TRF1 - 1027303-04.2024.4.01.3900
1ª instância - 7ª Belem
Polo Passivo
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Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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01/07/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Pará 7ª Vara Federal de Execução Fiscal da SJPA SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1027303-04.2024.4.01.3900 CLASSE: EMBARGOS À EXECUÇÃO (172) POLO ATIVO: ELISABETH CONCEICAO DE OLIVEIRA SANTOS REPRESENTANTES POLO ATIVO: IGOR DINIZ KLAUTAU DE AMORIM FERREIRA - PA20.110, PEDRO BENTES PINHEIRO FILHO - PA3210 e DANIEL CORDEIRO PERACCHI - PA10729 POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL SENTENÇA ELISABETH CONCEICAO DE OLIVEIRA SANTOS opôs embargos em face da execução de título extrajudicial nº 1035740-05.2022.4.01.3900, ajuizada pela UNIÃO para a cobrança de crédito de multa fundado nos Acórdãos nº 334/2015-Plenário e nº 1632/2021-Plenário, proferidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
A embargante, servidora pública aposentada, impugna a cobrança do valor de R$ 216.545,64, oriundo de decisão do TCU nos autos da Tomada de Contas Especial nº 020.354/2008-0, que lhe imputou responsabilidade por irregularidades em contratos administrativos firmados em 2005 e 2006 para a construção de laboratórios vinculados ao Instituto Evandro Chagas – IEC, cuja direção foi assumida pela embargante na data de 06/02/2006.
Alega ausência de responsabilidade direta ou indireta pelos atos tidos como irregulares pelo TCU, apontando que os contratos administrativos já estavam formalizados quando assumiu o cargo de diretora do IEC e que as irregularidades foram atribuídas aos fiscais da obra, responsáveis técnicos pela medição e atestação dos serviços, tratando-se de irregularidades que não poderiam ser detectadas sem um exame de caráter técnico, razão pela qual não poderiam ser percebidas ou conhecidas pela embargante, como Diretora da instituição, já que ela não detém conhecimento técnico em engenharia civil e em projetos e execução de obras e edificações.
Sustenta que sua atuação limitou-se à macrogestão do instituto, sem participação direta nos atos operacionais e técnicos, sendo amparada por pareceres técnicos e jurídicos na execução dos contratos administrativos, tendo havido, inclusive, anuência do Banco Mundial para a celebração de aditivos a esses contratos, com base nos dados técnicos fornecidos pelos fiscais da obra no âmbito da Comissão Técnica de Acompanhamento das Obras (CAO), à qual cabia a fiscalização e aprovação das despesas decorrentes dos contratos.
Afirma inexistirem provas de dolo, má-fé ou erro grosseiro em sua atuação, e invoca os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como o disposto no art. 80, § 2º, do Decreto-Lei nº 200/67 e nos arts. 22 e 28 da LINDB (Decreto-Lei nº 4.657/1942), para afastar sua responsabilidade, dizendo que o TCU, ao desconsiderar tais preceitos e postulados, para condená-la pelas irregularidades, incorreu em flagrante ilegalidade, a qual possibilita o controle jurisdicional da decisão prolatada pela Corte de Contas.
Destaca que a própria SECEX/PA, unidade técnica do TCU, opinou pela sua exclusão do rol de responsáveis, proposta ignorada, sem fundamentação adequada, pelo julgamento final, que, no entender da embargante, imputou-lhe responsabilidade objetiva e impessoal, em violação aos princípios que informam a responsabilidade civil e administrativa dos agentes públicos perante a Administração.
Diz, ainda, que o valor estipulado para a multa é desarrazoado e desproporcional, não guardando relação com a situação específica da embargante quanto aos fatos apurados, e tendo sido fixado sem a indicação de critérios ou circunstâncias que justificassem a adoção de tão elevado patamar.
Requer a atribuição de efeito suspensivo aos embargos e, no mérito, a declaração de nulidade dos acórdãos do TCU que fundamentam a execução, com extinção do feito executivo, ou subsidiariamente, a redução do valor da multa que lhe foi aplicada.
Instruiu a petição inicial com os documentos de IDs Num. 2133752551 a Num. 2133762380.
Os embargos foram recebidos sem efeito suspensivo (ID Num. 2142546634).
Em impugnação (ID Num. 2149266478), a embargada pronunciou-se pela improcedência dos embargos, aduzindo que: é inviável a discussão judicial do mérito da decisão da Corte de Contas sem a demonstração de ilegalidade flagrante; não há, no caso concreto, irregularidade formal grave ou manifesta ilegalidade que ensejem a declaração judicial de nulidade do acórdão prolatado pelo TCU; é do gestor o ônus de comprovar a boa e regular aplicação dos recursos públicos recebidos; o valor da multa foi fixado dentro das balizas impostas pelo art. 57 da Lei nº 8.442/1992; a embargante não apresentou o valor que considera devido, na forma do art. 917, 3º, do CPC; e não estão preenchidos os requisitos do art. 919, § 1º, do CPC para a atribuição de efeito suspensivo aos embargos.
Juntou o arquivo de ID Num. 2149266487, consistente em manifestação elaborada pela Consultoria Jurídica do TCU e documentos extraídos da Tomada de Contas Especial nº 020.354/2008-0.
Intimada a embargante para réplica, e ambas as partes para especificação probatória, a embargada informou não ter interesse em produzir novas provas (ID Num. 2151641756), e a embargante apresentou manifestação na qual reiterou as razões e pedidos expostos na exordial, dizendo também não ter outras provas a produzir (ID Num. 2157245563).
Em 07/03/2025, juntou-se aos autos comunicação de acórdão prolatado E.
Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que negou provimento ao agravo de instrumento nº 1030630-17.2024.4.01.0000, interposto pela embargante contra a decisão que recebeu os embargos à execução sem efeito suspensivo (ID Num. 2175373914). É o relatório.
Decido. 1.
Fundamentação Passo a proferir sentença, conhecendo diretamente o pedido, pois a matéria debatida nos autos, sendo de fato e de direito, prescinde da realização de audiência para a sua análise e a prova documental coligida nos autos é suficiente a viabilizar o julgamento do mérito da ação (art. 355, I, do CPC).
A controvérsia posta nos presentes autos de embargos à execução cinge-se à possibilidade de controle jurisdicional de acórdãos proferidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que imputaram à embargante débito e multa decorrentes da execução de contratos administrativos celebrados para a construção de laboratórios no Instituto Evandro Chagas – IEC, bem como à apuração da responsabilidade da embargante, como Diretora do IEC à época dos fatos, pelos prejuízos ao erário constatados no bojo da Tomada de Contas Especial nº 020.354/2008-0.
A respeito do tema, impende destacar, primeiramente, que a orientação jurisprudencial do STF firmou-se no sentido de que o controle jurisdicional das decisões proferidas no âmbito do Tribunal de Contas da União, no exercício do controle externo das contas federais e no julgamento das prestações de contas dos administradores de bens e dinheiro públicos, nos termos do art. 71 da CF/88, não pode ingressar no mérito da apreciação da regularidade das contas públicas: AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
CONTROLE EXTERNO PELO TRIBUNAL DE CONTAS.
DISCUSSÃO SOBRE O MÉRITO ADMINISTRATIVO.
REVISÃO PELO PODER JUDICIÁRIO.
IMPOSSIBILIDADE.
AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER.
REEXAME DE FATOS E PROVAS E DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.
OFENSA REFLEXA.
SÚMULA 279 DO STF. 1.
A atuação do Poder Judiciário no controle do ato administrativo só é permitida quanto tal ato for ilegal ou abusivo, sendo-lhe defeso promover incursão no mérito administrativo propriamente dito.
Precedentes. 2.
Para divergir do entendimento adotado pelo juízo a quo, no que tange à responsabilidade da requerente, seria necessária análise de normas infraconstitucionais aplicáveis à espécie, além do reexame de fatos e provas, o que impede o trânsito do apelo extremo, por ser reflexa a alegada afronta à Constituição Federal e incidir, na espécie, o óbice da Súmula 279 do STF. 3.
Agravo regimental a que se nega provimento, com previsão de aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC.
Honorários majorados, observada suspensão da exigibilidade por ser a parte beneficiária da justiça gratuita. (RE 1269736 ED-AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 22-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-171 DIVULG 26-08-2022 PUBLIC 29-08-2022) (grifou-se) E isso porque tal modo de agir encontra barreira no princípio da separação e harmonia dos Poderes da República (art. 2º da Carta Magna), de modo que, harmonizando-se a garantia prevista no art. 5º, XXXV (inafastabilidade da jurisdição) com a competência constitucional atribuída ao TCU, a revisão judicial dos atos administrativos praticados pelas cortes de contas deve estar adstrita a eventual irregularidade formal grave ou manifesta ilegalidade decorrente da violação ao devido processo legal, contraditório ou ampla defesa.
Confira-se: ADMINISTRATIVO.
PROCESSUAL CIVIL.
SERVIDOR PÚBLICO.
PENSÃO POR MORTE DECORRENTE DE APOSENTADORIA CUJO REGISTRO FOI NEGADO PELO TCU.
ACÓRDÃO DE CARÁTER IMPOSITIVO PELA ILEGALIDADE DO BENEFÍCIO DO INSTITUIDOR.
UNIVERSIDADE.
EXECUTORA MATERIAL DO ATO.
ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.
EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO.
IMPOSIBILIDADE DE REJULGAMENTO DO MÉRITO PROFERIDO NA CORTE DE CONTAS.
DECADÊNCIA.
PODER DE AUTOTUTELA.
INOCORRÊNCIA.
AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO.
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. (...) 5.
Partindo do pressuposto de que a União é parte passiva legítima para a lide, por representar judicialmente o TCU como órgão vinculado à Administração Pública Direta, sem personalidade jurídica própria, tal como reconhecido na sentença, deve-se esclarecer que a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que o controle jurisdicional das decisões proferidas no âmbito do Tribunal de Contas da União, no exercício do controle externo das contas federais e no julgamento das prestações de contas dos administradores por bens e dinheiro públicos, nos termos do art. 71 da CF/88, não pode ingressar no mérito da apreciação da regularidade das contas públicas, uma vez que tal modo de agir encontra óbice no princípio da separação e harmonia entre os Poderes da República, previsto no art. 2º da Carta Magna, de modo que, harmonizando-se a garantia prevista no art. 5º, XXXV com a competência constitucional atribuída ao TCU, a revisão judicial dos atos administrativos praticados pelas cortes de contas deve estar adstrita à eventual irregularidade formal grave ou à manifesta ilegalidade decorrente da violação ao devido processo legal, contraditório ou ampla defesa. 6.
Não é lícito ao Poder Judiciário submeter as contas apreciadas pelo TCU a rejulgamento, cabendo, nas hipóteses adrede elencadas, a anulação do acórdão proferido para que aquela Corte de Contas submeta-as a um novo julgamento, após saneado o vício reconhecido, ou, se ausente este, o reconhecimento da higidez da apreciação ali realizada. (...) Apelações e remessa oficial providas, nos termos dos itens 4 e 10.” (AC 0017803-67.2006.4.01.3800, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA, TRF1 - PRIMEIRA SEÇÃO, e-DJF1 26/03/2019 PAG.) (Omissões nossas) DIREITO ADMINISTRATIVO.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO ORDINÁRIA.
MULTA APLICADA PELO TCU.
LEGALIDADE DO ACÓRDÃO.
LIMITES DO CONTROLE JURISDICIONAL.
AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADES GRAVES.
RECURSO DESPROVIDO.
I.
CASO EM EXAME 1.
Apelação interposta por Amilton Gerônimo de Figueiredo contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de anulação do Acórdão n. 299/2002 do Tribunal de Contas da União, que aplicou multa ao autor pela ausência de providências para a prorrogação contratual ou realização de licitação, resultando na continuidade de serviços sem cobertura contratual. 2.
A sentença reconheceu a legalidade do acórdão, destacando a presunção de legitimidade dos atos administrativos e a inexistência de irregularidades graves ou manifesta ilegalidade, mantendo a penalidade aplicada.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3.
As questões discutidas são: (i) a legalidade e razoabilidade da multa aplicada pelo TCU; (ii) a possibilidade de controle jurisdicional do mérito administrativo; (iii) a adequação da penalidade ao caso concreto.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 4.
O controle jurisdicional das decisões do TCU está limitado à análise da legalidade e à observância do devido processo legal, não sendo cabível a incursão no mérito administrativo. 5.
A realização de licitação é uma exigência normativa essencial, destinada a garantir a legalidade e eficiência administrativa.
No caso concreto, não foram demonstradas justificativas que afastassem a obrigatoriedade do certame ou validassem a manutenção de serviços sem cobertura contratual. 6.
A proporcionalidade da multa foi adequadamente fundamentada, com base na gravidade da infração e na responsabilidade do apelante, em conformidade com os critérios previstos na Lei n. 8.443/1992.
IV.
DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. 7.
Tese de julgamento: "1.
O controle jurisdicional das decisões do TCU limita-se à análise da legalidade e do devido processo legal, não abrangendo o mérito administrativo salvo em casos de manifesta ilegalidade.
A ausência de licitação para contratação pública sem justificativa adequada configura infração administrativa, sujeitando o responsável às penalidades cabíveis." Legislação relevante citada: Constituição Federal, art. 37; Lei nº 8.666/1993; Lei nº 8.443/1992.
Jurisprudência relevante citada: TRF-5, AC 0800832-68.2019.4.05.8500, Rel.
Des.
Federal Cid Marconi, 3ª Turma, j. 12/09/2019; TRF-5, AC 0812903-14.2019.4.05.8400, Rel.
Luiz Bispo da Silva Neto, 3ª Turma, j. 15/10/2020. (AC 0004490-41.2007.4.01.3400, DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO CARVALHO VELOSO, TRF1 - DÉCIMA-TERCEIRA TURMA, PJe 24/02/2025 PAG.) No caso ora examinado, a embargante sustenta que o acórdão condenatório do TCU teria incorrido em manifesta ilegalidade, por ter desconsiderado o pronunciamento da unidade técnica da Corte (SEXEC-PA), que acolhera suas razões de defesa para excluir sua responsabilidade pelos fatos apurados, sem apresentar fundamentação adequada, o que teria implicado em responsabilização objetiva da embargante, fundada em culpa in vigilando, em contrariedade ao regramento legal fornecido pelo art. 80, § 2º, do Decreto-Lei nº 200/67 e arts. 22 e 28 da LINDB (Decreto-Lei nº 4.657/1942), aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e à própria jurisprudência da Corte de Contas.
Vê-se, portanto, que a embargante formulou argumentação apta a viabilizar, ao menos em tese, o excepcional controle judicial do pronunciamento decisório do TCU, já que diz respeito a aspectos de legalidade do proceder da Corte de Contas, e não ao mérito da apreciação técnica das contas.
Não se trata, cabe frisar, de substituir o juízo técnico do TCU pelo juízo do magistrado, mas sim de verificar a compatibilidade da decisão administrativa com os princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa, legalidade e proporcionalidade.
Pois bem.
Sobre os dispositivos legais invocados pela embargante, esta é sua redação: Decreto-Lei nº 200/1967: Art. 80.
Os órgãos de contabilidade inscreverão como responsável todo o ordenador da despesa, o qual só poderá ser exonerado de sua responsabilidade após julgadas regulares suas contas pelo Tribunal de Contas. [...] § 2º O ordenador de despesa, salvo conivência, não é responsável por prejuízos causados à Fazenda Nacional decorrentes de atos praticados por agente subordinado que exorbitar das ordens recebidas.
Decreto-Lei nº 4.657/1942 (LINDB): Art. 22.
Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. (Regulamento) § 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) § 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) § 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) Art. 28.
O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) Trata-se de preceitos que definem a natureza subjetiva da responsabilidade civil e administrativa de gestores públicos.
O Supremo Tribunal Federal, a propósito, pronunciou-se sobre a constitucionalidade do art. 28 da LINDB, nos seguintes termos: Direito administrativo.
Ação direta de inconstitucionalidade.
Medida Provisória nº 966/2020.
Art. 28 da LINDB.
Arts. 12 e 14 do Decreto nº 9.830/2019.
Responsabilidade civil e administrativa de agentes públicos.
Hipóteses de dolo ou erro grosseiro. 1.
Ação direta de inconstitucionalidade que questiona a limitação da responsabilidade civil e administrativa dos agentes públicos às hipóteses de “erro grosseiro” e de “dolo”, com base no art. 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), nos arts. 12 e 14 do Decreto nº 9.830/2019 e na Medida Provisória nº 966/2020. 2.
A medida provisória questionada (MP nº 966/2020) perdeu a eficácia em decorrência do término do prazo para sua votação pelo Congresso Nacional, o que enseja o prejuízo parcial das ações diretas. 3.
O art. 37, § 6º, da CF não impõe um dever absoluto de responsabilidade em caso de qualquer espécie de culpa. É competência do legislador ordinário dimensionar adequadamente a culpa juridicamente relevante para fins da responsabilidade civil regressiva do agente público. 4.
Essa definição deve respeitar o princípio da proporcionalidade, em especial na sua vertente de vedação à proteção insuficiente.
Caso o legislador restrinja demasiadamente o conceito de culpa do administrador, de modo a inviabilizar sua responsabilização em casos verdadeiramente graves, estaremos diante de uma afronta ao art. 37, § 6º, da CF e ao princípio republicano. 5.
A restrição da responsabilidade pessoal do agente público às hipóteses de dolo ou erro grosseiro não é, em tese, inconstitucional.
Eventuais situações de incompatibilidade com a Constituição serão verificadas, caso a caso, na qualificação do que seja erro grosseiro, que deve abranger as noções de imprudência, negligência e imperícia, quando efetivamente graves. 6.
Perda parcial do objeto da ação quanto ao pedido de declaração de inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 966/2020, e, na parte conhecida, improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 28 da LINDB e dos arts. 12 e 14 do Decreto nº 9.830/2019.
Fixação da seguinte tese de julgamento: “1.
Compete ao legislador ordinário dimensionar o conceito de culpa previsto no art. 37, § 6º, da CF, respeitado o princípio da proporcionalidade, em especial na sua vertente de vedação à proteção insuficiente. 2.
Estão abrangidas pela ideia de erro grosseiro as noções de imprudência, negligência e imperícia, quando efetivamente graves.” (ADI 6421, Relator(a): LUÍS ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 11-03-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-04-2024 PUBLIC 17-04-2024) No âmbito do TCU, a jurisprudência da Corte, anteriormente às alterações promovidas no Decreto-Lei nº 4.657/1942 pela Lei nº 13.655/2018, firmou-se no sentido de que a responsabilidade dos jurisdicionados perante a Corte é de natureza subjetiva, caracterizada mediante a presença de culpa stricto sensu, sendo desnecessária a presença de conduta dolosa ou má-fé do gestor para que este seja instado a ressarcir os prejuízos que tenha causado ao erário (cf., por exemplo: Acórdão nº 635/2017-Plenário).
Após as modificações feitas na LINDB, definiu a Corte que o erro grosseiro, para fins de responsabilização no âmbito do TCU (exercício do poder sancionatório), é o que decorre de uma grave inobservância de um dever de cuidado, isto é, o que foi praticado com culpa grave (Acórdão nº 2391/2018-Plenário), entendimento que foi também adotado no Decreto nº 9.830/2019, o qual regulamentou os novos artigos da LINDB e, em seu art. 12, § 1º, dispôs que: “considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”.
Voltando ao caso concreto ora discutido, observa-se que a Tomada de Contas Especial nº 020.354/2008-0 foi instaurada para a apuração de indícios de irregularidades relacionadas às Concorrências nºs 1 e 2/2005, lançadas pelo Instituto Evandro Chagas (IEC) objetivando a construção dos Laboratórios de Arbovírus e de Nível de Biossegurança NB3, e que tiveram como vencedora dos certames a empresa Norenge Engenharia Ltda (ID Num. 2133754177).
Essas irregularidades compreenderam a indevida antecipação de pagamentos, pagamentos por serviços não executados, pagamentos em duplicidade e superfaturamento decorrente de sobrepreço, tendo a instrução promovida pela unidade técnica do TCU (SEXEC/PA) concluído que a prática dos ilícitos foi viabilizada por declarações e pareceres falsos, bem como conduta negligente, dos engenheiros encarregados da fiscalização do contrato, integrantes da Comissão de Acompanhamento de Obra (CAO) do IEC.
A ora embargante foi citada, no âmbito do TCU, em virtude de ser a ordenadora de despesas do IEC à época dos fatos.
A defesa por ela apresentada perante a Corte de Contas, segundo se extrai do relatório do Acórdão nº 334/2015-Plenário, coincidiu com as teses apresentadas na presente ação, tendo sido assim sintetizada (ID Num. 2133754177 - Pág. 43/44): 2.10.2 Em resumo, as alegações da defendente consistem em demonstrar que a responsabilidade pelos atos inquinados de irregularidade recai sobre a CAO, a qual, por seus fiscais, era a verdadeira instância de ordenação de despesa, pois de sua manifestação exclusivamente técnica dependia o pagamento dos valores decorrentes dos contratos e aditivos. 2.10.3 Aduz que jamais praticou, diretamente, qualquer ato do qual tenha resultado a decisão de antecipar pagamentos, pagar por obras e serviços não realizados, contratar por preços superfaturados.
Os seus atos sempre foram precedidos do aval da CAO. 2.10.4 Defende a tese que, como dirigente responsável pelo IEC, ostentaria a condição de ordenador de despesa originário, enquanto que o agente com delegação de competência para a realização direta das despesas é o ordenador de despesa secundário, no caso a CAO, assumindo essa condição mediante exercício de função delegada de fiscalizar e aprovar as despesas decorrentes dos contratos. 2.10.5 Os fiscais integrantes da CAO respondiam diretamente pela aprovação do quanto e quando pagar em decorrência dos contratos, porque a medição dependia de conhecimentos técnicos específicos, condição que a responsável não detém.
As falhas indicadas referem-se a intercorrências administrativas havidas na área administrativa operacional, em nível de gerência direta do ordenador de despesa com autoridade delegada de fiscalizar, medir e aprovar as obras, serviços e valores decorrentes dos contratos. 2.10.6 Sem o atestado técnico dos fiscais da obra a responsável alega que jamais poderia autorizar, por homologação, qualquer pagamento à Norenge.
Só o fazia porque precedido de laudos e atestados técnicos sobre a execução das obras e serviços. 2.10.7 Invoca o art. 83 da Lei nº 4.320/64 e os arts. 80 e 81 do Decreto Lei nº 200/67 para assinalar o caráter individual, pessoal e subjetivo da responsabilidade do agente público frente à administração, e por isso não pode ser responsabilizada, apenas pelo fato de ser titular do IEC, como se todos e quaisquer atos de todos e quaisquer dos agentes e servidores vinculados tivessem sido praticados sob seu comando, tanto mais pelos atos que não praticou ou por supostos danos para os quais não concorreu em nexo direto de causalidade. 2.10.8 Alega também que houve cerceamento de defesa porque não foi informada sobre a tramitação desta TCE. 2.10.9 Comprova com documentos que firmou todos os Termos Aditivos propostos pela CAO após estudos e laudos técnicos, devidamente ratificados por pareceres jurídicos exarados pela Advocacia Geral da União – AGU, com anuência do Banco Mundial. 2.10.10 Registra que os dois laboratórios estão concluídos e em pleno funcionamento, apesar da grande complexidade de suas instalações.
Não houve obras inacabadas com desperdício de dinheiro público. 2.10.11 Aduz a responsável que, após a emissão do Termo de Recebimento Provisório da obra, tomou conhecimento pela área técnica que alguns serviços estavam inconclusos.
A Norenge foi intimada para concluir imediatamente todo o contrato e foi suspensa no SICAF, penalidade elidida somente após a conclusão total dos contratos, atestada por laudos técnicos, assinados por todos os fiscais envolvidos. 2.10.12 Invoca a inexistência de dolo, má fé e dano injustificado ao erário que lhe possam ser atribuídos, além de que não operou com lesividade.
Agiu no estrito cumprimento de suas atribuições no exercício do cargo para o qual foi designada e por isso as irregularidades apontadas não autorizam imputar-lhe responsabilidade civil ou administrativa, muito menos solidária, consideradas as circunstâncias expostas em sua defesa. 2.10.13 Requer, por fim, a isenção de sua responsabilidade sobre os fatos objeto desta tomada de contas especial.
Juntou os documentos de fls. 34/553 do anexo 12.
A SEXEC/PA, ao analisar essas razões, rechaçou a arguição de cerceamento de defesa, mas, quanto ao mérito, pronunciou-se pelo acolhimento das alegações defensivas, nos termos abaixo reproduzidos (ID Num. 2133754177 - Pág. 44): 2.10.14 Preliminarmente, há que ser rechaçada a alegação da defendente de que teve cerceado o seu direito de se defender da imputação das irregularidades apontadas nesta TCE uma vez que foi regularmente ouvida, inclusive com concessão de prorrogação de prazo para apresentar sua defesa, conforme documentos nas fls. 201 e 211 dos autos.
Atendidas as prescrições do art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal. 2.10.15
Por outro lado, suas alegações merecem acolhida, pois não seria razoável pressupor que devesse verificar, no detalhe, a legitimidade de cada papel que assinasse, em especial quando esses contavam com um parecer técnico prévio de membros de uma Comissão constituída especialmente para acompanhar a execução das obras, sem que houvesse indícios de que tal Comissão não agia no estrito cumprimento de suas obrigações. 2.10.16 A defesa vem acompanhada de documentos comprobatórios de que a assinatura dos Termos Aditivos foi precedida de pareceres técnicos e jurídicos, o que, conforme se depreende dos fatos, respaldava a responsável para firmá-los.
Os pagamentos eram autorizados após a certificação da prestação do serviço pela CAO, legalmente constituída, inclusive, anteriormente à designação da Sra.
Elisabeth para dirigir o Instituto. 2.10.17 À vista do exposto e em face da proteção legal concedida pelo art. 80, § 2º, do Decreto Lei 200/67 aos Ordenadores de Despesas, e haja vista não ter ficado demonstrado conivência da defendente em relação à prática das irregularidades detectadas, a Sra.
Elisabeth Conceição de Oliveira Santos deve ter afastada sua responsabilidade pelos débitos apurados nesta tomada de contas especial, a exemplo do entendimento adotado no Acórdão - TCU n° 1358/2008 - Plenário.
O Ministério Público junto ao TCU discordou desse pronunciamento, da seguinte forma (ID Num. 2133754177 - Pág. 52): 14.
Por sua vez, a Secex/PA propõe que os ordenadores de despesa do Instituto Evandro Chagas, Srs.
Edvaldo Carlos Brito Loureiro e Elisabeth Conceição de Oliveira Santos, sejam isentados de responsabilidade pelos atos apurados neste processo, não somente em função da emissão de prévios pareceres técnicos pela Comissão de Acompanhamento das Obras, respaldando os referidos atos, sem que houvesse indícios de que tal Comissão não estivesse agindo no estrito cumprimento de suas obrigações, como também pela circunstância de não ter sido demonstrada sua conivência em relação às irregularidades detectadas, na forma do disposto no art. 80, § 2º, do Decreto-lei nº 200/67 (‘O ordenador de despesa, salvo conivência, não é responsável por prejuízos causados à Fazenda Nacional decorrentes de atos praticados por agente subordinado que exorbitar das ordens recebidas.’). 15.
Importante mencionar que não é apenas por haver delegação que o gestor deixa de ser responsável pelos atos de sua competência primária.
A ele subsiste a obrigação de zelar permanentemente pela correção das tarefas delegadas, só se eximindo de responder por irregularidades se tiver havido comprovado desvio dos poderes transmitidos, de acordo com o § 2º do artigo 80 do Decreto-lei nº 200/67. 16.
O dispositivo em análise apenas afasta a responsabilidade da autoridade delegante na hipótese de o seu subordinado ‘exorbitar das ordens recebidas’.
Não foi esse o caso concreto.
Quando o gestor, discricionariamente, opta por delegar suas atribuições, assume o ônus de fiscalizar os atos do seu delegado, podendo ser responsabilizado pela chamada ‘culpa in vigilando’. 17.
Além disso, a conivência dos ordenadores de despesa com os atos irregulares verificados nestes autos, determinante para sua responsabilização, está caracterizada, no presente caso concreto, por suas assinaturas nos documentos que autorizaram os pagamentos geradores do débito apurado nesta Tomada de Contas Especial.
O entendimento do Ministério Público junto ao TCU foi, ao final, acolhido no voto condutor do Acórdão nº 334/2015-Plenário, do seguinte modo (ID Num. 2133754177 - Pág. 53): Em exame tomada de contas especial instaurada em decorrência de irregularidades observadas no processo de tomada de contas simplificada do Instituto Evandro Chagas, durante a construção de dois laboratórios, um de Arbovírus e outro de Nível de Biossegurança NB3.
Para execução das obras foi selecionada, mediante as Concorrências nºs 1/2005 e 2/2005, a mesma empresa, Norenge Engenharia Ltda.
A partir desses processos licitatórios foram assinados os Contratos nºs 19/2005 e 4/2006, nos valores originais de R$ 7.099.000,00 e R$ 2.490.000,00, respectivamente. 2.
Os indícios de irregularidades constatados (antecipações de pagamentos, pagamentos por serviços não realizados, superfaturamentos, entre outros) levaram à citação dos responsáveis.
Ao analisar as defesas apresentadas, a Secex/PA propôs o acolhimento de algumas alegações de defesa, o julgamento pela irregularidade das contas de alguns responsáveis, com aplicação de multa, com a insubsistência do débito. 3.
Por seu turno, o Ministério Público junto ao TCU discordou do afastamento do débito e do acolhimento de algumas alegações de defesa.
Esta última posição, com alguns ajustes, me parece a mais condizente com os elementos presentes nos autos, pelos motivos que passo a expor. 4.
Inicialmente, apresentarei brevemente as ocorrências que geraram o débito apurado no processo.
Foram constatados pagamentos por serviços não executados (tapumes, lastro de brita com 10cm de espessura, fornecimento e instalação de tela com dois portões de 1,20X2,00m cada), existência de alguns itens repetidos nas planilhas de custos, antecipação de pagamentos, superfaturamento decorrente de sobrepreço de diversos itens frente ao Sinapi e outros referenciais de preço usualmente adotados, realização de pagamentos extracontratuais ou por equipamentos não entregues. 5.
Com relação à antecipação de pagamentos, a jurisprudência do Tribunal é firme no sentido de somente aceitá-la em situações excepcionais em que fica demonstrada a existência de interesse público, houver previsão no edital de licitação e quando forem exigidas as devidas garantias (Acórdãos nºs 918/2009 e 3.332/2012, entre outros).
Quando não atendidas essas condições, a Corte tem majoritariamente aplicado multa aos gestores envolvidos, e, em alguns casos, dispensado excepcionalmente a aplicação da penalidade, sem, no entanto, atribuir débito à ocorrência, tendo em vista sua inexistência ou a dificuldade em estimar o seu valor, mesmo que de forma aproximada.
No caso concreto essa dificuldade se acentua, tendo em vista a impossibilidade de saber em que data foram executados os serviços cujos pagamentos foram antecipados.
O cálculo proposto pela unidade técnica, aliás, está em desacordo com o disposto no art. 210, § 1º, II, do Regimento Interno, pois o montante calculado certamente excede o valor real devido, visto que foi considerada como data final o dia em que a obra foi entregue.
Nesse sentido, proponho a aplicação de multa aos responsáveis, excluindo do total do débito o montante estimado pela unidade técnica a esse título. 6.
As demais irregularidades que ensejaram a citação dos responsáveis não foram afastadas em suas defesas.
Os ordenadores de despesas Elizabeth Conceição de Oliveira Santos e Edvaldo Carlos Brito Loureiro argumentam que autorizaram os pagamentos com base em pareceres da comissão encarregada de acompanhar a obra.
Isso, no entanto, não exime esses gestores de sua responsabilidade primária de zelar pela correção desses pagamentos, que não teriam sido efetuados sem a sua concordância, materializada por suas assinaturas apostas nos documentos correspondentes.
O administrador tem a obrigação de examinar a correção dos pareceres técnicos, aos quais não se acha vinculado, devendo utilizá-los como elementos auxiliares na tomada de decisão e com a prudência que se espera de um gestor de recursos públicos. […] Como se pode observar, o entendimento manifestado pelo MP/TCU, e acatado pelo Plenário do TCU na prolação do acórdão condenatório, foi o de que a ora embargante devia ser responsabilizada, no caso, com base na chamada “culpa in vigilando”, porque não se teria desincumbido do ônus de fiscalizar os atos de seus agentes delegados (membros da Comissão de Acompanhamento de Obra), mencionando-se, ainda, que os pareceres técnicos nos quais se baseou a embargante, para autorizar os pagamentos tidos como irregulares, não possuem caráter vinculante, cabendo à ordenadora de despesas examinar sua correção.
Entendo, no entanto, que essa fundamentação não indicou de que modo estaria caracterizado o dolo ou a culpa da ora embargante na prática dos atos geradores de prejuízo ao erário (assinatura das autorizações para os pagamentos considerados irregulares pela Corte de Contas), limitando-se a aduzir que sua responsabilidade decorreria da própria assinatura dos pagamentos (o que fez na condição de então dirigente do Instituto Evandro Chagas) e do fato de não serem vinculantes os pareceres técnicos que embasaram a autorização dos pagamentos.
Ocorre que a instrução técnica da SEXEC/PA, acima reproduzida, destacou a inexistência de indícios de desvio na atuação da Comissão de Acompanhamento de Obra (CAO), que pudessem ser percebidos pela ora embargante, bem como a ausência de demonstração de conivência desta com a prática das irregularidades detectadas.
No acórdão condenatório, considerou-se que a conivência da embargante com as práticas irregulares estaria caracterizada pela própria assinatura autorizativa dos pagamentos indevidos, e sua culpa, evidenciada pela inexistência de caráter vinculante dos pareceres técnicos emitidos pela CAO, o que, todavia, dadas as particularidades do caso concreto – ausência de demonstração de que a embargante soubesse ou devesse saber das impropriedades técnicas existentes nos pareceres da CAO, e da consequente ilegalidade dos pagamentos autorizados –, equivale à imputação de responsabilidade de caráter objetivo à embargante, fundada no só fato de ocupar a direção do IEC à época dos fatos apurados, e, como tal, haver assinado as autorizações para os pagamentos reputados irregulares pela Corte de Contas.
Tal responsabilização em caráter objetivo, conforme anteriormente já se consignou, não encontra guarida na disciplina legal da matéria e nem na jurisprudência do próprio TCU.
Reforça essa conclusão o fato de a Corte de Contas haver, no subsequente Acórdão nº 1632/2021-Plenário, dado provimento a recurso de revisão interposto por Edvaldo Carlos Brito Loureiro – também condenado no Acórdão nº 334/2015-Plenário, de que ora se cuida, por haver autorizado pagamentos irregulares como então diretor do IEC, anteriormente à assunção da diretoria do instituto pela ora embargante –, com base nos seguintes fundamentos, extraídos do voto condutor do aresto (ID Num. 2133754010 - Pág. 17): 14.
Quanto aos demais recorrentes, Edvaldo Carlos Brito Loureiro, que era Diretor do Instituto à época dos fatos, e Maria da Conceição Mendes Chagas, que ocupava o cargo de Chefe do Serviço de Administração, sua participação nos eventos aqui avaliados também se circunscreveu ao ateste ou autorização do pagamento de notas fiscais. 15.
Ao analisar suas contribuições para a ocorrência do prejuízo, a unidade técnica, no parecer da lavra do Secretário, reconhece que os documentos que eles assinaram estavam devidamente acompanhados por planilha de medição (peça 7, pp. 107-116) e por parecer técnico de engenheiro responsável (peça 7, pp. 119-120).
Vale a pena salientar, adicionalmente, que a medição também tinha sido validada pela Comissão Especial de Acompanhamento da Obra (CAO). 16.
Mesmo assim, a Serur defendeu a rejeição dos argumentos de defesa, aduzindo que “tendo em vista a natureza do serviço questionado (item 1.3), não se apresenta razoável a conduta omissiva do recorrente em relação aos serviços de colocação de tapumes externos à obra, que eram de grande visibilidade”. 17.
Essa inferência é relativamente frágil.
Primeiro, para que possamos ser capazes de identificar a ausência de um elemento, mesmo um de grande visibilidade, como os tapumes, é necessário, previamente, que tenhamos ciência de que sua instalação estava prevista.
E não cabe aqui dizer que toda obra precisa ter tapumes, porque sua utilização depende das condições do local da edificação.
No caso concreto, isso se revela mais verdadeiro, na medida em que a obra foi toda desenvolvida, até o seu término, sem os referidos fechamentos. 18.
Também não julgo razoável exigir dos recorrentes, que ocupavam os níveis superiores de administração da entidade, mas que não detinham conhecimento técnico de engenharia, fossem capazes de confrontar a obra que estava sendo edificada com o projeto, de forma a poderem identificar a ausência do serviço. 19.
Por fim, merece ser pontuada a inexpressividade dos tapumes em relação ao custo total dos laboratórios, o que reforça sua pouca relevância dentre os diversos pontos que demandavam fiscalização pelos gestores máximos da entidade.
Como levantado pelo auditor da Serur, o serviço representou apenas 0,4% e 0,13% dos valores das respectivas obras. 20.
Assim, acolho as defesas de Edvaldo Carlos Brito Loureiro e Maria da Conceição Mendes Chagas e proponho que suas contas também sejam julgadas regulares com ressalva. (grifo acrescido) Como se vê, considerou a Corte, ao final, que os dirigentes máximos do IEC, que não detinham conhecimento técnico de engenharia e agiram respaldados por pronunciamentos da Comissão de Acompanhamento de Obra (CAO), não possuíam condições de confrontar a obra que estava sendo edificada com o respectivo projeto, inexistindo nos presentes autos justificativa para que tal entendimento não seja estendido à situação da ora embargante, cuja atuação deu-se em contexto semelhante ao do ex-diretor Edvaldo Carlos Brito Loureiro, o qual veio a ser excluído da condenação inicialmente imposta pela Corte de Contas.
Nesse cenário e dadas as peculiaridades do caso concreto, entendo que a manutenção do acórdão condenatório do TCU, no que diz respeito à ora embargante, por divergir da disciplina legal da responsabilidade dos gestores públicos fornecida pelo art. 80, § 2º, do Decreto-Lei nº 200/67 e arts. 22 e 28 da LINDB (Decreto-Lei nº 4.657/1942), da jurisprudência do próprio TCU sobre a natureza dessa responsabilidade (de cunho subjetivo), e, ainda, da solução conferida pela Corte de Contas, dentro do mesmo caso concreto, à situação de outro dirigente do IEC, afronta a razoabilidade e proporcionalidade (aspectos do princípio da legalidade, em seu sentido material), caracterizando a manifesta ilegalidade apta a viabilizar o controle judicial da decisão do TCU.
Cabe a ressalva, no entanto, de que o acolhimento das razões deduzidas nestes embargos não pode conduzir à anulação integral dos acórdãos do TCU que fundamentam a execução de título extrajudicial nº 1035740-05.2022.4.01.3900, já que tais acórdãos abordaram a responsabilidade de pessoas diversas pelas irregularidades detectadas, tendo sido propostas ações executivas, fundadas nesses acórdãos, em face de outros agentes, além da ora embargante.
Importa ainda frisar que o entendimento adotado nesta sentença compreende apenas a condenação da embargante ao pagamento de multa (art. 57 da Lei nº 8.443/1992), não abarcando a condenação de ressarcimento ao erário, já que a cobrança realizada na execução nº 1035740-05.2022.4.01.3900, da qual estes embargos são dependentes, não engloba a cobrança de crédito relativo à obrigação de ressarcir o erário.
Nesse sentido, cabe afastar a higidez dos Acórdãos nº 334/2015-Plenário e nº 1632/2021-Plenário tão somente no que diz respeito à ora embargante e à condenação ao pagamento de multa sancionatória.
A conclusão acima, no sentido da invalidade da condenação imposta à ora embargante, torna prejudicado o exame do pedido subsidiário de redução do valor da multa aplicada pelo TCU. 2.
Dispositivo Ante o exposto, julgo procedentes os embargos, extinguindo o processo com resolução de mérito (art. 487, I, do CPC), para anular a condenação ao pagamento de multa imposta à ora embargante pelo Acórdão TCU n° 334/2015-PL, mantida pelo Acórdão nº 1632/2021-PL, e, como consequência, determinar a extinção da execução de título extrajudicial nº 1035740-05.2022.4.01.3900, proposta em face da embargante, com base nos referidos acórdãos, para a cobrança da multa em questão.
Sem custas (art. 7º da Lei nº 9.289/1996).
Condeno a embargada ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo nos percentuais mínimos previstos nos incisos do § 3º do art. 85 do CPC, a incidirem sobre o valor atualizado da causa.
Traslade-se cópia desta sentença para os autos da execução.
Havendo recurso(s) voluntário(s), intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões, no prazo legal.
Após, com ou sem resposta ao recurso, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Sobrevindo o trânsito em julgado, arquivem-se, com as baixas devidas.
Intimem-se.
Belém (PA), data e assinatura eletrônica no rodapé. -
21/06/2024 16:24
Recebido pelo Distribuidor
-
21/06/2024 16:24
Distribuído por dependência
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
21/06/2024
Ultima Atualização
01/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Sentença Tipo A • Arquivo
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