TRF1 - 1014850-49.2024.4.01.3100
1ª instância - 6ª Macapa
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28/05/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Amapá 6ª Vara Federal Cível da SJAP SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1014850-49.2024.4.01.3100 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) POLO ATIVO: PAULO MARCIO SIMOES QUEIROZ REPRESENTANTES POLO ATIVO: ERICK ROMMEL GOMES COTA - PA13881 e ALEXANDRE FERREIRA DA CONCEICAO - PA35543 POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL SENTENÇA I - Relatório Ação anulatória de ato administrativo ajuizada por Paulo Márcio Simões Queiroz em face da União, objetivando a anulação do Acórdão proferido no Processo Administrativo nº 34357/2020 do Tribunal Marítimo, que reconheceu a responsabilidade do autor pelo naufrágio da embarcação Anna Karoline III, imputando-lhe conduta dolosa e aplicando-lhe as penalidades de interdição por cinco anos e cancelamento da matrícula de aquaviário.
A parte autora sustenta, em síntese, que a penalidade imposta é nula ou anulável, por violação aos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório, ampla defesa e motivação.
Alega que a responsabilidade administrativa do comandante foi construída com base em elementos frágeis, que apontariam, no máximo, para culpa (negligência ou imprudência), sendo a imputação de dolo eventual inserida apenas no momento decisório, sem que lhe fosse oportunizado o exercício da defesa quanto a esse novo enquadramento jurídico.
Narra que o acidente ocorreu na madrugada de 29/02/2020, no Rio Amazonas, nas imediações da Ilha de Aruans, durante travessia entre os municípios de Santana/Amapá e Santarém/Pará.
Sustenta que a embarcação encontrava-se regularmente locada ao autor por meio de contrato firmado com a empresa Erlon Rocha Transportes Ltda., a qual permaneceu como legítima proprietária.
A embarcação possuía, à época, certificações de segurança válidas e emitidas por entidade classificada, com autorização de tráfego da Capitania dos Portos.
Afirma que o acidente decorreu da combinação de fatores externos, tais como condições climáticas adversas, má distribuição da carga, excesso de peso e vícios ocultos estruturais da embarcação, que foram omitidos pela empresa locadora, notadamente a adulteração do disco de Plimsoll, que aumentava artificialmente a borda livre.
O autor sustenta que, ao longo do inquérito e das oitivas, não foi identificada prova que demonstrasse sua ciência sobre as irregularidades estruturais da embarcação, tampouco sua intenção de assumir riscos à segurança da navegação.
Destaca que, ao contrário do entendimento do Tribunal Marítimo, não participou de reabastecimento clandestino, não emitiu comando para sobrecarga e, após o sinistro, permaneceu na embarcação auxiliando passageiros até o último momento.
Instruiu o pedido com cópia integral do inquérito administrativo, laudos técnicos, certidões, declarações, procurações, parecer da Procuradoria Especial da Marinha (PEM), acórdão administrativo, peças de defesa e documentos societários da empresa locadora.
Em despacho id. 2141308513 determinou-se a emenda da petição inicial, de modo que a parte autora promovesse o recolhimento das custas processuais correspondentes e juntasse o comprovante de residência, providência integralmente cumprida.
Regular e validamente citada, a União apresentou a contestação id. 2159722209, impugnando o valor atribuído à causa.
No mérito, sustenta a regularidade do ato administrativo, a legitimidade das conclusões do Tribunal Marítimo e a impossibilidade de revisão judicial do mérito administrativo.
Argumenta que a decisão atacada foi proferida após ampla instrução, com observância ao contraditório e à ampla defesa, e que o comandante, ora autor, assumiu o risco consciente do resultado danoso, caracterizando-se o dolo eventual, nos termos do art. 18, I, do Código Penal.
A União defende a proporcionalidade da penalidade imposta, considerando o número de vítimas (40 mortos) e a gravidade das condutas apuradas.
O autor apresentou a réplica id. 2167765461, reiterando os fundamentos da petição inicial e rebatendo os principais pontos da contestação.
Refuta, de forma veemente, a existência de dolo eventual e sustenta que não poderia prever ou evitar o acidente nas condições apresentadas.
Alega ainda que o Tribunal Marítimo desconsiderou provas periciais relevantes e transferiu integralmente a responsabilidade pela tragédia ao comandante, sem análise aprofundada das causas estruturais e institucionais que concorreram para o resultado. É o relatório.
Decido.
II – Fundamentação Preliminar – Do Valor da Causa A União, em sua contestação, suscita preliminarmente a inadequação do valor atribuído à causa, sob o fundamento de que o montante fixado – R$ 1.412,00 – não reflete adequadamente o conteúdo econômico da demanda, que visa à desconstituição de ato administrativo sancionador, com repercussões profissionais relevantes, inclusive suspensão de exercício de função por cinco anos e cancelamento de matrícula como aquaviário.
Sustenta, assim, que tal valor seria irrisório e requer, com base no art. 292, VI, do Código de Processo Civil, a correção da quantia indicada na petição inicial.
A impugnação, todavia, não merece acolhida.
Como bem argumentado pelo autor em sede de réplica, a demanda em apreço possui nítido conteúdo não patrimonial, voltado à anulação de ato administrativo de caráter sancionatório, e não à obtenção de prestação econômica direta.
O valor atribuído à causa, em tais hipóteses, deve guardar proporcionalidade com os critérios de alçada processual e o objeto formal da pretensão, o que foi devidamente observado na fixação inicial.
Além disso, a União não demonstrou, com precisão técnica ou parâmetro objetivo, qual seria o suposto valor correto, tampouco apresentou planilha de cálculo ou estimativa fática com respaldo normativo.
A simples alegação genérica de desproporcionalidade não é suficiente para desconstituir a presunção de adequação da petição inicial, especialmente quando não há pedido de reparação econômica ou quantificação de prejuízo financeiro.
Dessa forma, rejeita-se a preliminar de impugnação ao valor da causa.
Do Mérito – Da Legalidade do Ato Administrativo Sancionador A presente ação tem por objeto a anulação do Acórdão nº 34357/2020, proferido pelo Tribunal Marítimo, que responsabilizou administrativamente o autor, na qualidade de comandante da embarcação Anna Karoline III, pelo naufrágio ocorrido em 29/02/2020 no Rio Amazonas, aplicando-lhe a penalidade de interdição para o exercício de funções de bordo por cinco anos e cancelamento da matrícula profissional de aquaviário.
Não requeridas outras provas, e tratando-se de questão passível de exame pelo confronto das provas constantes dos autos, passa-se ao julgamento antecipado da lide (art. 355, I, do CPC).
A parte autora sustenta, em síntese, que a decisão administrativa seria nula por ausência de substrato probatório que a justificasse, por suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, da legalidade e da proporcionalidade.
Alega que a responsabilização por dolo eventual não estaria amparada por qualquer prova nos autos administrativos, tratando-se, portanto, de juízo arbitrário e incompatível com os fatos apurados ao longo do processo disciplinar.
Importa destacar, de início, que a discussão trazida pelo autor não versa, propriamente, sobre vício formal ou procedimental do processo administrativo, mas sim sobre a qualificação jurídica dos fatos apurados e a suficiência probatória da decisão que culminou na imposição da penalidade.
Trata-se, assim, de matéria afeta ao mérito do ato administrativo, a ser apreciada à luz dos limites do controle jurisdicional estabelecido no ordenamento jurídico brasileiro. É consabido que, conforme jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o Poder Judiciário não substitui a Administração Pública no exercício do seu juízo técnico discricionário, salvo nos casos em que se configurem vícios evidentes de legalidade, motivação, desvio de finalidade, excesso de poder ou manifesta desproporcionalidade da sanção imposta.
No presente caso, não se verifica qualquer desses vícios.
O processo administrativo conduzido pelo Tribunal Marítimo, nos termos da Lei nº 2.180/1954, observou os princípios do contraditório, da ampla defesa e da motivação, tendo sido amplamente instruído com laudos técnicos periciais, relatórios da Capitania dos Portos do Amapá, depoimentos de tripulantes, registros náuticos, contratos de locação, dados da carga transportada, documentos de certificação marítima e outras peças de caráter probatório.
O autor foi regularmente citado, apresentou defesa escrita por meio da Defensoria Pública da União e participou das oitivas e diligências, sendo oportunizada a manifestação em todas as fases procedimentais.
O ponto central da insurgência diz respeito ao enquadramento jurídico da conduta do autor como compatível com o dolo eventual, elemento subjetivo que, segundo a parte autora, não restou comprovado.
Todavia, a argumentação do autor, nesse aspecto, configura inconformismo com a valoração administrativa das provas, e não propriamente nulidade do procedimento.
O acórdão do Tribunal Marítimo baseou-se em conjunto robusto de elementos técnicos e operacionais, entre os quais se destacam o excesso de carga (mais de 190 toneladas transportadas, com limite autorizado de 112,36 toneladas); a distribuição inadequada do peso, sobretudo no convés e áreas superiores da embarcação; a adulteração do Disco de Plimsoll, que gerava falsa percepção de segurança quanto à borda livre; a parada para transbordo em área de forte correnteza e sob condições climáticas adversas, com sanefas abertas; e a ausência de emissão de pedido de socorro, embora as condições apontassem instabilidade iminente.
Ainda que parte desses elementos tenha origem anterior à atuação do autor – como é o caso da adulteração do disco de Plimsoll, imputada à empresa proprietária – a autoridade marítima entendeu, com base em depoimentos convergentes e análises técnicas, que o comandante, ao assumir o comando da embarcação e suspender a viagem, teve ciência das condições adversas e, ainda assim, optou por navegar, tolerando riscos objetivos para a segurança da embarcação, dos tripulantes e passageiros.
Ao fazê-lo, incorreu na assunção consciente do resultado danoso, – ainda que este não fosse desejado.
Tal configuração é compatível com a segunda parte do art. 18, inciso I, do Código Penal, que define o dolo eventual como a situação em que o agente, mesmo prevendo o resultado, assume o risco de produzi-lo.
O controle jurisdicional, neste caso, deve se limitar à verificação da coerência interna da decisão administrativa, da existência de motivação suficiente e da observância das garantias processuais, o que efetivamente se constata nos autos.
A atuação da Administração foi pautada em critérios técnicos, respaldados por provas consistentes, sendo legítima a discricionariedade valorativa na qualificação da conduta do comandante, especialmente em se tratando de matéria náutica complexa e submetida a juízo especializado.
Por fim, não há que se falar em desproporcionalidade da sanção imposta, considerada a gravidade dos fatos apurados – naufrágio de embarcação fluvial de grande porte, com 40 mortes confirmadas –, o que, por si só, revela a necessidade de resposta estatal firme e compatível com a magnitude do dano.
O histórico de regularidade funcional do autor, o contexto de certificações vigentes e as falhas da empresa locadora foram elementos considerados na dosimetria da pena, não havendo desvio de finalidade ou excesso repressivo.
Não se verificam, portanto, vícios de legalidade, desvio de finalidade, ausência de motivação ou desproporcionalidade manifesta no ato administrativo impugnado, sendo legítima a conclusão da autoridade marítima quanto à responsabilização do comandante, à luz do conjunto probatório disponível.
III – Dispositivo Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo improcedente o pedido formulado na presente ação anulatória, mantendo íntegro o Acórdão nº 34357/2020, proferido pelo Tribunal Marítimo, que aplicou ao autor as penalidades de interdição para o exercício de funções de bordo pelo prazo de cinco anos e cancelamento da matrícula profissional, nos termos dos arts. 14, alínea “a”, e 15, alínea “e”, da Lei nº 2.180/1954.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, em atenção ao grau de zelo, à natureza da causa e ao tempo de tramitação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.
Caso interposto recurso, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões, remetendo-se os autos, em seguida, ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região para regular processo e julgamento.
Transitada em julgado esta sentença, intime-se a parte ré para, no prazo de até quinze dias, promover a execução do julgado.
Intimem-se.
Macapá/AP, data da assinatura digital. (Assinado Eletronicamente) FELIPE HANDRO Juiz Federal Titular -
02/08/2024 12:06
Recebido pelo Distribuidor
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02/08/2024 12:06
Autos incluídos no Juízo 100% Digital
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02/08/2024 12:06
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
02/08/2024
Ultima Atualização
21/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Ato ordinatório • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
Sentença Tipo A • Arquivo
Sentença Tipo A • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
Despacho • Arquivo
Documentos Diversos • Arquivo
Documento Comprobatório • Arquivo
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