 001/2017 do Município de Feijó/AC, frustrando o caráter competitivo de licitação, para favorecer a empresa Marka Comércio – Eireli.
Tudo estava previamente combinado.
Todo o conluio ofendeu a legalidade, pois a legislação em vigor à época (Lei 8.666/93) foi violada com: (i) a contratação de uma empresa declarada inidônea pelo Tribunal de Contas da União; (ii) a oferta de medicamentos superfaturados; e, (iii) a ausência de ampla pesquisa de preço em busca da melhor proposta para a Administração.
Com o direcionamento da licitação cai por terra a impessoalidade.
O desvio das verbas ataca a moralidade.
A eficiência também não foi respeitada, pois houve contratação com superfaturamento.
O dolo específico dos agentes ficou evidenciado no conjunto fático-probatório juntado aos autos, do qual se infere o concluio, o ajuste prévio entre empresários e exercentes de cargos públicos, com a clara intenção de auferir vantagens indevidas, com o superfaturamento do preço de medicamentos, que foram contratados através de uma “carona” em uma licitação fraudada na origem, ignorando os procedimentos previstos em lei e inobservando as cautelas necessárias à correta utilização/gerenciamento/administração de verba pública, com a intenção deliberada de causar prejuízo ao Erário.
Tudo visava ao posterior desvio e apropriação dos recursos decorrentes do contrato firmado, através de conluio com o proprietário da empresa.
Com estas condutas os requeridos André Luiz Tavares da Cruz Maia, Deusdete de Souza Cruz, Marka Comércio – Eireli e Gilsomar Marques Américo incorreram dolosamente em atos de improbidade administrativa (art. 11, inciso V, da Lei n.º 8.429/92), atentando contra os princípios da Administração – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988) – e violando os deveres de honestidade, imparcialidade e legalidade.
Do prejuízo ao Erário.
Superfaturamento no Contrato n.º 005/2017.
Violação ao art. 10, inciso I, da Lei de Improbidade Administrativa.
O ponto central desta ação é o Contrato n.º 005/2017 (fls. 27 e 35-38, da ID n.º 1395310795), firmado entre o Município de Senador Guiomard/AC e a empresa Marka Comércio – Eireli, em 02/03/2017, depois da adesão à Ata de Registro de Preços do pregão SRP n.º 001/2017 do Município de Feijó/AC.
O valor global do contrato é de R$ 8.982.068,00, e o Ministério Público Federal aponta um sobrepreço total de 52% – calculado em R$ 4.671.220,00.
Como os gastos efetivos em 2017 e 2018 com o contrato foram de R$ 1.470.666,62 (fls. 88-112, da ID n.º 1395274761), avalia-se que o prejuízo efetivo aos cofres públicos foi de R$ 764.746,64.
A conta do MPF considera a conclusão da área técnica do Tribunal de Contas do Estado do Acre – TCE/AC, no processo físico n.º 23.750.2017-50.
O TCE/AC identificou (fls. 87-103, da ID n.º 1395310795) graves irregularidades na contratação da empresa Marka Comércio – Eireli, pelo Município de Senador Guiomard/AC, a saber: (i) a contratação da empresa declarada inidônea pelo TCU; (ii) um grande sobrepreço em 76 itens (de um total de 129) itens no contrato; e, (iii) a ausência de pesquisa de preços mais vantajosos à Administração antes da adesão à “carona”.
A Diretoria de Auditoria Financeira e Orçamentária – DAFO, do TCE/AC, conclui o seguinte a respeito da contratação (fl. 94, da ID n.º 1395310795): O processo físico n.º 23.750.2017-50 do TCE/AC foi digitalizado e autuado sob o n.º 139.160.
No Diário Eletrônico de Contas do dia 07/11/2023 (público) é possível encontrar a ementa do Acórdão n.º 14.313/2023/PLENÁRIO, referente ao processo mencionado, com o seguinte teor: “PROCESSO TCE N° 139.160 ENTIDADE: Prefeitura Municipal de Senador Guiomard NATUREZA: Controle Externo OBJETO: Inspeção para apurar possíveis irregularidades na Adesão a Ata de Registro de Preços do Pregão Presencial SRP nº 001/2017 da Prefeitura Municipal de Feijó.
Processo físico nº 23.750.2017-50.
RESPONSÁVEL: Andre Luis Tavares da Cruz Maia RELATOR: Cons.
José Ribamar Trindade de Oliveira ACÓRDÃO Nº. 14.313/2023/PLENÁRIO EMENTA: INSPEÇÃO.
ADESÃO À ATA DE REGISTRO DE PREÇOS.
SOBREPREÇO E SUPERFATURAMENTO VERIFICADOS.
RECOMPOSIÇÃO DO ERÁRIO.
ARQUIVAMENTO. 1.
De acordo com a jurisprudência do Plenário desta Corte de Contas, o órgão não integrante da Ata de Registro de Preços que queira fazer uso dela, tem que atentar para a necessidade de se promover ampla pesquisa mercadológica e comprovar a vantagem real que a Administração Pública teria ao não realizar novo procedimento licitatório. 2.
Comprovado nos autos que o gestor adotou todas as medidas cabíveis para efetiva recomposição do erário municipal, é possível afastar a condenação ao pagamento de multa, com fundamento, por analogia, no previsto no § 2º do artigo 48 da Lei Complementar Estadual n. 38/93, nos termos dos precedentes desta Corte de Contas. 3.
Arquivamento dos autos.
Vistos, relatados e discutidos os autos do processo acima identificado, ACORDAM os Membros do Tribunal de Contas do Estado do Acre, na 1.542ª Sessão PlenáriaOrdinária Virtual, por unanimidade, nos termos do voto do Conselheiro-Relator: 1) Pela recomendação ao atual Prefeito Municipal de Senador Guiomard para que proceda à regulamentação da matéria de competência do Município, especialmente o Sistema de Registro de Preços, previsto no artigo 15, da Lei n. 8.666/1993, e antes de aderir à Ata de Registro de Preços, observe a decisão desta Corte de Contas constante no Acórdão n. 6.407/2009, proferida nos autos da Consulta n. 13.230.2009-40, sobre a necessidade de se promover ampla pesquisa mercadológica e comprovar a vantagem econômica para a Administração Pública; 2) Após as formalidades de estilo, pelo arquivamento dos autos.
Rio Branco, Acre, 19 de outubro de 2023.
Conselheiro Valmir Gomes Ribeiro Presidente do TCE/AC, em exercício Cons José Ribamar Trindade de Oliveira Relator Cons Antonio Cristovão Correia de Messias Conselheira Dulcinéa Benício de Araújo Fui presente: Sérgio Cunha Mendonça Procurador do MPC/TCE/AC” O TCE/AC reconheceu o sobrepreço e o superfaturamento no Contrato n.º 005/2017, bem como que não foi realizada a ampla pesquisa de mercado antes da adesão à ata (“carona”).
O fato de o requerido André Luiz Tavares da Cruz Maia ter comprovado que adotou as medidas cabíveis para efetiva recomposição do Erário não exclui o seu ato doloso de improbidade administrativa, mas serve para afastar a multa que seria imposta pelo TCE/AC e demonstra que houve, de fato, contratação desvantajosa para a Administração.
A Lei de Improbidade Administrativa, em seu art. 21, §§ 1º e 2º, determina que os atos do órgão de controle interno ou externo serão considerados pelo juiz, quando tiverem servido de fundamento para a conduta do agente público e as provas produzidas perante os órgãos de controle e as correspondentes decisões deverão ser consideradas na formação da convicção do magistrado, sem prejuízo da análise acerca do dolo na conduta do agente.
No caso, a conclusão do TCE/AC é de que os agentes realizaram uma contratação desvantajosa para a Administração e as provas produzidas em Juízo demonstram que as condutas de André Luiz Tavares da Cruz Maia e Deusdete de Souza Cruz (art. 10, inciso I, da Lei n.º 8.429/92) foram dolosas e eivadas de má-fé, pois a contratação visava ao posterior desvio de dinheiro oriundo do contrato.
Além disso, os requeridos Marka Comércio – Eireli e Gilsomar Marques Américo firmaram um Acordo Extrajudicial (ID n.º 1488938360) com o Município de Senador Guiomard/AC, para devolver R$ 296.297,54 ao Ente, após confessarem a prática de superfaturamento em diversos itens do Contrato n.º 005/2017.
O valor foi entregue em 03 parcelas de R$ 98.765,84, através de medicamentos, conforme notas fiscais de ID’s n.º 1488938362, 1488938364 e 1488938367.
Com efeito, o contrato foi altamente desvantajoso para a Administração, porque havia superfaturamento (fl. 24, da ID n.º 1395310795).
Embora tenha sido mencionado pelo requerido administrativamente que se baseou na tabela de preços da Revista ABCFARMA (fls. 323-335, da ID n.º 1395310780) tal tabela não foi juntada ao procedimento administrativo, tendo sido usado como base apenas 03 cotações de empresas privadas, realizadas depois do pedido de adesão à ata de Feijó/AC.
Nem mesmo a inexperiência do primeiro mandato como prefeito ou a excepcional necessidade de atendimento à população, que tanto necessitava de medicamentos, é capaz de elidir a responsabilidade dos requeridos, pois a Administração Pública está vinculada à legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência e outros princípios aplicáveis.
André Luiz Tavares da Cruz Maia era o Prefeito do Município e o gestor responsável pelas contratações.
Nestes autos e no processo do TCE/AC n.º 139.160, que a adesão à Ata de Registro de Preços do Pregão Presencial SRP n.º 001/2017 de Feijó/AC causou prejuízos ao Município de Senador Guiomard/AC.
A participação de Deusdete de Souza Cruz (tio do então prefeito) e o seu dolo também estão demonstrados, pois era quem operacionalizava os pagamentos, já que era o Secretário Municipal de Finanças e recebeu vantagens indevidas da empresa vencedora – conforme se verá em tópico próprio.
Assim agindo os requeridos André Luiz Tavares da Cruz Maia e Deusdete de Souza Cruz incorreram dolosamente em ato de improbidade administrativa, previsto no art. 10, inciso I, da Lei n.º 8.429/92, consistente na facilitação para o enriquecimento ilícito da empresa Marka Comércio – Eireli e do Sr.
Gilsomar Marques Américo, causando prejuízo ao Erário.
Do enriquecimento ilícito.
Incorporação indevida de valores superfaturados oriundos do Contrato n.º 005/2017.
Violação ao art. 9º, inciso XI, da Lei de Improbidade Administrativa.
Há elementos que indicam que André Luiz Tavares da Cruz Maia e Deusdete de Souza Cruz também incorreram nesta prática.
Isso porque tais pessoas também incorporaram ao seu patrimônio rendas e valores da União, fruto do Contrato n.º 005/2017, após arquitetarem a fraude na adesão à Ata de Registro de Preços n.º 001/2017, originada do Pregão SRP n.º 001/2017 do Município de Feijó/AC.
O § 10-C, do art. 17, da Lei de Improbidade Administrativa, determina que após a réplica do Ministério Público, o juiz proferirá decisão na qual indicará com precisão a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu, sendo-lhe vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor.
Consabido que o princípio da congruência traduz a ideia de que o juiz, uma vez iniciada a prestação jurisdicional, não pode se afastar do pedido do autor, devendo a ele cingir-se, apreciando a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões não suscitadas, a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte (art. 141 do CPC).
Neste caso, o Ministério Público Federal narrou (ID n.º 1395274759) que os requeridos André Luiz Tavares da Cruz Maia e Deusdete de Souza Cruz enriqueceram ilicitamente em decorrência do desvio dos recursos oriundos do Contrato n.º 005/2017.
E nos pedidos requer a condenação deles pelos atos de improbidade administrativa.
Ou seja, o MPF imputou aos requeridos a violação ao art. 9º, inciso XI, da Lei n.º 8.492/92.
Portanto, muito embora a violação ao art. 9º, inciso XI, da Lei n.º 8.492/92, não esteja imputada aos requeridos André Luiz Tavares da Cruz Maia e Deusdete de Souza Cruz na decisão de ID n.º 1681853984, está devidamente indicada nos fatos e nos pedidos constantes na inicial.
O valor global do Contrato n.º 005/2017 (fls. 27 e 35-38, da ID n.º 1395310795) é de R$ 8.982.068,00.
Foi encontrado (fls. 87-103, da ID n.º 1395310795) um grande sobrepreço em 76 itens (de um total de 129) itens no contrato.
O Ministério Público Federal aponta um sobrepreço total de 52% do contrato – ou seja, de R$ 4.671.220,00.
Como os gastos efetivos em 2017 e 2018 com o contrato foram de R$ 1.470.666,62 (fls. 88-112, da ID n.º 1395274761), avalia-se que o prejuízo efetivo aos cofres públicos foi de R$ 764.746,64 – este é o valor do enriquecimento ilícito dos requeridos Marka Comércio – Eireli e Gilsomar Marques Américo.
A conta do MPF considera a conclusão da área técnica do Tribunal de Contas do Estado do Acre – TCE/AC, no processo físico n.º 23.750.2017-50, que identificou irregularidades na contratação da empresa Marka Comércio – Eireli, pelo Município de Senador Guiomard/AC.
Os requeridos Marka Comércio – Eireli e Gilsomar Marques Américo alegam que não há ato de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito, pois restituíram ao Município de Senador Guiomard/AC a quantia de R$ 296.297,54 (ID n.º 1488938360), o que teria sido a razão para o arquivamento dos autos.
Com efeito, não há nos autos provas aptas a demonstrar que os lucros que obtiveram ilicitamente com o Contrato n.º 005/2017 foi de apenas R$ 296.297,54, nem juntaram as conclusões do TCE/AC a respeito de eventual mudança do valor de R$ 764.746,64 de superfaturamento apontado no Anexo I, do Relatório Técnico Complementar, da Diretoria de Auditoria Financeira e Orçamentária, nas fls. 96-103, da ID n.º 1395310795.
Nada obstante os requeridos tenham devolvido ao Município de Senador Guiomard R$ 296.297,54 (ID n.º 1488938360), ainda há um saldo devedor a ser compensado e não há impedimento na condenação, pois em sede de cumprimento de sentença será abatido o valor já restituído, conforme decidido na ID n.º 1681853984: “A proibição de dupla penalização restringe-se ao aspecto da repercussão patrimonial que o réu poderá sofrer, não inviabilizando a formação do título executivo judicial.
Em outras palavras, o agente não pode pagar o ressarcimento duas vezes, mas é possível que ele seja condenado duas vezes a pagar o dano. É na fase executiva o momento em que será observado o total eventualmente já pago por força de outra execução/acordo.” Como os dispêndios por parte do Município ocorreram entre 2017 e 2018 (fls. 88-112, da ID n.º 1395274761) e o último pagamento data de 24/01/2018 (fl. 112, da ID n.º 1395274761), essa deve ser a data de referência para a atualização monetária do valor identificado como superfaturado (R$ 764.746,64).
O Secretário de Finanças do Município, responsável por operacionalizar os pagamentos da empresa também enriqueceu ilicitamente com os desvios do Contrato n.º 005/2017.
Gilsomar Marques Américo revela, em um dos trechos (ID n.º 2128391685, da Ação Penal n.º 1005349-85.2021.4.01.3000 – 2ª Vara Federal da SJAC) de sua colaboração premiada, que o requerido André Luiz Tavares da Cruz Maia solicitou que entregasse dinheiro ao requerido Deusdete de Souza Cruz, decorrentes do Contrato n.º 005/2017, como forma de complementação de renda.
Vejamos: A participação de Deusdete de Souza Cruz (tio do então prefeito) e o seu dolo também estão demonstradas, pois era quem operacionalizava os pagamentos, já que era o Secretário Municipal de Finanças.
A Polícia Federal chegou a concluir (fls. 33-34, da ID n.º 1395274786) que: “Deusdete de Souza Cruz, secretário de finanças de Senador Guiomard, é citado nas investigações como sendo o braço direito do prefeito e também o articulador da dinâmica da organização criminosa, tendo inclusive participado da mencionada reunião em que houve a tentativa de obtenção do silêncio do presidente da Câmara de Vereadores de Senador Guiomard, Sr.
Jucimar Pessoa de Souza.
DEUSDETE surge em outra reunião marcada para discutir mais detalhes a respeito do pagamento da propina acima retratada comprometido diretamente com as transações, conforme relatório de vigilância de fls. 602/604.” O requerido Deusdete de Souza Cruz atuou como “braço direito” do então prefeito (André Maia) em outras oportunidades, como, por exemplo, na negociação da compra do silêncio do então Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Senador Guiomard/AC, Sr.
Jucimar Pessoa de Souza - cujo cognome é Gilson da Funerária.
O relatório de fls. 139-148, da ID n.º 1395310795, que foi produzido a partir de uma ação controlada autorizada judicialmente, ilustra a participação do requerido Deusdete Cruz como agente de confiança do então prefeito.
Ademais, em uma das diligências da denominada “Operação Sarcophagum” foi periciado o telefone celular do requerido André Maia e foram encontradas conversas com diversas pessoas.
Quanto ao requerido Deusdete de Souza Cruz, os policiais observaram que era detentor de mais de um contato telefônico, realizava todas as contratações e negociações administrativas da Prefeitura de Senador Guiomard/AC e acompanhava a fiscalização das contas municipais (fls. 195, da ID n.º 1395274786).
O enriquecimento ilícito do requerido Deusdete de Souza Cruz foi no valor de R$ 8.000,00 (em valores de dezembro de 2017). É de conhecimento deste Juízo que o requerido Gilsomar Marques Américo firmou um acordo de colaboração premiada nos autos da Ação Penal n.º 1005349-85.2021.4.01.3000 (ID’s n.º 2128391489, 2128391685 e 2128391873 daqueles autos) – 2ª Vara Federal da SJAC, no qual figuram como réus os mesmos demandados desta ação, além de outros.
Gilsomar Marques Américo revela, em um dos trechos (ID n.º 2128391489, da Ação Penal n.º 1005349-85.2021.4.01.3000 – 2ª Vara Federal da SJAC) de sua colaboração premiada, que o requerido André Luiz Tavares da Cruz Maia solicitou, em várias oportunidades, que entregasse dinheiro para que pudesse receber os pagamentos relativos ao Contrato n.º 005/2017, valendo-se de modus operandi semelhante ao do então Prefeito de Feijó/AC, pois as quantias eram entregues em espécie, próximas do pagamentos das notas fiscais, sem testemunhas, no escritório da empresa ou na clínica do requerido André Maia.
Vejamos: O enriquecimento ilícito do requerido André Luiz Tavares da Cruz Maia foi no valor de R$ 49.000,00 (em valores de dezembro de 2017).
O dolo específico dos requeridos fica evidente com o franco locupletamento do dinheiro público, quando firmaram o Contrato n.º 005/2017, despacharam itens com sobrepreço e se beneficiaram do superfaturamento, auferindo vantagens indevidas, em detrimento do patrimônio público, o que concorreu para que enriquecessem ilicitamente.
A empresa com expertise em fornecimento de medicamentos e insumos médicos certamente sabia que o elevado preço dos produtos fornecidos não estava conforme o valor de mercado, mas os forneceu, mesmo assim, para que pudesse, posteriormente, distribuir parte dos seus lucros com servidores públicos do município - neste caso, os requeridos André Luiz Tavares da Cruz Maia e Deusdete de Souza Cruz.
Assim agindo, os requeridos Marka Comércio – Eireli, Gilsomar Marques Américo, André Luiz Tavares da Cruz Maia e Deusdete de Souza Cruz incorreram dolosamente em ato de improbidade administrativa, previsto no art. 9º, inciso XI, da Lei n.º 8.492/92, consistente na incorporação do Erário, após a concretização da fraude no Contrato n.º 005/2017 (fls. 27 e 35-38, da ID n.º 1395310795).
III Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão veiculada na petição inicial a fim de reconhecer a prática de atos dolosos de improbidade (art. 9°, inciso XI, art. 10, inciso I e art. 11, inciso V, todos da Lei n.º 8.429/92) pelos réus André Luiz Tavares da Cruz Maia, Deusdete de Souza Cruz, Gilsomar Marques Américo e Marka Comércio – Eireli e resolvo o mérito da causa, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
As sanções de proibição de contratação com o poder público devem ir além do ente público lesado pelo ato de improbidade (Município de Senador Guiomard/AC), pois: (i) os réus cometeram os atos ilícitos em detrimento de verbas do Sistema Único de Saúde, fraudando a competição em um certame cujo objeto era a aquisição de medicamentos, material de consumo hospitalar, odontológico e instrumental, que são itens indispensáveis à população, especialmente a de baixa renda, em um município carente, como Senador Guiomard/AC; (ii) a fraude foi operacionalizada em vários municípios acreanos, por meio de “carona” a uma Ata de Registro de Preço de Feijó/AC, o que demonstra a atuação dos réus em locais variados; (iii) os réus ignoraram uma declaração de inidoneidade da empresa Marka Comércio – Eireli pelo Tribunal de Contas da União – TCU; e (iv) os prejuízos ao Erário foram elevados.
Tais fatos justificam a ampliação da punição prevista no § 4º do art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa, pois a limitação de contratação restrita ao ente público lesado pelo ato de improbidade (Município de Senador Guiomard/AC) não alcança as finalidades da Lei de Improbidade Administrativa, diante das particularidades do caso concreto.
Tendo em vista a extensão dos danos, o proveito patrimonial obtido pelos agentes e as sanções legalmente cominadas, passo à dosimetria das penas: ANDRÉ LUIZ TAVARES MAIA: a) Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; b) Suspensão dos direitos políticos por 12 (doze) anos, ante a gravidade dos fatos e a incidência em mais de um artigo da Lei de Improbidade. c) Pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial, a ser apurado na fase de execução da sentença; d) Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos.
DEUSDETE DE SOUZA CRUZ a) Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; b) Suspensão dos direitos políticos por 08 (oito) anos; c) Pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial, a ser apurado na fase de execução da sentença; d) Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos.
GILSOMAR MARQUES AMERICO a) Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; b) Suspensão dos direitos políticos por 10 (dez) anos; c) Pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial (R$ 764.746,64); d) Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos.
MARKA COMÉRCIO-EIRELI a) Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; b) Pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial. c) Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de 10 (dez) anos.
Para fins de ressarcimento ao Erário, condeno solidariamente os réus ao ressarcimento integral do dano causado, atualizado monetariamente conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Condeno solidariamente os réus ao pagamento das custas e honorários advocatícios, na forma do art. 85, § 3° do CPC.
Com o trânsito em julgado: a) Cadastre-se a presente sentença no Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Ato de Improbidade Administrativa – CNIA, pelo prazo da pena. b) Oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado de domicílio dos condenados para fins de comunicação referente à aplicação da penalidade de suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de suspensão. c) Oficie-se aos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda para fins de comunicação referente à aplicação das penalidades de proibição de contratação com o Poder Público e de percepção de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
Em caso de recurso, intime-se o recorrido para, querendo, contrarrazoar.
Apresentadas ou não as contrarrazões, remetam-se os autos ao TRF-1.
Arquive-se após o trânsito em julgado.
Intimem-se.
Rio Branco/AC, data da assinatura eletrônica.
LUZIA FARIAS DA SILVA MENDONÇA Juíza Federal Titular documento assinado eletronicamente ARAÚJO, Valter Shuenquener de.
Lei De Improbidade Administrativa. 1.ED.
Belo Horizonte: Fórum, 2023. -
22/11/2022 12:30
Processo devolvido à Secretaria
-
22/11/2022 12:30
Proferidas outras decisões não especificadas
-
21/11/2022 15:14
Juntada de petição intercorrente
-
17/11/2022 14:46
Conclusos para decisão
-
17/11/2022 12:05
Redistribuído por prevenção em razão de dependência
-
17/11/2022 12:02
Juntada de Certidão
-
17/11/2022 11:55
Expedida/certificada a intimação eletrônica
-
17/11/2022 11:55
Expedição de Outros documentos.
-
16/11/2022 19:28
Processo devolvido à Secretaria
-
16/11/2022 19:28
Declarada incompetência
-
16/11/2022 15:13
Conclusos para decisão
-
16/11/2022 14:26
Remetidos os Autos (em diligência) da Distribuição ao 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SJAC
-
16/11/2022 14:26
Juntada de Informação de Prevenção
-
16/11/2022 12:03
Recebido pelo Distribuidor
-
16/11/2022 12:03
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
17/11/2022
Ultima Atualização
28/05/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Decisão • Arquivo
Sentença Tipo A • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
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