TRF1 - 1000257-29.2022.4.01.3603
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gab. 34 - Des. Fed. Pablo Zuniga
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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12/06/2025 00:00
Intimação
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1000257-29.2022.4.01.3603 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000257-29.2022.4.01.3603 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) POLO ATIVO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA POLO PASSIVO:MADEIREIRA EL CAMINO LTDA REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: FERNANDO ULYSSES PAGLIARI - MT3047-A RELATOR(A):PABLO ZUNIGA DOURADO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO DESEMBARGADOR FEDERAL PABLO ZUNIGA DOURADO Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) 1000257-29.2022.4.01.3603 RELATÓRIO O EXMO.
SR.
DESEMBARGADOR FEDERAL PABLO ZUNIGA DOURADO, Relator: Trata-se de remessa necessária e de apelação interposta pelo INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA contra a sentença que, em mandado de segurança impetrado pela parte apelada, concedeu a segurança "para levantar o termo de embargo decorrente de n.°29NEW6PE." Em suas razões, o IBAMA alega, em síntese, que: a) As vistorias nas serrarias e depósitos fantasmas realizadas durante a Operação MARAVALHA III permitem concluir que os demais empreendimentos envolvidos em transações comerciais, como destinatário ou remetente das Guias Florestais também cometeram crimes de falsidade ideológica e conduta infracional relacionada à apresentação de informação falsa em sistema oficial de controle, prevista no art. 82 do decreto 6.514/2008 b) Fica patente, portanto, a existência de um esquema de associação criminosa e o IBAMA, como responsável pela administração do Sistema-DOF, possui o dever jurídico de fiscalizar os dados inseridos, zelando pela veracidade das informações ali contidas.
Ocorrida a fraude, fato este devidamente comprovado, a Administração tem o poder-dever de agir, sob pena de, não o fazendo, ofender os princípios da indisponibilidade do interesse público e da moralidade administrativa c) Os atos administrativos praticados pelo IBAMA estão em plena conformidade do ato à lei, prevalecendo a presunção de legitimidade do ato administrativo impugnado, inclusive porque o risco de prejuízo a que está sujeita a contraparte é exclusivamente financeiro. “A questão ambiental não pode ser interpretada de modo meramente patrimonialista2” d) Quem mais sofre – além do próprio bioma amazônico, é claro – é quem, ao contrário da maioria, segue à risca todas as normas.
Quem age irregularmente acaba vendendo a madeira mais barata por não ter os custos do manejo, taxas trabalhistas, impostos e outros custos pagos por produtores autorizados) a atuação do IBAMA na aplicação de sanções e medidas cautelares administrativas em decorrência de infrações ambientais tem base na discricionariedade técnica estritamente necessária ao exercício do seu poder de polícia ambiental.
Nestes termos, requer o provimento do recurso.
Contrarrazões apresentadas.
Intimado, o Ministério Público Federal opinou pelo provimento da apelação. É o relatório.
Desembargador Federal PABLO ZUNIGA DOURADO Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO DESEMBARGADOR FEDERAL PABLO ZUNIGA DOURADO Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) 1000257-29.2022.4.01.3603 VOTO O EXMO.
SR.
DESEMBARGADOR FEDERAL PABLO ZUNIGA DOURADO, Relator: Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço o recurso.
A controvérsia dos autos é quanto à possibilidade de adoção pela autarquia ambiental de medidas cautelares administrativas em face da parte apelada/impetrante - empresa investigada por supostamente realizar transferência fraudulenta de créditos florestais para empresa que seria de fachada.
O IBAMA, no exercício de seu poder de polícia ambiental e com base no princípio da precaução/prevenção, pode adotar medidas preventivas e cautelares, como o embargo de atividades e o bloqueio de acesso ao Sistema SISFLORA, com o objetivo de impedir a continuidade de condutas lesivas ao meio ambiente e de adequar as atividades da empresa com a legislação ambiental.
Da análise dos autos, consta que a parte apelada/impetrante teria recebido 110,510 m³ de créditos fraudulentos de madeira (conforme relatório de ID 255094901), por meio de guias florestais que o IBAMA afirma serem ideologicamente falsas no SISFLORA-MT e que podem ter acobertado extração ilegal de madeira nos estados do Mato Grosso, Rondônia e Pará, conforme investigações realizadas no âmbito da Operação Maravalhas III, realizada pela Polícia Federal, IBAMA e outros órgãos públicos para o combate de extração ilegal de madeira em terras indígenas, unidades de conservação, além de outros procedimentos ilegais.
Em questões ambientais, em que a recuperação de áreas destruídas ou degradadas pode demandar décadas ou centenas de anos, deve ser observado o princípio da precaução, em que a adoção de medidas mitigadoras ou de pronta intervenção tem por objetivo resguardar um bem maior - a preservação do meio ambiente em prol da presente e futuras gerações.
No caso, as razões do bloqueio cautelar estão fundamentadas, cabendo à parte apelada/impetrante, no exercício de seu direito constitucional de ampla defesa, apresentar à autoridade administrativa as provas de que sua conduta não violou qualquer dos regramentos indicados na autuação, obtendo a liberação de sua movimentação de material florestal.
Ademais, de acordo com as informações prestadas pelo IBAMA: [...] As fraudes identificadas na Operação Maravalha III - 2021 têm como principal objetivo o esquentamento de madeira extraída ilegalmente de remanescentes de maciços florestais, principalmente de áreas protegidas, como terras indígenas e unidades de conservação, localizadas nos Estados de Mato Grosso, Pará e Rondônia.
Além da contaminação da cadeira produtiva madeireira no próprio estado, as rotas identificadas evidenciaram a transferência dos créditos virtuais autorizados pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SEMA/MT para outros estados limítrofes, principalmente Rondônia e Pará.
Foram constatadas fraudes e irregularidades envolvendo principalmente as figuras dos depósitos de madeira, autorizados pelo SEMA/MT, e utilizados como entrepostos na cadeia de créditos florestais fictícios, percorrendo vários municípios, desde a sua origem, em projetos de exploração madeireira superfaturados, até o destino onde acobertarão a madeira ilegal. [...] A partir das análises dos dados da Operação Maravalha III, verificou-se que os créditos originários no Estado de Mato Grosso, além de acobertarem explorações madeireiras ilegais no próprio estado, foram também enviados aos Estados de Rondônia e Pará, por meio de rotas economicamente inviáveis, utilizando-se da figura desses depósitos de madeira, empreendimentos fantasmas instituídos em nome de laranjas, como entreposto na rota das movimentações fraudulentas.
Apenas com base na análise dos empreendimentos fiscalizados e nas transações virtuais com outros empreendimentos, a impetrante recebeu 110,5m3 de créditos fraudulentos de madeira em toras da empresa fantasma GICELI MADEIRAS EIRELI,, transacionado ilegalmente e identificado na Operação Maravalha III. 6.3 EL CAMINO EIRELI EPP / RIO AREIA MADEIRAS EIRELI EPP O processo nº 02013.002984/2021-82 foi instaurado para promover a apuração de infração administrativa no interesse de MADEIREIRA EL CAMINO EIRELI EPP, por apresentar informação falsa em sistema oficial de controle, ao enviar receber 110,5 m3 de créditos fraudulentos de madeira, por meio de guias florestais ideologicamente falsas emitidas no Sistema de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais – SISFLORA/MT.
Em análise verifica-se erro material quanto à volumetria inicialmente qualificada na conduta infracional.
No Auto de Infração SOJ2DL50, consta volume equivalente a 110,510m3, foram identificados no Relatório e análise 40,51 m3 de créditos madeireiros recebidos por meio de GFs ideologicamente falsas.
Trata-se de vício sanável, tendo em vista que não altera o ato ilícito em si, tampouco a gravidade da infração.
Ainda assim, em análise a seguir, identificam-se as Guias Florestais ideologicamente falsas adicionais, que motivaram a volumetria total de 110,5m3 entre 2020 e 2021.
O Relatório da Operação Maravalha III - 2021 (11558808) objeto do processo 02013.002710/2021-93, de 15/12/2021, e o Relatório de Fiscalização 11648845 contém os elementos de autoria e materialidade da infração.
A MADEIREIRA EL CAMINO EIRELI EPP recebeu 110,5m3 de créditos fraudulentos de madeira em toras de GICELI MADEIRAS EIRELI, CNPJ 00.***.***/0001-81, CCSEMA 896, localizada em Sinop- MT.
As fraudes realizadas pela MADEIREIRA EL CAMINO EIRELI EPP constituem a modalidade de uso de empreendimentos fantasmas como entreposto na movimentação de créditos fraudulentos.
Nesta modalidade, serrarias e outros empreendimentos madeireiros que de fato existem, como a empresa em questão, se utilizam da figura de empresas inexistentes de fato, em nome de laranjas, para enviar e receber créditos madeireiros exclusivamente virtuais, que excedem ao estoque físico de madeira de seus respectivos pátios.
Estes empreendimentos fantasmas são utilizados como entreposto na movimentação de créditos fraudulentos para outros empreendimentos, que também existem de fato, mas recebem madeira proveniente de desmatamentos e explorações ilegais, que é introduzida na cadeia produtiva legal. [...] Trata-se de empresa fantasma, que inexiste fisicamente, criada apenas para transações fraudulentas de créditos florestais.
A GICELI MADEIRAS EIRELI recebeu 21.301,719 m³ e 440,300 st, e enviou 15.310,474 m³ e 7.244,278 st de créditos fraudulentos de madeira.
Conforme o relatório da operação, [...] 6.3.3 ROTA DO CRÉDITO ATÉ A MADEIREIRA EL CAMINO EIRELI A MADEIREIRA EL CAMINO é o destinatário dos créditos fraudulentos, dentro da cadeia da fraude constatada, é a empresa que irá se beneficiar dos créditos fictícios recebidos, para esquentar madeira ilegal.
Isso é fato.
E pode ser provado: Para tanto, vamos verificar o caminho desse crédito percorrido até a madeireira.
Tome-se, por exemplo 40,5100 m3 de Toras de Madeira nativa de Cedrinho (Erisma uncinatum) créditos ideologicamente falsos, recebidos pela GF3 893, enviada pela GICELI MADEIRAS em 13/04/2021.
PERCEBA QUE A GF FOI EMITIDA ÀS 19H45, e que o produto foi supostamente vendido a R$ 30,00 por m3, preço subestimado que também é típico de fraude, mas vamos chegar lá mais pra frente.
No mesmo dia 13/04/2021, um pouco antes, e mais precisamente às 15h51 o mesmo crédito madeireiro, 40,5100 m3 de Cedrinho em toras, havia sido enviado pela LG MADEIRAS LTDA à GICELI MADEIRAS, através da GF3 869, ao preço de R$ 45,00 por metro cúbico.
Esta Guia Florestal foi RECEBIDA pela GICELI MADEIRAS às 18h39, conforme o Relatório de Guia Florestal abaixo relacionado. [...] Recapitulando, a LG MADEIRAS, em Sinop-MT, supostamente enviou 40,5100 m3 de Toras de Cedrinho para a GICELI MADEIRAS, também em Sinop, às 15h51 do dia 13/04/21, ao preço de R$ 45,00 por m3.
Esta carga foi recebida pela GICELI MADEIRAS no mesmo dia às 18h39min, que por sua vez, em apenas 1 hora e 6 minutos, descarregou a carga de madeira do caminhão recebido em seu pátio, vendeu essa madeira ao preço de R$ 30,00/m3, e carregou novamente em outro caminhão, e as 19h45 do mesmo dia, ou no caso, já noite, emitiu a Guia Florestal para a MADEIREIRA EL CAMINO em Tabaporã, localizado à 186 km de Sinop.
Portanto, do exame dos elementos constantes do mandado de segurança e deste recurso, não verifico fundamento para desconsiderar as conclusões do processo de apuração de irregularidades descobertas na operação Maravalhas III, ou seja, as informações constantes do relatório de inspeção do IBAMA, ainda que em relação ao seu mérito não estejam sendo discutidos na ação mandamental, são suficientes para respaldarem as medidas cautelares adotadas.
Nesse sentido, em casos similares, o Superior Tribunal de Justiça e este Tribunal já manifestaram seu entendimento, adotando orientação pela regularidade da adoção de medidas cautelares e regularidade do diferimento do exercício do direito de defesa: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL.
MANDADO DE SEGURANÇA.
DESMATAMENTO ILEGAL.
CASTANHEIRA (BERTHOLLETIA EXCELSA).
TRANSPORTE E COMÉRCIO IRREGULAR DE MADEIRA.
ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL.
INFRAÇÃO.
INTERDIÇÃO/EMBARGO E SUSPENSÃO ADMINISTRATIVOS, PREVENTIVOS OU SUMÁRIOS, PARCIAIS OU TOTAIS, DE OBRA, EMPREENDIMENTO OU ATIVIDADE.
LACRE DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL.
ART. 72, INCISOS VII E IX, DA LEI 9.605/1998.
ART. 45 DA LEI 9.784/1999.
ART. 70 DA LEI 12.651/2012.
LISTA NACIONAL OFICIAL DE ESPÉCIES DA FLORA AMEAÇADAS DE EXTINÇÃO (PORTARIA 443/2014 DO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE).
LAVANDERIAS FLORESTAIS.
HISTÓRICO DA DEMANDA 1.
Cuida-se, na origem, de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, ajuizado em 2004 por empresa madeireira - antes já autuada administrativamente por doze vezes, a maioria por depósito e comercialização ilícitos de "castanheira" (Bertholletia excelsa) - contra ato do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-Ibama em Marabá (PA).
A impetrante requereu ordem de levantamento imediato do embargo administrativo da atividade e do lacre por 90 dias do seu estabelecimento comercial, bem como a anulação do auto de infração e multa por estoque de madeira ilegal.
A medida liminar pleiteada foi parcialmente deferida pelo juiz federal, determinando a suspensão dos efeitos do "Termo de Embargo/Interdição", providência posteriormente confirmada por sentença. 2.
Ao julgar a Apelação do Ibama, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região concluiu que "a irregularidade da manutenção em depósito de uma espécie de madeira não afeta toda a atividade da empresa e deveria haver tão-somente apreensão e imposição de penalidade administrativa pecuniária.
A medida prevista no artigo 72, VII e IX da Lei 9.605/98 deve ser aplicada em situações em que há ilicitude de toda atividade da empresa" (grifo acrescentado).
TESE JURÍDICA DO ACÓRDÃO RECORRIDO 3.
Ao interpretar o art. 72 da Lei 9.605/1998, o Tribunal de origem adota a seguinte tese jurídica: o "embargo de obra ou atividade" (inciso VII) e a "suspensão parcial ou total de atividades" (inciso IX), previstos expressamente na lei, somente incidem quando ocorrer "ilicitude de toda atividade da empresa".
TRANSPORTE E COMÉRCIO ILEGAL DE MADEIRA 4.
Infelizmente, vivemos época de agigantado e empedernido desmatamento ilegal.
Explica-se, pois, que, para a lei, infrator seja tanto quem - brandindo motosserra ou tição a espalhar fogo e brasas, ou, mais grave, usando "correntão" com extremidades presas a dois tratores, - abate a vegetação nativa, muito dela composto de árvores centenárias e endêmicas, como quem, empregando veículo ou balcão de negócio, transporta ou comercializa madeira irregularmente colhida.
Assim há de ser, pois os três núcleos de agentes envolvidos (desmatador, transportador e comerciante) constituem atores centrais e indissociáveis, elos imprescindíveis ao processo e à cadeia de exploração criminosa das florestas.
Na verdade, o transportador e o comerciante urbano que violam a legislação alimentam diretamente o desmatamento predatório ao viabilizarem o escoamento e proporcionarem a sustentação financeira - e mesmo a lucratividade - da produção madeireira ilícita.
PROTEÇÃO ESPECIAL DA CASTANHEIRA-DO-BRASIL (BERTHOLLETIA EXCELSA), TAMBÉM CONHECIDA POR CASTANHEIRA-DO-PARÁ 5.
Imponente e bela, dotada de tronco retilíneo de até 60m de altura, que sobressai no meio da floresta densa, produtora de fruto (castanha) apreciado em todo o mundo, a castanheira (Bertholletia excelsa) é espécie símbolo da Floresta Amazônica, fundamental à ecologia e à socioeconomia da região.
Por isso mesmo, seu corte e derrubada estão vedados onde quer que se ache (art. 29 do Decreto 5.975/2006, recepcionado pelo art. 70 da Lei 12.651/2012, aplicável também à "seringueira" - Hevea spp).
Não obstante tal proibição peremptória, essas árvores majestosas e longevas (chegam a viver 800 anos) continuam a padecer de incessante e acelerada destruição, efetuada por desmatamento, incêndio e até envenenamento, encontrando-se hoje à beira de desaparecimento.
Daí sua inclusão na Lista Nacional Oficial de Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção (Portaria 443/2014, do Ministério do Meio Ambiente).
CAUTELARES ADMINISTRATIVAS AMBIENTAIS 6.
Pelo viés da indispensabilidade e da garantia de implementação legal eficaz, as cautelares administrativas justificam-se tanto quanto as cautelares judiciais.
Ambas visam propiciar a total realização da ordem jurídica e evitar o esvaziamento ou a desmoralização cotidianos de direitos e obrigações, sobretudo os de ordem pública, pela natural demora da ação e dos procedimentos ordinários da Administração, que são dotados de prazos e ritos talhados para resguardar o contraditório e a ampla defesa do infrator, pilares do Estado de Direito. 7.
Fundado nos princípios da prevenção e da precaução, o embargo administrativo preventivo (ou sumário) - medida temporária de restrição da liberdade econômica e de prevalência do interesse público sobre o privado, financeiro ou não - impõe-se como instrumento cautelar a cargo da Administração para estancar, de imediato, conduta danosa ou que ponha em risco futuro o bem jurídico tutelado pela norma em questão, aplicável não só em infrações permanentes como nas instantâneas.
O embargo sumário, total ou parcial, ao paralisar obra, empreendimento ou atividade, impede, além do risco de dano futuro, a continuidade, a repetição, o agravamento ou a consolidação de prejuízos coletivos ou individuais, patrimoniais ou extrapatrimonais, entre outras hipóteses a disparar sua aplicação. 8.
No embargo preventivo ou sumário, a ampla defesa e o contraditório, embora plena e totalmente abonados, são postergados, isto é, não antecedem a medida administrativa.
O se e o quando do levantamento da constrição dependem de prova cabal, a cargo do infrator, de haver sanado integralmente as irregularidades apontadas, de forma a tranquilizar a Administração e a sociedade em face de legítimo e compreensível receio de cometimento de novas infrações, reparando, ademais, eventuais danos causados.
Nessas circunstâncias, descabe falar, pois, em ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. 9.
Assim, consoante o que dispõe o art. 45 da Lei 9.784/1999, nada impede, aliás é de rigor - desde que presentes os requisitos legais ("risco iminente") e cumpridos os procedimentos formais ("motivadamente") -, que a Administração, juntamente com o auto de infração (multa) e sem prévia manifestação do interessado (inaudita altera parte), resguardado, para o futuro, o espaço dialético de defesa e prova, lavre termo de embargo, apreensão e depósito.
Ela o faz como medida acautelatória de evidências e do interesse público contra a possibilidade de continuação da conduta ilícita ou de exacerbação tanto do risco de dano futuro, como de degradação já acontecida. 10.
Sem dúvida, comercializar, transportar ou manter em depósito madeira irregular caracteriza risco iminente à ordem pública ambiental, risco esse incompatível com o imperativo de legitimidade e de legalidade da ordem econômica (art. 170, VI, da Constituição Federal).
Impõe-se, nessa hipótese, o exercício do poder de polícia cautelar, mais ainda quando se trata de empresa que não possui comprovação da origem dos produtos e subprodutos em seu poder derivados de espécie ameaçada de extinção. 11.
Incumbe a quem transporta, tem em depósito ou comercializa produtos ilegais ou de procedência suspeita, no caso madeira de origem não identificada, peremptoriamente provar que sua empresa não mais será utilizada para atividades ilícitas.
Cabe-lhe, igualmente, implantar mecanismos rigorosos de controle interno, mormente quando se considera o questionamento da autuação administrativa na via estreita do Mandado de Segurança.
Inexiste, pois, in casu, violação do art. 70, § 4º, da Lei 9.605/1998.
CASO CONCRETO: INCITAÇÃO AO FUNCIONAMENTO DE "LAVANDERIAS FLORESTAIS" 12.
O art. 72 da Lei 9.605/1998 lista várias sanções administrativas que se organizam em numerus apertus, pois complementadas com outras previstas em normas não ambientais, como as do domínio sanitário, urbanístico, da navegação etc.
Várias dessas sanções podem - e em alguns casos, precisam - ser impostas cautelarmente e inaudita altera parte. 13.
A criação judicial do requisito de ilicitude da atividade total da empresa, de modo a obstruir a imposição de medida administrativa cautelar, confere interpretação contrária aos nobres objetivos do art. 72 da Lei 9.605/1998, quais sejam impedir, conter e desestimular a degradação ambiental de qualquer modalidade, e, na hipótese de ataque inconcesso à flora, enfrentar com rigor o acelerado desmatamento ilegal e coibir o comércio espúrio que, concomitantemente, o alimenta e dele se beneficia.
Na seara florestal, tal construção hermenêutica judicial, em afronta ao espírito e à ratio da norma, produz o perverso resultado de impulsionar e viabilizar a exploração dilapidadora das florestas, inclusive de espécies ameaçadas de extinção, rigidamente protegidas, como a castanheira-do-pará ou castanheira-do-brasil (Bertholletia excelsa). 14.
A interpretação judicial não deve conduzir a resultado concreto que, direta ou indiretamente, negue, distorça, dificulte ou enfraqueça as finalidades sociais maiores da lei, in casu com o efeito prejudicial complementar de incentivar o aparecimento e o funcionamento, à vista e sob chancela do juiz, de verdadeiras "lavanderias florestais".
A se validar o critério da "ilicitude de toda atividade da empresa", bastaria ao empresário, em alguma medida, "diluir" ou "batizar" com produto lícito seus depósitos de madeira ilegal para, facilmente, bloquear a atuação cautelar dos órgãos de fiscalização.
Imagine-se a adoção da mesma tese judicial (judicial, sim, pois ausente da lei) noutros campos da criminalidade, como em estabelecimentos só parcialmente voltados a atividades transgressoras, que tenham em depósito ou vendam entorpecentes, bens contrabandeados, produtos piratas ou originados de receptação.
Nessa linha, o STJ entende que "as normas ambientais devem atender aos fins sociais a que se destinam" (REsp 1.367.923/RJ, Rel.
Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 6/9/2013). 15.
Recurso Especial provido. (REsp 1668652/PA, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 08/02/2019) (Grifos nossos).
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL.
IBAMA.
AUTO DE INFRAÇÃO.
BLOQUEIO DE ACESSO AO SISTEMA DOF.
PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL.
EXERCÍCIO REGULAR.
FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL.
PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.
AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.
RECURSO PROVIDO.
I.
CASO EM EXAME 1.
Apelação interposta pelo IBAMA contra sentença que determinou o desbloqueio do acesso ao Sistema DOF de empresa autuada por infrações ambientais, com fundamento na impossibilidade de vincular a prestação de serviços ao pagamento de multas ambientais.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 1.
A questão em discussão consiste em definir se é legal o bloqueio de acesso ao Sistema DOF por parte do IBAMA, em razão de infrações ambientais cometidas pela empresa autuada, e se tal medida se configura como legítimo exercício do poder de polícia ambiental.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 1.
O IBAMA, no exercício de seu poder de polícia ambiental, pode adotar medidas preventivas e cautelares, como o bloqueio de acesso ao Sistema DOF, com o objetivo de impedir a continuidade de condutas lesivas ao meio ambiente, conforme previsto no art. 225 da CF/1988 e no art. 72 da Lei n. 9.605/1998. 1.
A autuação da empresa, baseada em autos de infração devidamente fundamentados, descreveu as condutas ilícitas e as circunstâncias das infrações, o que demonstra a regularidade e legalidade da atuação administrativa. 1.
O princípio da precaução autoriza a aplicação de medidas preventivas que visem a proteger o meio ambiente, mesmo antes da conclusão do processo administrativo, sendo plenamente legítimo o bloqueio ao Sistema DOF até que a empresa autuada regularize sua situação ambiental. 1.
Não houve comprovação de ilegalidade ou abuso por parte do IBAMA, sendo inadequada a intervenção judicial para suspender as medidas administrativas adotadas, especialmente em se tratando de fiscalização ambiental. 1.
A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que o bloqueio do acesso ao Sistema DOF se insere no dever de fiscalização do IBAMA e pode ser mantido até que a empresa cumpra as exigências legais para o exercício de suas atividades.
IV.
DISPOSITIVO E TESE 1.
Recurso provido.
Tese de julgamento: 1.
O bloqueio de acesso ao Sistema DOF pelo IBAMA, em razão de infrações ambientais, constitui exercício regular do poder de polícia e é amparado pelo princípio da precaução, podendo ser mantido até que a empresa autuada comprove a regularização de sua situação ambiental. 1.
O Poder Judiciário não deve interferir na atuação administrativa regular do IBAMA, salvo em casos de flagrante ilegalidade, o que não se verificou no presente caso. (AC 0001332-90.2008.4.01.3901, JUÍZA FEDERAL JAQUELINE CONESUQUE GURGEL DO AMARAL, TRF1 - DÉCIMA-SEGUNDA TURMA, PJe 04/11/2024) (Grifos nossos).
DIREITO AMBIENTAL.
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
EMBARGO DE ATIVIDADES E BLOQUEIO DE SISTEMA DE CONTROLE DE PRODUTOS FLORESTAIS.
OPERAÇÃO MARAVALHA III.
PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS.
AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.
I.
Caso em exame 1.
Agravo de instrumento interposto contra decisão em que se deferiu tutela provisória de urgência, suspendendo termo de embargo às atividades de empresa e seu acesso ao sistema SISFLORA, até a conclusão do processo administrativo.
A empresa agravada é investigada por fraudes no SISFLORA, relativas à comercialização fictícia de madeira.
II.
Questão em discussão 2.
A questão em discussão consiste em definir se são legais as medidas cautelares administrativas impostas pelo IBAMA, consistentes no embargo de atividades e bloqueio de acesso ao sistema SISFLORA à empresa agravada.
III.
Razões de decidir 3.
O IBAMA, ao constatar operações fraudulentas no SISFLORA, atua com base no poder de polícia ambiental, aplicando medidas cautelares legais e adequadas para combater a possível comercialização ilegal de madeira, evitando a continuidade de condutas danosas ao meio ambiente até que se comprove a regularização das atividades. 4.
A presunção de legalidade dos atos administrativos do IBAMA somente pode ser afastada mediante prova robusta, não apresentada pela empresa agravada, sendo necessário, antes, o curso regular da instrução probatória no processo de origem. 5.
Não é necessária fiscalização presencial para constatar as referidas irregularidades, visto que as movimentações fraudulentas podem ser detectadas pelo sistema eletrônico.
IV.
Dispositivo e tese 6.
Agravo de instrumento provido.
Tese de julgamento: "1.
O IBAMA pode aplicar medidas cautelares administrativas, como embargo de atividades à empresa e bloqueio de acesso ao sistema SISFLORA, no exercício do poder de polícia ambiental, com base em indícios de compra e venda fictícia de madeira." Dispositivos relevantes citados: Decreto nº 6.514/2008, arts. 3º, 15 e 82; IN/IBAMA nº 01/2017, art. 17.
Jurisprudência relevante citada: TRF1, AG nº 1035128-30.2022.4.01.0000, Rel.
Ana Carolina Alves Araújo Roman, j. 05/07/2024; MS nº 1011596-27.2022.4.01.0000, Rel.
Ana Carolina Roman, j. 09/05/202 (AG 1004458-09.2022.4.01.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL ROSANA NOYA ALVES WEIBEL KAUFMANN, TRF1 - DÉCIMA-SEGUNDA TURMA, PJe 12/02/2025) (Grifos nossos).
Ante o exposto, conheço e dou provimento à apelação e à remessa necessária para denegar a segurança.
Honorários advocatícios incabíveis na espécie (art. 25 da Lei 12.016/2009). É o voto.
Desembargador Federal PABLO ZUNIGA DOURADO Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO DESEMBARGADOR FEDERAL PABLO ZUNIGA DOURADO Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) 1000257-29.2022.4.01.3603 APELANTE: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA APELADO: MADEIREIRA EL CAMINO LTDA Advogado do(a) APELADO: FERNANDO ULYSSES PAGLIARI - MT3047-A EMENTA ADMINISTRATIVO.
AMBIENTAL.
APELAÇÃO.
REMESSA NECESSÁRIA.
MANDADO DE SEGURANÇA.
IBAMA.
MEDIDAS CAUTELARES.
EMBARGO DE ATIVIDADES E BLOQUEIO DO SISFLORA.
PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL.
EXERCÍCIO REGULAR.
FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL.
PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.
OPERAÇÃO MARAVALHA III.
PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS.
REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO PROVIDAS. 1.
A controvérsia dos autos é quanto à possibilidade de adoção pela autarquia ambiental de medidas cautelares administrativas em face da parte apelada/impetrante - empresa investigada por supostamente realizar transferência fraudulenta de créditos florestais para empresa que seria de fachada. 2.
O IBAMA, no exercício de seu poder de polícia ambiental e com base no princípio da precaução/prevenção, pode adotar medidas preventivas e cautelares, como o embargo de atividades e o bloqueio de acesso ao Sistema SISFLORA, com o objetivo de impedir a continuidade de condutas lesivas ao meio ambiente e de adequar as atividades da empresa com a legislação ambiental; sendo, portanto, regular o diferimento do exercício do direito de defesa.
Precedentes do STJ e deste Tribunal. 3.
Da análise dos autos, consta que a parte apelada/impetrante teria recebido 110,510 m³ de créditos fraudulentos de madeira, por meio de guias florestais que o IBAMA afirma serem ideologicamente falsas no SISFLORA-MT e que podem ter acobertado extração ilegal de madeira nos estados do Mato Grosso, Rondônia e Pará, conforme investigações realizadas no âmbito da Operação Maravalhas III, realizada pela Polícia Federal, IBAMA e outros órgãos públicos para o combate de extração ilegal de madeira em terras indígenas, unidades de conservação, além de outros procedimentos ilegais. 4.
As razões do bloqueio cautelar estão fundamentadas, cabendo à parte apelada/impetrante, no exercício de seu direito constitucional de ampla defesa, apresentar à autoridade administrativa as provas de que sua conduta não violou qualquer dos regramentos indicados na autuação, obtendo a liberação de sua movimentação de material florestal. 5.
Portanto, não verifico fundamento para desconsiderar as conclusões do processo de apuração de irregularidades descobertas na operação Maravalhas III, ou seja, as informações constantes do relatório de inspeção do IBAMA, ainda que em relação ao seu mérito não estejam sendo discutidos na ação mandamental, são suficientes para respaldarem as medidas cautelares adotadas. 6.
Apelação e remessa necessária providas para denegar a segurança.
ACÓRDÃO Decide a Décima Primeira Turma do TRF da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e à remessa necessária, nos termos do voto do relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal PABLO ZUNIGA DOURADO Relator -
25/08/2022 12:58
Expedida/certificada a intimação eletrônica
-
25/08/2022 12:58
Expedição de Outros documentos.
-
25/08/2022 12:32
Redistribuído por prevenção em razão de dependência
-
25/08/2022 12:32
Remetidos os Autos da Distribuição a 5ª Turma
-
25/08/2022 12:31
Juntada de Certidão de Redistribuição
-
23/08/2022 10:40
Recebidos os autos
-
23/08/2022 10:40
Recebido pelo Distribuidor
-
23/08/2022 10:40
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
31/03/2025
Ultima Atualização
12/06/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
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